40. Espírito Natalino

          Todos têm aquele dia no ano que esperam ansiosamente. Para uns, é o seu próprio aniversário, outros a festa junina, mas para mim definitivamente era o Natal!

          O dia 25 de dezembro era minha data favorita do ano, totalmente o sentimento oposto pelo que eu sentia ao Halloween. Amava o clima natalino, a cidade enfeitada com luzes piscantes, o ato de enfeitar árvores com arranjos temáticos e, principalmente, o almoço tradicional em família.

          Era véspera de Natal, faltava apenas um dia para o melhor dia do ano. E lá estava eu no meu quarto, passando aquela manhã pendurado no telefone com a Letícia do outro lado da linha.

— Lêh, ou você chora ou você fala. Os dois ao mesmo tempo não dá — brinquei, enquanto andava de um lado para o outro do meu quarto, usando meus fones bluetooth para falar com ela pelo celular.

— É que... Ele... Os dois... Aquela vagabunda... Ele vai se casar com ela! — Lêh lamentava com a voz quebrada, por pausas frequentes enquanto tentava em vão conter o choro, dificultando meu entendimento da situação.

— Ele? Ele quem? O James?

— Que James o quê? Estou falando do meu pai!

          Era engraçado a forma como Letícia alternava entre o choro e sua explosão de irritação.

— Espera, Lêh. Me explica essa história direito.

— Meu pai me contou hoje que vai se casar com aquela perua latina!

          O pai de Letícia havia se separado de sua mãe há alguns meses. Ela soube há pouco que ele estava conhecendo uma nova mulher, e por conta disso Letícia foi passar, contrariada, as festas de fim de ano na casa dele para conhecer a nova namorada do seu Júlio. Confesso que até eu fiquei surpreso nesse momento ao descobrir que eles já estavam para se casar em tão pouco tempo.

— Lêh, tecnicamente nós somos latinos também — falei com um tom descontraído, me ajeitando em minha cama.

— Não como ela. Essa vaca que roubou meu pai leva bem a sério essa tradição de cultura latina. Ela é mexicana, afinal. Ai meu Deus, se um dia eu tiver um irmãozinho ele vai ser propenso a virar um líder de cartel, que usa poncho e toma tequila todo fim de tarde!

          Aposto que Lêh conseguiu a proeza de ofender toda uma nação com seu estereótipo de mexicanos.

— Ei, Lêh. Tenta se acalmar. Como sua mãe está? Acha que ela vai reagir mal à notícia?

— Reagir mal? Mamãe está mais feliz do que nunca depois de terem terminado — a voz dela agora estava baixa e rouca devido ao esforço para segurar o choro.

— Então qual o problema? Essa outra é uma "drasta"?

— Ela é uma trambiqueira barata, Kevin! Ela está se fazendo de boazinha, querendo me conquistar pelo estômago. Fica toda hora querendo me empanturrar com esses buñuelos e tamales estranhos goela abaixo, igual a bruxa do João e Maria queria fazer com eles antes de devorá-los.

          Eu me divertia com o drama de Letícia. Ela amava comida mexicana, não tinha nada de estranho naquilo. A coincidência de que começamos o ano escolar com ela choramingando que não foi para a mesma classe que eu, e agora estávamos terminando o ano com Lêh chorando as pitangas igualmente, me fizeram dar um sorriso espontâneo. Certas coisas nunca mudavam.

— Ai, Kevin! Por que papai foi inventar de se casar? Já estava difícil aceitar que ele estava namorando, e agora isso — A voz chorosa dela seguia-se inteligível. — Você tem que ir comigo para me dar apoio no dia. Esse casamento vai ser um enterro!

— É claro que vou, Lêh — após falar isso, coloquei brevemente o telefone no mudo para que Letícia não pudesse ouvir minha risada dos seus lamentos. Assim que me recompus, desmutei o microfone. — Quando será?

— Será no meio do ano que vem, durante nossas férias. E será no México! Você acredita?!

— México, Lêh? Mas...

— Nada de "mas." Nem ouse me deixar na mão! Essa Alejandra é uma socialite rica, ao menos isso, né. Vai bancar sua passagem, então não tem meia desculpa tampouco desculpa inteira.

          Não esperava que fossem se casar em outro país. Bom, levando em conta que ela é de lá, não era tão surpreendente assim. Seria minha primeira viagem internacional. Confesso que, mesmo com toda a desgraça pela qual Lêh passava, eu estava empolgado para isso.

— Querida, ven acá. Ven a conocer a tus nuevos primos. — Consegui escutar uma voz feminina gritar na chamada, possivelmente a madrasta de Letícia.

— ¡Ya voy! — Lêh gritou de volta para a mulher, e só então se voltou para a ligação. — Tenho que ir, Kevin. Me deseje sorte.

          Ela continuava com aquele clima fúnebre. Aposto que nesse momento Letícia estava enxugando as lágrimas e se maquiando para fingir que estava tudo bem.

— Ei, Lêh.

— O que é? — ela perguntou com a voz dengosa.

— Feliz Natal — falei antes de desligar, com um sorriso exuberante no rosto.

          Foi só desligar a ligação, que o grito de minha mãe vindo do andar debaixo me deu um susto súbito.

— Kevin! O Luan está aqui. Não faça ele esperar!

          Eu e Luan havíamos marcado de darmos uma volta pelo quarteirão, então, após pegar minha touca vermelha e colocar na cabeça, desci apressado para recebê-lo.

          E lá estava o cara que eu mais amava nesse mundo, parado em frente à entrada de casa, com as mãos nos bolsos de sua jaqueta preta. Mesmo tendo morado por alguns meses em nossa casa, Luan ainda parecia um pouco tímido diante de meus pais.

— Deixa de cerimônias, Luan. Entra logo, você já é de casa — Da mesa da cozinha, papai inclinou a cadeira para fitá-lo, enquanto segurava seu jornal.

— Obrigado, senhor Téo. Mas eu e o Kevin já estamos de saída.

— Luan, você anda se alimentando direito? Você anda tão magrinho — Mamãe disse ao se aproximar dele.

— Magrinho? Magrinho estou eu. Olha como o Luan está enorme — Quando dei por mim, minha mão se encontrava sobre o peitoral dele. Assim que percebi, retirei imediatamente a mão de cima de meu namorado, enrubescendo.

— Estou falando com o Luan. Não seja ciumento, Kevin — Enquanto a mim, ela dirigia um olhar de repreensão, para ele era apenas sorrisos e abraços.

— Estou sim, senhora Drummond — com um sorriso tímido, Luan respondeu à digníssima minha mãe.

— Nada de senhora, já disse para me chamar de Rosana — Minha mãe apertou as bochechas de nós dois. — Se cuidem vocês dois.

          Agora era eu que estava tímido com a forma como ela nos paparicava.

— Até mais, senhor Téo, dona Rosana.

          Luan acenou, mas a fim de poupar que aquilo se prolongasse ainda mais, puxei-o pelo braço em direção ao nosso quintal.

— O que está fazendo? — Questionei ao ver Luan desviar o caminho do portão, para a parte de trás do tronco da árvore de nosso quintal.

— Só vou pegar o seu presente. Daria problema se seus pais vissem o que eu te trouxe, por isso deixei aqui escondido.

          Confuso, observei Luan retirar um embrulho vermelho que estava no local. Era meio alongado e cilíndrico, com seções de circunferência consistentes ao longo do corpo.

— Luan, não precisava. Eu não te comprei nenhum presente de Natal — falei, ainda sem saber o conteúdo do embrulho, enquanto recebia o presente dele.

— Não tem por que você me dar nada, Kevin. Você já me deu dois presentes de aniversário. Apenas quis te comprar algo.

          Com o objeto em mãos, eu e ele começamos a caminhar pela calçada assim que saímos do terreno de casa, durante aquela manhã gélida. Para que o clima de Natal ficasse completo, só faltava nevar. Mas, moramos no Brasil, né...

          Enquanto caminhávamos, abri a embalagem aos poucos, ficando ainda mais confuso quando me dei conta de que o que eu tinha em mãos era uma garrafa de vinho.

— Bebida alcoólica? Você está doido, Luan? Eu nunca tomei nada com álcool. Fora que sou menor de idade.

— Ih, lá vem o senhor certinho atacando novamente. Ou deveria dizer, o "nerd"? — Luan deu uma risada abafada, enquanto levava um cigarro à boca. Eu franzi o cenho diante de sua fala. — Você namora o melhor bartender da cidade e nunca provou bebida nenhuma?

— Metido — Murmurei, enquanto segurava a garrafa pelo seu pescoço.

          Não sei se era só minha carência, meu fogo ou se de fato Luan estava mais excepcionalmente lindo naquele dia do que o habitual. Sério, eu era fascinado pela sua beleza. Se pudesse, ficava o dia todo olhando para ele, contemplando cada traço do seu ser.

          Não costumava reparar com frequência, mas aquele único brinco cinza em sua orelha esquerda dava um charme ainda maior nele. Outra coisa que reparei recentemente, era que não havia nenhum mínimo resquício de pelo em sua face, exceto pelo seu curto bigode devidamente aparado. Me pergunto como ele fazia para deixar a barba de forma tão perfeita.

          Eu amava estar com ele, bem do seu ladinho. Só que, ao mesmo tempo, sempre que estávamos juntos um pequeno peso na consciência recaía em mim. Passamos o ano todo desbravando os segredos um do outro, até que o último segredo que me permeava havia sido revelado, referente a morte de Diego. Porém, logo em seguida passei a omitir dele a informação de que Arthur me beijou. Estava indo tudo tão bem, e agora eu estava ali evitando contar para ele sobre esse episódio. Será que relacionamentos eram sobre isso, nunca saber 100% um do outro?

— Você soube que o pai da Letícia vai se casar?

— O James comentou por cima. Ela inventou de levá-lo junto para o México — Luan fez uma breve careta, como se estivesse com ciúmes de que iremos viajar para outro país.

          Quando chegamos a uma região sem ninguém por perto, Luan decidiu se sentar em uma mureta que havia na calçada, balançando levemente os pés enquanto olhava para a rua deserta à nossa frente. A fumaça vinda de seu cigarro subia pelo céu, misturando-se com a fraca neblina.

— Você deveria parar de fumar. Isso faz mal para a saúde, e você fica com um gosto ruim na boca quando te beijo.

— Isso tudo é charme para eu te beijar agora? — Luan riu, conforme jogava seu cigarro fora. Fingi desviar de um possível beijo, que eu sabia que nem viria, afinal poderia aparecer alguém. — Quem sabe não vire uma promessa de ano novo, parar de fumar por você.

          Luan pegou a garrafa da minha mão, e com uma facilidade absurda ele abriu a tampa. Sem nenhum pudor, ele tomou um longo gole do vinho direto do gargalo, virando a garrafa em sua boca.

          Me sentei ao lado dele na mureta. Vendo que não estávamos próximos o suficiente, fiz questão de dar uma leve aproximada, me arrastando até que nossas pernas se cruzassem naquele local.

— Vai passar o Natal na casa da Celeste?

— Não. — Luan respondeu assim que retirou a garrafa de sua boca. — Ela e os filhos viajaram para passar as festas de fim de ano na casa de uns parentes. Até fui convidado, mas não quis ir. Celeste tudo bem, mas eu me sentiria um intruso na casa de estranhos.

"Ah, nem te contei! Ela conseguiu um emprego há algumas semanas. Fiquei bem feliz por ela."

          Por um lado, fiquei igualmente contente por Celeste enfim ter conseguido um trabalho, estava buscando já havia um bom tempo. Por outro, uma preocupação legítima por Luan se apoderou de mim.

— Então onde você vai passar o Natal?

— Bom, vai ser o primeiro Natal que passarei longe da casa dos meus "pais"; não que fosse divertido passar com eles de toda forma. Enfim, eu e o James vamos passar em casa mesmo. Vamos comprar alguns congelados e assistir alguns filmes natalinos.

          Minhas sobrancelhas se ergueram ligeiramente, enquanto minha boca se entreabria.

— Nada disso, Luan. Isso não tem nada de espírito de Natal. Você vai passar o Natal lá em casa, com a gente.

— Kevin, eu não deixei de ser um incômodo na casa dos parentes da Celeste para ser um incômodo na sua casa. Vou ficar bem, relaxa. O Natal para mim nem tem um grande significado mesmo.

— Mas para mim tem! O Natal e você são duas coisas que amo. É claro que você não será um incômodo, meus pais te adoram. A gente não é tão ligado a tantas tradições natalinas, por exemplo, não comemoramos a véspera de Natal, é mais para o almoço de amanhã mesmo. Não temos parentes que vêm nos visitar, então é algo mais intimista. Ainda assim, acho que você vai gostar.

— Mesmo assim, não posso deixar o James sozinho no Natal.

— É óbvio que quero que traga ele também, seu zé mané. — Falei decidido, dando um leve tapa em sua testa. — Deixa que eu me resolvo com meus pais, eles não vão se importar.

          Luan sorriu complacente, sabendo que uma vez que eu disse que ele viria, não haveria negativa que me fizesse aceitar sua recusa.

          Motivado por aquele clima deleitoso, peguei a garrafa de volta de Luan, e decidi pela primeira vez experimentar o sabor do vinho. Sem hesitar, levei a garrafa aos meus lábios, sem me importar com o fato da boca de Luan ter tocado nela há pouco. Aquele líquido rubro escorreu suavemente pela minha garganta, seguido pelo calor alcoólico que se espalhou pelo meu corpo. Inicialmente senti uma doçura suave, seguida por uma acidez que despertou meu paladar.

— O que achou?

— É estranho, mas acho que gostei. Tem bastante sabores, meio complexo de definir. Aliás, será que vou ficar bêbado com isso?

— Sim, claro. Vai ficar bêbado com um só gole de vinho — Luan gargalhou de minha pergunta, pegando o vinho e dando um novo gole antes de me passar mais uma vez.

          Olhei para o meu namorado. Seus lábios tintos e seus olhos verdes vibrantes me olhando intensamente eram uma verdadeira obra de arte. Queria poder beijá-lo. Era uma droga ser gay. Não digo pelo ato de gostar de garotos, mas sim por não podermos fazer o mesmo que héteros normalmente faziam em público.

          Nossa falta de privacidade e oportunidade fazia com que nossas vontades se limitassem em nossos olhares. Pode ter sido o álcool, mas eu sentia que queria mais até do que apenas beijá-lo. Queria arrancar a roupa de Luan. A cada dia, minha relutância dava lugar a uma excitação descomunal pelo seu corpo.

          Todavia, tanto o local quanto o frio não eram nenhum pouco propensos para ficarmos pelados. Ter sua perna roçando a minha perna, enquanto ambos olhávamos um para o outro sem dizer nada me faziam ficar encantado por Luan, e me faziam ter pensamentos delirantes de nós dois num momento mais íntimo. Eu estava louco para cair de boca no seu...

— Sabe o que eu estava pensando? — Luan falou repentinamente, quebrando totalmente minha dispersão e meus pensamentos vulgares.

— Oi? O quê?

— Que todo mundo cumprimenta uns aos outros com "feliz" natal. Mas, esse talvez seja o primeiro Natal que estou de fato feliz.

          Luan deu um sorriso afetuoso, sem mostrar os dentes. Eu, de igual maneira, sorri. Ele era o meu garoto, e eu percebia que a cada segundo eu era totalmente pertencente a Luan. Me entreguei totalmente àquele jovem ao meu lado, então vê-lo feliz fazia minha pulsação acelerar como se eu tivesse recebido a melhor notícia de minha vida.

— Te levei para o mal caminho mesmo, hein. — Ele comentou, ao me ver dar mais uma bebericada no vinho.

— Acho que você é o impulso de rebeldia que estava faltando em mim. — Respondi ao tirar a garrafa, agora vazia, dos lábios. Ambos rimos, talvez um pouco mais animados do que o habitual por estarmos um pouco "altinhos".

🎄🎁

          A campainha de casa tocou na manhã do dia 25. Dessa vez, me certifiquei de estar no andar de baixo para recebê-los, sem ter que ouvir minha mãe berrando de novo.

— Sejam bem-vindos. Feliz Natal — Papai quem abriu a porta, dando passagem para Luan e James entrarem em nossa casa.

— Feliz Natal — Responderam em uníssono, timidamente.

— Oh, você que é o James? Kevin falou muito de você. Disse que você e o Luan são quase irmãos. Você é muito bem-vindo aqui, querido. Sinta-se em casa. — Mamãe não parava de falar, fazendo o pobre do James ficar ainda mais retraído.

— Obrigado, senhora Drummond — James falou enquanto minha mãe o abraçava, mas Luan tratou de dar uma cotovelada em seu amigo como se o recordasse de algo. — Quero dizer, senhorita Drummond.

          Enquanto mamãe estava ocupada com James, Luan me lançou um olhar crítico por cima de seu ombro. Até imagino o porquê. Eu havia dito que minha família não era tão tradicional em relação ao Natal, mas lá estava eu com uma calça vermelha, um suéter verde e um gorro na cabeça. Além, é claro, de uma árvore de Natal bem grande, adornada com luzes pisca-pisca e cheia de enfeites coloridos ao centro da sala de estar, com algumas caixas de presente em torno dela.

— E você, Luan? Sua mãe está bem do sarampo? É uma pena que ela tenha ficado doente justo no Natal.

          Sim, essa foi a desculpa que inventei para justificar o fato de Luan passar o Natal em casa, e não com seus pais.

— Está sim, dona Rosana. Mas por conta disso, tive que passar o Natal fora de casa, já que é contagioso.

— Deseje melhoras para ela, meu docinho. Eu mesma desejaria, mas ela nunca mais respondeu minhas mensagens. Queria marcar de sairmos qualquer dia desses.

— Ah, ela trocou de número. Mas não se preocupe, irei passar o recado a ela — Luan tratou de remediar a situação, dando uma risada forçada.

          Olhei para o James. Seus olhos vagavam pelos cantos da sala, disfarçadamente. Sabendo que ele não gostava de mentiras, e não era tão bom mentiroso quanto eu e Luan, e também aproveitando-se do fato de ele estar segurando uma tigela de vidro com uma torta que eles haviam trazido, usei disso ao meu favor para tirá-lo de cena.

— James, vem cá. Me deixa te levar até a cozinha.

          Enquanto Luan ficava sozinho na sala com meus pais, eu e James adentramos no outro cômodo. Pedi para ele colocar a torta em cima da pia, enquanto eu me sentava em cima da ilha da cozinha.

— E aí, como está sendo passar o Natal longe da sua amada?

— Ah, eu queria passar com a Lêh. Mas fazer o quê, né. Ela teve que ir conhecer aquela madrasta dela.

          James se encostou na geladeira, cruzando os braços enquanto conversávamos. Não era a primeira vez que eu e ele ficávamos sozinhos. Ainda assim, eu sentia que tinha algo que queria lhe dizer há um bom tempo.

— Eu nunca tive a oportunidade de dizer, mas obrigado.

— Pelo quê? — James questionou, sem compreender.

— Por você nunca ter tido ciúmes do Luan e de mim. Por ter incentivado a gente a ficar juntos. Todo o apoio que você deu a ele, acho que foi essencial para que Luan se aceitasse.

— Deixa disso, Kevin. Se for assim, eu quem deveria te agradecer, afinal estou namorando sua melhor amiga. — James deu uma risadinha acompanhada de um balançar de ombros. — Além disso, você sempre me incluiu nas suas rodas de amigos, e até me convidou para passar o Natal aqui.

"Isso para mim tem um grande significado. Você sabe, larguei a escola há muito tempo por causa do meu pai, então o único amigo que eu tinha era o Luan. Fez falta para nós termos outros amigos, como vocês."

— Ah, verdade. A escola. O que pretende fazer sobre isso? O Luan disse que você é muito inteligente, vive estudando por conta própria com os livros dele. Mesmo assim você precisa de um diploma.

— Eu sei. Pretendo me matricular no EJA ano que vem, agora que meu pai não está mais por perto.

          Fiquei alegre em ouvir isso. James era um garoto esforçado e de bom coração, não merecia ter um pai como aquele, nem perder o direito de estudar e se formar. Aliás, ninguém merecia passar por isso.

          Me ergui da ilha, caminhando lentamente em direção a ele. Então ergui meu punho no ar. Inicialmente, James ficou surpreso, mas logo em seguida sorriu e retribuiu o gesto.

          Ficamos admirados ao retornarmos à sala e nos depararmos com risadas dos três que estavam lá. Meus pais estavam sentados no sofá junto a Luan em frente à televisão, gritando para a TV animados após um time qualquer de um jogo qualquer marcar gol. Eu não ligava para futebol, nem entendia nada das regras. Que diabos de jogo era esse, afinal, no dia de Natal? Achei que a única coisa que rolava na TV nessa data era o show do Roberto Carlos.

          Meus pais, por outro lado, amavam assistir futebol. E Luan, pelo visto, havia achado algo em comum com eles.

— Gooool! — O narrador gritou de dentro da televisão de forma prolongada.

          Tamanha foi a euforia da comemoração dos três, que Luan ficou em pé em cima do sofá com seus tênis saltitando de alegria e gritando. Meus pais o acompanharam na comemoração. Santo Pai, se fosse eu fazendo isso no sofá ia ficar de castigo até me aposentar.

          Não tardou muito para almoçarmos. O almoço de Natal era sempre o mais fabuloso do ano. Amava a lasanha da minha mãe, o lombo de porco, o pernil...

— Quer me passar o frango assado, Kevin? — Luan pediu com um sorriso malicioso. Ninguém percebeu a malícia na sua fala enquanto eu passava a travessa para ele sobre a mesa, mas eu sabia bem que tinha uma conotação sexual com esse termo. É, Luan. Ano que vem estava próximo, e nossa promessa faltava pouco para se concretizar. E eu estava igualmente ansioso por isso.

          Após o almoço, assistimos alguns outros programas de TV, jogamos cartas e Luan até inventou de tocar algumas músicas natalinas no seu violão que trouxe consigo. Meus pais ficaram impressionados com seu talento — não é para menos, afinal. Luan e James estavam aos poucos se desinibindo. Fiquei feliz por vê-los se dando bem com meus pais e se sentindo à vontade.

          Mais para o finalzinho da tarde, foi hora de abrirmos os presentes. Dei para minha mãe um perfume que ela propositalmente deu a entender que queria ao longo do mês.

— Ah, Kevin meu amor, como você sabia? — Sínica.

          Após abraçar mamãe, voltei ao meu lugar no sofá.

— E esse aqui é o do Luan — Papai pegou o último presente em frente à árvore, entregando ao meu namorado.

          Luan olhou para mim sem compreender enquanto recebia o embrulho.

— O Kevin fez questão de comprarmos isso para você. Ele disse que você amaria — Mamãe explicou sorridente.

— Kevin, eu disse que não precisava.

          A animação de Luan logo foi substituída por uma expressão de indignação. Era um Blu-ray do filme "O Presente Macabro". Um filme de terror que se passava na época de Natal.

          Enquanto Luan encarnava o próprio Grinch pelo meu presente propositadamente de algo que ele odiaria — afinal, ele morre de medo de filmes de terror, eu, por minha vez, batia na palma da mão de James em um ato cúmplice. James finalmente se vingou da fantasia de Coelho Branco que Luan lhe deu no Halloween.

          Luan se ergueu do chão e veio em minha direção com os braços erguidos.

— Obrigado, Kevin. — O idiota me abraçou, fingindo ter gostado do presente.

          Era esse um belo pretexto de abraçá-lo na frente dos meus pais sem erguer suspeitas de nosso relacionamento. Por isso, retribuí o abraço do meu namorado de forma carinhosa. Sentir seu corpo junto ao meu naquele abraço, para mim; e tenho certeza que para ele também, era o melhor presente de Natal que poderíamos dar um ao outro.

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