Capítulo 4

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No sábado nossa casa foi aos poucos se esvaziando e eu levava cada caixa para o caminhão e para o carro na maior lentidão, de propósito, tentando atrasar a mudança para que o desconhecido pudesse vir e me encontrar. Ou Príncipe Desconhecido, como ele ficou sendo chamado por Dêssa depois que contei que não fazia ideia de qual era seu nome nem como procurá-lo.

Eu estava com ainda mais raiva do meu pai por causa daquela maldita mudança. Ele não havia nem se dignado a ir nos ajudar. Mas o dia passou, para minha infelicidade, e no fim da tarde não havia mais nada que pudesse ser levado para o novo apartamento.

Havia sido muito difícil suportar todos os meses de brigas entre meus pais até que saísse o divórcio. Foi ainda pior quando descobri que precisaria sair de minha casa de infância por causa da divisão de bens.

Meus pais haviam se separado havia mais de um ano, mas foi apenas poucos meses antes que entraram finalmente com o divórcio, como se até então algum deles tivesse esperança de que as coisas viessem a melhorar. Com isso, tivemos que vender a enorme casa de três quartos em que vivíamos há pelo menos dez anos.

Às vezes eu achava que era uma espécie de vingança dele contra minha mãe por ela não tê-lo perdoado dessa vez. Mas, bem, ela tinha completa razão. Foi Cristina quem o encontrou em um restaurante beijando uma das advogadas do seu escritório e, sendo assim, quem contou a nossa mãe o que meu pai estava fazendo.

Ao que parecia, não era a primeira vez que ele tinha um caso com alguém do trabalho e então ela não pode mais acreditar em suas mentiras, o mandando embora. Talvez fosse por esse motivo que minha irmã havia inventado de fazer intercâmbio bem naquela época. O problema era que eu era a única a sofrer com todas aquelas brigas por causa da casa e Cristina só teria que lidar com tudo quando voltasse em alguns meses. É muito mais fácil quando se tem vinte e dois anos e está no final da graduação e não dezesseis e no segundo ano do ensino médio! Eu nada podia fazer.

Por esse motivo iríamos para um bairro bem mais longe e moraríamos, eu e minha mãe, em um apartamento enquanto meu pai morava novamente com meus avós.

Por isso, apenas o Desconhecido tinha o poder de me encontrar, mas eu não tinha como saber quando ele poderia ir até minha casa. Se é que faria isso. Pelos meus conhecimentos, o cara podia estar rindo da minha cara de idiota naquele momento. Eu não era tão boba para achar que ele realmente estaria apaixonado a essa altura, não?

Não sabíamos nada um sobre o outro, a não ser que tínhamos uma boa diferença de idade, e que ele frequentava a universidade, enquanto eu frequentava o ensino médio. Havia mais de dez universidades na cidade e região, e possivelmente mais de cem escolas. Seria como procurar uma agulha no meio do palheiro. Não adiantava nem tentar.

Voltar para a casa vazia e ficar esperando por horas até que aparecesse me parecia ridículo. E nada seguro. Além do mais, era sábado, e já havia me comprometido a ir ao aniversário de minha colega. O que me fez lembrar que seu primo também estaria lá.

Victor Hugo! Havia até me esquecido depois dos últimos acontecimentos.

Não estava com muita vontade de me arrumar por causa do que estava sentindo, além do que aquela mudança também havia me causado muito estresse. Mesmo assim fiz um esforço e fui até a pizzaria, pensando em logo inventar uma desculpa para voltar para casa.

Quando cheguei, Dêssa correu e veio me abraçar. Sorri meio sem graça e ela já entendeu porque minha expressão. Nem precisou perguntar se o Desconhecido havia aparecido.

Para tentar me animar, tentou voltar minha atenção para Victor Hugo. Justo quem eu não estava nem um pouco a fim de notar.

Tentei ao máximo parecer simpática quando ele sentou ao meu lado, algum tempo depois, puxando papo. O garoto continuava lindo. Naquele momento, entretanto, nem tinha olhos para ele, respondendo monossilabicamente, sem me estender em nenhum assunto. Ele percebeu, é claro. Ao invés de entender meus modos como não querendo sua atenção, pensou que estava com vergonha de fazer qualquer coisa na frente de seus pais, que, sendo tios de Luísa, estavam presentes na comemoração.

Gentil e educado, não tentou mais forçar nada, apenas ficou de conversa comigo e com o resto do grupo, sempre tentando me agradar. Mais tarde, ao descobrir que havia me mudado naquele dia, perguntou se gostaria de carona para casa, já que vivia no mesmo bairro. Não pude dizer não. Ele já estava sendo tão legal que achei melhor dar esse presente ao garoto.

Seus pais me deixaram na frente do prédio novo e esperaram que eu entrasse para finalmente arrancarem.

Subi, me troquei e deitei em meu novo quarto, ainda bagunçado de caixas, e fiquei pensando que no domingo, enquanto fosse dia, poderia arrumar uma maneira de ir até a antiga casa para ver se, por acaso, o Desconhecido tinha passado por lá. Era só nisso que eu havia pensando o dia inteiro!

Estava quase dormindo e já era passado de meia-noite quando um bipe me assustou. Era uma mensagem no celular. Pensei em desligar o wi-fi, mas ouvi mais um bipe, e ainda outro, então fui verificar, achando que era minha amiga.

Era Victor Hugo, entretanto. Dizia que sua prima havia passado meu número, já que ele esquecera de pedir. Eu sabia que era mentira, porque já havia instruído Luísa a não fazer isso e ele provavelmente havia convencido algum outro de meus colegas.

Queria ser estúpida, mas era algo difícil de fazer. Por mais que eu pensasse em ser grosseira, sempre acabava soando boazinha. Ainda mais com alguém que estava sendo tão agradável, no fim das contas, dizendo estar feliz por ter me visto naquele dia.

Salvei seu número e respondi, sinceramente, que também havia gostado de vê-lo. Ele era legal e não tinha culpa de tudo que estava me acontecendo naquele momento.

Só queria desejar boa noite. – ele disse – Você deve estar cansada da mudança.

Eu quis responder que sim, que estava cansada, mas achei que não era o que ele esperaria de resposta, então digitei uma mensagem respondendo seu boa noite.

Esperei para ver se diria mais alguma coisa, pois aparecia digitando na tela. Nenhuma mensagem apareceu, então fechei os olhos, desligando a tela e deixando o aparelho no peito, o sono me dominando.

Só fui ler o resto da mensagem no dia anterior, quando acordei e meu celular estava no chão.

Queria muito ter te beijado hoje. – dizia.

Ele nunca fora tão objetivo, porém a facilidade de se esconder atrás da tela de um smartphone podia fazer muita diferença na vida das pessoas. No entanto, provavelmente se arrependeu assim que clicou em enviar, pois a frase seguinte era cheia de emojis envergonhados e desculpas por ter sido tão direto.

Eu ri de sua falta de jeito em se expressar. Ele sempre havia sido assim.

Decidi ser recíproca em suas gentilezas respondendo que o desculpava. Não satisfeito, o garoto me mandou mais mensagem para dizer que queria me ver de novo, ainda mais agora que seríamos quase vizinhos. Dessa vez resolvi nem responder antes que fosse pior. Eu não tinha cabeça para pensar em outro cara que não fosse o tal Príncipe Desconhecido naquele momento.

Levantei-me e, com a ridícula desculpa de que havia perdido minha pulseira de ouro e que precisaria voltar para procurar no meio da grama, voltei a minha antiga casa depois do almoço e fiquei lá sozinha por mais de uma hora, o que foi claramente inútil. Como acertaria a hora e o dia em que ele passaria lá?

Passeei várias vezes de bicicleta por aquela rua nas semanas seguintes. Imaginava cada possibilidade e como seria se o encontrasse por "acaso" em algum lugar. Busquei até nas redes sociais de várias faculdades na esperança de encontrar alguém parecido, mas nada. Estava decepcionada. Não havia nada pior na vida de uma adolescente do que ter um romance mal acabado (ou, nesse caso, mal começado).

Victor, por outro lado, passou a me mandar mensagens frequentemente. Acabei gostando de toda a atenção, pois me fazia esquecer que algum dia havia passado por aquela situação com o Desconhecido. O enrolei por várias semanas, como fazia com todo mundo (eu frequentemente acabava iludindo todo mundo com minha mania de nunca dizer nunca). Até que, em um domingo, ele me enviou uma mensagem dizendo para descer, porque estava me esperando.

Surpresa por sua ousadia, fui ao seu encontro. Não era como se não gostasse dele ou mesmo que não me sentisse atraída.

Uma parte de mim gostava bastante daquele garoto confuso e bobo. Outra parte esperava que o Desconhecido aparecesse a qualquer momento na minha frente, e, para isso, eu não poderia estar comprometida.

Já havia se passado um mês inteiro daquela espera desesperada e nada havia acontecido, nenhuma das possibilidades que imaginara. Não o encontrara no shopping, nem no mercado, nem num show, nem em qualquer lugar que eu fora durante esse tempo.

Enfim, qual seria a chance de reencontrá-lo novamente em uma cidade tão grande? Isso provavelmente nunca aconteceria. Talvez fosse mesmo a hora de esquecer de vez que aquilo havia ocorrido e parar de fantasiar. Quem sabe esse não seria justamente o cara que me faria virar a página enfim?

E foi assim que acabei namorando sério com Victor Hugo. Porém, meses depois descobri, da pior forma possível, o quanto os homens eram criaturas horríveis.

Quer dizer, eu meio que já sabia um pouco sobre isso, por causa do quão escroto havia sido meu pai, mas sempre havia um pingo de esperança de que o cara por quem eu era apaixonada nunca me faria nada de mal.

Victor Hugo parecia alguém que nunca seria capaz de me fazer qualquer coisa ruim. E assim foi mesmo, maravilhoso, atencioso, gentil, amoroso. Por longos oito meses. Até que ele desapareceu.

É sério! Evaporou-se da minha vida sem praticamente deixar rastros – pelo menos por um tempo.

Não que ele tivesse sido sequestrado. Ou morto. Ou coisa do tipo. Se fosse assim tudo teria ao menos uma explicação lógica.

Eu ligava para seu número e apenas ouvia uma voz feminina de robô dizendo que o número chamado estava desligado ou fora de área de cobertura. Isso depois de uma semana sem me ligar ou mandar mensagem.

Que namorado passa sete dias sem falar com a namorada?

Estava me sentindo no limite de meus sentimentos, entre a raiva absoluta ao ter sido feita de besta e a preocupação extrema, já que ainda conseguia pensar que podia ter acontecido algo mais grave. Meu coração bobo e apaixonado nunca acreditaria que depois de oito meses juntos, Victor, um garoto tão amoroso, poderia me maltratar daquela maneira. Acreditava que ele não seria capaz de machucar nem uma formiga.

Fui até em seu apartamento, só que não havia ninguém em casa.

Primeiro achei que estivesse zangado comigo por algo que eu fizera ou dissera. Logo, refiz todos meus passos e falas durante o último mês a fim de buscar respostas para o que quer que o tivesse deixado chateado a tal ponto. Nada pareceu tão terrível. Já fazia um tempo que não brigávamos.

Mas que diabos! Será que havia sido roubado?

Foi o que pensei no primeiro final de semana sem comunicação e que me fez desistir de incomodá-lo. Victor entraria em contato quando pudesse e quisesse, não?

Durante a semana, cheia de provas como estava, nem me lembrei de procurá-lo tantas vezes. Não estudávamos na mesma escola, contudo, se algo tivesse acontecido, sua prima Luísa, minha colega, me falaria. Ou não falaria?

Bem, ela pelo menos teria algum comportamento diferente do normal.

Após sete dias corridos sem saber dele, comecei a ficar mais furiosa que preocupada.

Não havia notado antes, mas, pensando bem, meu namorado havia meio que me evitado nas semanas anteriores.

Antigamente teria mandado mensagem de boa noite todos os dias, me chamaria de gatinha e passaria todo o final de semana na minha casa, por mais que morássemos a apenas dez minutos de caminhada um do outro. Nos últimos dias, antes de sumir, havia me mandado boa noite três vezes em uma semana e uma só na outra – me dei ao trabalho de conferir.

Além disso, só fora almoçar comigo no sábado e ficara apenas duas horas no domingo, argumentando que precisava estudar, já que suas provas trimestrais seriam antes das minhas. Nem desconfiei de nada, até porque também precisaria estudar.

Cristina, nessa época, já havia voltado do intercâmbio. Ainda que tivesse ido morar comigo e com nossa mãe no primeiro mês, no segundo já havia ido embora para o apartamento de meus avós, com a desculpa de que tinha mais espaço e que não queria nos incomodar. O que era ridículo, porque estávamos com saudade. Mas sabe como é, ela já havia se acostumado a dormir sozinha e se irritou comigo algumas vezes durante esses trinta dias, porque eu era um pouquinho sem noção às vezes. Então foi para o único local em que teria um quarto privativo.

Nesse dia ela estava nos visitando. E foi quem me pegou chorando em minha cama quando foi me chamar para ver um filme.

— Oh, Cacá, o que aconteceu? – perguntou ela da porta, como se não fosse óbvio pelo tamanho do meu sofrimento que meu coração estava partido em mil pedacinhos. Antes que eu conseguisse formular uma palavra para responder, minha irmã transpôs o espaço entre nós e me abraçou bem apertado, me deixando molhar todo seu suéter branco. – O que foi que seu namorado fez?

Sua indagação e seu gesto apenas fizeram com que mais soluços saíssem de meu peito. Possivelmente ela nunca me vira chorar tanto.

Depois de alguns minutos de silêncio, preenchidos apenas com minhas lágrimas, consegui dizer, entrecortadamente, que não tinha mais namorado.

Cristina ficou lá comigo até que comecei a diminuir o choro. Depois ainda tentou me fazer rir de todas as formas, até finalmente dizer que eu superaria aquilo e que muitos namorados ainda viriam. Eu sabia disso, mas não fazia com que doesse menos. Foi então que tentou me convencer a ir a alguma festinha da escola.

E assim, sem mais, se levantou, agarrou seu telefone e ligou para minha melhor amiga, que levou ainda uma hora para aparecer. Ela trouxe chocolate, o que amenizou a demora.

Andressa, claro, fez de tudo para me animar e, depois de muito implorar, quando o doce já havia acabado, me convenceu a tomar banho e me arrumar para a festinha de nossos colegas. Ela me enfiou em uma roupa e ainda me fez parar na frente do espelho por cinco minutos dizendo "eu sou linda e maravilhosa". O que não serviu para me sentir linda e maravilhosa, no entanto me fez sorrir, achando graça.

Eu não me divertiria tanto quanto elas esperavam, mas ao menos tentaria.

A primeira pessoa que encontrei assim que pisei na casa onde seria a reunião fez uma expressão tão desolada e sentida que meu coração, antes quebrado, se desfez em pó. Se Luísa estava assim, boa coisa não significava.

Meus olhos se encheram de lágrimas, ainda que eu tivesse pensando que isso era impossível, devido ao tanto que já chorara, e Dêssa pulou na minha frente:

— Onde o imbecil do seu primo tá, Luísa?

Ela abriu a boca, surpresa com a agressividade de minha amiga, parecendo não saber exatamente o que nem como dizer.

— Fala, criatura! – Andressa exigiu. – Por que ele não atende o telefone?

— Achei que você já soubesse. – foi o que respondeu, chateada, olhando para mim.

— Soubesse o quê? O que aconteceu? – me desesperei, imaginando as coisas mais horríveis que poderiam ter acontecido, como ele ter sofrido um acidente e estar em coma no hospital.

Várias pessoas que estavam próximas começaram a nos observar, provavelmente porque eu havia falado alto demais.

— Por isso você parecia tão calma a semana toda. Aquele idiota não falou nada!

Idiota? Não falou nada? O que isso significava? Que ele estava bem? Não houvera acidente, nem sequestro?

Andressa pareceu entender meu desespero e me segurou pelos ombros enquanto Luísa chegava mais perto para ninguém mais ouvir nossa conversa:

— Cá, ele foi pro Paraná!

Pisquei os olhos várias e várias vezes, limpando minha visão, para que assim tentasse entender do que diabos ela estava falando.

— Ele viajou no meio do ano letivo? – perguntei, confusa.

— Não, Cá. – ela explicou, colocando a mão no meu ombro. – Para morar. Meu tio foi transferido pra lá. Achei que já tivesse contado isso há muito tempo e por isso você já havia superado, não sei. Então não falei nada.

Eu agora estava chorando. Muito. No entanto, as lágrimas de tristeza tinham se tornado lágrimas de ódio quando finalmente compreendi o que estava acontecendo. Eu levara um pé na bunda sem ao menos ter levado um pé na bunda. O que era bastante contraditório, diga-se de passagem.

Se algum dia aquele garoto se dignasse a aparecer na minha frente, ele ganharia um belo de um olho roxo, só para começar. Ah, que alguém me segurasse, porque eu acabaria com a sua vida! E aos pouquinhos, que era para doer mais.

Nunca, mas nunca mais cairia no papo de nenhum cara.


****************

Será mesmo que não vai acreditar em mais nenhum cara?

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