37. Gostosuras ou Travessuras?

          Enquanto percorríamos o campus da escola, não pude deixar de reparar nos morcegos feitos de papel de origami pendurados por barbantes, assim como as teias falsas feitas de linhas brancas. Era época de Halloween! Por mais que essa data não me trouxesse boas lembranças, ainda assim a maioria das pessoas se amarrava nesse clima de "horror".

— Deixa ver se eu entendi — Luan, ao meu lado, falou enquanto caminhávamos pela grama úmida —, você e seus amigos costumam comemorar o Dia das Bruxas se fantasiando igual as crianças?

          Assenti, embora a forma como ele falasse soasse bem desdenhosa.

— E saem por aí pedindo doces de porta em porta também?

— Claro que não, lerdo. Nós nos fantasiamos, mas passamos a noite na casa do Douglas. É tipo uma festa do pijama.

          Luan imediatamente virou a cara para o lado, a fim de, inutilmente, tentar esconder sua risada abafada, como se uma festa do pijama fosse ainda mais infantil do que pedir doces por aí. Após se recompor, ele tornou a me olhar.

— Desculpa, Kevin. Mas uma festa de pijamas só de garotos? Acho que você já dava sinais de ser gay bem antes de me conhecer. Talvez os seus amigos sejam também — mais uma vez o idiota riu, enquanto eu, em resposta, apenas fechei a cara.

— Não seja enjoado, Luan. Fizemos isso no ano passado, e foi divertido. Ficamos jogando alguns jogos de tabuleiro, assistindo filmes de terror e tiramos algumas fotos. Se não quiser ir, tudo bem...

— Eu vou, meu chuchu. Embora eu dispense os filmes de terror — ele disse com ternura. Por mais que amasse os apelidos que Luan me dava, dessa vez não pude deixar de sentir uma pontada de vergonha alheia. — Eu ando gostando dos seus amigos.

— Uh, isso é surpreendente — foi a vez dos meus lábios se curvarem em um sorriso, conforme nos sentávamos abaixo de uma árvore no gramado enquanto o intervalo não acabava. — Mudou de opinião sobre amizades, foi?

          Sentado, com os joelhos erguidos, Luan pareceu esmiuçar sua mente por um tempo enquanto olhava para o horizonte.

— Eu acho que, quando criamos uma ideia de que todos são iguais e não acrescentam em nada na nossa vida, a gente acaba ficando preso nesse estereótipo e perde a oportunidade de conhecer pessoas incríveis. Já lidei com muitas pessoas desinteressantes e rasas, mas nem todos são assim. Se eu não tivesse dado uma chance de te conhecer melhor, por exemplo, teria sido o maior erro de toda minha vida.

          O sorriso estridente dele, aliado a um raro momento em que sua timidez se manifestava com sua pele esbranquiçada corando, me enrubesceram da mesma maneira.

— Seu bobo.

          Nesse momento, alguém surgiu repentinamente por de trás da árvore em que estávamos encostados, sem que percebêssemos, nos dando um susto avassalador, em especial no Luan, que saltou no mesmo instante como reflexo.

          Letícia cascava o bico ao ver a reação de Luan ao levar um susto pelo seu ato. Ele, por sua vez, estava com a mão no próprio peito, respirando ofegante buscando se acalmar. O cara que eu namorava era certamente o mais medroso que já conheci.

— Sua galinha-d'angola!

— Sua mula empacada! — Letícia devolveu a ofensa botando a língua para fora.

— Achei que vocês tivessem feito as pazes e estavam se dando bem — comentei, sem demonstração de me importar tanto ao finalizar minha fala com um bocejo.

— Luanzinho sabe que amo ele — Letícia fez um símbolo de coração com as mãos direcionado a ele. — Mas ele também sabe que amo mais ainda irritá-lo.

          Dei uma risada. Letícia tomou assento ao meu lado no chão, enquanto Luan voltava a se sentar do meu outro lado.

— Já comprou sua fantasia para a noite do Halloween? — perguntei a ela, mas Luan interveio antes de Letícia responder.

— Ela vai também? E a parte de ser uma festa só de garotos?

— Eu tenho minha própria festa para ir, querido. Minhas amigas vão passar a noite em minha casa. Pode ficar tranquilo, sua festa só de "cuecas" continua intocável — Quanta audácia dela. Leh se recordava de que eu era namorado dele? — E sim, Kevin, já comprei. Irei de Bruxa Má do Oeste.

— Você entendeu mal, Letícia — Luan pontuou, fazendo nós dois olharmos para ele confusos. — É para ir fantasiada, não com sua aparência normal. Embora acho que Bruxa do 71 combine mais contigo.

          A menina ao meu lado se inclinou sobre mim a fim de dar um tapa em sua nuca, enquanto Luan se defendia com as próprias mãos entre risos. Acho que essa era a maneira que os dois tinham de demonstrarem amor um pelo outro.

          Por um breve momento minha visão se desviou para muito além, onde avistei Thalia sentada em uma mesa sozinha lendo um livro. Por mais que nossa relação tenha se intensificado, e agora Thalia fosse nossa amiga, sua interação com demais pessoas na escola permanecia zero.

— Leh, posso te pedir um favor? — Perguntei, enquanto ela me olhava interessada no que eu tinha a dizer. — Será que é pedir muito se você e suas amigas incluíssem a Thalia na festa do pijama de vocês?

          Letícia Spears suspirou levemente, dando a falsa impressão de que fosse recusar minha proposta.

— Não precisa pedir o óbvio, Kevin. Eu já a convidei — eu olhei para Leh genuinamente estarrecido. — Não é por ela ser sua amiga, mas porque passei a gostar dela também. Não posso assegurar que ela vai se dar bem com as outras garotas, mas ao menos eu vou estar lá com ela.

          Dei um sorriso sem jeito para minha amiga. Eu sequer fazia ideia de que ambas estavam firmando uma amizade às espreitas.

🎃

          Na véspera do Dia das Bruxas, eu e Luan nos aventuramos pelo centro da cidade em busca de nossas respectivas fantasias. As lojas estavam em sua maioria lotadas, deixando-me surpreso com a quantidade de pessoas que deixavam as compras para a última hora. "Se está assim no Halloween, imagina no Natal", pensei enquanto observava a multidão.

          Embora dessa vez Luan estivesse demonstrando um real interesse nessa empreitada, acho que era eu quem estava mais distante de toda essa animação por minha vez. Como mencionei, eu não gostava da época do Halloween.

          Diego faleceu justamente nessa data, dois anos atrás. Por conta dos protocolos e autópsia pela qual seu corpo passou, ele foi enterrado apenas dois dias depois, justamente no Dia dos Mortos. Logo, esses eram dias que me lembravam fortemente dele mais do que os outros e me faziam muito mal.

          Meus amigos notaram que eu estava melancólico desse mesmo jeito no ano anterior, mesmo que nenhum deles soubesse o real motivo, nem sobre a existência do Diego. Por conta disso, a fim de me animarem, surgiu a ideia de fazermos essa festa do pijama, que aparentemente havia se tornado uma tradição entre nós.

— O que acha dessa? — Luan chamou minha atenção naquela loja de roupas. — Ei, Kevin. Está me ouvindo? — só então me despertou para a realidade.

— Ah, pirata? Sei não, capitão. Acho que você está mais para... — Devolvi a fantasia que ele pegou na arara, e então puxei dela uma longa capa preta com uma gravata borboleta —, um vampiro!

          Recordei-me da primeira vez em que reparei nos dentes caninos afiados de meu namorado. Ele me lembrou na ocasião um vampiro, e confesso que teria uma queda ainda maior se Luan se fantasiasse assim.

— Ah, não faz meu tipo — ele fez um gesto com os ombros de indiferença, me deixando triste com sua recusa. — O que acha de uma fantasia de bombeiro?

          Luan pegou uma jaqueta vermelha e um capacete do outro lado da loja. Coloquei a mão no queixo pensativo.

— Hum, e cadê a mangueira?

— Aqui! — Luan levou a mão às suas partes baixas por cima da bermuda de forma provocativa, mordendo os lábios inferiores.

          Por mais que tivéssemos combinado de adiar nossas relações íntimas, vez ou outra fazíamos esse tipo de provocação um com o outro. E, assim como a fantasia que ele sugeriu usar fazia alusão, isso meio que me fazia pegar "fogo" por dentro.

— Gostou? — ele sussurrou de forma sacana no meu ouvido ao se aproximar novamente.

— Gostaria mais se não fizesse essas coisas em público — falei timidamente, embora soubesse que não havia ninguém por perto naquela parte do estabelecimento. E, além disso, um sorriso bobo no meu rosto entregava o quanto eu amava essas instigações do Luan. Por mim, ele podia ficar o dia todo sussurrando no meu ouvido.

— Se lembra do que aquela garota me disse na festa quando fingiu que estava bêbada? — ele perguntou, embora eu não me lembrasse do que se referia. — Sobre querer tirar minha camisa e passar os lábios no meu corpo. O único que eu queria que fizesse isso é você, queria te ver deslizando sua língua em mim todinho.

          Cacete! Se Luan continuasse assim, eu não ia responder por mim.

— Desse jeito a fantasia que você vai acabar escolhendo vai ser de acompanhante de luxo — brinquei, fingindo olhar para as fantasias em minha frente só para não lhe encarar.

— Não seria muito trabalhoso. Iria precisar apenas de uma cueca boxer para isso. Mas aí, apenas você poderia ver essa minha fantasia — Luan continuou a sussurrar com um sorriso maroto.

          Dei dois passos discretos para o lado; precisava mudar de assunto antes que alguém notasse que eu estava tendo pensamentos devassos num local inapropriado e que meu corpo estava reagindo a essas ideias.

— Tem ideia de que fantasia levaremos para o James?

— James? — Luan voltou ao seu tom de voz habitual, confuso tanto pela mudança brusca de assunto quanto pela menção do nome de seu melhor amigo.

— Eu quero que ele vá conosco para a noite do pijama — indiquei, olhando diretamente nos seus olhos verdes. Luan ainda demonstrava confusão no olhar. — Você está sendo tão bacana com meus amigos, é o mínimo que posso fazer. Fora que James já é meu amigo também. Os garotos não vão se importar se ele for. Além disso, é uma maneira de comemorarmos que ele finalmente conseguiu a emancipação.

          Sim, James foi emancipado! Tendo em vista tudo que ele passou, o fato dele sustentar a própria casa e por faltar apenas um ano para completar a maioridade, ele agora possuía direito sobre si mesmo. Em outras palavras, James não precisava mais de um tutor, poderia se casar se quisesse e até mesmo ser preso!

          Agora, a burocracia que estava sendo travada nos tribunais era para que James tivesse direito a casa de seu pai. Ele estava preso, e James e Luan estavam residindo lá. Mas, queriam se certificar que quando seu genitor fosse solto, ele não possuísse um lugar para retornar e nem tiraria James de seu lar. Segundo a advogada de James, a situação estava bem favorável para o seu lado.

          De toda forma, Luan sorriu agradecido por eu convidar seu amigo.

          Caminhando pela loja, me deparei com duas fantasias perfeitas! Eram a combinação ideal de fantasias para o Halloween e roupas para uma festa de pijamas.

— Ah não. Não me diga que está pensando nisso... — Luan exclamou ao notar meus olhos brilhando por aquelas vestes.

— Qual o problema, Luan? Você falou que gosta desse filme.

— Sim, mas isso é tão...

— Infantil? Deixa de ser palhaço. Você mesmo disse que não tinha problema nos divertirmos como se fossemos crianças — usando das próprias palavras dele de outrora contra si peguei as duas fantasias do cabide. — Além disso, elas meio que formam um par. Seria um jeito fofo de ir combinando com meu namorado.

          Luan fez um bico pensativo. Acredito que foi pelo fato de ver minha felicidade por aquelas fantasias que fez Luan aceitar; afinal, eu tinha passado as horas anteriores meio borocoxô pensando no Diego, então me ver assim animado fazia com que Luan aderisse a qualquer coisa que me deixasse alegre.

🧛‍♂️🤖🐇🧟👁️

          Os pais de Douglas eram bem flexíveis em relação ao fato de um monte de garotos passarem a noite na casa deles, desde que não destruíssemos sua casa.

          O próprio nos atendeu quando chegamos, com uma capa negra envolvendo seus ombros e uma dentadura de vampiro em sua boca escorrendo sangue falso. Graças aos céus, Luan tinha escolhido não vir assim. Não bastasse ter duas pessoas com a mesma fantasia, ela não combinava em nada com Douglas, e a diferença com meu namorado seria gritante - nele sim cairia como uma luva.

          Quando chegamos no quarto, avistamos as fantasias escolhidas pelos demais: Vinícius estava vestindo um terno costurado com retalhos de tecidos, com cicatrizes falsas em seu rosto e um enorme parafuso que simulava como se estivesse atravessando seu crânio, claramente fantasiado de Frankenstein. Já Lucca, por sua vez, caprichou na sua fantasia de ciborgue: o lado direito de seu corpo possuía os membros revestidos com partes mecânicas prateadas, com luzes LED que piscavam intermitentemente, enquanto fios e circuitos se entrelaçavam em seu corpo.

— Vocês realmente se dedicaram em suas fantasias — James comentou vindo por trás de nós, com uma cara emburrada.

          Luan havia me dito que James amaria se fantasiar de coelho. Por conta disso, demos a ele de presente uma fantasia do Coelho Branco de "Alice no País das Maravilhas", onde na sua casaca azul havia um relógio pendurado em sua lapela, enquanto sua cabeça era adornada por um par de orelhas pontudas falsas. O rosto dele era de puro desgosto, sinal de que Luan havia aprontado para cima dele: James na realidade odiou a fantasia!

— Você sabe bem que odeio esse maldito coelho, seu desgraçado — James rosnou para Luan.

— Qual a história trágica? — Vinícius, mesmo sem conhecer o melhor amigo de Luan, ficou curioso.

— Quando éramos crianças, James ficou morrendo de medo na vez em que assistimos Alice no País das Maravilhas. Além disso, ele vivia falando que o Coelho Branco era meio alucinógeno e sequestrador de criancinhas — Luan seguia rindo do trauma de seu amigo, enquanto James se sentava na cama de Douglas, planejando como se vingar.

— E vocês dois vieram combinando, é? — Lucca questionou apontando para mim e Luan com a cabeça.

          Foi a vez de Luan se encolher, enquanto eu sorria. Já que era uma festa de pijamas, tive a brilhante ideia de comprarmos pijamas espalhafatosos e peludos do meu filme da Pixar favorito: enquanto Luan usava um pijama verde-lima do personagem Mike Wazowski do filme "Monstros S.A.", eu, por minha vez, usava um bem semelhante do Sulley, só que na cor azul-turquesa.

          O quarto de Douglas era bem espaçoso. Na realidade, sua casa inteira era. Para terem noção, a casa tinha três andares! Claro, não chegava perto da grandiosidade da mansão dos pais de Luan, ainda assim era impressionante. Tinha espaço de sobra no chão para nos acomodarmos e começarmos a sessão de filmes de terror.

          O destino parecia estar pronto para vingar James: durante todo o filme, Luan se tremia e desviava o olhar da televisão sempre que uma cena de susto dava indícios de estar a caminho.

— O que foi, Luan? Está com medinho agora? — provocou James, sentado na ponta da cama atrás de nós.

— Claro que não!

— Então por que está se tremendo? — perguntou Vinícius, notando a agitação de Luan.

— Está um pouco frio aqui, não dá para aumentar o ar-condicionado?

          Rimos da desculpa dele, mas logo em seguida um alienígena apareceu no filme, saindo do armário e atacando a protagonista, fazendo todos nós gritarmos de susto.

          Depois do filme, era hora dos jogos! Mesmo adorando videogames, nada superava a sensação de virarmos a noite jogando jogos de tabuleiro. Começamos com Banco Imobiliário, depois fomos para o Jogo da Vida e, por fim, Detetive.

— Bem — James parecia hesitante em sua acusação, já que era sua primeira vez jogando —, eu acuso o Sr. Marinho de ser o assassino, com o revólver, na sala de estar.

          Todos nos entreolhamos. Nenhum de nós tinha nenhuma das três cartas mencionadas por ele. Por conta disso, Douglas abriu o envelope com a arma do crime, o culpado e o local do assassinato. E então, constatamos que James estava certo.

— Eu venci? — incrédulo, o namorado da Letícia saltou de animação com sua vitória feito um bobo alegre.

— Sorte de principiante — inclinado na cama, Lucca murmurou ranzinza.

— Não seja mau perdedor — Vinícius o repreendeu, porém, não deixando seu sorriso desvanecer do rosto.

— Me erra, garoto. Cadê sua namoradinha para dar um jeito em você? Devia ter ido pra festa das garotas com ela para se beijarem.

— Vish, estou sentindo um clima de ciúmes aqui — Douglas tacou mais fogo na fogueira, rindo da situação.

— Eu e a Erica só estamos ficando. — Vinícius fez pouco caso da provocação do mais baixo. — Vem cá, meu amor. Sabe que só tenho olhos para você — Em um gesto provocativo, Viní correu em direção a Lucca na cama, que deu um salto veloz para não ser pego.

— Sai fora, Satanás!

          Todos rimos daqueles idiotas.

— O Vinícius deveria ter feito que nem o Luan e o Kevin — Douglas expressou. Eu e meu namorado olhamos para ele receosos. O que tínhamos a ver com essa história? — Eles não contam a ninguém quem são as namoradas deles. Por isso, nenhum mano fica enchendo o saco deles.

— Queria ter tido essa sorte de manter sigilo sobre a Erica — O ruivo discorreu dando um suspiro longo.

          James se ergueu e foi em direção à janela, fugindo do assunto. Não sabia dizer se ele fez isso por não querer ser cúmplice em nossa mentira, ou se simplesmente tinha medo de dizer algo e acabar contradizendo algo que inventamos anteriormente. Esse era o mal da mentira. Quando falamos a verdade, não precisamos nos preocupar com os detalhes se contradizerem, pois a verdade era uma só.

          Eu já estava acostumado com os meninos trazerem à tona o assunto da minha "namorada", mas ainda me irritava eles sempre falarem disso. Custava esquecerem que eu namoro?

          Olhei então para o meu lado. Luan, agora sentado ao meu lado na borda da cama, estava reflexivo e cabisbaixo. Ainda assim, quando notou que eu olhava para ele, a sua mão sobre sua fantasia encostou na minha e ele esboçou um sorriso sem graça. Enquanto os meninos murmuravam qualquer coisa desinteressante entre eles, Luan fixou seus olhos em mim, sem nada dizer.

          A cabeça dele inclinou, e em um piscar de olhos seus lábios estavam sobre os meus em um beijo doce. Eu estava tão embasbacado com seu ato que não consegui me mexer. Não movimentei meus lábios como Luan estava fazendo; em contrapartida, não o afastei. Meu coração disparava, conforme eu recebia um beijo do meu namorado na frente de todos. Eu temia abrir os olhos e separar nossos lábios, pois, quando esse momento chegasse, a realidade de que todos estavam nos observando viria à tona.

          E foi exatamente o que aconteceu. Assim que Luan se desvencilhou de mim, eu abri os olhos. Vinícius, Douglas e Lucca estavam em êxtase diante de nós, com as bocas escancaradas. Até mesmo James saiu da janela e nos encarava surpreso. Contudo, ninguém naquele quarto estava com o juízo mais estonteado do que eu.

— Que caralhos acabou de acontecer aqui? — Lucca questionou com sua voz falha diante do ocorrido.

— É exatamente como parece. A minha tal namorada é na verdade um cara — Luan disse confiante, olhando para os três, sem soltar minha mão. — Eu sou o namorado do Kevin, e Kevin é o meu namorado.

          Mais um momento de silêncio. Meu coração disparava freneticamente. Por que Luan havia dito isso para meus amigos, ainda mais daquela forma?

          Do nada, Lucca começou a gargalhar exageradamente, como se tivesse perdido os poucos neurônios que ainda achávamos que ele possuía, fazendo com que nós todos olhássemos para ele intrigados.

— Boa pegadinha, hein — ele apontou para Luan. — Mas é Halloween, não dia da mentira. Deveria guardar essa para abril. Ainda assim, admiro sua dedicação.

— Que pegadinha o quê? Quem beija outro cara só para pregar uma peça? — Douglas o confrontou, e Lucca apenas balançou os ombros em resposta.

          Vendo que não estavam acreditando, Luan retirou sua aliança do dedo, direcionando-a aos três. No seu interior estava gravado: "Meu amor, Kevin Drummond - 12/06".

— Ainda possuem dúvidas? Pois podemos mostrar a do Kevin também, onde está escrito meu nome — Luan disse, porém sem demonstração de estar irritado. Ele tornou a colocar a aliança em seu dedo indicador conforme os três patetas voltavam a ficar perplexos.

— Então vocês dois são viados? — Lucca perguntou, mas logo levou uma cotovelada forte de Vinícius no estômago pela forma como ele disse.

— O Kevin e o Luan são namorados sim — James foi em direção ao centro do quarto de forma séria. — E não há problema algum nisso. Se tiverem algum problema com eles, então terão um problema comigo também.

— Relaxa, irmão. Ninguém aqui está falando nada — Vinícius falou tranquilizando James. Eu olhava para todo aquele espetáculo sem saber como reagir.

— Mas, parando para pensar, agora faz todo sentido. O fato deles andarem grudados o ano todo, faltarem nos mesmos dias na escola e nunca termos conhecido suas namoradas — Douglas pontuou.

— Eu... — falei, buscando as palavras em meu íntimo. Era sempre uma sensação desconfortante me assumir para alguém, ainda assim era um alivio depois que isso passava. — Bom, eu estou com o Luan. Eu o amo, e ele é meu namorado. Não sabia até pouco tempo que eu gostava de meninos, mas hoje eu sei. Gosto de garotos, mas não de idiotas como vocês. Então, por mim, nada muda entre nós. E é isso.

          Os meninos sabiam que eu não era de me perder nas palavras assim. Perceberam logo de cara o quanto aquele momento era embaraçoso para mim. Douglas então se sentou ao meu lado na sua cama.

— Está tudo bem, Kevin — ele colocou a mão em meu ombro em sinal de apoio. — Vendo pelo lado bom, teremos menos concorrência com as garotas.

— No seu caso, acho que nem se a concorrência fosse zero você conseguiria alguém — Vinícius zombou dele, recebendo uma travesseirada na cara em resposta.

— E então, qual de vocês é a mulher da relação? — Lucca perguntou com uma curiosidade acusada, com a sutileza de um hipopótamo dançando balé. Direcionei a Luan um olhar cúmplice, esperando que ele deixasse que eu respondesse à altura.

— Não há uma mulher na relação, mas se um dia precisarmos de uma, chamaremos sua mãe para nossa cama.

          Todos riram de Lucca, que rangeu os dentes diante da minha resposta. Até mesmo James, que a princípio estava na defensiva, sentiu o clima aliviar no quarto e se entregou a gargalhada.

— Odeio vocês todos — Lucca murmurou irritado.

          Quando demos por nós, todo aquele clima de se assumir havia passado. Eu já deveria imaginar que os meninos me tratariam como sempre, não sei porque demorei tanto para contar a eles.

          Porém, certas coisas dolorosas voltavam a permear minha mente bem nesses momentos de alegria. Mesmo com o ânimo dos garotos de voltarmos a jogar o Jogo da Vida, não consegui esconder totalmente meu semblante de desolação diante da lembrança de Diego; se estivesse vivo ele poderia estar ali conosco naquele momento.

— Ei, Kevin. Vai querer o carro rosinha, né? E agora vocês podem colocar dois bonequinhos azuis dirigindo o carro — Lucca continuava brincando enquanto montávamos o tabuleiro. Dei um sorriso forçado, não pela brincadeira em si, que não me incomodava em nada, mas sim pelo único fator que eu não estava no clima para descontração.

          Luan, percebendo minha repentina mudança de humor, levantou-se e dirigiu-se a mim:

— Kevin, se importa de vir comigo pegar alguns salgados?

          Ele não precisava de mim para isso. A mãe de Douglas tinha colocado uma bandeja de salgados numa mesinha do outro lado do cômodo. Percebendo que era um sinal para falarmos sozinhos, assenti e o segui.

— Está tudo bem para você essas brincadeiras deles? — Luan questionou em tom baixo, quando chegamos à mesa, olhando para trás e certificando-se de que James e os demais não estavam nos escutando.

— Está, Luan. Na realidade, esse é o melhor cenário possível. Se não fossem essas brincadeiras deles, então eu acharia que estavam me tratando diferente. Eles são assim, então não tenho por que levar a mal. — Após falar, percebi que Luan ainda estava bem preocupado. — Por quê? Isso está incomodando você? Se for, posso falar com eles.

— Não, nem um pouco. Já te falei, gosto deles — Luan pegou um rissole na mesa, mas ficou furando-o com o polegar invés de comê-lo. — Me desculpa ter feito você se assumir assim para os seus amigos. Como eu havia me assumido para o James, achei que você andava meio para baixo porque queria contar aos seus respectivos amigos também. Achei que você estava com medo de falar com eles, preocupado que eu não quisesse isso.

— Não é isso, Luan — balancei a cabeça em negativa, afinal ele havia entendido tudo errado. — Ainda assim foi bom termos feito isso. Agora essa distância que eu tinha com eles de evitar falar a verdade, foi quebrada.

          Algo ainda parecia incomodar Luan. Ele permanecia perfurando o salgado, como se tivesse algo mais a dizer.

— Falando em verdade — Luan finalmente me fitou —, posso perguntar quem é Diego?

          Não fui bom em esconder meu choque com o fato de Luan citar aquele nome, afinal quando ele o fez quase derrubei a bandeja toda de salgados no chão.

— O nome desse garoto estava naquele taco de beisebol que foi quebrado na casa do James. Não me entenda mal, Kevin. Não é ciúmes. É apenas preocupação com meu namorado. É isso o que vem te incomodando nos últimos dias, não é? Esse é aquele segredo que você nunca me contou, né? Você não precisa me contar se não quiser, mas, atualmente você já sabe cada mínimo detalhe e segredo meu. Porém eu ainda não sei tudo sobre você.

          Meu cérebro ainda processava a informação que pela primeira vez Luan verbalizou o nome do Diego. Era um nome que apenas estava existindo em minha mente, mas quando falado em voz alta, tornava tudo o que ocorreu real. Era trazer de volta algo do qual eu não queria mexer.

— Me desculpa, Luan. Mas eu realmente não quero falar sobre isso. — Sem esperar sua resposta, peguei uma coxinha da mesa e retornei ao centro do quarto com o sorriso mais falso que eu consegui esboçar. — Estão prontos para perder o jogo, galera?

          Sabia que Luan estava preocupado comigo. Mas não tinha o que fazer. Eu ficava devastado toda vez que me lembrava do Diego, então não tinha como lhe contar a verdade.

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