19. Irmão

— Sentem-se todos — O chatíssimo professor de química chegou, bancando o autoritário na sala de aula.

          Tão logo deu a ordem, cada aluno dirigiu-se ao seu respectivo assento. Afinal, mesmo com a turma repleta de desordeiros, todos o temiam ao ponto de não ousarem sequer conversar durante sua aula. Claro que para toda regra havia uma exceção. E essa exceção, nesse caso, se chamava Luan.

— Antes de iniciarmos, a direção mandou passar um recado. Na semana que vem, todas as turmas do segundo ano farão uma viagem de dois dias e uma noite para o Parque Nacional. Claro, a viagem terá fins didáticos interdisciplinares, então serão passadas atividades no decorrer da estadia de vocês lá...

          Conforme o professor falava, um sorriso largo se estendeu pelo meu rosto. Em meio a tantos problemas enfrentados nos últimos dias, estava mesmo precisando de uma notícia boa como essa, uma excursão escolar!

          Olhei ao meu lado para ver a reação de Luan, que estava sentado junto a mim no fundo da sala. No entanto, ele se mostrava apático com a notícia, como se a menção da excursão tivesse o mesmo peso caso o professor tivesse anunciado uma prova surpresa.

— Por que essa cara de quem comeu e não gostou?

— Você está empolgado com a excursão? — Luan perguntou como se não fizesse caso.

— Claro! Qualquer oportunidade de ficarmos livres da escola é bem-vinda. Além disso, o Parque Nacional é um dos poucos pontos turísticos descentes na nossa cidade. Vai ser legal, Luan. Também será a primeira vez que vou acampar — Presumo que o brilho nos meus olhos conforme eu falava fosse notável para quem quer que olhasse em minha direção.

— Sempre achei excursões um porre — ele disse, balançando os ombros, inclinando a cadeira e estourando uma bola de goma de mascar com a boca. — Eu sempre acabava ficando sozinho nos passeios. Você sabe bem que não sou de muitos amigos. Era um saco sair por aí sem ninguém para conversar.

          Encarei Luan, compadecendo de sua solidão.

— Mas será diferente desta vez. Vou estar com você o tempo todo.

          Antes que Luan pudesse responder, a voz do professor cortou o ar, interrompendo os murmúrios dos alunos. Virei-me para ver o que ele estava dizendo:

— Prestem atenção, vou entregar as autorizações. Tragam assinadas amanhã, sem falta, pelos seus pais. Quem não o fizer terá aulas especiais aqui na escola comigo nos dois dias da excursão.

          O professor começou a distribuir os papéis pelas fileiras. Quando olhei para Luan, ficou claro que ele preferiria ter aulas da matéria que mais odiava a ir para o passeio.

— De qualquer forma, não posso ir. Como meus pais assinariam? Esqueceu? — Luan lembrou-me da briga com seus pais e de estar morando temporariamente em minha casa.

— Bem, quanto a isso, posso dar um jeito — falei, examinando o papel que recebi, assegurando-me de que o professor já estivesse longe o suficiente para não nos escutar. Luan inclinou a cabeça, confuso. — Ora, quantas vezes você acha que já escapei dos meus pais por aprontar na escola, ao falsificar uma assinatura?

— Deixe-me pensar — Luan fingiu considerar, mas era evidente seu tom de deboche. — Nenhuma? Faça-me um favor, Kevin. Você é um nerd. Acha mesmo que vou acreditar que já se meteu em confusão?

          Dei um rosnado baixo com sua provocação sobre eu ser nerd. Embora fosse verdade que nunca precisei desse artifício, ainda odiava como ele achava que estava certo — mesmo que estivesse de fato.

— Não importa. O que importa é que a Leh sabe falsificar assinaturas. Ela vai assinar sua autorização no lugar dos seus pais.

          Luan suspirou derrotado, permitindo-me soltar uma risada enquanto me virava para frente, concentrando-me nas fórmulas que o professor já escrevia na lousa.

📄🖊️

          Ao término das aulas, Leh já nos aguardava próxima ao portão da escola. Entreguei-lhe o papel que ela precisava assinar. Ela se acomodou em uma mesa próxima à saída, concentrando-se para reproduzir a assinatura de maneira fiel ao exemplo que Luan mostrava, proveniente de uma assinatura digital de sua mãe.

— Tem certeza de que sabe fazer isso? Se descobrirem que a assinatura é falsa e chamarem meus pais, vai azedar para o meu lado.

— Calado, gogo boy — Leticia nem levantou os olhos, mantendo-se concentrada com sua caneta esferográfica preta em mãos.

— Sou bartender, não gogo boy. Sabe a diferença?

— Prontinho! — Leh subitamente se levantou, revelando o resultado de sua obra-prima.

          Enquanto Luan ficava perplexo com a perfeição da assinatura falsa, Leticia guardou sua caneta no estojo com um sorriso satisfeito.

— Leh, como você está? Digo, em relação ao Christian — puxei assunto enquanto ela colocava a mochila nas costas e se levantava da mesa do pátio.

— Estou melhor agora que ele finalmente me deixou em paz. Nada como um dia após o outro — começamos a caminhar para a saída enquanto ela falava. — Só sei de uma coisa, nunca mais vou me apaixonar por garoto nenhum. Não quero mais saber de homens...

          O jovem postado próximo ao portão da escola, com vestes informais, exibia um sorriso contido direcionado a nós. Se não fosse sua pele com tonalidades que refletiam uma mistura harmônica de tons mais escuros e mais claros — que estava contrastando com a pele clara de Luan, e seu cabelo — volumoso, liso e com uma pequena franja jogada para frente, qualquer um acharia que James e Luan eram irmãos. Afinal, exceto essas diferenças, de resto eram muito parecidos.

— Quem é esse pedaço de mal caminho? — Leh perguntou para mim, quase babando, enquanto víamos Luan dar um forte abraço em seu amigo.

— E aquele papo de não querer saber mais sobre homens? — Perguntei ironicamente enquanto nos aproximávamos lentamente dos dois.

— A carne é fraca — Leh respondeu, me fazendo soltar uma risada debochada. Ela não tirava os olhos de James, que conversava animadamente com Luan. — Anda, responda.

— É o James, caramba. Lembra quando seguimos Luan até uma oficina? James é aquele amigo dele que trabalha lá.

          O olhar de Leh se perdia enquanto admirava com encanto o melhor amigo de Luan, surpreendendo até mesmo a mim. Não tinha ideia de que aquele garoto de maxilar perfeito fazia o tipo da minha amiga.

— Kevin, como vai? — Recebi um abraço tão caloroso quanto Luan recebeu de James assim que cheguei diante dele.

— Tudo em ordem.

— E você? — James só notou a presença de minha amiga de baixa estatura quando se desvencilhou de mim.

— Leticia — se apresentou, dando um leve aceno com a mão no ar.

          Com um ar de desconfiança, James girou a cabeça em direção a Luan e depois voltou o olhar para Leh.

— Sua mina? — Questionou, gesticulando com o dedo indicador de um para o outro.

— Não — Luan respondeu em tom neutro, embora seu descontentamento com a dúvida de seu amigo fosse perceptível. — É amiga do Ke...

— Sou praticamente a melhor amiga do Luan! — Leh deu um salto para frente, cortando a fala dele no meio. Acho que só eu reparei quando Luan semicerrou os olhos em cólera. — Você deve ser o James, não é? Sabe, você sendo o melhor amigo dele, e eu a melhor amiga, é até estranho que nunca tenhamos sido apresentados um para o outro até então.

          A habilidade teatral de Leticia me fez questionar se sua escolha para o clube de fotografia da escola foi a mais assertiva. Ela se daria muito bem no meu clube de teatro com esse talento. Afinal, convenceu até mesmo James, que até então nunca tinha ouvido falar sobre ela, com uma simples risada genuína.

          Luan, por sua vez, não poderia estar mais irritado. Afinal, eles claramente se odiavam feito cão e gato. A forma como Leh fingia ser sua amiga apenas para se aproximar de seu melhor amigo era, sem dúvida, algo que o tirava dos eixos.

— Ah, foi mal, o Luan nunca me falou nada sobre você.

— Esse Luanzinho — Leticia deu um leve empurrão no ombro de Luan. Ele permaneceu calado, mas a forma como seus dentes caninos ficavam à mostra em sua boca com o ato dela demonstrava que iria ter volta.

— Bom, Luan, aqui está o livro que você esqueceu em casa — James estendeu uma sacola com o nosso livro de história para ele.

— Valeu. Agora não preciso mais usar o do Kevin para cobrir minha cara enquanto durmo na aula de história — Luan riu, enquanto era minha vez de revirar os olhos.

— Tive que sair escondido. Mas já tenho que voltar. Se cuidem — James acenou em despedida para nós e, em seguida, dirigiu o olhar para Leticia. — Foi um prazer te conhecer.

          Conforme ele se distanciava, Leh suspirava profundamente como se estivesse apaixonada.

— Prazer é o que mais teremos juntos — Leh sibilou, acreditando que James já estivesse longe o suficiente para escutá-la. Contudo, ele subitamente se virou em nossa direção, fazendo com que Leh instantaneamente congelasse.

— Disse alguma coisa?

— Eu apenas disse que o prazer foi todo meu — Leh acenou para ele, com um sorriso no rosto. James retribuiu o gesto, virou-se novamente e por fim partiu.

          Assim que James se foi, Luan se voltou irritado para Leticia.

— O que diabos foi isso?!

— Por que tanta irritação, "best"? — Enquanto Leticia debochava, o rosto de Luan ia ficando cada vez mais vermelho de irritação. — Vamos, Luanzinho, me passa o contato do seu amigo aí.

          Leh envolveu seu braço no dele, apoiando em seguida sua cabeça em seu ombro. Imediatamente Luan tomou distância dela, como se ela tivesse alguma doença contagiosa.

— Santo Pai. Mas nem morto! Você não vai pegar o meu melhor amigo.

— Ora essa — Leticia cruzou os braços de maneira afrontosa. — Acha que só vocês podem se pegar? Eu também quero dar uns beijos na boca de alguém.

          Imediatamente, percebi o quanto Luan ficou em choque com sua fala. Estava nítido que Leticia se referia a nós dois. Aos poucos, Luan olhou ao redor, mas todos os alunos já haviam ido embora. Ninguém ali, em frente à escola, que pudesse nos escutar.

— Você contou para ela? — Luan direcionou o olhar inquisitivo para mim com a voz trêmula.

          Antes que pudesse responder, o som de uma buzina chamou a atenção do nosso trio. Um carro preto parou no acostamento à nossa frente. Conforme a janela de vidro descia, conseguimos ver o pai de Leticia chamando por sua filha.

— Vou passar o dia com meu pai. É a primeira vez que vou ficar com ele desde que saiu de casa — Leh suspirou e então se encaminhou para dentro do veículo ao lado do motorista.

— Olá, Kevin — O pai de Leh me saudou assim que nos aproximamos do veículo, enquanto Leh fechava a porta ao seu lado. — Quer uma carona?

— Oi, seu Júlio. Hoje não, obrigado. Vamos andando.

          Tão logo recusei, o pai de minha amiga acenou e então deu partida no veículo, fazendo com que eu e Luan fôssemos os únicos na calçada próxima ao muro da escola.

— Anda, Kevin. Responda. Você contou para ela?

— Eu tive que contar — Respirei fundo antes de encará-lo. — Foi antes dela falar sobre o Christian. Se eu não tivesse falado isso, talvez ela não sentiria confiança em me contar sobre o que ele estava fazendo.

— Você prometeu que não diria a ninguém que estamos nos pegando! — Mesmo sem ninguém por perto, Luan tratava de manter o tom baixo, apesar de não esconder seu desapontamento comigo.

— Entendo seu lado. Mas Leticia é minha melhor amiga. Eu confio nela. Precisava contar. Não precisa ficar preocupado, ela não vai falar isso para ninguém.

          Mesmo tentando amenizar a situação, Luan se mostrava relutante com o fato de que mais alguém soubesse sobre nós.

— Deveríamos poder contar ao menos para as pessoas que confiamos. Você deveria fazer o mesmo, Luan. Acho que vai tirar um peso das suas costas se desabafar com James.

— Você está louco?

          Luan me olhava deveras em choque, como se a simples menção de dizer a James sobre nós fosse tão impensável quanto vir apenas de sunga para a escola.

— Não posso falar para o James.

— Por que não? — Tentei transmitir minha curiosidade com um tom neutro, sem demonstrar imposição. Eu realmente só estava curioso sobre isso.

— Porque não, Kevin. Você conheceu meus dois irmãos de sangue. Mas eu nem sequer os considero como meus irmãos. Fora a linhagem sanguínea, não tenho nenhum vínculo com eles. Por isso, é indiferente o que pensam ao meu respeito. Mas, com o James, é diferente. Conheço ele desde quando éramos pirralhos. Ele, para mim, é meu verdadeiro irmão. Não quero correr o risco de perder sua amizade. Não seria a mesma coisa depois que ele descobrisse que estou saindo com outro garoto.

          Fitei Luan, buscando as palavras certas para apoiá-lo.

— Eu não acho que ele seja assim. Se são amigos há tanto tempo e sendo tão próximos, nada vai mudar entre vocês...

— Kevin, por favor, isso é uma escolha minha. Entenda. Só peço que não conte para mais ninguém.

          Meio resignado, assenti com a cabeça. Luan virou as costas e começou a se dirigir à minha casa. Fui em seu encalço, embora durante todo o trajeto não tenhamos trocado qualquer palavra. Foi então que bateu o arrependimento de ter recusado a carona do pai da Leticia.

          Uma vez em casa, Luan se estirou na minha cama sem formalidades. Era seu dia de dormir na cama, e eu no colchão, ainda assim não deixava de achar ele um tremendo folgado. Se sentia no direito de estar bravo comigo, mas não pestanejava em usufruir do meu lar e da minha cama.

          Se ele ia fazer o mudo, eu iria ignorá-lo de igual forma. Puxei a cadeira para próximo da televisão do meu quarto, liguei o videogame no volume mínimo — Afinal, mesmo irritado com ele, entendia que ele estava exausto e precisava descansar —, e então comecei a jogar o meu jogo de corrida favorito.

          Fazia tanto tempo que não jogava que perdi aquela partida de lavada. Minha frustração com a derrota me fez inclinar a cabeça para o lado. Foi só nesse momento que percebi, do outro lado do quarto, Luan me observando jogar. Assim que percebeu que eu o notei, ele colocou um travesseiro sob seu rosto para se esconder.

          Respirei pelo nariz, me levantando da cadeira. Peguei algo em cima do videogame e então me virei em sua direção.

— Quer jogar? — Apontei o controle do "player 2". Luan, de forma acanhada, ergueu o travesseiro do rosto, me olhando com aqueles olhos esverdeados e encantadores.

          Lentamente, ele caminhou descalço da cama até onde eu estava, pegando o controle oferecido por mim de minha mão. Usando uma almofada de apoio, ele se sentou no chão.

— Nunca joguei antes — Ele murmurou meio sem jeito, fitando a televisão.

— Eu te ensino. Já estou acostumado a ser seu professor em tudo mesmo — Dei uma risada nasal, empurrando a cadeira para frente e me sentando no chão ao seu lado.

          Conforme a tarde passava, nossa irritação um com o outro foi desaparecendo, sendo substituída por risadas e trocas de xingamentos quando um ou outro perdia a corrida.

          Fiquei feliz com a forma como Luan estava se divertindo jogando videogame pela primeira vez, algo do qual foi privado durante toda sua vida pela sua família. Tanto que, vez ou outra, eu perdia de propósito só para vê-lo saltar de felicidade.

— Perdeu de novo. Otário! — Abandonando qualquer princípio de "fair play", Luan não cansava de se gabar de sua vitória.

— Eu que deixei você ganhar — Falei com sinceridade, ao notar que ele estava se achando demais.

— Nada disso. Que desculpa de perdedor, hein. Você deveria me pagar uma prenda por ter perdido.

— Ah, eu te deixo ganhar e ainda tenho que pagar uma punição? E o que você quer?

— Quero que você me beije como punição — Luan lançou um sorriso sedutor para mim, me fazendo enrubescer com seu pedido inusitado.

— E o que eu teria ganhado como prêmio se eu tivesse vencido?

— Aí eu que te beijaria — Luan respondeu como se fosse a constatação mais óbvia do mundo.

— E que diferença faz quem beija quem? No fim, dá no mesmo.

— Aí, cala a boca e me beija logo, Kevin Wallace.

— É apenas Kevin Drummond para você — Falei contrariado.

          Puxei a gola da camisa preta dele, trazendo-o na minha direção. Contudo, antes de nossos lábios se encostarem, ouvi o som da maçaneta da porta sendo girada. De imediato, empurrei Luan para o chão a fim de criar distância entre nós.

— Meninos, acabei de fazer uns lanches para vocês. Vão buscar na cozinha — Minha mãe apareceu repentinamente no batente da porta. Ela então direcionou o olhar para Luan estirado no chão. — Por que está deitado no chão?

— Ah, senhora Rosana, é que está calor. O chão tá tão bom hoje.

— Minha nossa. Era só pedir para o Kevin pegar um ventilador. Andem, desçam logo.

          Assim que minha mãe deixou o quarto, suspirei aliviado. Mais uma vez escapamos por pouco de sermos flagrados. Com essa já seriam oito vezes, ou quem sabe nove, que passamos por um triz.

          O fato de meus pais estarem chegando do trabalho mais cedo do que o habitual, aliado ao fator de que minha porta não tinha tranca, fazia com que qualquer tentativa de beijo entre nós dois fosse uma verdadeira "roleta-russa".

— É um saco isso — Reclamei, enquanto Luan apenas se divertia com minha chateação. — Com você morando aqui, achei que seria mais tranquilo de ficarmos juntos.

— Deixa disso, Kevin. Se fosse fácil, não teria graça — Luan se levantou, colocando o controle sobre o videogame. — De toda forma, deveríamos evitar de nos beijarmos na sua casa. Por precaução.

— Mas estou com vontade de te beijar, seu pateta!

— Que tal irmos no nosso esconderijo no parque amanhã então? — Luan sugeriu com entusiasmo, assim que seu olhar pousou no meu skate.

— Amanhã temos atividades em nossos clubes.

— Faltamos nas aulas de novo, e voltamos para escola apenas no horário dos clubes.

          Luan parecia sempre querer resolver tudo com essa solução.

— Você é a má influência que minha mãe me alertou para não andar junto.

          Repentinamente, minha mãe retornou ao meu quarto, abrindo a porta de supetão.

— Você quem lavou toda a louça, Luan? — Ela perguntou, recebendo uma confirmação com um balançar de cabeça. — Você é um fofo. Está vendo, Kevin? Deveria ser que nem o Luan.

          Após a comparação desnecessária, minha mãe saiu novamente do quarto. Luan se virou para mim, com um olhar orgulhoso.

— Ainda sou a má influência que você mencionou? — Em tom provocativo, Luan ria conforme eu jogava uma almofada em sua direção.

🏞️

          Aproveitamos muito bem a manhã do dia seguinte. Podendo andar de skate, com o parque quase vazio pelo horário e por ser dia de semana, o único empecilho foi termos que revezar meu skate. Afinal, Luan estava sem o seu uma vez que não poderia pegá-lo em sua casa.

          No momento em que ficamos cansados o suficiente, fomos ao mais importante: a oca oculta após passarmos por uma passarela arborizada abandonada e caminhando por uma trilha escondida.

          Uma vez sentados abaixo da oca, eu e Luan finalmente matamos nossa vontade de provarmos mais uma vez a boca um do outro. Seus lábios macios sob os meus eram a calmaria que eu precisava em meio ao turbilhão de coisas que vieram ocorrendo nos últimos dias.

          Luan se arriscou a fazer provocações, até então inéditas para mim, como mordiscar meu lábio inferior, antes de selarmos ambas as bocas uma na outra.

— Me desculpa por ontem — Luan falou repentinamente, assim que separamos nossas bocas. — Você está no seu direito de contar para sua amiga, Kevin. Isso não é só sobre mim, é sobre você também. Não posso te controlar. Senão, eu estaria sendo tão babaca quanto o Christian.

— Eu que te devo desculpas, Luan — Olhei em sua direção, conforme ele aproximava os joelhos do seu peito ao inclinar as pernas. — Não é que seja sobre mim, ou sobre você. É sobre nós. Estamos juntos nessa, e eu não deveria ter falado para ninguém sem te consultar antes.

— Bom, sobre isso... — Luan olhava para frente, contudo, ao perceber uma movimentação estranha se aproximando, ele se calou.

          Também notei alguém se aproximando. O som de galhos sendo pisados, me fizeram querer me levantar para não sermos pegos, mas Luan me impediu ao segurar meu pulso.

— Achei vocês — James surgiu repentinamente na entrada da oca, inclinando seu corpo para nos fitar. Se eu tivesse um contador de batimentos cardíacos naquele momento, ele claramente estaria aceleradíssimo.

— O q-que você faz aqui? — Perguntei chocado. Antes que James pudesse responder, olhei em direção ao Luan. — O que ele faz aqui? Achei que ele não soubesse sobre esse lugar.

— E não sabia. Mas mandei uma mensagem para ele ontem pedindo para nos encontrar aqui. Mandei há pouco nossa localização pelo celular — Luan ergueu seu celular, mostrando que o GPS dele estava ativo. Tão confuso quanto eu, James ergueu a sobrancelha.

— O que está pegando, Luan? — James perguntou, ainda inclinado em frente à entrada da oca.

— Não é bem "o que está pegando", James. Mas sim "quem está pegando quem" — Conforme Luan falava, tentando demonstrar confiança, James ficava ainda mais confuso. — Eu e o Kevin estamos ficando.

          Conforme os olhos de James quase saltavam de órbita, Luan entrelaçou nossas mãos, mantendo as unidas diante de seu melhor amigo. Eu estava igualmente estupefato, contudo, permaneci em silêncio. Assim como Luan, olhei para cima em direção a seu amigo. Luan demonstrava uma firmeza, convicção e seriedade que eu jamais tinha visto antes.

— I-Isso é sério? — Ele perguntou por fim, ainda incrédulo.

— Seríssimo.

— Você... Digo, vocês... O que vocês são...? — Era nítido o quanto James estava tão confuso que nem sequer encontrava as palavras certas para formular uma pergunta.

— Nós ainda não temos certeza. Não sabemos o que somos individualmente. Tampouco o que somos um para o outro. Mas, de uma coisa eu sei. Kevin me faz feliz. Estar com ele foi a melhor coisa que já me ocorreu. E, eu espero, que o contrário também seja verdadeiro.

          Luan olhou em minha direção, recebendo uma confirmação com o manejar da minha cabeça e um sorriso contido. Esse não era o tipo de coisa que costumávamos conversar. Ainda assim, ouvir isso, naquele momento, aumentava a palpitação do meu coração. Afinal, mesmo Luan não sabendo, eu já era completamente apaixonado por ele.

— Eu nunca imaginei... — James parecia estar vivendo as fases do luto. Saltando da negação, a aceitação. — Tem certeza de que não está apenas confuso? Pode ser que seja apenas uma fase. Afinal, você já ficou com várias garotas antes — Ah, pronto, agora a negação de novo.

— Não estou confuso, James. Na verdade, minha vida é sim um emaranhado de confusões. E a única certeza que tenho nela é justamente o Kevin — Ele apertou firme minha mão, de forma que retribuí o gesto, dando apoio emocional para ele.

— Me desculpa, Luan. É que de todos os caras que conheço, você é o último que imaginei que fosse gostar de outros caras. Isso é tudo meio novo para mim.

— É tudo novo para gente também — Falei, recebendo os olhares dos dois direcionados a mim. — Nenhum de nós tem nenhum amigo que seja, vocês sabem, gay. Não temos referências. Estamos meio perdidos nesse mundo. Mas Luan, acima de tudo, sempre te viu como um irmão que estaria ao lado dele não importasse o que acontecesse. Ele acredita em você, James, se não acreditasse, ele não estaria abrindo o jogo para você agora.

          Os olhos castanhos de James se abaixaram em direção ao seu melhor amigo. Foi só então que percebemos que lágrimas involuntárias saltavam de seus olhos. Luan estava trêmulo, evitava chorar, mas as lágrimas não o obedeciam. Ele estava com medo de ter perdido a amizade de James para sempre.

          Eu queria abraçá-lo. Colocá-lo sobre meus braços e dizer que tudo ficaria bem. Entretanto, antes que eu pudesse o fazer, James se adiantou. Ele se abaixou e então envolveu de forma súbita seus braços nas costas de Luan.

— Desculpa se dei a entender que isso mudaria algo entre nós — Ainda abraçados, James falava para o seu "irmão". — Você é o cara mais incrível que já conheci, Luan. Nunca saímos do lado um do outro, e não vai ser agora que isso vai acontecer.

          James soltou-se de Luan, porém mantendo seu rosto bem próximo do dele.

— Não vou negar que isso seja diferente — Prosseguiu, conforme usava seu polegar para secar o rosto molhado de lágrimas de seu amigo —, mas, afinal, você sempre foi diferente de todos. Ser comum nunca foi algo para Luan Pimentel, e se fosse, não seria qualificado para ser meu melhor amigo. — Ambos sorriram um para o outro.

          Em seguida, James olhou em minha direção. Eu me sentia um intruso naquele momento. Era como se eu estivesse bisbilhotando uma conversa pessoal e íntima só deles. Contudo, James tratou de quebrar esse pensamento errôneo meu.

— Você não poderia ter escolhido um cara mais gente boa para você do que o Kevin — Enquanto James sorria, ele me puxou para perto com o braço estendido tratando de manter-nos em um abraço triplo.

          Foram segundos, que para nós três, foi como se tivesse sido horas. Aquele abraço demonstrava que tudo ficaria bem. Não precisávamos ser o que o mundo queria que fôssemos; precisávamos apenas de nossa própria aceitação e daqueles com os quais nos importávamos. Ser tratado da mesma forma que sempre fora por James depois de lhe contar tudo, foi como tirar um peso de toneladas das costas do Luan.

— Tem mais uma coisa — Luan disse, após nos soltarmos. Ele esfregava os olhos a fim de enxugá-los enquanto ainda fungava —, contei ao Kevin sobre o seu pai.

          James de imediato ficou em estado catatônico. Contudo, tratei de demonstrar que da mesma forma eu estava disposto a apoiá-lo:

— Vamos dar um jeito nisso. Seu pai não pode te tratar dessa forma.

— Kevin, do pouco que te conheço, percebo que você é um cara do bem. Por isso, te peço. Não faça nada. Luan sabe muito bem que o assunto sobre meu pai é algo do qual não tem o que ser feito.

— Mas... — Tentei, mas Luan colocou a mão sobre a minha, balançando a cabeça em negativa como se eu devesse me dar por vencido.

— Se Luan te contou sobre, ele confia de verdade em você. Então isso não me preocupa. Mas, relaxa, Kevin. Assim que possível vou zarpar pra bem longe do meu pai. É só questão de tempo. Por hora, estou dando um jeito. Não precisa se preocupar comigo.

          Mesmo tratando-se de um tópico pesado, como apanhar gratuitamente de seu pai, James transmitiu um sorriso bondoso. Era como ele tentasse me convencer de que tudo ficaria bem. Não achava isso justo. Eu quem deveria confortá-lo, e no fim parecia que era o contrário. Ainda assim, se era da vontade dele, assenti com a cabeça, contrariado.

          Enquanto nós nos levantávamos, e Luan sacudia a terra em sua bermuda, James tratou de emendar um assunto a fim de quebrar o clima fúnebre que se instalara:

— Se vocês dois estão juntos, então isso significa que aquela amiga gata de vocês que conheci ontem está solteira?

— Livre, leve e solta — Respondi prontamente assim que James demonstrou ter tido igual interesse na Leh. Era possivelmente a primeira vez que eu shippava ela com alguém.

          Luan soltou um rosnado de descontentamento só em pensar na possibilidade dos dois juntos. Eu e James demos gargalhadas demasiadamente altas da sua expressão de braveza.

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