49 [𝐏𝐚𝐫𝐭𝐞 𝟏]. A Formatura
Para tristeza geral da nação, ao menos a contragosto meu, tive que dividir esse Penúltimo Capítulo em duas partes por motivos de que o capítulo ficou grande demais.
Dava para publicá-lo do jeito que escrevi, tudo em uma única parte, porém para não ficar uma leitura maçante e extensa optei por dividi-lo aqui no Wattpad.
Contudo, ele foi pensado para ser lido como se fosse um único capítulo. Nesse caso não se esqueçam de ler a Parte 2 do Capítulo 49 assim que terminarem de ler essa. 😉
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O palanque no qual eu e meus colegas estávamos nos proporcionava uma vista estupenda da multidão na plateia, visível por de trás da cortina vermelha. Todos nós estávamos devidamente trajados com nossas becas escuras sobre as roupas sociais, aguardando ansiosamente o momento solene em que seríamos chamados ao palco para recebermos nossos diplomas. Estávamos, enfim, na nossa formatura do ensino médio.
Ainda era cedo, então muitos dos formandos permaneciam confraternizando com seus entes queridos e tirando fotos com eles fora do palco. Já os outros alunos do terceiro ano se amontoavam em murmúrios de animação pelo fim dessa jornada. Não foi diferente quando Letícia se aproximou de mim, chamando-me para uma conversa em particular no lado externo das cortinas.
— Pois é, Kevin. Agora é oficial, estamos finalmente livres desse inferninho.
Sorri resplendorosamente para minha melhor amiga.
Sem mais nem menos, a loira envolveu seus braços ao redor do meu tronco, me dando um forte abraço de ladinho.
— Vou sentir saudades.
— Também irei, Lêh — retribuí seu carinho, passando a mão pelos seus cabelos dourados.
Durante muito tempo, a maioria acreditava que eu e Letícia éramos um casal. O tempo passou, e mesmo que não precisássemos provar nada a ninguém, naturalmente as coisas foram sendo esclarecidas. Letícia era minha irmã de consideração.
Ainda abraçado a ela, consegui ver por suas costas, algumas fileiras mais distantes de onde estávamos, seu pai — seu Júlio, e sua mãe sentados lado a lado, amigavelmente, deixando de lado qualquer mágoa do passado. Ao lado deles se encontrava sua madrasta, nos fotografando animadamente. Algo que não dava para ignorar era o tamanho de sua barriga. Afinal, Alejandra já estava grávida de cinco meses do irmãozinho de Lêh: o Miguelzinho! Enquanto eu era o seu irmão de consideração, ela teria um de sangue em poucos meses, e minha melhor amiga estava deslumbrada com isso.
— Já falou com o Luan? — Lêh perguntou assim que nos soltamos. A garota emocionada ao meu lado enxugava os resquícios de lágrimas com um lencinho, cuidando para não borrar sua maquiagem impecável.
— Sobre?
— Como sobre o quê? Sobre você ter passado na faculdade!
— Ah, ainda não — respondi apático. — Estava esperando a formatura passar para falar com ele.
— Pois é melhor que não demore — Letícia me aconselhou antes de se afastar.
Sim, passei na faculdade de Análise e Desenvolvimento de Sistemas ainda na primeira chamada, assim como Letícia passou na sua respectiva faculdade de Veterinária. Por mais que Luan tenha me dado total apoio nos últimos meses para que eu fosse bem no vestibular, ainda estava um pouco encabulado de falar para ele sobre ter passado. Sei que eu deveria estar feliz com o fato de ter passado, e de fato estava, ocorre que não sabia dizer o que o destino nos reservava assim que eu me mudasse.
Falando no Diabo, foi só Letícia se afastar que ele se aproximou.
— Me sinto ridículo com essa roupa — Luan falou ao surgir ao meu lado.
— Deixa de bobagem, você está fofo — respondi entre risos.
De fato, Luan estava tão meigo de beca que não era algo discutível. Ainda assim, conhecendo sua personalidade, era como colocar uma gravata borboleta em um gato de rua arisco. Por mais que ficasse uma graça, as vestes destoavam totalmente de sua personalidade.
Outro destaque seu estava sendo a mudança de seu corte de cabelo. Apesar de continuar ondulado, ele havia cortado consideravelmente há pouco estando na mesma altura do meu. Uma pequena franja se fazia presente à frente de sua testa, lembrando a franja de James. De igual forma, ele aparentemente havia se cansado do seu bigode fino e o tirou de vez, estando agora com o rosto lisinho. Mesmo com sua recente mudança de visual, Luan continuava lindo e gostoso não importava o que fizesse.
Enquanto ele erguia as barras de sua beca insatisfeito, meus olhos se arregalaram consideravelmente quando avistei aquela garota se aproximando de nós, ao pé da escadaria do palco.
— Luan — ela chamou, fazendo com que meu namorado se voltasse para trás e só então se desse conta de sua presença.
Laura Pimentel, a irmã mais velha dele, mantinha a mesma postura de uma dama da realeza, seu cabelo castanho caindo parcialmente sobre as costas; um pouco mais curto do que eu me recordava da última vez, enquanto seu vestido preto esvoaçava sutilmente para trás. Em sua mão direita, carregava, curiosamente, uma guitarra vermelha esplendorosa. Era a Gibson Les Paul que uma vez pertenceu ao Luan!
— Laura?! — Seus olhos verdes, iguais aos da irmã, estavam tão sobressaltados quanto os meus.
A mais velha apenas sorria para ele, mantendo sua postura rígida, contudo sem aparentar perceber que eu estava ali.
— Vim dar uma passada na formatura do meu irmãozinho mais novo.
Se Luan estava sem entender nada, imagine eu. Apesar disso, não posso negar que já havia percebido que Laura podia ter algum resquício de humanidade em seu ser, da vez em que se interpôs entre seus pais para proteger Luan de ser agredido.
— Imaginei que isso fosse ocorrer apenas quando o inferno congelasse — Luan brincou, demonstrando involuntariamente um sorriso que tentava conter de animação por vê-la ali.
— Eu aparecer ou você enfim se formar? Porque não sei qual dos dois seria mais improvável de acontecer. — Laura se encostou no apoio da escadaria para o palco dos formandos, a guitarra mantendo-se firme sobre seus dedos finos. — Para mim seria mais provável você incendiar a escola do que terminar o ensino médio
Eu conto ou vocês contam?
— O dito "inferno" está um verdadeiro pandemônio mesmo. — Ela prosseguiu.
— Por quê? Como estão as coisas por lá?
— O de sempre. Exceto que a Receita Federal bateu na porta de casa, descobriram que papai estava sonegando milhões em impostos, desviou dinheiro de inúmeras empresas e agora estão sendo processados por crime contra a ordem tributária. — Laura falava como se tudo aquilo fosse a coisa mais irrisória do mundo. — Ah, e nossos pais estão se divorciando. Está uma briga de cão e gato por lá.
Eu me sentia um intruso no meio daquela conversa de irmãos. Ainda assim, não ligava. Meu espírito curioso queria se manter alimentado das fofocas que ela tinha para oferecer.
— Nossos não, os "seus" pais — ele a corrigiu prontamente, ainda assim não demonstrando nenhuma animosidade para com sua familiar diante de si. — Aposto que o Liam está surtando a essas horas.
— Surtando? Liam só faltou subir pelas paredes quando vieram confiscar todos os bens materiais da mansão. Viver uma vida mundana é definitivamente algo que nosso irmão mais velho não está acostumado, e nem disposto a aprender a estar.
Ambos riram, de forma dessincronizada, mas ainda assim compartilhando aquele momento fraterno de reencontro. Nem parecia mais que há alguns meses eles se estranhavam tanto quanto Luan e seus demais parentes de sangue.
— E você? Como está sendo viver fora da "casinha da Barbie"?
Laura levou a mão livre ao cabelo longo, balançando-o no ar antes de responder.
— Já estou vivendo na Itália há algum tempo. Estou cursando moda por lá.
Dessa vez, a sincronia se fez presente quando eu e Luan reproduzimos ao mesmo tempo um sonoro "Ooooh".
— Antes que venha me chamar de patricinha novamente, saiba que estou pagando meu curso por conta própria. Tenho um trabalho de meio período em uma cafeteria de lá.
— Veja só, de irmã malvada da Cinderela para a própria Gata Borralheira. Quem diria que a princesinha tocaria o mesmo chão dos plebeus — Luan zombou dela e tentou escapar imediatamente quando Laura direcionou a mão à sua nuca, mas não foi ágil o suficiente para evitar uma guitarrada da outra mão em suas costas.
— Ai, caralho! — Luan exclamou de dor, levando a mão à região atingida. — Você está louca?!
— Isso é para você aprender a respeitar sua irmã mais velha.
Foi só nesse momento que Luan se deu conta do instrumento musical que estava em posse de sua irmã.
— O que isso faz aqui?
— Foi uma das poucas coisas que consegui tirar de lá antes da Receita confiscar tudo. Considere como um presente de formatura — Laura estendeu a caríssima guitarra em direção á um Luan atônito.
Com mãos trêmulas, meu namorado aceitou o presente descrente daquilo. Abri um sorriso imenso com sua reação. Luan amava aquela guitarra incondicionalmente. Quando não nos conhecíamos, ela era sua maior companhia nas noites difíceis. Era reconfortante saber que ele teve a chance de reavê-la.
— Laura... — Luan tentou agradecer, emocionado, mas foi interrompido com um abanar de sua mão no ar.
— Nem venha com esse lance de me agradecer e me abraçar — ela disse, desviando o olhar, se fazendo de difícil.
Era claro que ambos estavam em vias de cair no choro, igualmente felizes por terem restabelecido esse elo que, no início, era apenas algo sanguíneo, mas agora se tornara uma escolha deles continuarem se tratando como irmãos.
— Como conseguiu tirá-la de lá, já que a polícia deve estar rondando toda a mansão? É um objeto imenso, afinal — decidi perguntar, a fim de quebrar a timidez que se instalara no ambiente.
— Digamos que eu talvez tenha recebido informações privilegiadas de que a polícia bateria lá em casa, antes deles terem chegado — Laura deu uma piscadela, enquanto botava a língua para fora sutilmente de forma travessa.
Estava óbvio agora. Ela mesma havia denunciado seus pais! Alguma chavinha havia virado em sua cabeça, e Laura enfim amadureceu e mudou. Sei que Luan se deu conta disso, assim como eu, pois seu sorriso para a garota à nossa frente era tão grande quanto a Gibson Les Paul que ele segurava.
— Bom, melhor eu ir. Meu voo de volta para a Itália é daqui a algumas horas — Laura deu um leve aceno, enquanto colocava uma boina verde-musgo sobre seus cabelos longos.
— Espera! — O garoto de cabelos ondulados ao meu lado gritou. Laura se voltou a nós, curiosa. — Bom, caso queira, há um assento disponível ao lado da Celeste. Quero dizer, não que eu queira você aqui. Claro que não. Só que Celeste pode estar precisando de ajuda com os garotos, já que está sozinha hoje.
Luan era um péssimo mentiroso nessas horas, e Laura sabia bem disso. Ambos sorriram um para o outro, antes da garota, com uma elegância majestosa, se encaminhar para a plateia da formatura, em direção aonde sua antiga empregada se encontrava sentada.
Ele permaneceu em estado de contemplação por um tempo, mantendo seu olhar bobo para a guitarra que havia recuperado.
— Kevin, já volto. Preciso fazer algo.
Luan então se afastou, decidido, caminhando em direção aonde sua irmã e Celeste estavam. Não estou dizendo que fiz isso, mas, hipoteticamente, pode ser que eu tenha dado alguns passos em sua direção, seguindo-o discretamente para ver o que ele faria. Apenas hipoteticamente, é claro...
— Celeste — Luan surgiu diante dela. Os dois filhos da sua antiga empregada olhavam para ele igualmente, levantando suas pequenas cabeças. Aqueles dois pirralhos estavam bem grandinhos e eram uma gracinha, sentados comportados na nossa formatura —, quero que fique com isso.
— Claro, meu bem. Vou cuidar dela até o final da sua formatura — respondeu a adorável Celeste, com um sorriso tão doce quanto seu coração, colocando o corpo da guitarra sobre o colo.
— Não. Você não está entendendo. Estou te dando ela.
Ao mesmo tempo como se pontos de interrogação surgissem no rosto dela, nos de seus filhos mais novos pontos de exclamação eram os que se destacavam.
Cauã, o mais novo, de apenas oito anos, de imediato pegou a guitarra da mãe e começou a dedilhar as cordas, causando um barulho desconcertante e recebendo olhares de repreensão tanto de Guilherme, o mais velho, quanto das demais pessoas no local.
— Ei, garotão. Cuidado aí, isso é bem caro — disse Luan, retirando o instrumento das mãos de Cauã e devolvendo-o a Celeste, mas mantendo a simpatia no rosto. Cauã encheu as bochechas de ar, chateado. — Prometo te ensinar a tocar em meu violão mais tarde.
— De dedinho? — perguntou o garoto, empolgado, estendendo o dedo mindinho.
— De dedinho — confirmou Luan, entrelaçando seu dedo ao do mais novo.
— Luan, não estou entendendo por que está me dando isso. É a sua guitarra — manifestou Celeste, ainda confusa com o presente.
— Ela vale muito dinheiro. No mínimo uns quarenta mil. Estou te dando para você vendê-la e ficar com o dinheiro.
No mesmo instante, Celeste exibiu uma expressão de descontentamento e indignação, como se sentisse ofendida pela oferta. Era a primeira vez que eu a via brava com ele.
— Luan Pimentel, não cuidei de você durante esse tempo todo esperando receber algo em troca. Fiz isso de coração. Muito me chateia que espere que eu vá aceitar isso.
— Claro que sei disso, Celeste. Se eu achasse que fez algo por mim por interesse, não cogitaria dar isso a você. Ocorre que hoje essa guitarra já não tem mais tanto significado para mim quanto teve no passado. O violão que Kevin me deu, por mais simples que seja, carrega um valor bem mais profundo. Estou te dando de presente, não é como se fosse uma recompensa. Se não quiser ficar com ela por você, use para comprar algo para os garotos.
O jovem de olhos esmeralda bagunçou os cabelos de Guilherme, sorrindo para a família que o acolheu. Celeste, entendendo as reais intenções de quem ela adotou como um terceiro filho, sorriu para ele em agradecimento. De igual forma, Laura, ao seu lado, parecia satisfeita com a decisão de seu irmão. Ela parecia orgulhosa do homem que ele se tornara, e eu igualmente tinha orgulho de quem meu coração decidiu amar.
— Não me diga que estava escutando — Luan estreitou os olhos para mim ao retornar.
— Escutando? O quê? Nem sei do que você está falando — virei o rosto, começando a assobiar para disfarçar.
— Caras, a professora Heloisa está chamando para o palco urgentemente — Vinícius surgiu chamando por nós dois. Prontamente seguimos o ruivo.
Quando retornamos aos bastidores da formatura, notamos a agitação do ambiente. Muitos formandos estavam aglomerados, e nossa professora de história parecia à beira de um colapso.
— Kevin, que bom que você apareceu! — exclamou Heloísa, segurando meu braço com um toque leve ao me ver. — Preciso da sua ajuda.
Eu estava intrigado. Heloísa raramente era tão efusiva, especialmente comigo.
— O que aconteceu, professora?
— O Maurício está rouco. Ele era o escolhido para ser o orador da turma, mas não conseguirá. Preciso que você assuma essa função.
Antes que eu pudesse responder, Maurício surgiu inesperadamente de uma roda de alunos, forçando um sorriso e dizendo:
— Estou bem, professora. Posso fazer isso.
Mas sua voz saiu num sussurro rouco, mais apropriado para um filme de terror do que para uma formatura. Era óbvio que ele não tinha a menor condição de ser o orador. Quase ri da situação, lembrando que o destino parecia ter um prazer cruel em frustrar os planos de Mauricio. Primeiro, ele quebrou a perna e perdeu a chance de ser o protagonista na peça de teatro ano passado, e agora estava rouco no dia da formatura.
Refleti por um momento sobre o pedido da professora.
— Kevin, você é nossa última esperança. Ninguém mais quer essa função. Tudo o que você terá que fazer é ler o discurso que já está pronto.
Olhei para trás, buscando ver como Luan reagia ao meu chamado. Ele olhava de volta, disposto a me apoiar nesse desafio com nossa troca de olhares.
Então, tive uma ideia mirabolante. Fingindo um pigarro, comecei a falar com uma voz forçada e rouca:
— Professora, acho que estou ficando igual ao Maurício, sem voz. Talvez... talvez o Luan possa ser o orador.
Luan esbugalhou os olhos, claramente surpreso com a sugestão. Reparei de soslaio que ele se aproximava para retrucar, algo que foi prontamente respondido com um leve coice que dei em seu tornozelo, impedindo-o de falar.
— Luan? — perguntou Heloísa, com um sorriso forçado no rosto. — Aposto que ele não vai querer...
— Pelo contrário, "fessora". Eu adoraria — Percebendo o quanto ela relutava com a possibilidade de o maior encrenqueiro da escola ser o orador, Luan respondeu provocativo, decidido a frustrar as expectativas da professora e aceitar o convite.
Heloísa soltou um suspiro longo e, mantendo o sorriso torto, entregou a ele a pasta com as folhas com o discurso.
— Espero que não faça nenhuma gracinha hoje, senhor Pimentel.
Enquanto a professora se afastava, quase arrependida pela decisão, sorri apreciativo para meu namorado.
Eu poderia muito bem ter aceitado a proposta de ser o orador, mas vi nisso uma chance de dar voz a Luan. Era a oportunidade perfeita dele se expressar diante de todos, romper de vez esse jeito retraído dele, mesmo que fosse apenas lendo palavras escritas por outras pessoas.
— Que patético — uma voz desdenhosa veio de nossas costas. Ao olhar para Christian, minha expressão se fechou automaticamente. — Em vez de dedicar seu tempo livre para tentar entrar numa faculdade, se limita a ser um bode expiatório, lendo um monte de baboseiras na frente de todo mundo. Um fodido querendo falar sobre o que o futuro o reserva, como se tivesse um futuro promissor o aguardando.
O retinto riu maldosamente, enquanto mantinha o braço em volta do pescoço de uma garota. Bem que ouvi rumores de que ele estava com uma nova namorada. A mesma deu um sorrisinho diante das palavras dele. Não sei quais mentiras ele inventou a nosso respeito para que ela acreditasse que ele estava arrasando. Só conseguia sentir pena dela, por não saber a peça que estava ao seu lado.
Christian então tomou distância, esbarrando propositalmente no ombro de Luan bruscamente. Apesar de manter a cara fechada, meu namorado optou por não retrucar nem brigar com o idiota que lhe roubou a vaga como capitão do time de basquete.
Senti meu celular vibrar duas vezes no bolso. Ao pegá-lo e ler a mensagem que Letícia havia acabado de me enviar, olhei para frente surpreso. A loira estava a uma certa distância, observando todo o espetáculo ridículo que Christian fez.
— Luan — chamei sua atenção —, veja o que a Lêh me mandou. É o login daquela conta fake que ela criou no Instagram, Celeiras Tipsa. Ela deixou alguns stories arquivados.
— E daí? — Luan perguntou, sem entender a relevância daquilo.
— Tem informações sobre o Christian aqui. Da vez em que ele a ameaçou expor seus nudes. — Olhei para ele, incrédulo por não ter percebido onde eu queria chegar. — Você é o orador, Luan. Se quiser se vingar e desmascarar Christian, que se faz de bom moço, essa é a sua chance. Se você expuser isso durante o discurso, ele pode até perder a bolsa de estudos que conseguiu na faculdade. É a sua oportunidade de fazer justiça.
Luan pegou o celular com um olhar pensativo, ponderando a proposta. Se o mundo não era justo com quem fazia o mal, nós mesmo poderíamos reestabelecer essa justiça com nossas próprias mãos.
Antes que Luan pudesse falar qualquer coisa, foi a vez de Douglas se interpor entre nós dois. Nosso amigo de porte atlético vagou o olhar de um para o outro.
— Oi, Doug.
— Tem um cara querendo falar com vocês lá atrás — disse ele, apontando para uma porta ao final do corredor.
— Que cara? — Luan questionou desconfiado.
— Sei lá. Nunca nem vi — ele deu de ombros, indiferente. — Só sei que pediu para chamá-los.
— E por que o dito cujo não vem aqui ele mesmo? — perguntei, de braços cruzados.
— E eu lá vou saber, Kevin? Perguntem vocês mesmos a ele. Eu, hein.
— Grosso — respondi à sua patada, mas Douglas já havia saído sem ter tido tempo para ouvir minha réplica.
Luan e eu nos entreolhamos, inquietos e sem termos a menor noção de quem se tratava. Ainda assim concordamos, implicitamente, seguir em direção aos fundos do anfiteatro. Antes de partirmos, deixamos nossas becas penduradas em um cabide.
Se minha memória estava correta, aquela porta levava à escadaria de emergência, que por sua vez dava acesso ao estacionamento.
E era exatamente isso. Ao passarmos pela porta, chegamos à escadaria onde se encontrava um jovem que estava de costas, distraído. Quando ouviu o som da porta de ferro rangendo, ele se virou para nós, revelando finalmente sua identidade.
As luzes verdes fosforescentes das placas acopladas na parede incidiam sobre Arthur. Ele estava diferente desde a última vez que o vimos. Seu cabelo undercut característico havia sido cortado quase completamente, ficando em uma altura mínima. Sua expressão retraída era evidente, enquanto o cara que atirou em Luan no México mal conseguia nos encarar diretamente.
Abri a boca em completo choque, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Arthur mostrou que não estava ali para rodeios:
— Kevin, Luan — ele mencionou nossos nomes, enfim nos olhando nos olhos —, sinto muito aparecer assim do nada, ainda mais na formatura de vocês.
Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Por que ele estava ali? Por que nos chamou em um local isolado? Embora eu tenha dito a Luan que confiava nele e tivesse o feito perdoar Arthur pelo que aconteceu, quem me garantia que o cara à nossa frente estava realmente arrependido? O que o impediria de estar lá para terminar o serviço que não foi concluído no México?
Olhei para o lado. Luan mantinha uma postura firme diante de Arthur. Seu corpo ereto e sua expressão ferrenha mostravam que ele não apenas não temia Arthur, como também estava pronto para reagir caso algo acontecesse naquele espaço. Foi sutil, mas ainda assim consegui notar quando Luan deu um pequeno passo à frente, saindo da minha retaguarda e posicionando-se entre mim e Arthur.
— Não quero me alongar muito, vim apenas pedir desculpas. Especialmente para você, Luan — Arthur curvou-se parcialmente, como em um cumprimento oriental. — Não há justificativas para os meus atos. Eu só sinto muito por ter atirado em você e por ter dado em cima do Kevin.
Arthur manteve-se curvado por um bom tempo, como se estivesse disposto a ficar naquela posição pelo tempo que fosse necessário. Foi tempo suficiente para Luan me olhar de lado, como se perguntasse o que aquilo significava. Meu olhar de total confusão foi a resposta silenciosa de que eu não tinha a menor ideia. Não tive qualquer contato com Arthur desde o incidente nos terrenos daquela paróquia.
— Arthur — falei obstinado. Contrariando a vontade de Luan de me proteger, caminhei a fim de ficar novamente a frente de meu namorado —, você não deveria estar preso?
Nesse momento, Arthur voltou a ficar de pé diante de nós.
— Deveria — exprimiu, como se estivesse sendo confrontado. Meu coração acelerou de anseio, acreditando que Arthur fosse um foragido. — Meu pai mexeu uns pauzinhos; por ser policial e ter amigos no México, conseguiu encobrir que fui eu o causador do ocorrido com Luan. Aquela história da mídia de ter sido alvo de bala perdida foi coisa de seus contatos, tudo para que eu saísse impune do meu crime.
Fiquei atônito ao descobrir que Arthur nunca foi considerado um suspeito do crime. O garoto que quase matou Luan não teve um mandado de prisão emitido sequer. Tudo por conta da corrupção policial. Sei que não queria que ele fosse preso de fato, mas a frustração de saber que tudo o que ele fez não deu em nada, e o fato de eu ter pedido para Luan retirar a queixa contra ele anteriormente, me fizeram me sentir um tolo.
Luan seguia encarando seu inimigo com uma seriedade que jamais imaginei ver nele, sem emitir uma palavra sequer.
— Isso foi coisa do meu pai. No fim, achei que nossa relação era tão ruim ao ponto do que fiz naquele dia fazer meu pai me odiar de vez, me renegar. Mas, foi justo nesse momento, quando mais me senti perdido e pensei até em tirar minha vida em arrependimento pelo que cometi, que meu pai se tornou meu anjo da guarda. Fez de tudo para me salvar de ir para prisão, colocando em risco sua própria liberdade e passando por cima de seus princípios. A ironia é que foi somente depois desse episódio que nos aproximamos, e aprendemos a escutar mais um ao outro.
"Sei que tudo isso não interessa a vocês. Só queria deixar claro que, mesmo meu pai tendo encoberto tudo, minha consciência não me deixou dormir tranquilo um dia sequer.
"Algum tempo depois, fui me entregar à polícia. Minha surpresa foi quando descobri que o policial a quem eu estava depondo meu crime era amigo do meu pai e iria desconsiderar meu testemunho. A verdadeira surpresa foi quando ele me mostrou que você, Luan, havia solicitado a retirada da queixa. Mesmo sem uma denúncia formal, você pediu para desconsiderarem o ocorrido. Naquele momento, perdi o meu chão de vez."
Arthur, que já estava com a voz embargada durante seu relato, começou a chorar incontrolavelmente. Ele próprio não conseguia se perdoar pelo seu crime. Não é para menos, afinal, sua ação poderia ter tirado a vida de outra pessoa. Mas eu via um arrependimento genuíno nele.
Olhei para Luan, buscando sua aprovação. Meu namorado gesticulou sua resposta com os lábios, mas sem falar em voz alta. Aproximei-me então de Arthur, colocando a mão sobre seu ombro direito.
— Está tudo bem, Arthur. Nós te perdoamos.
— Kevin... Eu... Eu... Realmente... Me desculpa — Arthur seguia choramingando, agora soluçando enquanto falava. Não apenas lágrimas caíam de seus olhos, mas também seu nariz escorria conforme ele fungava. — Tive em você o melhor amigo que alguém poderia ter tido... E ainda assim fiquei buscando algo mais, o que me fez foder tudo... E prejudiquei tanto o Luan com isso... — Ele olhou por cima do meu ombro, onde Luan mantinha uma distância considerável, com ambas as mãos nos bolsos de sua calça social.
Não posso vir aqui e mentir dizendo que havia zerado tudo só porque Arthur se desculpou e se arrependeu. Independentemente de qualquer coisa, de estar bêbado na época, de estar passando por poucas e boas, e qualquer outra coisa, ele quase matou o cara que eu mais amava no mundo! Porém, algo em meu coração clamava para que eu seguisse em frente em relação a isso. Remoer o sentimento de retaliação por ele não traria bem algum para nenhuma das partes.
Ouvi passos vindo de trás. Luan se aproximava de nós. Se para mim foi extremamente difícil perdoar Arthur, conhecendo meu namorado, para ele seria infinitamente pior. Ainda assim, ao chegar bem próximo a nós, Luan retirou sua mão direita do bolso, estendendo-a para frente em direção ao homem de jaqueta preta.
— Está desculpado — Luan falou, exibindo um sorriso tão enigmático que mal dava para dizer se era mesmo um sorriso, como o da Mona Lisa.
Arthur desvinculou seu ombro de minha mão e deu dois passos à frente, estendendo ambas as mãos para a de Luan, apertando-a com firmeza.
— Muito obrigado, Luan! Por tudo! Agora eu sei por que Kevin se apaixonou por você. Você é muito melhor do imaginei. Muito melhor do que alguém como eu.
— Não se coloque para baixo. E também não deixe que seus problemas colidam com o mundo ao seu redor. Estar frustrado com a vida não lhe dá o direito de descontar nos outros — Luan o repreendeu, mas logo abriu um sorriso verdadeiro e bondoso, como uma cerejeira desabrochando —, mas também não lhe dá o direito de descontar em si mesmo. Você vai encontrar a pessoa certa para você, então chega de auto-piedade. Bora seguir em frente.
Não sei que nave espacial abduziu o verdadeiro Luan e o substituiu por essa cópia quase idêntica, mas muito mais maleável e sensato. Ainda assim, eu estava perdidamente encantado com a mudança de comportamento do amor da minha vida.
— Eu... Preciso ir. — Arthur falou quando enfim suas mãos se soltaram, esfregando o antebraço no nariz para limpá-lo. — Peço desculpas novamente.
— Não vai ficar para a formatura? — questionei, esperando que tudo já tivesse sido resolvido.
— As coisas estão acertadas entre nós, Arthur. Não há mais razões para se isolar — foi a vez de Luan insistir que ele ficasse.
— Agradeço. Mas acho melhor não, ao menos não hoje. Ainda estou tentando assimilar tudo o que fiz. Preciso de um tempo — mesmo com o rosto molhado, Arthur deu um largo sorriso. — Desejo uma ótima formatura a vocês.
Passou por nós, caminhando em direção à escadaria. No entanto, ao se lembrar de algo, ele se virou.
— Já ia me esquecendo — Arthur puxou o zíper de sua jaqueta para baixo a tirando e ergueu sua camisa até metade de seu abdômen. Sua calça foi abaixada sutilmente, revelando o elástico de sua cueca roxa. — Não carrego mais armas comigo. Não preciso mais disso.
Eu estava totalmente perdido com o ato dele de se despir até que ele se justificou, me aliviando. Após dizer isso e sorrir novamente para nós, ele recolocou a jaqueta, subiu a calça e desceu as escadas, desaparecendo de nossas vistas.
— Que baixaria — Luan resmungou, colocando as mãos de volta nos bolsos.
— Deixa de ser tonto, Luan. Sabe que o único que me excita quando tira a roupa é você — falei animadamente, levando meu antebraço ao seu ombro.
— Vai me dizer que não achou ele gostoso então?
— Você quem está falando isso, não eu — retruquei.
— Mas ele é mesmo, ué — Luan balançou os ombros, como se tivesse feito um comentário qualquer.
— Luan! — ele riu da minha reação de repreensão à sua provocação.
↓ Cᴏɴᴛɪɴᴜᴀ ɴᴏ Cᴀᴘɪ́ᴛᴜʟᴏ 49 — Pᴀʀᴛᴇ 2 ↓
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