5. Céu Estrelado

          Luan nos conduziu através da entrada da boate. O seu interior era muito mais espaçoso do que tínhamos imaginado ao observá-lo de fora. O lugar exalava uma energia vibrante, com paredes revestidas de painéis de LED que emitiam cores pulsantes, criando um ambiente eletrizante. O som da música eletrônica ecoava pelo espaço, fazendo com que meus tímpanos zumbissem e me incomodassem.

          No entanto, naquela noite, parecia que as atividades ainda não haviam começado, uma vez que o local estava quase vazio. Apenas alguns funcionários circulavam de um lado para o outro, presumivelmente finalizando os preparativos para a noite. Com uma expressão de superioridade, Luan caminhou para trás do balcão do bar da boate e se colocou à nossa frente.

— Há quanto tempo percebeu que estávamos seguindo você? — Perguntei, observando meu arqui-inimigo retirar sua jaqueta e trocá-la por um avental preto por cima de sua camisa de manga longa.

— Não faz muito tempo — Ele respondeu, enquanto pegava um objeto de metal estranho e o agitava de um lado para o outro após misturar algumas bebidas atrás de si. Eventualmente, Leh me explicou que aquilo se tratava de uma coqueteleira. — Mais cedo, você me disse que não queria me ver nem pintado de ouro, e agora deu de me seguir?

— Não foi ideia minha... — Murmurei contrariado, sem tirar os olhos do que quer que fosse que ele estivesse fazendo.

          Após Luan agitar a coqueteleira, ele despejou o líquido amarelo em uma taça e, com um gesto provocativo, a deslizou em nossa direção. Era como se ele estivesse me desafiando novamente. Antes que eu pudesse trocar olhares com Leh, no entanto, ela se antecipou, agarrou a taça e consumiu todo o seu conteúdo de uma só vez.

— Nada mal. O que é? — Leticia devolveu a taça ao adolescente atrás do bar.

— Suco de maracujá. Não achou mesmo que serviria bebida alcoólica para dois pirralhos, achou? — Aquele indivíduo disse com um sorriso de desdém no rosto, enquanto passava um pano em um copo que havia acabado de lavar.

— Pirralhos? Você fala como se fosse mais velho... — Falei, batendo a mão no balcão mais irritado do que gostaria.

— E sou. Um ano mais velho que vocês — Ele respondeu fazendo pouco caso enquanto levava o copo, agora seco, à estação de copos atrás dele. Em seguida, retornou para nossa frente, nos encarando, com ambas as palmas das mãos apoiadas na madeira do balcão.

— Afinal, o que você faz aqui? — Decidi, por fim, indagá-lo.

— Não é óbvio? Trabalho de bartender nessa boate. Agora eu devolvo a pergunta, o que querem de mim me seguindo?

— Foi apenas uma coincidência. Estávamos perdidos e vimos você passando, então íamos perguntar o caminho correto — Rapidamente desviei o olhar dele, temendo que ele enxergasse por trás de minha mentira. Afina, não sou um bom mentiroso.

— Meu pau — Luan disse incisivo, demonstrando plena convicção de que eu estava mentindo.

          Antes que eu pudesse responder, Leticia tomou a dianteira e falou, com um sorriso provocativo no rosto:

— O que tem essa minhoquinha aí?

— Se enxerga, garota. Isso vindo de alguém que nunca nem sequer viu um.

— Ah, pode ter certeza que já — Leh respondeu, sem deixar o sorriso desvanecer de seu rosto. Eu alternava o olhar entre ambos, sem entender que rumo essa conversa estava tomando.

— Pois aposto que a pegada de nenhum dos otários que você se envolveu se compara à minha — Luan desafiou, sua voz carregada de tensão e provocação.

— Quem muito se gaba, pouco tem — Leh não parecia disposta a desistir desse "duelo". E, por mais que soasse como se estivessem trocando farpas, era evidente a tensão sexual que pairava entre os dois ao meu lado.

— Quer testar a sorte? Só não vale se assustar como seu amiguinho aí quando viu — O sorriso provocante de Luan foi substituído por uma mordida em seu lábio inferior, deixando seus dentes à mostra, de forma igualmente provocativa.

          Tal comentário me fez engolir em seco. O que esse cara estava falando? Eu nem vi nada naquele dia. Aliás, ainda bem que não vi!

— Então podemos tirar a prova — Letícia disse com um tom que denotava confiança e curiosidade ao mesmo tempo.

— Chega vocês dois! — Interpus-me entre os dois em um tom de voz de forte entonação. O que estava acontecendo? Normalmente, eu não me intrometia quando Letícia flertava com qualquer garoto, mas algo naquela troca de provocações entre minha melhor amiga e o idiota da escola estava me incomodando.

          Ambos voltaram seus olhares para mim. Era evidente o quanto Letícia estava surpresa com meu ato repentino. No entanto, quebrando a tensão no ar que acabara de se instalar, um homem de trajes sociais e barba longa se aproximou do balcão, direcionando a fala para Luan:

— Vamos abrir em cinco minutos — informou, saindo tão rapidamente quanto chegou.

          Luan então olhou para Letícia e eu mais uma vez, assim que seu colega de trabalho se afastou:

— Está na hora das crianças irem para cama. Vão embora logo — Ele disse, balançando a mão no ar em direção a porta, enfatizando que precisava focar em seu trabalho como bartender.

          Letícia demonstrou uma certa relutância em deixar a boate, mas à medida que Luan se concentrava em organizar as garrafas atrás dele, ficou claro que ele não estava mais prestando atenção em nós. Ao som da música que o DJ começava a tocar ao fundo do ambiente, puxei Leh pelo braço e saímos pela mesma porta pela qual havíamos entrado.

          No beco, onde até há pouco não havia ninguém, agora havia uma fila longa de pessoas diante da porta, aguardando a abertura do estabelecimento. Era impressionante a quantidade de pessoas dispostas a curtir a noite em plena terça-feira. Além deles, o mesmo segurança que quase nos expulsara há pouco estava postado diante da porta.

— O que deu em você? Eu estava flertando — Leh finalmente disse enquanto caminhávamos pelas ruas do centro em direção às nossas respectivas casas.

— Ele não é um cara bom para você. Digo, você mesma quem me disse que eu não deveria me envolver com alguém como ele — Tentei defender meu ponto. Embora eu não soubesse ao certo se esse foi o único motivo que me fez quebrar o clima entre eles.

— Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

          Não pude evitar rir diante da resposta dela.

— Bom, pelo menos agora sabemos qual era o segredinho dele — Falei, caminhando pela calçada naquela noite estrelada.

— Eu não teria tanta certeza disso — Leh me fitou, fazendo com que eu olhasse intrigado para ela. — Esse garoto parece guardar mais segredos do que há estrelas no céu. Hoje foi apenas a primeira fase de nossa investigação sobre a vida de Luan.

          Desviei o olhar para o céu noturno, enquanto uma série de pensamentos tumultuavam minha mente. Por que Letícia parecia tão interessada na vida de Luan? Aquele flerte que testemunhei há pouco significava que ela tinha um genuíno interesse naquele delinquente, ou era apenas um jogo de provocações sem sentido? Além disso, a simples ideia dos dois juntos me incomodava de uma maneira que eu não conseguia compreender, gerando uma ansiedade crescente. Era um desconforto tão intenso que parecia até ciúmes, embora me sentisse relutante em admitir isso para mim mesmo. Afinal, era razoável sentir ciúmes dos dois? Essa dúvida me atormentava enquanto eu observava as estrelas em busca de respostas.

🍹

          Na manhã seguinte, entrei na sala de aula com a expectativa de que, mais uma vez, Luan não comparecesse. Para minha surpresa, no entanto, ao adentrar a sala, avistei-o no fundão, vestindo uma blusa de lã preta. Ainda assim, tentei ignorá-lo. Decidi me juntar aos meus amigos, iniciando uma conversa descontraída enquanto me sentava no meio da sala, encontrando um equilíbrio perfeito — nem tão perto do irritante Luan e nem tão perto do professor de química como os nerds da sala faziam.

          Falando no diabo, aquele velho entrou na sala já trazendo más notícias:

— Prova surpresa. Vamos ver se ainda se lembram do que ensinei ano passado. Formem duplas, sem consulta — Mal ele terminou de falar, e pude ouvir o som das carteiras retangulares se arrastando de um lado para o outro, à medida que os alunos se organizavam em suas respectivas duplas.

          Não seria um problema encontrar alguém para ser minha dupla, pois, além de ser bom em química, eu tinha um círculo sólido de amigos na sala. No entanto, ao lembrar-me de alguém, fui compelido a olhar para trás. Por mais que eu tivesse me desentendido com Luan, entendia bem a sensação de solidão que ele devia estar experimentando. Na nossa turma, ele não tinha nenhum amigo. Eu mesmo me senti assim no primeiro dia de aula do ano passado, e foi Leh quem se ofereceu para ser minha dupla, dando origem a nossa grande amizade. Com o passar do tempo, fui me enturmando com os demais. Talvez, só talvez, pudesse dessa vez ser a ancora de alguém solitário e oferecer-me para ser sua dupla.

          No entanto, assim que me virei completamente, ainda sentado diante de minha carteira, percebi que Luan não estava mais no fundo da sala. Ele havia vazado após a simples menção de uma prova em dupla? Ao retornar meu olhar à frente, uma surpresa inesperada me aguardava. Uma carteira repentinamente se alinhou ao lado da minha. E, sentado na cadeira em frente, ao meu lado, estava justamente o jovem de olhos esmeraldas.

— Já adianto que sou péssimo em química, então deixo por sua conta — Luan falou em tom baixo, apoiando seu queixo no antebraço, que estava sob a mesa. Apesar do ato, ele não demonstrava estar tão sonolento quanto no dia anterior.

— Para começo de conversa, quem disse que eu vou fazer dupla com você? — Sussurrei de volta. Afinal, ele não precisava saber que eu estava justamente pensando em convidá-lo para se juntar a mim.

          Enquanto o professor distribuía uma prova para cada dupla, não pude evitar notar os olhares de perplexidade vindos dos meus amigos. Do nada, eu estava sentado ao lado de um "estranho", alguém que era considerado antissocial por todos, fazendo a prova com ele, em vez dos meus amigos que eu conhecia há um ano. De qualquer forma, tínhamos um número ímpar em nosso grupo agora que Leh não estava mais na nossa turma, então, pensei que fosse natural que um de nós ficasse de fora e se juntasse a outra pessoa. O que deve tê-los deixado ressabiados talvez seja o fato de que tomei a decisão de ser dupla de Luan sem sequer consultar ou discutir com eles previamente.

          Enquanto o som da minha lapiseira preenchia o silêncio ao nosso redor, respondendo com facilidade à diferença entre ligações iônicas e covalentes, notei que Luan me encarava da mesma maneira que no início da prova. Inclinado sobre seus antebraços, seu olhar lembrava o de um gato pedindo leite no pires.

— Você é realmente bom nisso — ele comentou, mantendo seus olhos em mim.

— Naquele dia, você parecia ser muito bom em matemática. Pensei que você fosse bom em exatas como um todo — respondi, tentando manter um tom neutro, sem desviar o olhar da prova à minha frente, que eu estava respondendo sozinho.

— Sou bom apenas em matemática. Não dá para ser perfeito em tudo.

          De certa forma, essa declaração soou irônica para mim. Esse cara exalava perfeição em todos os sentidos. Ele até se aventurou na profissão de bartender e, pelo que parece, é bom no que faz.

— Sabe, estive pensando. Já perdi um ano de estudos devido a várias expulsões de outras escolas. E, bem, quero terminar o ensino médio o mais rápido possível para conseguir um emprego melhorzinho. Dito isso, considerando que sou péssimo em química...

— Vá direto ao ponto — interrompi, finalmente olhando em sua direção.

— Seja meu comparsa nas provas individuais e me passe cola. Além disso, quero que você faça os meus trabalhos por mim. Em troca, ofereço a honra de ser meu amigo e prometo te proteger de qualquer pessoa que mexer contigo — ele declarou como se estivesse fazendo a oferta mais irresistível do mundo, erguendo finalmente o rosto e olhando diretamente nos meus olhos.

          Não pude evitar uma risada abafada diante de sua proposta. Esse cara era maluco? Quem ele pensava que era para imaginar que sua amizade significaria algo para mim?

— Vá dormir que seu mal é sono. Além disso, não sei de onde você tirou a ideia de que sou um cara indefeso. Sei me defender sozinho, e me dou bem com todo mundo, então ninguém mexe comigo. A única pessoa que eu adoraria ver você socando é você mesmo — retruquei, finalmente direcionando minha atenção de volta para a prova e começando a calcular a concentração da solução de cloreto de sódio dissolvido em água.

          Luan não disse mais nada. Virei-me brevemente, e ele continuou a me observar. Não insistiu nem demonstrou ressentimento pelo que eu disse. Apenas ficou me observando.

          Foi então que me lembrei do que Letícia havia mencionado na noite anterior. Tão vasta quanto o céu estrelado, havia uma quantidade igual de segredos que esse garoto guardava dentro de si. Tão intrigante quanto o fato de que ele encarnava todos os estereótipos dos delinquentes da escola, e ainda assim tinha um olhar tão doce e amável. Quem o visse naquele momento não o acharia nada além de adorável. Se não o conhecessem, pelo menos da mesma forma que eu, sentiriam até mesmo o desejo de acolhê-lo e cuidar dele.

— Você trabalha nos fins de semana também? — Decidi quebrar o gelo, sem tirar os olhos da prova que eu preenchia. Luan pareceu surpreso com meu súbito interesse.

— Todos os dias, sem exceção. Trabalho como freelancer, então não tenho direitos trabalhistas que me forcem a tirar folga.

— Bom, então terá que ser de manhã — falei, olhando em sua direção. Ele ergueu uma sobrancelha, confuso. — Meus pais viajam a trabalho com certa frequência. Então eles não estarão em casa neste fim de semana. Sou filho único, afinal. O que quero dizer é que, se quiser, posso te dar uma ajuda e reforçar a matéria de química, para você tentar recuperar o atraso. Mas não espere que eu faça os deveres por você.

          Um largo sorriso se estendeu em seu rosto. Puts, se eu já havia dito que ele era bonito naturalmente, quando ele sorria, era como se abrisse os portões do Paraíso. Isso não era justo com reles mortais como nós. Ele era o maior inimigo da concorrência. Ou seja, meu maior inimigo.

          Ainda assim, decidi deixar claras minhas reais intenções em ajudar esse anjo caído:

— E não pense que estou fazendo isso porque quero ser seu amigo. Dispenso isso. Estou fazendo isso apenas como uma troca mútua, pois também não estou indo muito bem em matemática e preciso de ajuda.

          Não era totalmente verdade. Sempre fui razoavelmente bom em matemática. No entanto, ele não precisava saber que eu estava o ajudando a bel prazer. Talvez eu estivesse começando a me entregar ao desafio que era decifrar Luan, como sugerido por Leh. Me jogar de cabeça nesse quebra-cabeça que era esse garoto... Quem sabe o idiota sorridente ao meu lado pudesse até mesmo se tornar meu amigo eventualmente?

— Você é legal, Kelmon — Luan disse, dando um leve tapa nas minhas costas, fazendo com que minha mão escorregasse e rasurasse a prova sem querer.

— É Kevin! — Corrigi irritado, tudo isso apenas para receber olhares de reprovação do professor e dos outros alunos por ter falado em voz alta no meio da prova.

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