41. Papais Ursos
Ah, o terceiro ano... O pior pesadelo do ensino médio. Eu sei, eu sei. Vocês devem estar pensando: "Ele disse a mesma coisa sobre o primeiro ano, quando ainda era um calouro, pois faltavam ainda três longos anos para se livrar da escola. E ao passar para o segundo ano, ele disse o mesmo, pois estava bem no meio do caminho, não era nem calouro nem veterano e blá blá blá."
Mas desta vez falo com uma precisão tão certeira quanto o fato de eu não ser hétero: o terceiro ano é, com certeza, o pior! É aqui que deixamos enfim a adolescência, o momento em que nos despedimos de nossos amigos para cada qual seguir com sua vida, quando temos que decidir nosso futuro por conta própria e o que faremos a seguir. Ora, eu não faço nem meu próprio Nescau sozinho, como vou saber o que quero fazer da vida? Como decidir com o que trabalharei pelos próximos, sei lá, quarenta anos, sendo tão jovem?
Mediante essas indagações profundas, lá estava eu no meu quarto, terminando de me arrumar para o "último" primeiro dia de aula do ensino médio.
— Às vezes acho que estou namorando uma garota. Você demora feito uma para se arrumar.
Aquele ar quente da sua respiração em meu ouvido acalentou minha possível impaciência com a impaciência do Luan. Meu namorado havia dormido em casa na noite anterior. Infelizmente, seguimos nosso mantra de cada um dormir em seu próprio colchão. Embora, não posso negar, a cada dia que se passava minha vontade de dormir de conchinha com ele só aumentava — mal eu sabia, na ocasião, o quanto essa posição não tinha nada de confortável.
— Não estamos atrasados, não perturba— enchendo minhas bochechas de ar, dei um leve empurrão, afastando-o de perto, afinal ele estava obstruindo o espelho do meu quarto enquanto eu me penteava. — Estou tentando um penteado diferente.
Luan não pareceu satisfeito com minha resposta, encostando-se em meu guarda-roupa ao meu lado, de braços cruzados.
— Deixa de bobagem. Essa juba de leão aí vai continuar do mesmo jeito não importa o quanto tente — Luan afagou meus cabelos com sua mão, bagunçando todo o penteado que levei um bom tempo para fazer.
Eu estava prestes a xingá-lo quando ele se aproximou ainda mais. Seus joelhos se chocaram com os meus, seu quadril alinhado ao meu, e seus lábios a milímetros de distância da minha boca. O nariz de Luan se esfregou suavemente no meu, dando-me um "beijo de esquimó" sem que nossos lábios se tocassem de fato.
— E aí, marrento? Cadê sua marra toda agora? — Com sua boca quase tocando a minha, Luan permanecia me instigando.
Eu perdia totalmente o chão com suas provocações. Os lábios dele roçaram suavemente e de forma breve os meus, o que nem sequer poderia ser chamado de selinho. Luan seguia desafiando meu alto controle, e isso aumentou drasticamente quando ele mordeu seu lábio inferior, expondo seus dentes brancos.
— Eu queria muito ter te dado uns pegas ontem à noite — ele falou com sua testa encostada na minha.
— Você sabe que não podemos aqui — falei ao pé do ouvido, sem conseguir tirar os olhos de cima dele.
— E se eu te beijar agora, bem rapidinho?
O racional me faria dizer que não, afinal era perigoso dar uns amassos no Luan no meu quarto. Mas, em contrapartida, a saudade que eu estava de beijá-lo me fez dar o aval com a cabeça.
Subitamente, Luan me ergueu pelas coxas, me prensando contra o guarda-roupa enquanto me segurava em seu colo. Fiquei atônito com sua força. Está certo que ele era mais forte e mais alto do que eu, mas não imaginei que fosse capaz de me suspender no ar assim.
Mesmo corado, coloquei meus braços firmemente em suas costas e deixei que nossas bocas enfim se encontrassem. Não sabia dizer o que era melhor, se ter nossas línguas se esbarrando dentro de nossas bocas, ou se era o fato de unir nossos lábios como se fôssemos apenas um. Mas, para que escolher quando se tinha ambas as coisas ao mesmo tempo?
Eu gostava dos beijos lentos; aquela sensação romântica e cadenciada dos lábios se movimentando devagar. Mas, em momentos como esse, aquele beijo intenso que estávamos dando manifestava todo o nosso desejo interior. O beijo parecia mais urgente e carregado de emoção. Nossas respirações ficavam mais pesadas e os sentidos aguçados, cada toque e movimento aumentando a sensação de conexão e desejo. Nada podia estragar aquele momento... Nada...
O rangido da minha porta se abrindo fez com que eu instintivamente desprendesse minha boca de Luan. Mamãe olhava para nós dois daquela posição, desnorteada, sem sequer se mexer.
Luan, por sua vez, realizou um movimento de surpresa com o susto de sua chegada, soltando-me e quase me derrubando no chão. Agora nós três nos encarávamos sem dizer uma palavra sequer.
Os segundos que se seguiram foram os mais lentos de toda minha vida. Pensei em dizer algo, mas meu cérebro não processava. Havia dado pane no sistema. Do nada, minha mãe pegou na maçaneta da porta e começou a fechá-la. Não sei se foi o fato de se recordar que me flagrou com a língua de Luan dentro da minha boca, ou qualquer outro motivo, mas ela parou de fechar a porta no meio do caminho, deixando-a entreaberta enquanto nos dava as costas e tornava a descer para o andar inferior de nossa casa.
Pude sentir de relance os olhos de Luan voltados para mim. Mas eu não conseguia encará-lo de volta. Na verdade, eu não conseguia nem me mexer. Um arrepio percorreu minha espinha, enquanto meus músculos contraíram-se involuntariamente. Eu não estava assimilando nenhum pensamento coerente naquele momento. "Minha mãe me viu beijando outro garoto!" Era tudo o que eu conseguia pensar.
— Agora fudeu — Foi tudo o que Luan disse, sentando-se na minha cama.
— Fudeu? Isso é mais do que apenas "fudeu". Minha vida está acabada! — Exclamei. Graças a Deus Lêh não estava presente, do contrário ela retrucaria que eu estava sendo tão dramático quanto costumava me referir a ela própria.
A fim de tentar afugentar os pensamentos caóticos da minha mente, me aproximei da janela para tomar ar fresco, torcendo para que a palidez que surgiu em meu rosto desaparecesse.
— Pode ser que ela não tenha nos visto.
— É claro que ela viu, Luan! — Virei minha cabeça na sua direção, lembrando-me claramente do olhar de choque da minha mãe há pouco. — Dessa vez não teve jeito, ela nos viu se beijando.
Levei as mãos à cabeça, totalmente desamparado.
— Bom, então vamos encarar essa situação de uma vez. Bora descer e falar com eles.
Olhei para Luan descrente. Ele estava muito mais tranquilo do que a situação urgia.
— Irei evitá-los, nunca mais sairei do meu quarto. Vou ficar aqui trancado para sempre!
— Para sempre? — Pude perceber claramente quando Luan fez todo o esforço para engolir a risada que quase escapou dele. — E como pretende se alimentar?
— Você pode vir aqui todos os dias me trazer comida. Ou eu crio um elevador de carga e você coloca a comida nele, e eu puxo com uma corda pela janela.
— E como vai usar o banheiro?
Enrijeci os dentes, já irritado com o fato de Luan estar levando na brincadeira meu drama. Está certo que eu não falava a sério quanto ao fato de nunca mais sair. Mas, eu definitivamente estava sem coragem para encarar meus pais após essa situação.
— Vamos, Kevin. Estou aqui, e estarei lá com você também — Luan estendeu sua mão ao se aproximar.
Olhei para ele por um momento, pensativo. Seu sorriso transparecia confiança; só não sabia se era o suficiente para enfrentar essa situação. Entrelacei, por fim, nossos dedos, e me ergui do parapeito da janela.
Descemos juntos as escadas, mas tirei minha mão de cima da dele antes de chegarmos no próximo cômodo. Não julguei apropriado chegar assim na cozinha para diante de meus pais.
Chegamos sorrateiros, quase tão discretos quanto minha própria mãe quando entrou em meu quarto naquela hora sem ser percebida. E lá estavam eles: a mulher de coque servia uma xícara para si mesma, despejando o líquido escuro de uma garrafa de café nela. Já meu pai, por sua vez, estava sentado em frente à mesa com um pires vazio diante de si. O que me chamou a atenção nele foi que não estava segurando seu costumeiro jornal; pelo contrário, o jornal estava dobrado em cima da mesa enquanto nos olhava por de trás de seus óculos de armação quadrada. Minha mãe certamente já havia feito fofoca!
Assim que notou nossa presença, ela nos encarou. Seus olhos castanhos — assim como seu cabelo —, moviam-se de um para o outro, enquanto tomava um gole de café sem deixar de nos fixar. Não era um olhar de julgamento, mas não sabia dizer ao certo o que aquela encarada dos dois significava. Era repreensão? Decepção? Raiva? Só sei que não se assemelhava às encaradas deles quando, mais novo, eu aprontava e levava uma bronca.
Sei que pode soar que o fato de eu já ter me assumido tanto para meus amigos quanto para a família do Luan tivesse me deixado mais "calejado" para falar sobre minha sexualidade. Mas era diferente com meus pais. Era bem mais difícil, muito mesmo. Não eram meus amigos, nem a família de terceiros; eram a minha família! Os únicos que, no momento, a opinião sobre minha sexualidade importava.
— Então, Kevin. Tem algo a nos dizer? — Conforme o habitual, papai se mostrava tão calmo quanto um instrutor de yoga.
— Eu? Sem novidades. E você, pai? — Ri nervoso, tentando fugir daquele momento constrangedor enquanto enchia um copo de leite entre leves tremedeiras.
— E você, Luan? Tem algo a nos contar? — Minha mãe perguntou de braços cruzados.
— E-eu na-da também, do-na Ro-sa-na. — Quando olhei para trás, percebi que Luan estava mais afastado, próximo da bancada da pia, enquanto falava de boca cheia, mastigando um pão que ele havia pegado.
Maldito Luan! Estava todo despreocupado comendo, me deixando naquela situação à deriva.
Virei-me de volta para os meus pais. Ambos continuavam me encarando fixamente, determinados a obter a verdade sobre o que minha mãe tinha visto eu e Luan fazendo no meu quarto. Não era justo! Eu queria ter tido a chance de me assumir para eles do jeito certo e no momento adequado. Não era para ela ter nos vistos juntos. Mas sei que minha mãe não teve culpa. Ela não sabia o que estava ocorrendo por de trás daquela porta. O erro foi meu de ter feito isso em casa. E agora não dava para fingir que nada aconteceu. Eu não estava 100% preparado, mas não tinha escolha: tinha que estar.
— Mãe, pai. Eu e o Luan... E eu também sou... Nós dois... Mais ou menos, porque ele nem tanto..., mas... — As palavras saíam da minha boca de forma totalmente desconexas. Torcia para que eles entendessem as entrelinhas, me cortassem e simplesmente dissessem que estava tudo bem. Mas não. Eles continuavam me fitando, esperando que eu estivesse pronto para formular algo com sentido.
A palidez do meu rosto deu lugar a uma vermelhidão intensa. Suspirei fundo antes de tentar mais uma vez.
— Eu sou gay. E Luan é meu namorado — Senti uma forte sensação de déjà vu. Afinal, essa frase já estava quase virando meu bordão. Mas, como disse, agora a situação era bem diferente.
Quis abaixar a cabeça e fugir de seus olhares. Ou pegar meu celular e escapar para o mundo virtual. Mas sabia que precisava manter o contato visual. Os dois ficaram em silêncio por um tempo, em que o único som preenchendo o ar era o de Luan mastigando o pão atrás de mim.
— Então vocês dois são namorados — mamãe repetiu, como se estivesse assimilando a informação. — E são gays.
— Na realidade, eu sou bi — Luan corrigiu, inclinado sobre a pia de forma despretensiosa.
— Kevin, há quanto tempo você sabe disso? — Foi a vez de meu pai questionar. Eram raras as ocasiões em que ele se mostrava tão interessado em um assunto dessa magnitude.
— Hum, eu diria que foi um pouco antes de Luan vir morar conosco naquela época.
Os olhos dos dois saltaram das órbitas assim que mencionei isso.
— Então desde aquela época... Vocês dois... Sozinhos no seu quarto?! — Minha mãe estava incrédula com algo que eu não pude entender de imediato.
— Não, dona Rosana. Nós não fizemos nada além de nos beijarmos — Luan tratou de acalmar os pensamentos de minha amada mãe. Foi então que entendi a preocupação exagerada dela, me fazendo corar ainda mais. — Não que seja falta de interesse da minha parte, diga-se de passagem. Mas sou bem respeitador com o filho de vocês.
Imediatamente taquei uma torrada na cabeça de Luan para que ele se calasse.
— Espera — Mamãe balançou a cabeça, como se estivesse refletindo. — Os pais do Luan sabem sobre vocês? Aquela história de que sua mãe estava viajando era apenas um pretexto para que ficassem juntos aqui em casa?
Percebi que chegamos a um ponto bem delicado. Uma coisa estava levando a outra, e toda a verdade precisava vir à tona.
— Mãe, é uma longa história.
— Temos tempo de sobra, Kevin — Me surpreendendo, foi a vez do senhor Téo, meu digníssimo pai, tomar a frente e se mostrar resiliente para que eu continuasse com meu relato.
— Bom, em resumo, os pais de Luan não estavam viajando naquela ocasião. Luan saiu de casa porque eles não aceitaram sua sexualidade e eram extremamente controladores.
Olhei para trás junto aos meus pais em direção ao menino de olhos verdes. Agora Luan estava com um olhar perdido, enquanto sua cabeça pendia para baixo.
— Mas a mãe dele esteve aqui. A limusine da empresa dela até veio buscá-los.
— Aquela limusine, na realidade, era deles mesmos. A família do Luan é rica, mãe!
A boca de minha mãe se escancarou totalmente diante da revelação.
— Ela se fingiu de sua amiga, mãe, mas na real eles são esnobes demais! Falaram coisas horríveis de vocês, inclusive. De nós. Que somos pobres e não valemos nada. Mas o Luan não! Ele é diferente daqueles pais dele. Luan tem um coração enorme, é um garoto doce!
Era incrível como pensar no meu amor por ele me fazia dizer coisas que, sem isso, eu jamais teria coragem de verbalizar.
— Sei que vocês achavam que Luan fosse só um amigo meu, ou um tipo de irmão. Mas ele e eu estamos namorando. Na verdade, Luan é mais do que apenas meu namorado. Sinto que ele é o amor da minha vida. Sei que pode parecer coisa de adolescente deslumbrado, ou talvez achem que é só uma fase, mas eu tenho certeza disso. Estou me conhecendo agora melhor do que nunca. Luan é a pessoa que eu amo.
— E Kevin é o amor da minha vida — Luan correspondeu à minha declaração, me dando um sorriso de conforto. Assenti para ele em agradecimento pelo apoio.
Mamãe e meu pai permaneciam em silêncio, talvez sem saberem ao certo o que dizerem.
— Pai, o senhor mesmo me disse que conheceu a mamãe na época da escola e estão juntos até hoje. Comigo e o Luan será o mesmo, sinto isso. A única diferença é que ele não é uma garota.
Foi tão de repente que nem reparei, mas meus olhos estavam lacrimejando. Meu peito disparando de ansiedade, e minha voz já começava a falhar.
Tenho pleno conhecimento de que para eles, Luan estava sendo, até então, um tipo de "terapia" referente à morte do Diego. Era a primeira vez que eu me tornava tão "amigo" de um garoto desde que meu melhor amigo faleceu. Sei bem que estavam aliviados por eu ter rompido aquele trauma e ter feito novas amizades. Mas, agora eles sabiam que Luan não era só mais um amigo.
Não sei quem foi o tonto que disse que "pais sempre sabem." A reação dos meus naquele dia deixava claro que nem sequer suspeitavam da minha sexualidade, o que talvez tornasse tudo mais difícil de contar. Era como despejar um balde de informações novas sobre o filho deles, que sequer tinham noção até então.
Minha mãe, então, decidiu se achegar. De forma acolhedora, ela me deu um forte abraço. Um daqueles de "mamãe ursa", carinhoso e agradável. Um abraço tão terno que me recordou da ocasião em que me confortaram quando soube da morte de meu amigo.
— Nós amamos você, Kevin. Desde que esteja feliz, nada mais importa.
— Mas, mãe. Eu não quero decepcioná-los. Sei que não é isso o que os pais esperam dos filhos. Eles esperam que se casem com mulheres, na igreja. Que lhe deem netos.
"Ainda assim, eu e Luan ainda podemos ter filhos! Vocês ainda podem ser avós. Nós até já conversamos sobre a possibilidade de adotarmos."
— Kevin, meu garoto — meu pai se aproximou quando minha mãe me soltou, me abraçando igualmente —, você não precisa fazer nada pensando no que queremos de você. Tanto porque, não é de netos que precisamos. Somos responsáveis por um filho, e já temos um. O que você faz da sua vida é decisão sua. E somos orgulhosos do filho que temos. Nunca mais repita que tem medo de nos decepcionar.
— Ora, parece que seu pai finalmente disse algo sensato, em o quê? Dezoito anos? — minha mãe falou entre risos, e nós três começamos a rir.
Tão logo quanto meu sorriso se abriu, ele se desfez.
— O que foi, Kevin? — ela notou que eu ainda estava cabisbaixo.
— Vocês realmente não estão tristes por eu não ser "normal"?
— É claro que você é normal, Kevin. Que bobagem. Pessoas que não são normais são gente como os pais do Luan.
— Mas muitas pessoas vão nos olhar torto na rua. Vão julgar. Dizer que estamos cometendo um pecado...
— E você liga para o que esses canalhas dizem e pensam? Claro que me preocupo com vocês por causa desse tipo de gente. Mas, o que tange a nós, você continua sendo o mesmo Kevin amoroso que conhecêssemos desde que saiu do meu ventre. Me diz, você nos amaria se tivéssemos preconceito como os pais dele?
De fato, sempre incentivei Luan a cortar laços com sua família rígida e cheia de preconceitos. Então, se meus pais me rejeitassem pelo que sou de igual maneira, acho que realmente não conseguiria me importar mais com eles. Neguei com a cabeça, recebendo um sorriso dos dois à minha frente.
Reparei quando meus pais olharam para Luan. Com um gesto, mamãe fez sinal para que ele se aproximasse.
— Luan, meu querido, sinto muito que tenha passado por tudo isso com seus pais. Mas saiba que aqui, você será acolhido como nosso filho. Vocês não precisam se esconder de nós. Se dentro de casa, onde mais deveriam ser livres para serem vocês mesmos, vocês se escondem, imaginem como seria fora daqui.
Mamãe abraçou Luan, e sua atitude me fez sorrir. Papai pigarreou, como se quisesse acrescentar algo.
— Com ressalvas, rapazes. Aqui não é um centro de fornicação. Então, peguem leve no namoro de vocês.
— Deixa disso, homem. Você fala como se não tivesse sido um coelho na idade deles.
— Mãe! — exclamei, constrangido. Luan, por outro lado, riu compulsivamente.
Quando minha mãe se soltou de Luan, pareceu que uma lâmpada se iluminou sobre ela, como se tivesse se recordado de algo.
— Esperem um pouco. Se Luan passou por isso tudo na casa dos pais, onde ele está vivendo agora? — ela perguntou, percebendo a "ponta solta" na minha história.
— Estou vivendo com um amigo.
Meus pais se mostraram genuinamente confusos.
— Com o James, vocês o conheceram no Natal. Mas não se preocupem. Luan trabalha e ele é maior de idade — mais uma vez, o olhar de espanto de minha mãe. — Relaxem. Ele é de maior, mas não tanto ao ponto de chamarem a polícia por namorarmos. São só alguns meses de diferença.
Após tranquilizá-los, papai olhou para seu relógio de pulso e constatou que estávamos atrasados.
— Vão logo para a escola, vocês dois.
Eu e Luan nos apressamos e pegamos nossas respectivas mochilas. Antes de sair, porém, voltei mais uma vez até a porta da cozinha.
— Pais — falei. Papai ergueu os olhos do seu jornal, enquanto minha mãe voltou-se a mim enquanto bebericava em sua xicara; seu café certamente frio agora —, amo vocês.
— Nós também te amamos — falaram juntos, com sorrisos nos rostos.
Saí de casa naquela manhã, com Luan em minha cola, sentindo-me mais leve que uma pluma.
— Todo aquele trabalho para arrumar o cabelo, e no fim vai sair com ele todo desgrenhado — Luan brincou ao notar que não tive tempo de ajeitar meu cabelo. Não dei importância.
Ter me assumido para meus pais me fez perceber o quanto a sensação de não ter que esconder quem sou era libertadora.
— Ei, Luan. Sabe o que eu estava pensando?
— Hum?
— O que acha de finalmente falarmos para todos que somos um casal? Digo, para toda a escola. Pararmos de agir escondidos.
Do nada, Luan parou de andar. Olhei para trás, confuso.
— Não.
— Não? Por quê? — Ergui uma sobrancelha, sem entender.
— Você mesmo disse que não precisávamos nos assumir para terceiros. "Se heterossexuais não se assumem, por que nós temos?" Palavras suas.
— Não é sobre se assumir, Luan. É sobre não nos escondermos mais.
— Sua família já sabe, "minha" família também, assim como nossos amigos. Para que fazer questão de que desconhecidos saibam também? — Luan voltou a andar, mais emburrado do que antes.
— Não estou entendendo, Luan. Você se mostrou tranquilo em falar para nossos amigos. E hoje de manhã você estava bem despreocupado em relação aos meus pais.
— Claro, Kevin. Porque são seus pais. Eu sabia que te aceitariam. Mas não dá para esperar que o resto do mundo também nos aceite da mesma forma que as pessoas que amamos. Me desculpe, mas você não sabe a sensação de ser rejeitado por ser quem você é. Então vamos continuar do jeito que estamos.
Luan acelerou os passos, sem dar brechas para maiores argumentações minhas.
Ele tinha um ponto. Luan foi rejeitado por sua família; tenho certeza que não apenas por sua sexualidade, mas enfim. De toda forma, ele tinha noção do quanto o mundo podia ser cruel conosco. Ele conhecia a sensação de rejeição.
O que Luan não sabia é que eu também já passei por isso. Naquela ponte, quando aqueles marginais quase me mataram por me verem beijar o Arthur. Nunca lhe falei sobre esse ocorrido. E, mesmo vivenciando o quão amargo o mundo podia ser, eu queria ser eu mesmo. Luan, todavia, estava acomodado do jeito que as coisas estavam.
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