04

ANDREW KELLER

    Quando minha mãe pediu divórcio, há quinze anos atrás, eu lembro de meu pai ter ficado arrasado. Ele não demonstrava na frente dos outros, como policial, ele sabia ser indiferente. Mas em casa, já não era mais o mesmo.

    Sem minha mãe, uma babá tomou conta de mim e ele começou a se afastar. Nas primeiras semanas, nem conversamos, ele voltava do trabalho e subia direto para o quarto. Lizzie e John cuidaram de mim quando a babá não podia e outras vezes, eu ficava na casa de minha irmã, Candice.

    Num domingo à tardinha, quando meu pai estava voltando da delegacia, Lizzie o barrou na entrada de casa para falar com ele. Não digo que foi uma conversa lá muito agradável, já que da sala, eu conseguia ouvir claramente, os dois discutindo e um querendo falar mais alto que o outro.

    Lizzie disse que meu pai precisava tomar vergonha na cara e voltar a agir como um pai novamente e em resposta, ele declarou que isso não era de sua conta, mas na verdade, era sim. Não foi fácil para ele, eu não o julgo pelo que aconteceu, cada um tem seu jeito e seu tempo para lidar com um término e tudo bem, acredite.

    Isso nos aproximou, afinal. Depois de fechar a porta na cara de Lizzie e subir para o quarto batendo o pé, um banho quente acabou o fazendo bem. Ele desceu as escadas novamente e me encontrou na sala, vendo desenho animado.

    Noah Keller não me pediu desculpas, somente me abraçou, puxou assunto e ficamos conversando no sofá, contei a ele sobre meu dia, o atualizei sobre os Titãs — nosso time de futebol. —, e finalizamos assistindo um filme.

    No dia seguinte, descobri que ele tinha demitido a babá. Foi quando eu tive certeza que tudo voltaria ao normal e que agora, estaríamos juntos nessa. Meu pai não é só meu herói, mas é também o meu melhor amigo.

    Com a correria da semana, acabamos criando uma tradição: Domingo é dia de filme! Pipoca, salgadinhos, pizzas e qualquer outra comida incluída no pacote. Conversamos, jantamos e assistimos o máximo de filmes enquanto o sono não chega. Às vezes viramos a noite, outras vezes, apagamos nos primeiros dez minutos, mas continua sendo um tempo só nosso... nosso e de Kit, que às vezes aparece pedindo um carinho.

    — Drew, você ainda vai comer a pipoca? — perguntou ele, apontando para o pote que eu segurava. Neguei e o entreguei, percebendo que o filme já tinha acabado e eu nem lembrava qual estávamos assistindo. — É minha vez de escolher? — Ele pegou o controle e começou a procurar — O que acha de... hm, Dolittle. Já assistiu?

    — Sim, você vai gostar. Os animais falam.

    Eu ri e olhei para Kit deitado no tapete. Meu pai sempre foi o defensor dos animais e mesmo com a minha alergia aos pelos, ele acabou cedendo a um gatinho de estimação. Tanto que A dama e o vagabundo — de mil novecentos e cinquenta e cinco — é o seu filme preferido. Ratatouille e depois Zootopia.

    — Enquanto o filme carrega, o que acha de me contar o que aconteceu com você?

    Eu o olhei.

    — Como assim?

    — Você está estranho desde o almoço de ontem. Ficou no quarto o dia todo, mal tocou na pipoca e não reclamou do Ben Solo, o que você costuma fazer quando assistimos Star Wars. — continuou. — Se não aconteceu nada na festa, pode ter acontecido no almoço. Se é sobre o casamento, você pode me falar. Se acha que Lizzie e eu estamos indo rápido demais ou não aprov...

    — Que? Não, não, não, pai. Não é isso, eu juro. — me ajeitei no sofá. — Fiquei feliz com a notícia do casamento, sério. Sempre gostei de Lizzie e quero muito que você seja feliz... eu só estou cansado. Tive que terminar uns trabalhos hoje e não sei se fui muito bem. Se eu continuar assim, vou ter que sair do time.

    O filme começou.

    — Por que não pede ajuda à Chloe? Ela ainda continua sendo a melhor da turma?

    Chloe.

    Minha tarde no quarto não foi muito diferente dos outros domingos que fiquei no videogame. Porém, minha cabeça não estava colaborando com nada, tentei terminar os trabalhos atrasados e só pensei em Chloe, no que aconteceu na festa.

    Por que regras? Vale tudo.

    As palavras de Liam ecoavam na minha cabeça. Ele era meu melhor amigo, sempre estivemos juntos e eu deveria o conhecer bem, deveria saber do que ele era capaz.

    Coloquei um certo... remedinho no copo dela.

    Ele estava convencido de ter feito algo incrível. Que tipo de pessoa faz uma coisa dessas?

    Relaxa! Ela só vai dormir. Tudo bem, amanhã nem vai se lembrar.

    Liam estava tranquilo, tranquilo demais ao dizer e aquilo me incomodava, ele sabia exatamente o que estava fazendo. Fiquei o dia todo tentando afastar os pensamentos, mas nada me tirava da cabeça que Clarke já tinha abusado de outra garota antes.

    — Pai, uma garota quase foi estuprada ontem na festa.

    Soltei, antes que pudesse me arrepender.

    — Quase? — ele me olhou, calmo como sempre.

    — Eu impedi, mas não foi o suficiente. Ele pode tentar novamente, até com outra garota ou em outra festa. Eu não sei o que fazer, não paro de pensar nisso.

    Meu pai não respondeu de imediato. Pausou o filme e ficou uns segundos em silêncio observando Kit a dormir no tapete.

    — Como capitão Keller, eu aconselharia você a registrar uma ocorrência, mas acredito que não dará em nada, você não tem provas e seu amigo também não foi até o final, o que é um grande alívio. — ele pausou. — Você impediu o ato, então não diga que não foi o suficiente. — eu suspirei. — Se quiser me dar um nome, eu posso dar uma verificada na ficha dele, pedir para alguém ficar de olho ou começar uma pequena investigação.

    Eu consenti.

    — Liam.

    — O Clarke? — Meu pai hesitou. — É complicado, o pai de Liam é deputado, ele trocaria muitos favores antes de deixar o filho ser levado a tribunal.

    — E o que eu faço? — perguntei por fim.

    — Já tentou conversar com ele? Resolver as coisas, é o que Lizzie faria. 

    — Não acho que uma conversa vá mudar as atitudes dele. — revirei os olhos. — O que você faria?

    Ele deu de ombros.

    — Gancho de direita. Uma surra é bem menos do que ele merece.

•••

    Como de costume, acordei atrasado. A falta da minha preocupação, foi a lembrança de não precisar comparecer ao treino logo cedo, o que, sinceramente, não era muito melhor.

    Sai da cama, um pouco dormindo e fui para o chuveiro. Tomei um banho rápido e coloquei uma roupa qualquer, precisava de uma dose bem forte de café para acordar. Desci as escadas e encontrei com Martha, preparando a mesa.

    Ela é nossa funcionária, embora eu a considere da família. Esteve sempre presente cuidando da casa e eu aproveitava sua companhia para conversar. Na maioria das vezes ela me xingava por algo que eu fiz e nas outras vezes, me xingava por algo que não fiz. Acontece que nós nos entendemos assim e é divertido.

    — Bom dia, lindeza da minha vida. — dei um beijo em sua bochecha.

    — Bom dia. Oh garoto, você não deveria estar na aula, não? — ela serviu o café na xícara e me entregou. — Vou comprar um despertador e te dar de presente.

    — Não precisa, eu já tenho o Kit que toda a manhã me incomoda, pedindo para ir para a rua. — puxei a cadeira para sentar.

    — E você se atrasa por que?

    Bebi um pouco de café.

    — Por que eu abro a porta e volto a dormir. 

XXXX

Olá pessoinhas queridas, como está indo o dia de vocês? Resolvi dar um tempo para Andrew, sem falar muito do casamento. Ansiosos para os próximos capítulos? Sinceramente, eu estou, já que nem os escrevi ainda.  

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