48. Fumaça na Água

          Os segundos do relógio acima da lousa passavam com um sonoro "tic-tac", causando em mim uma sensação de urgência. Faltavam poucos minutos para Luan colocar nosso plano em ação.

          Há dois meses, Rafael e Felipe nos incumbiram da missão de impedir que o pai do Rafa, o diretor Aroldo, fosse descoberto em sua maracutaia de extrair minerais do subsolo da escola sem o conhecimento do governo. Não sei o que deu em nós, mas simplesmente nos deixamos acreditar em toda a história que o Tico e Teco nos contaram. Agora que Luan já havia voltado a andar, finalmente tendo abandonado a cadeira de rodas, estávamos prontos para agir.

          Uma pequena onda de arrependimento começou a bater em mim. O que estávamos prestes a fazer era loucura, e quem poderia acabar presos éramos nós, afinal, como Lucca gostava de lembrar, éramos maiores de idade e já poderíamos responder por nossos atos! A sorte é que ao menos tínhamos um grupo de amigos sempre dispostos a nos ajudar.

          Eu, que sempre evitei sentar na janela, abri uma exceção naquele dia. Pelo fato de o prédio de nossa escola ser transparente e o prédio ao lado ser espelhado, meus olhos conseguiram capturar Luan pelo reflexo, subindo a escadaria lentamente, com um cigarro pendurado nos lábios, como se fosse um acessório natural de sua personalidade rebelde. Ele tinha aquele jeito despreocupado, quase como se estivesse flutuando, alheio ao caos que trazia consigo.

          Luan prometeu que aquela seria a última vez que fumaria. Lembrei-me das palavras dele com uma pitada de ceticismo. A ironia não me escapou quando me recordei também da noite anterior. Sentados na varanda da casa dele, Luan dedilhava seu violão com uma destreza casual, tocando "Smoke on the Water" da banda britânica Deep Purple. A música, que agora parecia uma trilha sonora profética, voltava em minha mente como chiclete enquanto eu observava os próximos acontecimentos se desdobrarem.

          Ele parou no corredor de um andar isolado, sem pressa, inalou uma longa tragada antes de deixar o cigarro cair no chão, ainda aceso. Luan então deu um leve chute, enviando o cigarro para um amontoado de folhas secas que deixamos anteriormente perto da lixeira de metal. Por um breve momento, nada aconteceu. Então, um fio de fumaça começou a subir, hesitante no início, mas rapidamente ganhando força e se transformando em uma coluna espessa e ameaçadora.

          Luan assistia a tudo com um olhar de curiosidade mórbida, como se estivesse admirando uma obra de arte em chamas que ele mesmo criara. Eu, por outro lado, sentia uma sensação de náusea, cada vez mais se intensificando à medida que as chamas começavam a lamber a lateral do prédio.

          Foi nesse momento que Lucca, fiel ao nosso plano, entrou em ação. Estava posicionado do lado de fora de nossa sala, em um ponto estratégico, observando tudo do prédio espelhado. Com a precisão de um maestro regendo uma orquestra, ele disparou o alarme de incêndio. O som irritante cortou o ar, e por um segundo, tudo pareceu se mover em câmera lenta. Em meio à prova de história, os estudantes começaram a se levantar de suas respectivas cadeiras. Nossa professora não parecia acreditar que um incêndio se instaurava logo no dia das provas bimestrais, ainda assim, seguindo os protocolos, todos se moveram em direção às saídas de emergência.

          Enquanto parte da escola começava a pegar fogo, eu não podia deixar de refletir sobre como chegamos a esse ponto. O plano de criar um incêndio na escola, no dia das provas, foi uma junção das mentes engenhosas de Felipe e Luan. Luan, que já havia causado um "mini-incêndio" em sua casa uma vez, na tentativa de acordar seus pais quando fomos lá de madrugada, tinha a experiência prática. Já Felipe, por outro lado, foi o estrategista que afirmou que precisávamos atrair a polícia até a escola. Sua ideia era que, uma vez lá, os oficiais da lei descobririam os minerais valiosos escondidos abaixo da estrutura escolar. Nesse tipo de estardalhaço, Felipe se saia uma pessoa inteligente — só nessas horas mesmo.

          Se tivéssemos sorte, o pai de Rafael poderia alegar inocência, fingindo desconhecer a existência dos tais minerais. Dessa forma, seu plano de enriquecer seria frustrado e, em contrapartida, ele não seria preso.

          A necessidade de Luan estar envolvido no plano, conforme sugerido por Rafael, era óbvia. Ele era o único que o filho do diretor conhecia na escola que tinha aquele espírito rebelde e uma força insurgente para colocar um plano dessa magnitude em prática. Luan tinha a coragem que o resto de nós admirava, mas que poucos possuíam. Quanto a mim, eu estava lá como um plano B, uma distração caso o diretor tentasse intervir, já que ele me odiava. Embora saiba que, na verdade, apenas fui usado como bode expiatório pra servir de justificativa para o meu namorado ajudá-los.

          Estávamos cientes de que um pequeno incêndio não seria suficiente para chamar os bombeiros, e por ventura a policia. Poderia ser facilmente apagado por algum funcionário atento. Por isso, nossos amigos estavam espalhados por outros cantos da escola, preparados para iniciar incêndios em outros locais vazios.

          Observei enquanto Luan se afastava das chamas iniciais, o olhar sereno como se estivesse passeando no parque em um dia de verão. Os gritos começaram a ecoar pelos corredores, e a fumaça se espalhava, tornando o ar cada vez mais irrespirável. Lucca, depois de disparar o alarme, nessa altura do campeonato já deveria estar correndo para a saída junto aos demais.

— Kevin, vamos — Douglas chamou minha atenção repentinamente.

          Percebi que era o único ainda sentado, todos já haviam saído. Balancei a cabeça e segui meu amigo para a saída. O corredor estava abarrotado de pessoas caminhando para a escadaria em direção à saída de emergência. Alguns professores tentavam coordenar todos de maneira organizada, evitando desespero, por mais que a fumaça já estivesse impregnada no corredor.

— Letícia, como está aí? — Douglas questionou ao pegar seu walkie-talkie. Sabíamos muito bem que podíamos manter a comunicação através de celulares, mas tanto Luan quanto James tiveram essa ideia de jerico de usarmos walkie-talkies. Segundo eles, pareceríamos verdadeiros espiões com isso.

— Está tudo certo por aqui. Fiz um cesto de bolas pegar fogo na quadra conforme combinado — Letícia respondeu do outro lado da linha. — Estou indo para fora da escola. Câmbio.

— O que diabos é um "câmbio"? — Douglas se voltou para mim assim que guardou seu walkie-talkie de volta na mochila. Fingi demência, não fazendo questão de responder isso.

          Enquanto Letícia e Luan estavam responsáveis por causar pequenos incêndios na escola; todos em locais que não fariam ninguém se machucar no processo, Lucca era responsável por acionar os alarmes de incêndio, enquanto Vinicius, por sua vez, foi o responsável por ligar para os bombeiros, antes mesmo do fogo iniciar. Queríamos nos precaver de que o incêndio não tomasse proporções incontroláveis e fugisse de nosso alcance.

          Ter marcado esse evento justo no dia que a escola inteira estaria em prova era um meio de assegurar que não seríamos descobertos, aproveitando-se do fato que os corredores, na ocasião, estariam vazios. Contudo, sabíamos que ainda teríamos outros empecilhos: as câmeras de segurança da escola. Essa era a parte incumbida a Rafael e Felipe. O filho do diretor tinha acesso à sala de segurança, então ambos foram responsáveis por desligarem as câmeras. Isso é, se fossem mesmo confiáveis e isso tudo não fosse uma armadilha. Não tínhamos como ter certeza, era um tiro no escuro.

— Olhem! A fonte está pegando fogo! — No meio do caos, um garoto, com os olhos arregalados de espanto, subiu em uma das mesas no corredor e começou a gritar apontando para a janela.

          A nova fonte da escola, uma obra recém-construída e motivo de orgulho do diretor, estava envolta em uma cena surreal. Fumaça saía da água, algo que parecia impossível, como se o próprio líquido estivesse em combustão. As chamas dançavam sobre a superfície, criando uma visão bizarra de fogo e água coexistindo de maneira antinatural.

          A fonte, com seus supostos jatos de água agora misturados com as chamas, parecia algo saído de um pesadelo.

          Eu sabia quem estava por trás daquilo. A Dama das Sombras quem estava encarregada de criar essa confusão na fonte, afinal Thalia tinha um talento especial para passar despercebida. Abaixo da fonte estava localizado o verdadeiro alvo do nosso plano — as minas com os minerais valiosos. Precisávamos garantir que aquele lugar chamasse a atenção das autoridades para investigarem.

          Na noite anterior, após o horário escolar e a saída dos engenheiros das obras, quando a movimentação era mínima e as luzes estavam apagadas, Thalia agiu. Ela esperou pacientemente até que tudo estivesse quieto e conseguiu acessar a área da fonte sem ser detectada.

          Primeiro, Thalia desativou a bomba de água da fonte, garantindo que não houvesse fluxo de água. Com a bomba desligada, ela começou a drenar a água do reservatório principal da fonte, utilizando uma pequena bomba portátil que levava consigo. Feito isso, ela passou para a etapa mais arriscada: a troca pelo combustível.

          Dias antes, Thalia havia escondido galões de gasolina cuidadosamente nos arredores da escola. Ela começou a encher o reservatório da fonte com a gasolina, tomando cuidado para não ser vista. Sabendo que a gasolina pura poderia não criar o efeito visual desejado, Thalia adicionou um aditivo especial que reagia violentamente ao contato com a água, criando a ilusão de que a própria água estava pegando fogo.

          O aditivo também ajudaria a prolongar a combustão, garantindo que as chamas fossem visíveis por tempo suficiente para chamar a atenção dos bombeiros e da polícia. Assim, Thalia conseguiu garantir que o foco das autoridades se voltasse para a fonte, enquanto nosso verdadeiro objetivo permanecia oculto.

          Tudo parecia estar "em ordem." Ainda assim, uma sensação de inquietação perpassou meus pensamentos. Peguei meu walkie-talkie enquanto caminhávamos pelos corredores lotados.

— Luan, está me ouvindo? Está tudo bem? — Questionei. Nenhuma resposta foi obtida.

          Eu e Douglas nos entreolhamos preocupados. Foi só então que o rádio em minhas mãos emitiu um som em resposta.

— Kevin — era Luan, o que fez um sorriso se abrir em meu rosto. Contudo, não tardou para ele se desmanchar —, fodeu. E fodeu bonito. Vim esconder a garrafa de gasolina na sala do zelador, e do nada a porta fechou e não consigo mais abrir. Aqui está cheio de fumaça, preciso de ajuda — ele começou a tossir intensamente.

          Sem olhar para trás, corri em desespero para o lado oposto do fluxo de pessoas que saíam da escola. Eu, que não tive até então papel algum nesse plano, senti uma culpa latente em meus ombros. Fui eu quem incentivei Luan a aceitar ajudarmos Rafael e Felipe. Se algo ocorresse com ele jamais me perdoaria...

— Kevin! — Senti alguém agarrar rigidamente meu ombro, me impedindo de prosseguir. Tentei me desvincular de sua mão, mas a pessoa atrás de mim tinha uma força intensa.

          Me voltei para trás e levei um susto. Meus pais estavam bem ali, olhando preocupados em minha direção.

— O q-que fazem aqui? — gaguejei, desnorteado.

— Estávamos passando perto da sua escola quando vimos que estava pegando fogo. Ficamos preocupados — Mamãe comentou, igualmente confusa por eu estar indo para o lado oposto da saída. — Vamos sair daqui.

— Mãe, o Luan...!

— Os bombeiros estão a caminho, Kevin — Meu pai não deixou eu prosseguir minha fala, mantendo-se firme agarrado em meu ombro. — Não venha querer bancar o herói agora.

          Assim como a gasolina na fonte, senti algo afunilar uma ferocidade crescente em mim. Recordei-me do que Rafael disse, que meu pai praticou bullying contra o diretor quando mais novos. Tendo tudo isso em vista, não podia deixar as coisas acabarem assim.

          Em um impulso firme, me desvinculei da mão de meu pai e corri me misturando na multidão.

— Kevin!!

          Mesmo com pressa, olhei para trás para ver se meus pais estavam bem ou vindo atrás de mim, reparando que tanto Douglas quanto Vinícius entraram em seus caminhos, servindo de proteção para que meus pais não viessem em meu encalço. Sorri em agradecimento, embora não tivesse certeza se meus amigos viram.

          Cheguei em frente à porta da sala do zelador, que estava trancada. Não havia uma viva alma na proximidade. Decidi então bater na porta com força.

— Luan! — gritei, tentando ouvir sua resposta através do barulho ensurdecedor do alarme de incêndio.

— Amor? Estou aqui! — A voz dele estava abafada pela porta.

— Vou arrombar a porta, se afaste! — falei, tentando manter a calma.

          Joguei meu corpo contra a porta com toda a força que consegui reunir, mas ela não cedeu. As dobradiças eram sólidas, e a tranca parecia resistente.

          Olhei ao redor. Avistei um extintor de incêndio jogado no chão próximo ao meu pé. Conheci Luan por conta de um, e definitivamente não poderia deixar que acabasse da mesma forma. Peguei o extintor com ambas as mãos, que estava mais leve do que eu esperava – provavelmente alguém já o tinha usado para tentar conter o incêndio. Ainda assim, ele tinha um peso considerável.

          Com toda a força, usei o extintor contra a porta, mas foi em vão. A porta nem sequer estremeceu, permanecendo intacta diante dos meus esforços.

          Comecei a tossir violentamente, a fumaça entrando em meus pulmões.

— Kevin, vai embora! — A voz de Luan estava banhada em desespero. — Sei que você tem asma, não pode ficar aqui!

— Não vou te deixar! — respondi, entre tosses. — Tem que haver outro jeito!

          Alguns segundos de silêncio nos preencheram. Luan aparentemente estava pensando em algo.

— Tem uma saída pelos dutos acima da sala. Mas eu não consigo alcançar! — Luan explicou.

— Vou encontrar um jeito de subir! Fica aí, vou te tirar daí! — prometi.

— Não é como se eu pudesse sair daqui de toda forma...

          Corri novamente pelos corredores, tentando encontrar um acesso aos dutos. Em meio a algumas tentativas frustradas ao adentrar salas onde era impossível alcançar seus respectivos dutos, finalmente encontrei uma sala com uma estante alta que poderia me dar acesso a eles. Subi na estante com cuidado, usando cada pedaço de energia que ainda tinha. Alcancei a grade do duto e, com esforço, consegui abri-la.

          O duto era apertado e estava cheio de fumaça, tornando a respiração ainda mais difícil e a visibilidade prejudicada. Ainda assim, segui me arrastando, sentindo o calor crescente das chamas do prédio afetarem a estrutura do metal que estava muito quente ao toque, causando uma sensação de queimação.

          Mais à frente, avistei alguns ratos correndo pelos cantos. O pânico tomou conta de mim por um instante, morria de medo deles afinal. Meu coração disparou, e meu instinto me mandava voltar. Mas eu não podia desistir. Não pelo Luan. Respirei fundo, tentando ignorar os roedores, e continuei me arrastando.

          Finalmente, identifiquei que estava acima da sala do zelador ao olhar por suas frestas. Com esforço, removi a grade do duto e olhei para baixo, vendo Luan esperando ansiosamente.

— Kevin, você conseguiu! — A esperança na voz dele me deu forças renovadas.

— Vou te puxar! — respondi, estendendo a mão, enquanto mantinha meu corpo inclinado para baixo.

          Enquanto eu tentava puxar Luan para o duto, percebi que pela altura eu não iria alcançá-lo. A frustração se manifestava conforme minha mão tremia e meu suor pingava lá embaixo.

          De repente, senti alguém agarrar minha perna, me lançando para mais baixo ainda. Olhei para trás assustado e vi James, seu rosto igualmente suado e determinado.

— Como você chegou aqui? — perguntei, confuso.

          James não respondeu imediatamente. Foi então que vi Luan levantar o walkie-talkie que estava preso ao seu cinto. Ele fez um sinal rápido, e tudo ficou claro. Ele havia comunicado James anteriormente também.

          Com a outra mão, ele segurou firme no duto e começou a me puxar para baixo, agora eu estava suspenso no ar sem nem tocar a superfície, ajudando-me a ganhar altitude para alcançar Luan.

          Com seu auxílio, consegui alcançar Luan segurando firme na mão dele, mas o peso combinado era quase demais para ele nos trazer de volta sozinho. Sentia meus braços cedendo, e o medo de não conseguir resgatá-lo me consumia.

— Vamos lá, pessoal! — Reconheci de imediato a voz de Letícia, suas palavras me dando um novo vigor.

          Olhei para cima, reparando que ela havia recém chegado ao duto, movendo-se rapidamente até onde James estava. Ela se posicionou ao lado dele, e juntos, eles nos puxaram com toda a força.

          A combinação de forças fez a diferença. Sentia meu corpo sendo puxado para trás enquanto Luan subia lentamente pelo duto comigo.

          Com um último esforço conjunto, conseguimos puxar Luan para dentro do duto. Quase caímos de volta, mas Letícia e James mantiveram o equilíbrio, garantindo que ninguém se machucasse.

— Precisamos sair daqui rápido! — James apontou para a direção de onde tínhamos vindo.

          Rastejamos de volta pelos dutos, até cairmos no chão da sala, exaustos, mas aliviados.

          Devido ao tempo que ficou preso naquela sala, Luan respirou muita fumaça que adentrou por lá pelo vão da porta. Eu e James o apoiamos sobre nossos ombros, ajudando-o a caminhar enquanto ele seguia tossindo. No fim, causar esse incêndio foi um tiro que saiu pela culatra.

          Enquanto passávamos pelos corredores cheios de fumaça, pude ver, com dificuldade, Felipe e Rafael indo apressados para o lado onde ficava a sala do diretor.

— James, Lêh, cuidem do Luan! — desvinculei do ombro de meu namorado, deixando Letícia assumir meu lugar.

— Kevin, não vá! — Luan tentou me impedir, mas logo em seguida começou a tossir severamente, mais até do que eu quando tinha uma crise de asma.

— Vou ficar bem, Luan — me agachei na altura de seu olhar, lhe passando conforto. Em seguida, corri em direção à dupla de idiotas, enquanto Letícia e James levavam Luan são e salvo para fora da escola.

          Rafael e Felipe caminhavam apressados pelos corredores a minha frente.

— Onde vocês estão indo? — perguntei, enfim alcançando-os.

— Vamos até a sala do diretor — respondeu Felipe, a voz tensa. — Encontramos a secretária dele, e ela disse que ele mandou todos saírem sem ele. O pai do Rafael se recusou a sair de seu escritório!

          Quando chegamos à porta da sala do diretor, Rafael parou e bateu com força.

— Pai, sou eu. Abre a porta! A escola está pegando fogo, o senhor tem que sair! — gritou Rafael.

          Uma voz abafada veio de dentro da sala.

— Rafael, o que faz aqui?! Vai embora!

          O desespero nos olhos de Rafael era evidente. Ele bateu na porta com mais força, sua voz tremendo.

— Pai, por favor!

— Se a polícia descobrir... Isso será minha ruína... Não vou sair daqui! Saia logo sem mim!

— Pai, eles não vão saber que o senhor estava roubando esses minerais. Apenas finja que não sabia da existência deles quando questionarem.

— Como você sabe disso?! — O diretor Aroldo bradou de dentro da sala. Aos poucos, a ficha dele começou a cair. — Não me diga que você incendiou a escola para me descobrirem, não foi? Mais um ato seu de rebeldia?!

— Senhor, o Rafael não fez nada para lhe prejudicar — Felipe tomou frente, defendendo seu melhor amigo. — Ele fez tudo isso para que o senhor parasse de cometer esse crime. Ele estava com medo de você ser preso.

          Eu sabia que precisava intervir. Aproximei-me de Rafael e coloquei a mão em seu ombro, falando alto para que o diretor pudesse ouvir:

— Senhor Diretor, aqui quem está falando é o Kevin. Kevin Drummond. Sei que você guarda rancor do meu pai e que sua ambição pelo dinheiro desses minerais te cegou. Mas nada disso vale a vida do Rafael. — Fiz uma pausa, esperando que minhas palavras o atingissem. — Se você não sair dessa sala, seu filho também não vai embora.

"Se quiser culpar alguém pelo incêndio, culpe a mim. Eu que incendiei a escola. Agora saia daí antes que a escola inteira seja dominada pelo fogo!"

          Houve um silêncio tenso nessa hora. Rafael olhou para mim, seus olhos cheios de gratidão e ao mesmo tempo medo.

— Vão embora! — O diretor insistiu, como uma ordem, sem sinal de que abriria a porta.

          Bem nesse momento ouvimos passos atrás de nós e nos viramos receosos. Rafael e Felipe não reconheceram o homem que se aproximava, mas eu sim. Aquele homem de roupa social e óculos de armação quadrada tinha um olhar sério para a porta de madeira. Theodoro Drummond, vulgo meu pai, se aproximou alentado.

— Aroldo, chega disso e saia logo dessa sala. Você sabe que, se não sair, morrerá queimado, certo? — Ele falou sem nenhum pingo de sensibilidade.

— Essa voz...!

— Sim, Aroldo. Sou eu, Theodoro Drummond. — Meu pai se mantinha sólido como granito. Rafael ficou em choque ao perceber que se tratava do meu pai. — Sei que temos nossas diferenças, mas seu filho está aqui, bem ao lado do meu. Nenhum dos dois deixou o que assolava nosso passado impedir que cooperassem para ajudar você. Se está metido em coisas erradas, daremos um jeito depois de escaparmos.

          Houve mais um momento de silêncio, até que Aroldo começou a rir baixinho.

— Quem diria que o cara que fazia bullying contra mim iria tentar salvar minha vida — ele disse se lastimando. — Téo, peço que tire meu filho daqui em segurança.

          Meu pai, percebendo que havia algo errado, levou a mão à maçaneta. Com uma simples pressão nela, ele entendeu tudo.

— A maçaneta interna quebrou, não é isso? — Papai notou ao não ouvir o tilintar interno.

          Rafael olhou agoniado para a porta, sentindo-se culpado.

— No desespero para sair, acabou quebrando. — Aroldo confessou com pesar. — Não ligo para o dinheiro que deixarei de ganhar na exploração das minas, só quero que salve meu filho!

— Aroldo, escute. Abra os vidros das janelas de sua sala. Você escapará por elas. — Ele falou com firmeza e precisão, como se tivesse um plano arquitetado.

— Não dá. Há grades nas janelas.

— Só faça o que mandei!

          A fumaça e o calor estavam tão intensos agora que não poderíamos demorar mais naquele lugar. Com certeza exageramos no fogo que causamos, sem termos noção de que tomaria essa proporção.

— Escuta, iremos salvar seu pai. Fique tranquilo. Mas agora precisamos sair daqui — disse meu pai, tocando no ombro de Rafael. Algo no seu jeito de falar transparecia sinceridade e afinco, o que fez meu ex-arqui-inimigo assentir com a cabeça.

          Nós quatro corremos para fora da escola, desviando por pouco de um pilar em chamas que quase nos atingiu ao passarmos pela porta da saída.

          Mesmo com muitas pessoas em frente à escola; Rafael, Felipe, meu pai Téo e eu os ignoramos e corremos para o lado externo da sala do diretor pelo pátio.

— Precisamos de ajuda aqui! — gritou papai, acenando para os bombeiros que estavam por perto.

          Dois bombeiros se aproximaram rapidamente, trazendo uma escada e uma ferramenta de corte hidráulico. Meu pai os guiou até a janela da sala do diretor, onde Aroldo estava preso.

— Vamos cortar as barras da janela! — Anunciou um dos bombeiros, enquanto o outro começava a posicionar a escada.

          A ansiedade era palpável enquanto os bombeiros trabalhavam com precisão e rapidez. Rafael olhava fixamente para a janela coberta em fumaça, o medo pelo seu pai era indubitável em seus olhos.

— Vai dar certo, Rafael — tentei tranquilizá-lo, colocando uma mão em seu ombro novamente e ignorando todas as nossas diferenças do passado.

          O som do metal sendo cortado ecoava por cima do barulho do fogo e dos alarmes.

          Quando a última barra foi removida, o bombeiro estendeu a mão para Aroldo, ajudando-o a descer pela escada.

          Quando o diretor Aroldo finalmente alcançou o solo, Rafael correu para abraçar seu pai. Aroldo, visivelmente emocionado, envolveu Rafael em um abraço apertado, lágrimas escorrendo por seu rosto sujo de fuligem. Já não havia mais pensamentos gananciosos nem espaço para raiva naquele momento, apenas alívio entre pai e filho.

          Com Aroldo a salvo, meu pai e eu nos afastamos deles dando a eles seu momento de privacidade.

          Minha mãe estava em frente ao portão, desesperada de preocupação.

— Kevin, seu idiota! Nunca mais faça isso! — Entre lágrimas, minha mãe me abraçou intensamente, aliviada que estávamos em segurança.

          Por cima de seu ombro, vi que todos os meus amigos estavam próximos, sorridentes e bem.

          Passado aquele momento caótico e, ao mesmo tempo, aliviador, e assim que minha mãe decidiu me soltar e foi buscar uma garrafinha de água, decidi confrontar meu pai sobre algo que estava me incomodando:

— Pai, posso perguntar algo?

— Claro, filho — meu pai falou, enquanto limpava seus óculos cheios de fuligem na sua camisa social.

— O senhor realmente praticou bullying no passado contra o diretor? É verdade que jogou um balde de gelatina nele?

          Temia ouvir sua resposta. Ainda assim, precisava saber se era genuíno o rancor que o diretor tinha por mim.

— Não vou negar. Fiz coisas das quais me arrependo quando tinha sua idade — ele admitiu, com um tom de pesar na voz. — Entretanto, naquela ocasião específica, eu fiz aquilo para livrá-lo de uma enrascada ainda pior. Meus colegas queriam pregar uma peça bem mais pesada contra ele no baile, e eu, vendo que estavam passando dos limites, preferi fazer isso para que ele fosse embora do baile e escapasse do que eles planejavam.

          Via sinceridade na forma como meu pai falava. Com certeza, tudo o que ele fez anteriormente era algo que ainda o atormentava.

— Não há justificativa, de toda forma. Só fico feliz que você não tenha se tornado como eu, nem tenha passado pelo que fiz Aroldo passar.

          Meu pai olhou para longe, avistando o diretor e seu filho ainda abraçados. Ele não fazia a menor ideia de que já sofri bullying justamente do Rafael e do Felipe. Mas isso já era passado.

— De fato, não me tornei alguém como o senhor era no passado — respondi, olhando para ele. Papai voltou o olhar para mim de igual forma. — Mas, em contrapartida, hoje sou exatamente como o senhor é atualmente. Tenho orgulho de quem o senhor se tornou, e graças a isso sou quem sou.

          Meu pai e eu sorrimos um para o outro, e então nos abraçamos.

          Conforme a multidão foi se dissipando, cada um indo para sua respectiva casa, fui finalmente em direção a Luan. Meu namorado estava sentado em uma ambulância, usando uma máscara de oxigênio após ter inalado bastante fumaça.

          Sentei-me ao seu lado, e juntos observamos quando alguns policiais saíram da escola com vários minerais de lítio que encontraram no subsolo abaixo da fonte.

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