29. Aquele Em Que Me Defino

          Estar conhecendo o Arthur de forma melhor estava sendo consideravelmente uma experiência agradável. Era fácil lidar com ele, fosse nas nossas descontrações durante os ensaios para a peça, ou até mesmo nas nossas trocas de mensagens. Suas mensagens eram animadas, assim como ele; o assunto sempre rendia e ele sempre parecia interessado no que eu tinha a dizer. O oposto de quando eu namorava Luan... Por sermos da mesma classe, e estarmos o tempo todo juntos, meu ex-namorado e eu não tínhamos tanto assunto. Ele geralmente respondia com poucas palavras, ou no máximo me escrevia um "eu te amo" seco.

          Sei que não deveria haver comparações; Arthur era uma outra pessoa, e ele era apenas meu amigo, ainda assim eu não conseguia deixar de sentir que as comparações ocorriam quase que organicamente. Arthur não tinha medo de ser gay e das pessoas saberem disso. Ele era livre, era cheio de amigos — mais uma vez o oposto de Luan, e não tinha me demonstrado, até então, nenhum momento ranzinza como meu ex.

          Ele estava sendo o meu primeiro amigo gay. Sempre tive o meu grupo de amigos, mas, parando para pensar, tinha a impressão de que não conseguíamos ter uma relação de amizade profunda. Isso porque eles eram heterossexuais, eles tinham o próprio mundinho deles, e eu escondia o meu mundo deles. Com Arthur, eu podia ser eu mesmo. Eu tinha essa liberdade.

— Muito bem pessoal, por hoje é só. E você, Arthur, está se saindo muito bem. Continue assim. — Nossa professora de artes cênicas deu uma piscada para o garoto de chapéu de palha ao meu lado, que aceitou o elogio com um sorriso no rosto.

— Ela tem razão, Arthur. Você está pegando o jeito com esse lance de atuação! — Exclamei empolgado, conforme guardávamos nossos respectivos scripts em nossas mochilas e os demais alunos deixavam o anfiteatro.

— Imagina, Kevin. Eu devo tudo isso a você. Sem nossas trocas de áudios todas as noites para ensaiar, eu ainda estaria todo embananado.

          Percebi, então, que estávamos próximos demais. Eu e Arthur estávamos sozinhos em cima do palco, enquanto todos já haviam partido. Seu charme, seu jeito irresistível de ser, a doçura de sua voz, e seus lábios carnudos próximos da minha boca eram uma chamada muito séria para me entregar a um beijo intenso. Mas, ainda havia um empecilho em minha cabeça. Um empecilho chamado Luan.

          Dei um passo discreto para trás, e depois mais um, a fim de criar espaço entre nós dois.

          Foquei meu olhar pelo ambiente, a fim de disfarçar sobre a situação constrangedora do possível beijo que quase rolou entre nós, enquanto Arthur terminava de guardar o chapéu no arsenal de fantasias do anfiteatro.

— Sabe que amanhã é sábado, certo?

— Sim, normalmente depois da sexta vem o sábado. — Brinquei, me dando a liberdade de olhar para ele. Fiquei satisfeito que não se instalou um climão pela situação de há pouco.

— O que estou querendo dizer é que estava pensando em te chamar para sair. De manhã cedo eu estarei ocupado fazendo umas coisas para o meu pai, mas no finalzinho da tarde estou livre. Se você quiser, é claro.

— Por mim tudo bem, Arthur. Estou livre amanhã. Faz tempo que não saio com um amigo mesmo.

          Minha empolgação com seu convite não foi tão bem aceita por ele pela sua expressão. Olhei para ele confuso.

— Na verdade, não estava pensando em um rolê de amigos.

— O que então?

— Estava me referindo a um encontro.

          Meu Deus! Como eu era lerdo. Não havia me dado conta de seu flerte implícito no convite. Não sabia dizer se estava pronto para sair com outro cara. Havia terminado meu primeiro, e até então único, namoro há poucos dias. Mas, ao mesmo tempo, Arthur era todo meigo.

          Tínhamos quase a mesma altura, de forma que seus olhos âmbar fitavam meus próprios olhos quase em linha reta. Ele tinha atitude, mas ficava quase tão tímido quanto eu nessas horas. Arthur era sociável, era engraçado, em geral, era como eu. Havia aqueles que diziam que os opostos se atraíam, e talvez esse fosse o motivo pelo qual eu e Luan nos apaixonamos. Mas, será que não daria certo também com alguém tão parecido comigo?

          Eu sentia atração por Arthur, ele mexia comigo. E minha vontade de beijá-lo era imensa. Contudo, de forma conflitante, não sabia se estava pronto para me aventurar em uma nova relação. Muitos também diziam que não devemos tentar conhecer alguém quando ainda estamos de coração partido, pois, se der errado, meu coração estaria partido por duas pessoas ao mesmo tempo e a dor se intensificaria. Ao mesmo passo, Letícia não acreditava nisso. Ela sempre aderia ao fato de que: nada como um amor novo para superar um antigo. Se bem que ela estava longe de ser um bom exemplo.

          Arthur continuava a me olhar, com esperanças e receio conflitando em seu olhar. Não sabia se estava me apaixonando por ele, mas eu gostava dele. Naquele momento, queria correr e abraçá-lo bem forte, ou até mesmo beijá-lo. Só queria também conseguir desligar meu cérebro e não pensar mais em nada que me fizesse declinar.

          Com o tempo passando entre sua pergunta e o meu silêncio, meus lábios se abriram e, com o melhor sorriso que pude dar, pronunciei:

— Teremos um encontro amanhã então.

          Sua preocupação deu lugar a uma alegria escancarada. Era divertido vê-lo tão alegre com um simples "sim" para um encontro. Não sabia se minha aceitação e meu sorriso eram genuínos, ou apenas algo que disse para tentar esquecer Luan de vez. Mas, ainda assim, eu me sentia confortável em ter topado. Luan seguiu em frente, era minha vez de fazer o mesmo.

— Então os dois garotos gays do clube de teatro da escola terão um encontro bem gay amanhã. — Arthur falou provocativo e enigmático, colidindo nossos ombros uns com os outros.

          Ele não tentou nenhuma maior aproximação naquele dia depois disso. Afinal, acho que estava confiante de que uma interação maior ocorreria no nosso encontro do dia seguinte. O que me daria um dia inteiro para me preparar psicologicamente para o que estava por vir: possivelmente eu beijaria outro garoto, pela primeira vez depois de Luan.

          Tentei afugentar de minha cabeça qualquer lembrança do meu ex. Não queria me recordar dele e fazer isso estragar nosso encontro; tudo isso enquanto eu e Arthur nos dirigíamos à saída da escola.

          Manter Luan longe dos meus pensamentos, no entanto, se tornou uma tarefa árdua quando o mesmo passou por entre nós próximos ao portão e esbarrou nos nossos ombros. Tomando distância sem pedir desculpas, o delinquente caminhava a passos largos, sua jaqueta preta costumeira encobrindo suas costas.

          Fiquei um tanto surpreso em saber que ele permanecia treinando no clube de basquete, mesmo após perderem o torneio. Mas, isso já não era mais da minha conta.

          Arthur olhou para mim, buscando ver se estava tudo bem, afinal ele sabia quem era Luan e que eu e ele já fomos próximos. Mesmo sem nenhum questionamento dele, assenti com a cabeça como se dissesse que estava tudo okey.

— Olha só, parece que os dois baitolas romperam o namorinho. — Mais um sujeito desagradável surgiu de nossas costas, dessa vez parando em nossas frentes sorridente. Christian tinha um olhar zombeteiro, enquanto eu fechava a expressão. — Eram tão unidinhos, o que aconteceu? Ele se cansou da sua cara de nerd tapado ou você quem percebeu o fracassado que ele é?

          Sem obter quaisquer respostas, Christian deu as costas e saiu andando, enquanto sua gargalhada irritante era dada propositalmente mais alta e exagerada do que deveria.

          Esse imbecil ainda guardava rancor da vez em que eu e Luan intervimos contra o que ele estava fazendo com Letícia. Ele não sabia do meu namoro com Luan, aquela fala era pura provocação.

          Busquei me virar em direção a Arthur para dizer para relevar aquilo, mas ele não estava mais ao alcance de minha vista. Olhei para o outro lado, e então o encontrei agachado, pegando algo do chão. Aguardei enquanto ele terminava, o que quer que fosse.

          Com o objeto já em mãos, ele pressionou os calcanhares e se ergueu. Meus olhos se arregalaram ao perceber o pedregulho quase do tamanho de sua mão entre seus dedos. Antes que eu pudesse intervir, Arthur tacou a pedra com força na direção de Christian quando o mesmo passou pelo portão.

          O barulho do choque entre a pedra e sua nuca foi tão alto que quase senti pena do babaca. Reparem que disse quase. Imediatamente Christian grunhiu de dor e levou a mão à região machucada, voltando-se ferozmente em nossa direção.

— Corre! — Arthur gritou para mim.

          Desnorteado, mas ágil, entendi o recado e passamos velozmente por seus lados, tomando distância de nosso perseguidor a passos firmes para o lado oposto dele.

          Não pude segurar a gargalhada. A risada vinha junto ao vento que cortava nossos rostos. Arthur me acompanhou no riso, conforme olhávamos para trás e percebíamos que Christian não estava mais em nosso encalço, após termos o despistado depois de uma longa correria.

          Enquanto tomávamos fôlego depois de muito correr, não pude deixar de notar a ironia da situação. Mais uma vez um garoto se colocava à minha frente e comprava minhas brigas. Diferente de Luan, no entanto, que me defendia e encarava de frente meus agressores, Arthur tinha mais o mantra: bater e correr. Sorri para ele, em agradecimento, conforme nos despedíamos e deixávamos combinado nosso encontro para o dia seguinte.

🌙

          Justamente aquele final de semana foi marcado pela viagem de negócios de meus pais, o que significava que minha casa estava livre. Mas, evitei mencionar esse fato para Arthur. Não é que eu não confiasse nele, mas, por mais inexperiente que eu fosse, eu sabia muito bem o que garotos faziam quando convidavam para assistir "Netflix" em casa. Ou deveria dizer "Meteflix"?

          Próximo do horário combinado, me arrumei da melhor forma possível. Não sabia para onde iríamos, então estava meio conflitante sobre qual look escolher. Ainda assim, o calor daquele dia me fez aderir a uma bermuda branca e uma regata preta que eu havia recebido recentemente de presente de meus avós. Estreei também um perfume que ganhei, e de quebra, passei quase uma hora decidindo qual penteado de cabelo usar. Tentei fazer algo novo, jogando-o para o lado.

          Foi então que percebi que aquela era a primeira vez que me arrumava tanto para um encontro. Isso nunca foi uma preocupação latente quando estava com Luan. Eu estava ansioso para sair com Arthur e ver no que isso daria, mas minha ansiedade quase me fez desistir desse encontro maluco.

          Ainda assim, lá estava eu no lugar combinado pouco tempo depois. Arthur me passou as coordenadas e tive que me virar com o GPS para chegar no local. E lá estava ele, próximo ao único poste daquele lugar, pontual e encantador como sempre, acenando para mim.

          O lugar definitivamente não era o que estava imaginando. Aquela área totalmente deserta, sem nenhuma pessoa à vista, era adornada por um extenso curso de água de um córrego. Apesar da água parecer limpa à primeira vista, exalava um odor desagradável. Havia apenas um pequeno punhado de grama nas suas margens, enquanto uma estrada de terra se estendia do outro lado.

— Que lugar é esse? — Questionei ao chegar diante dele, com um tom um tanto desconfiado.

— Não sou como seu amiguinho mauricinho que vive trancado numa mansão. Eu conheço todos os cantos da cidade, principalmente lugares assim, longe da visão de qualquer pessoa.

          Nós dois começamos a caminhar pelas margens. De fato, não havia ninguém por perto, e o fato de a noite estar se aproximando só facilitava nesse lance de privacidade.

— Espere aí, como sabe que o Luan é rico?

— Eu fiz meu dever de casa, Kevin. — Arthur sorriu, me fazendo erguer uma sobrancelha. — Acha que eu não daria uma de stalker para cima da concorrência?

          Desviei o olhar para frente, tentando me afastar do assunto proibido chamado Luan. Sentir aquele cheiro de córrego a céu aberto definitivamente não era o encontro ideal do qual eu planejava.

— Espero que não seja um problema, Kevin. Só achei que aqui seria o lugar onde poderíamos ficar mais à vontade.

— Imagina, não tem problema. É inusitado sair andando à deriva, perto de escurecer, em um terreno abandonado com um córrego? Sim. Mas quem nunca?

— Besta, não vou te sequestrar. A não ser que você queira brincar de amordaçar. — Arthur brincou, dando uma risada descontraída. — Vamos até aquela ponte. Teremos uma visão privilegiada de lá.

          Arthur apontou para uma distante ponte de metal que contornava o córrego de uma altura bem considerável. Mesmo longe, e quase escuro, a ponte aparentava estar bem enferrujada.

— Claro, teremos uma visão privilegiada do esgoto abaixo de nós e dos ratos mutantes que entraram nessa água.

— Deixa de ser reclamão. — Não era um sermão, Arthur apenas se divertia com minha relutância.

          Arthur tinha razão. Acho que o convívio com o Luan me fez ficar tão ranzinza quanto a ele. Ah, droga. Mais uma vez pensando naquele cara...

— Aproveitando que estamos aqui, acho que seria um bom momento para me contar mais sobre você.

— Mais sobre mim? — Franzi a testa. — Mas já estamos conversando há dias.

— Sim, por isso mesmo que estou perguntando. Mesmo ficando horas conversando nos intervalos dos ensaios ou por mensagens, falamos apenas sobre coisas triviais ou sobre a peça. Quero saber mais a respeito de você, Kevin.

          Não sabia dizer se era um jogo do Arthur. Afinal, se ele se deu ao trabalho de pesquisar sobre o Luan, podia muito bem já ter feito o mesmo sobre mim e já ter conhecimento de tudo o que quisesse saber a meu respeito. Ainda assim, me coloquei a pensar na melhor forma de me reapresentar a ele.

— Certo. Sou uma pessoa que gosta de andar de skate. Gosto de filmes de terror. Sobre músicas, eu vim conhecendo algumas bandas só recentemente, então não tenho um gosto musical muito específico ainda. Talvez eu seja eclético. — Levei a mão ao queixo, pensando em o que mais poderia dizer.

— Não, Kevin. Não me refiro ao que você gosta de fazer. Me refiro a quem você é. Claro que seus hobbies fazem parte disso, mas estava pensando em algo mais sobre sua personalidade.

          Aquela me pegou desprevenido. Odiava me apresentar em qualquer situação que fosse, e agora eu tinha que fazer isso sem nem sequer saber se eu sabia a resposta.

— Eu sou... Bom, sou gay e... Ah, desculpa, Arthur. Eu não acho que consiga me definir. Não me conheço o suficiente para isso. Parece bobo, eu sei. Mas no fundo talvez eu só seja uma pessoa sem graça, que a única coisa marcante em minha vida tenha sido esse relacionamento frustrante que tive.

          Arthur não parecia decepcionado com minha resposta. Ele prestava atenção atentamente a cada palavra minha.

— Não tem pelo que se desculpar, Kevin. Pelo contrário, acho que até te admiro por isso. Se definir é se limitar. Se você fala que é uma coisa ou gosta de outra coisa, você simplesmente está dizendo que não gosta de nenhuma outra coisa da qual não citou. Se você não se define, você é uma tela branca. Pode fazer o que bem entender, e principalmente, ser quem você quiser. Parece uma boa definição para você.

          Não fazia ideia de que Arthur poderia ser tão profundo em suas aspirações. Acho que ele tinha razão, eu era uma tela em branco. Parte da minha personalidade estava sendo moldada me aventurando pelos gostos do meu ex; estava gostando do mundo que ele me apresentava, como músicas e jogos de basquete. Mas agora eu havia voltado a ser essa tela não pintada.

— Bom, não ache que você vai se safar dando a mesma resposta, mocinho. — Foi minha vez de provocar ele. Ambos andávamos em sincronia, bem próximos um do outro. O céu já havia escurecido, e o breu à nossa frente era iluminado apenas pela fraca luz do luar. — Se defina, senhor Arthur.

— Como desejar, vossa alteza. Sou uma pessoa que tenta ao máximo ver a parte feliz do mundo. Tento me divertir e ser alegre sempre que possível, embora nem sempre dê. Sou bem seguro de quem sou, e a título de curiosidade sou versátil. — Ele piscou para mim, e eu apenas retribuí com um sorriso forçado. Eu nem fazia ideia do que era isso. — Amo meus amigos, e estar com eles.

"E agora a parte ruim sobre o Arthur aqui: Estou no terceiro ano do ensino médio, e não faço a menor ideia do que farei a seguir da minha vida. Estou totalmente perdido nesse quesito. Moro apenas com meu pai, e nossa relação é bem complicada. A minha mãe veio a falecer há um tempo."

— Eu sinto muito.

— Não sinta. Digo, ela já se foi há muitos anos. — O conformismo em seu tom de voz era de partir o coração. Não conseguia nem imaginar a dor que ele sentiu quando a perdeu, independentemente da idade que ele tinha na época. — Mas, enfim. Acho que essa é a definição de quem sou. Agora deixo aberto para perguntas.

          Era impressionante como Arthur tinha a facilidade de transformar momentos dramáticos em um palco de alegorias de sua divertida descontração.

— Okey. Eu tenho uma dúvida. Você disse que está no terceiro ano, correto? — Ele assentiu. — Por que está no clube de teatro então? Os clubes escolares são obrigatórios apenas para os secundaristas. E você não parece morrer de amores pelas artes cênicas. Além disso, se está tão confuso sobre o que irá cursar após o colégio, deveria focar neste último ano em descobrir isso, não é?

— Boa pergunta. Eu diria que o teatro, ou qualquer outro clube que eu escolhesse, foi uma forma que escolhi de escapar de casa. Como eu disse, tenho problemas com meu pai. Então, quanto menos tempo passo em casa, acho que é melhor para mim.

          E mais um garoto que eu conhecia que tinha problemas com o pai. Contando com Luan e James, já eram três. Nessas horas eu dava graças aos céus por ter pais ótimos.

          Decidi não o indagar sobre a situação complicada com seu pai. Aos poucos vim entendendo que certas coisas não deveriam ser questionadas; se um dia chegasse o momento, ele me diria por livre e espontânea vontade.

— Você vai se decidir sobre o que quer cursar, Arthur. Não tenha pressa. — Enquanto o incentivava, ambos começamos a subir a íngreme ponte que rangia aos nossos passos. Eu tinha medo dela cair a qualquer momento, com os estalos que fazia.

— Tem outro motivo para eu permanecer no clube de teatro. Pouco depois que entrei no clube, passei a ficar encantado por um certo garoto. — Um olhar apaixonado foi direcionado a mim, me fazendo corar. — Pode parecer apenas um xaveco furado, mas eu realmente não parava de te observar de longe, Kevin. Nunca tive coragem de chegar em você, no entanto. Sequer sabia se era gay como eu.

          Definitivamente Arthur era o cara mais fofo e gentil que eu já havia conhecido. Ele realmente sentia algo por mim, o que me deixava paralelamente lisonjeado e envergonhado.

          O que me salvou daquela situação, para minha sorte, foi termos chegado ao centro da ponte. Apoiados no corrimão de ferro, aquela impressionante altura nos dava vista aos vários prédios e arranha-céus da cidade. Tínhamos a visão privilegiada de suas luzes naquela noite escura, de uma longa distância. Era uma visão deslumbrante de toda nossa cidade vista do alto.

— Poesias. — Sibilei, depois de um tempo de silêncio de nossa contemplação.

— O quê? — Ele se virou em minha direção. Naquela área, a escuridão quase dominava tudo completamente, não era à toa sobre a privacidade que Arthur havia mencionado mais cedo.

— Esqueci de mencionar sobre isso quando falei dos meus hobbies, eu escrevo poesias também no meu tempo livre. Participo de um sarau de poesias mensalmente, onde apresento as poesias que escrevo.

— Que bacana, Kevin! Recita uma de suas criações para mim.

— Eu não me lembro de nenhuma de cabeça. — Tentei fugir de seu pedido, mas a luz lunar mostrava que seus olhos âmbar não acreditavam.

— Qualé, Kevin. Deve se recordar de ao menos uma. A mais recente, pelo menos.

          Eu lembrava. Claro que sim. A última poesia que escrevi e recitaria no próximo sarau. Lembrava cada verso. Mas, o problema residia que escrevi ela pensando em outro alguém. Um garoto que na época eu era apaixonado, e que nadava como um tritão em uma piscina em minha frente.

          Ainda assim, Arthur não aceitaria um não como resposta. Fui sucumbido a recitar a poesia, olhando para frente, sem lhe contar sua real origem:

"Nos gestos sutis, a cumplicidade se revela,

É uma dança sincronizada, uma doce aquarela.

Cada toque é uma sinfonia de paixão,

Um elo forte que une o coração.


No encaixe perfeito dos nossos abraços,

Há um mundo inteiro de sonhos e traços.

É o amor mútuo que nos envolve e cativa,

Uma história de encanto que a vida motiva.


É assim, lado a lado, que seguimos a jornada,

Com o amor como guia, numa eterna caminhada.

Nossos corações batem em compasso, num mesmo ritmo,

Não será efêmero, durará para sempre em nosso íntimo."

— Acho que é isso. Não está muito bom, mas...

          Mesmo sem olhar em sua direção, senti sua proximidade. Sua respiração afagava minha orelha, seus lábios chamativos pendendo próximos de minha boca. Não conseguia enxergá-lo naquela escuridão, era apenas um vulto. Mas era o vulto de alguém que se encantou por uma poesia minha, algo que Luan nunca fez. Sentiu como se fosse para ele os versos recitados, mesmo que não fossem.

          Pela primeira vez, me desliguei completamente do meu ex. Me entreguei ao desejo, à vontade de provar os lábios daquele garoto ao meu lado. E então, de igual maneira, aproximei meus lábios aos dele.

          Seu beijo era diferente de qualquer outro que eu já havia provado. Sua boca tinha uma textura diferente, sua pegada era mais firme que a do meu ex em torno da minha cintura, e o movimento de sua cabeça acompanhava o ritmo da minha. Falando em cintura, senti um objeto vindo dessa região dele atingir a minha, e não, definitivamente não era o seu membro. Me entreguei ao momento, queria provar outra boca, queria saber qual era a sensação dos lábios de Arthur. Era diferente. Nem melhor, nem pior. Apenas diferente. Era quente, e seu beijo era tão intenso que fui eu quem teve a iniciativa de separarmos nossas bocas para tomar um fôlego depois de um bom tempo.

          Conforme ofegávamos, Arthur deu uma risada. Uma risada de alegria. Ele havia me beijado. E eu, pela primeira vez, beijei alguém que não fosse o Luan. Ainda assim, me sentia um tanto desconfortável. Tinha algo errado comigo. Mesmo depois de tudo, ainda sentia que estava fazendo algo errado. Sentia, mais do que isso, que faltava algo no Arthur. Algo que eu só tive por Luan, e que tornava nosso beijo mágico: a paixão.

— Uau, você é mais experiente nisso do que imaginei. — Arthur elogiou, surpreso. Embora a lua tivesse se escondido atrás das nuvens, era evidente pelo tom de sua voz que ele estava sorrindo.

— Bem, só tenho experiência nisso mesmo.

— Como assim?

— Preciso te contar a verdade, Arthur. Sou virgem. Nunca transei.

— Nunca?! — Ele exclamou, chocado.

— Pois é. Acabou nunca acontecendo. E não planejo ter minha primeira vez em uma ponte velha rangendo ou nas margens de um córrego. Então, se era esse o plano para esta noite, deu ruim.

— Claro que não estava pensando nisso, Kevin. — Arthur fingiu-se de ofendido. — Droga, trouxe as camisinhas à toa?

          Ambos rimos.

— Nisso você já é expert, não é?

— Que nada. — Arthur negou prontamente. — Mesmo sendo assumido há tempos, não é como se garotos gays chovessem na minha horta. Em uma cidade pequena como a nossa, é difícil encontrar alguém. Claro, já tive minhas experiências, mas geralmente eram coisas bem passageiras. Dei sorte do meu gaydar apitar em você, e ter escolhido o cara certo para secar.

          Mais um com essa história doida de "gaydar". Parecia algo saído do primo da Leticia.

— Nunca tentou aplicativos de relacionamento? — Perguntei, embora nunca tivesse usado um também. Nunca considerei essa possibilidade, na verdade. Acho que tive sorte, ou azar, de ter esses dois caras interessados em mim desde o início, sem precisar recorrer a outros meios.

— Na realidade, nunca fui fã desses aplicativos. Sempre os achei superficiais, saca? Queria viver as mesmas experiências que meus amigos. Eles, héteros, têm seus romances na escola, seus encontros e desencontros amorosos, seus flertes. Por que nós, gays, devemos nos limitar a conhecer alguém apenas através de uma tela de celular? Parece tão... "falso". Uma conexão vazia, mesmo que eventualmente nos encontremos pessoalmente. Eu prefiro essa interação real desde o início.

          Arthur tinha uma visão interessante. Só não sei se compartilhava desse sentimento. No final das contas, seja pela internet ou na escola, eventualmente se conheceriam cara-a-cara da mesma forma.

— E esses seus amigos, eles sabem sobre você?

— Sobre eu ser gay? Sabem. Já te falei, Kevin. Não escondo esse tipo de coisa.

          Queria tanto que o Luan fosse como o Arthur. Se ele pensasse da mesma forma, talvez nós nem tivéssemos terminado para começo de conversa.

— Ei, já falamos demais. Já estou com saudades da sua boquinha. — Arthur se aproximou novamente, num tom sedutor.

          Nossas bocas se encontraram mais uma vez. Mas desta vez, foi diferente. O desejo e a luxúria não me dominavam tanto quanto da vez anterior. Meu corpo estava ali, mas minha mente... minha mente estava em outro lugar. Eu só conseguia pensar nele, no Luan...

          Subitamente, senti Arthur se afastar inesperadamente. Abri os olhos e percebi a luz da lua retornar após as nuvens se dissiparem. E então, vi Arthur estirado no chão da ponte. Um grupo de quatro ou cinco caras, aparentemente universitários, haviam o derrubado, enquanto alguns deles se voltavam para mim.

— Dois viadinhos se pegando na nossa área?! Vou dar uma lição em vocês, aberrações! — Um dos rapazes chutou a barriga de Arthur enquanto ele estava caído. Arthur deu um gemido de dor intenso pelo ato.

— Parem! — Tentei intervir, mas outros dois me agarraram e me empurraram para trás.

          Maldição! Arthur e eu estávamos tão distraídos que não percebemos a aproximação desses caras na ponte. Agora, todos os olhares se voltavam para mim, enquanto esses dois sujeitos me seguravam, pressionando meu peito contra a barra da ponte e inclinando meu corpo para baixo.

— Vai para o inferno, seu merda! — Um dos delinquentes agarrou minhas pernas, prestes a me lançar daquela altura monumental em direção ao córrego abaixo.

          Em meio à tensão, um som estrondoso e intenso ecoou no ar. Foi um estampido alto e agudo, rápido como um relâmpago, mas seu eco continuava a ressoar em meus ouvidos. Definitivamente não eram fogos de artifício; era algo muito mais ensurdecedor.

          A salvação veio com aquele som, fazendo com que eles me soltassem antes de me jogarem no córrego. Virei-me, apenas para levar um choque de surpresa. Arthur estava de pé, segurando um revólver em sua mão. A arma estava apontada para cima, indicando que o disparo fora feito como um aviso em direção ao céu.

— Deixem-no em paz! — Arthur ordenou, rapidamente direcionando a arma do céu para os agressores ao meu lado.

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