1. Alvo Errado

          Ah, o segundo ano... O pior pesadelo do ensino médio. Eu sei, eu sei. Vocês devem estar pensando: "Ele disse a mesma coisa sobre o primeiro ano, quando ainda era um calouro, pois faltavam ainda três longos anos para se livrar da escola." E talvez estejam se perguntando: "Ano que vem ele não vai considerar dizer o mesmo e o considerar o pior? Afinal, o último será o derradeiro ano de despedida da escola e dos seus amigos e blablabla."

          Mas eu estou bem crédulo sobre o segundo ano. Estamos no meio do caminho, nem calouros, nem veteranos. Somos os "excluídos" do ensino médio! Em outras palavras, será um longoooo ano. Além disso, esse ano em minha escola temos que escolher algum clube para participar obrigatoriamente. Parece ótimo, certo? Errado. Não há um clube sequer que seja do meu interesse em minha escola. Um verdadeiro tédio!

          O pior de tudo é o que vou contar agora: o sistema de classes da minha escola é rotativo. Ou seja, não necessariamente a mesma turma que eu estava no primeiro ano estará comigo este ano, e poderá nem ser a mesma do meu futuro terceiro ano. Não faço ideia de como eles decidem isso, mas isso é o de menos. O que importa é que acabei de verificar o painel com a lista no corredor da escola com os nomes dos meus colegas de classe...

          Se estou chateado, vocês devem estar achando que cai com um bando de desconhecidos dessa vez, certo? Errados novamente. Quase todos os meus colegas do primeiro ano ainda estão na minha turma, o que por si só é ótimo! Eu não sou o cara mais popular da escola, mas me dou consideravelmente bem com todos da minha turma. O verdadeiro problema é que a pessoa que eu mais queria na minha turma foi realocada para outra. Agora ela está ali, no canto do pátio externo, chorando e abraçada aos próprios joelhos. Uma verdadeira dramática, eu sei.

— Vamos, Letícia, levante-se daí — Tentei convencê-la a se levantar, puxando seu braço.

— Me deixe, Kevin. Vou ficar aqui chorando até que minhas lágrimas formem um rio, e o rio me leve para bem longe — Letícia disse entre soluços. Foi impossível para mim segurar o riso. Em resposta, Letícia me lançou um olhar mortal.

          Letícia é minha melhor amiga desde que me conheço por gente. Ou seja, desde o ano passado. Afinal, tudo o que aconteceu antes do ensino médio está trancado em um canto obscuro que eu não quero reviver... De qualquer forma, apesar de ser dramática, nós nos damos muito bem. Temos o mesmo gosto para filmes, adoramos assistir animações japonesas e amamos comida mexicana. Acreditem ou não, ela até curte andar de skate comigo e jogar videogame. Qualquer um diria que formaríamos um casal perfeito.

          Mas nós não vemos as coisas dessa forma. Ela costuma dizer a todos que não faço seu tipo. Ora, como se dependesse unicamente dela o fato de não termos nada. Frequentemente diz que prefere caras com corpo malhado. Okey, posso não ser um rato de academia, mas pelo menos tenho "alguns" gominhos no abdômen. Está bem, só dois. Mas quem está contando?

          Além disso, não me considero um mal partido como ela costuma me vender por aí. Muita gente elogia meu estilo. Meu cabelo castanho dourado é um dos meus principais cartões de visita; ele parece natural e saudável, como se tivesse sido beijado pelo sol. O fato dele ser macio ao toque me permite fazer diferentes tipos de penteados. E, junto com meus olhos castanhos, me considero consideravelmente atraente.

          Mas, por mais que pareça que minha autoestima esteja lá em cima, é bem o contrário. Digo isso pois mantenho esse segredo bem escondido de todos, mas a verdade é que... nunca fiquei com uma garota! Não entendam errado, não quis dizer que já fiquei com garotos. Não! Definitivamente não sou gay! Ao contrário do que o primo da Letícia pensou quando nos conhecemos. Ele disse que seu "gaydar" apitou quando me viu. Essas pessoas inventam cada coisa...

          Enfim, nunca beijei ninguém. Sempre que meus amigos tocam nesse assunto, eu desconverso. Não estou pronto ainda. Quando for a hora de conhecer alguém, acontecerá. Quer dizer, conhecer uma garota. Definitivamente, uma garota!

— Já disse para se levantar. Vamos nos atrasar! — Insisti, puxando o braço de Letícia novamente. Essa loira do Paraguay sabia ser chata quando queria.

          E então, aconteceu. Enquanto eu estava ali, puxando o braço da "Lêh" — é assim que costumo chamá-la —, alguém chegou por trás de mim de supetão. Minha dramática amiga percebeu antes de mim sua aproximação e parou de fazer birra imediatamente. O que foi uma sacanagem, pois se alguém está te puxando com força e você está resistindo, não deve ceder de repente. Com o puxão que dei no braço dela, perdi o equilíbrio e caí no chão ao tropeçar na pessoa atrás de mim.

          Se vocês estão pensando que foi nesse momento que conheci o amor da minha vida, estão enganados pela terceira vez. Aquele homem de terno, de meia-idade e com cara de carrancudo era ninguém mais ninguém menos que o...

— Senhor diretor? — Falei ainda no chão. Aquele velho era um pé no saco! O sinal havia tocado há menos de vinte segundos e ele já estava ali como um urubu atrás de carniça, certificando-se de que os alunos estavam nas suas respectivas salas. Ele não tinha nada mais importante para fazer?

— Peço desculpas, senhor diretor — Lêh se levantou do chão tão rapidamente que parecia um gato fazendo parkour. Se eu soubesse que bastava a presença dele para fazê-la parar com o drama, teria chamado ele eu mesmo.

— São exatamente dez horas e um minuto — Aroldo, o nosso diretor, olhou para o relógio de pulso antes de nos informar —, ou seja, você está sessenta segundos atrasado, senhor Drummond. Quer começar o ano com uma suspensão logo no primeiro dia?

          Drummond é o meu sobrenome. Kevin Drummond. Aliás, é adorável o quanto o diretor me odeia. Ele só briga comigo enquanto releva o fato da Lêh estar igualmente atrasada. Velho do caramba...

— Não faça essa cara. Trabalho aqui tempo suficiente para saber quando um aluno está me xingando mentalmente só pelo olhar.

          Droga! Eu mal tinha começado a xingá-lo mentalmente e ele já tinha me lido como um livro aberto. Me levantei do chão a contragosto, coloquei minha mochila preta no ombro e balancei a cabeça em despedida para Lêh antes de caminhar para dentro da escola. Ainda podia sentir o olhar do diretor sobre mim enquanto eu caminhava, mesmo de costas. Isso me dava arrepios.

          Eu sabia que Letícia ficaria bem na nova turma. Ela não gostava de mudanças, mas seu jeito sociável e sua personalidade descontraída a fariam se adaptar aos seus novos colegas e esquecer rapidamente que estava triste há pouco. Já eu não posso dizer o mesmo de mim, pois o grande momento de virada da minha vida estava a uma porta de distância, sem que eu tivesse a menor noção até então.

          Exceto por Letícia, que ainda estava bajulando o diretor no pátio de fora para não levar uma bronca, eu fui o último aluno a entrar na escola. Portanto, imaginei que não haveria ninguém perto quando eu entrasse no corredor. Dessa vez, quem se enganou fui eu.

— Parece que está vindo alguém! — Ouvi uma voz de forte entonação dizer enquanto subia os degraus do pátio em direção à entrada.

— Desta vez deve ser ele! — Outra voz masculina.

— Agora ele não escapa — Esta terceira voz era a do garoto que mudaria minha vida para sempre. Se para melhor ou para pior? Bem, em breve vocês poderão tirar suas próprias conclusões.

          Não dei atenção às vozes. Claro que não estavam falando de mim. Por que estariam? E se fosse o caso, o que me importava? Assim que passei pela porta da entrada do colégio e adentrei o corredor da escola, fui recebido por jatos de vapor gelados de água com uma forte pressão. Minha roupa, meu rosto e minha mochila ficaram completamente brancos de espuma, e devido a isso quase caí no chão quando usaram aquele extintor de incêndio contra mim!

— Conseguimos! — Os dois brutamontes que usavam bonés virados ao avesso em suas cabeças comemoraram batendo as mãos um contra o outro. Enquanto eu olhava incrédulo após tirar parte da espuma dos olhos. Quem eram esses idiotas?!

— Esperem. — O terceiro garoto, o que estava com o extintor na mão, se aproximou de mim. Eu estava em choque, pensando em contra-atacar. Mas meu corpo não se mexia, talvez pelo frio do jato que tinham usado em mim. Além disso, uma tosse incessante se fez presente devido ao fato de eu ter inalado parte dos resíduos do extintor, me impedindo de falar qualquer coisa.

          O garoto passou a mão no meu rosto, não de forma delicada, mas como se estivesse tirando migalhas de cima de uma mesa ou como alguém que afugenta uma mosca. Ele removeu parte da espuma do meu rosto para me olhar mais atentamente.

— Droga! Não era ele — O moleque misterioso se virou para seus amigos ressabiado. Os dois idiotas atrás dele ficaram com a mesma expressão de choque.

          O menino se voltou para mim mais uma vez. Foi só então que pude observá-lo mais atentamente. Ele era um pouco mais alto do que eu, cerca de dez centímetros. Tinha um brinco prateado e pequeno em uma das orelhas que me chamou a atenção, quase tanto quanto suas sobrancelhas bem definidas. Seu cabelo ondulado e bagunçado era como uma floresta outonal, onde os fios se entrelaçam como os galhos das árvores, criando uma tapeçaria de tons terrosos, conferindo-lhe um ar quente e atraente. Outra coisa que o destacava dos demais era sua vestimenta. Estava trajando uma jaqueta preta de couro incomum, apesar de não estar tão frio naquele momento.

— O que vamos fazer agora, Luan? — Perguntou um dos garotos de boné que estavam atrás dele.

          Luan... Então esse era o nome dele. O nome do cara que usou um extintor de incêndio em mim sem motivo aparente de forma gratuita. Desse cretino...

— O que está acontecendo aqui?! — Ouvi a voz do diretor esbravejar atrás de mim. Nunca fiquei tão feliz com a presença dele. É, Cleytinho, a casa caiu.

          Luan jogou o extintor no chão e levantou as mãos, como se estivesse sendo revistado pela polícia. Ah, se lasque aí agora, otário.

          Eu ainda estava constrangido pela forma como me encontrava, mas virei-me para trás para ver a expressão de indignação do diretor. Não era muito diferente da expressão da Lêh, que estava logo atrás dele.

— O que você pensa que está fazendo, filho?! — O diretor berrou pelo corredor da escola.

          Espera aí, ele chamou esse tal de Luan de "filho"?!

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