Capitulo 7

Pov Alice

Eu me tornei em uma idiota? O que diabos eu estou fazendo aqui? O sol mal nasceu e nem fez questão de nos esquentar. Estremeço mesmo debaixo dos pesados casacos que me cobrem, e mal tenho coragem de limpar meu nariz que começava a escorrer de novo. Nem me dei o trabalho de dizer onde ia e quando voltava, quando sai de casa ainda era escuro e quando finalmente acordassem, não sentiriam minha falta, mal tinha dado cinco da manhã quando acordei de repente, talvez por pesadelos que eu não tinha a um tempo, só sei que meu coração angustiado e a crescente sensação que tinha algo errado não me deixavam dormir, e lutei por mais uma hora tentando pegar no sono e ignorar qualquer fosse o problema que estivesse acontecendo, não importava, não era comigo afinal de contas.

Foi o que eu pensei, mas a sensação persistia e não me deixava dormir, e mesmo quando eu finalmente me levantei e lutei contra o frio da manhazinha enquanto me arrumava em tempo recorde, e mesmo agora, enquanto espero e tento me esquentar com o calor do sol, que começava a sair tímido de meio das nuvens, na frente da sua casa, na casa de Marina. Não era eu, como se criassem vida própria meus pés me levaram sem que eu ao menos percebesse, alheia sobre meu destino, eu observei as casas, as ruas, as arvores e as formas que faziam no céu, e em como tudo parece diferente quando vazio, em horas como essa, sob o céu azul claro que começa a se formar, a solidão é uma benção, e sem todo o ruído e todas as pessoas que eu não me importo, eu posso finalmente admirar as coisas.

Meus pés me levaram aqui, mas foi eu que escolhi ficar, eu sabia disso.
Ouço passos se aproximando e levanto minha cabeça, Marina era inconfundível pra mim, seus cabelos vermelhos e ondulados cobriam seu rosto, que fitava cabisbaixo o chão e não notava a minha pessoa na sua frente.

- Como não pode estar em casa a essa hora? Tem ideia a quanto tempo eu...

Me calei assim que vi seu rosto, que se levantou para mim e me mirou ameaçadoramente, engoli em seco, meus instintos estavam certos, seu rosto pálido e exausto e olhos fundos e roxos das olheiras, Marina parecia um verdadeiro zumbi.

- Você parece horrível – Comentei.

- E você parece incrível.... Que diabos você está fazendo aqui a essa hora?

- Eu... eu só vim me certificar de que você me daria aula hoje – Menti.

- Que bom que veio, pois hoje de jeito nenhum – Disse entre dentes, seca e começou a fazer seu caminho para o portão.

- Mas você prometeu! – Rebati, a seguindo.

- Assim como você marca e desmarca as coisas a sua vontade, eu também posso! Eu vou trabalhar e a tarde vou descansar, caso você não tenha percebido, eu estou exausta.

- Se está tão exausta e pode trabalhar, pode muito bem dar minha aula.

Ela arfou, incrédula e me encarou por longos segundos, me olhando como se eu fosse idiota, desviei e olhar e mal acreditei em mim, me senti constrangida pelas minhas próprias palavras, sem ao menos saber o problema delas. 

- Tem alguma coisa de errado com seu cérebro? Colaram seus olhos para olhar para o próprio reflexo? As pessoas precisam trabalhar e trabalham em um estado muito pior que o meu, isso é uma coisa que você nunca vai poder entender e perto disso... você nunca será minha prioridade.

Não achei palavras para lhe responder, e sem ao menos esperar uma resposta ela abriu o portão e se mergulhou na escuridão, fechando o portão logo em seguida, ouvi seus passos desaparecendo na escuridão, e apenas quando mal os ouvia, eu gritei seu nome, engolindo meu orgulho.

- Vai mesmo me deixar congelando aqui? Eu fiz todo esse caminho a pé, nesse frio só para te ver! Eu não sei o porquê... eu... meu coração, sentiu que algo estava errado e eu não conseguia ignorar, então eu vim.

- Espera mesmo que eu acredite nisso?

- Não. Eu sei que nunca vou entender você, e muito menos ser uma prioridade, mas até eu sei como cuidar de alguém, então me deixe cuidar de você hoje, você parece precisar. E se quiser apenas pense que estou fazendo isso pelo meu próprio bem, afinal, como você me daria aula doente?

Um silencio se espalhou antes de aos poucos eu começar a ouvir seus passos se aproximando ainda mais, e assim que ouvi o portão se abrir e o breu quente e úmido relar em meu rosto, eu mergulhei naquela atmosfera como se fosse uma banheira quente, um delicioso choque térmico para meu corpo.

- Não pense que me convenceu... eu apenas não fiz o que você faria.

- .... Certamente.


{...}


Explorei seu quarto sem a menor cortesia enquanto ela arrumava sua cama para dormir. Que consistia em uma estante suspensa com mais livros dos que eu li a vida toda, uma cama de solteiro, um guarda roupa e uma mesa de estudos, que ficava em frente a grande janela de vidro que tomava quase toda a parede e assim, proporcionava uma bela vista de boa parte da cidade, notei um espelho comprido em um canto do quarto, ela ao menos se olhava no espelho? Decorações de todos os tipos, algumas pelúcias e fotos de pessoas que eu não conhecia, enfeitavam o quarto e o deixavam bonito, eu tocava em tudo e observava com cuidado, admirada pela beleza daquelas coisas que nem eu nunca tinha visto.

- Você não tem dinheiro.... Como comprou tudo isso?

- Comprei...? – Ela riu genuinamente e parou ao meu lado, observando cada uma das suas coisas com carinho – São todos presentes dos meus amigos, que constantemente me faziam coisas assim, e depois ainda mais, como presente de despedida, por isso tem tantos... entende?

- Faziam...?

- Sim! Você não tem ideia o que nós fazemos para não gastar dinheiro.

- Então são feitos em casa... por isso me pareceram tão exóticos.

- Exóticos?! Então porque você está os olhando por tanto tempo? Você quer um?

...

- Quero.

- Então escolha! – Ela exclamou, se adentrando dentro dos lençóis – Eu vou tentar dormir, não precisa me acordar eu já tenho alarme para isso, em vez disso... estude, pegue meu caderno na minha bolsa.

- Eu vou tentar – Pego seu caderno e me sento no chão, ao lado da sua cama – Eu sinto muito pelo seu irmão, sinceramente... eu gostaria de ajudar, eu pagaria o tratamento e tudo depois dele, mas eu sei que você nunca aceitaria, não é um grande sacrifício sabe? Você não teria que se preocupar com mais nada além de mim. Mas não se engane... eu não quero sua amizade, só quero seu tempo e sua inteligência, só para mim. Mas eu sei que você está dormindo e por isso não ouviu nada... não é?

É.

{...}


Lutei muito contra minha vontade jogar o suco do copo na cara da Marina depois de cinco minutos tentando acorda-la, e ela foi salva pelos seus olhos que começavam a se abrir lentamente antes de eu erguer minha mão para molhar seu rosto com suco de laranja.

- Deve ter sido muito difícil tentar dormir.

- .... Que horas são?

- Não sei... mas levanta, eu fiz o seu café – Puxei sua coberta e a joguei no chão, me sentando em sua cama com a bandeja improvisada em meu colo, ela se sentou ao meu lado com uma expressão desconfiada no rosto.

- .... Não se preocupe, eu revirei tudo mas não achei o veneno.

Ambas rimos, em silencio observei ela comer sonolenta, que nem parecia se importar, distraída, como se lembrasse de mim de repente, ela me olha espantada e estende o grande como de suco que eu tinha a preparado.

- Você ao menos comeu alguma coisa? Coma comigo.

- Oh...

Estendi timidamente minha mão a uma das torradas de pão e dei uma mordida, sorri satisfeita, a manteiga ainda quente derretia minha boca e esquentava minha garganta, a tempos eu não comia alguma coisa que eu mesma tinha preparado, por mais simples que fosse, torradas eram deliciosas.

- Está bom? Digo você deve comer coisas deliciosas todo o tempo.

- Sim, temos um chef e nossa mesa de café da manhã é sempre cheia, quase sempre como sozinha, quando acordo meus pais já saíram com minha irmã... temos o triplo de comida que vocês têm aqui e opções de muito mais qualidade, mas... por algum motivo essa simples refeição tem um gosto melhor do que qualquer coisa que comi nos últimos anos... hahaha, não sei... apenas esqueça isso.

Seus olhos verdes me olharam perplexos por longos segundos, antes de sorrir serenamente e me passar o copo de suco, senti que me observava enquanto eu saboreava em grandes golos o gosto da laranja, e felizmente em vez de reclamar sobre minha fala ou questionar minha última frase, ela apenas pegou a fruta que acompanhava as torradas e o suco e a dividiu em duas, me estendendo uma metade.

- Você comeu tão pouco... tem certeza disso?

- Apenas me chame para tomar café na sua casa qualquer dia desses...

- Sua cobra! Você queria algo em troca!

Ela gargalhou com a minha frustação e levantou, abrindo seu guarda roupa e jogando algumas peças de roupas em cima da cama. Examinei a combinação de desastres de pano, que ela chamava de roupas, que ela escolheu para ir trabalhar.

- Com essas roupas...? Você vai sair com essas roupas? – Intriguei.

- Eu sempre saio com essas roupas.

- Já sei! Eu posso tentar escolher roupas decentes pra você ir trabalhar e em troca você me deixa eu te acompanhar no trabalho hoje!

- Ah claro!

- Serio? Garanto que não vai se arrepender!

- Eu estava brinca...

- O que? Eu não estou te ouvindo enquanto você está levando essa louça pra pia – Empurro a bandeja para seus braços e a guio apressadamente pra fora do quarto e fecho a porta atrás dela.

- Eu disse que...

- Não consigo te ouvir...! Hehe.

{...}


Eu já estava começando a me arrepender por ter vindo, eu conhecia esse lugar como a palma da minha mão, as vezes vinha e vagava pelo prédio e procurava por Julian, eu vinha e eu só queria ver Julian, e quando o achava o seguia a todo canto que ia, as vezes o ofendia gratuitamente, zombava do seu trabalho duro ou qualquer outra coisa que pudesse fazer ou apenas brincava com ele como se eu fosse uma criança insuportável. Nem eu sei o porquê daquilo tudo, nem ele e nem eu, as vezes eu só o seguia e observava, sem nenhuma palavra, absorvia cada detalhe dele, sentia essa necessidade. Em dias assim ele me parecia mais feliz, eu eu também. Em outros dias Julian era geralmente a cura pro meu tedio e era só isso, outros diziam que era amor, já ele me disse uma certa vez que esse bullying todo era uma tentativa miserável de preencher meu vazio existencial, no olhar um desprezo frio que parecia olhar para uma barata, não disse uma palavra mais e ironicamente aquele dia o segui em silencio por quase todo seu turno, como uma barata. Não sei porquê não fiz nada, ou disse alguma coisa, nem me lembro o que senti depois das suas palavras, não quero. Por algum motivo mesmo depois disso nenhum de nós se afastava um do outro, ele nunca se importou com o bullying e eu jurei nunca mais lembrar mais de suas palavras, com a mesma dinâmica feia de antes, o mais perto que tínhamos de amigos naquele momento.

Mas ficar parada aqui era quase tão ruim.

- Podemos ao menos conversar? – Perguntei, rondando Marina com umas daquelas cadeiras giratórias, a coisa mais divertida pra se fazer parada naquele escritório, quando eu não estava vagando por ai ou importunando Julian.

- Eu te disse que você ficaria entediada comigo aqui... apenas espere eu terminar isso aqui e vamos entregar uns documentos para alguém um pouco longe daqui, podemos conversar no caminho e talvez... enrolar um pouco.

- Nossa que rebeldia... eu sei que você não quer que eu te traga problemas mas apenas me deixe ir buscar alguma coisa pra a gente comer, mal comemos no café...

Marina olhou para a sua barriga chateada, e apontou com a cabeça para o elevador. Corri para lá antes que ela mudasse de ideia, ria igual a uma criança fazendo bagunça, esperei impacientemente o elevador chegar, quando finalmente chegou e sua porta se abriu em segundos eu agradeci por estar vazio, apertei o botão que levava ao terraço e já estava subindo.

Em poucos segundos a porta se abriu e eu atravessei o corredor do último andar do prédio, abri a porta grande pesada com grande dificuldade, o vento forte do alto de um prédio me atingiu e me causou arrepios, o único som que se ouvia era o do vento e meus passos apressados procurando pela máquina de guloseimas.

- Quem foi o idiota que teve a ideia de instalar uma máquina assim no terraço?

Varri os olhos pelo terreno vazio, e com o silencio um som que eu não tinha percebido antes chegou aos meus ouvidos, quase imperceptível, segui o som em passos cautelosos, não queria interromper a bela melodia que parecia sair de um violino, melodia tão melancólica quanto bela que parecia me hipnotizar e meus pés se moveram sozinhos. Quando o som ecoava tão bem nos meus ouvidos uma silhueta se revelou não tão longe de mim, reconheci aos poucos o rosto enfeitado por algumas lagrimas que desciam junto a melodia e meu transe se desfez em segundos, não tinha sol e ele era só um ponto escuro no meio daquele céu cinza e feio, era o mesmo Julian que eu desprezo e vice-versa, mas sem que ele soubesse, enquanto produzia tão majestosamente aquela melodia com uma expressão tão fraca no rosto, meus olhos não se desgrudavam dele numa admiração confusa e temporária, olhando como um ser humano pela primeira vez.

A melodia parou de repente e eu mal percebi, apenas quando sua voz perguntou pelo meu nome eu me toquei e desviei meu olhar, fingindo procurar algo em volta.

- A quanto tempo você está aqui?

- A tempo suficiente pra você conseguir tocar uma música sem fazer meus ouvidos sangrarem – Pensei rápido, em um tom de voz frio – Quem é que traz um violino pro trabalho?

- Meu tio está tentando um cargo importante aqui e me pediu pra fazer um apresentação pra... Espera! Porque eu estou te contando isso...? Não é da sua conta afinal.

- Você vai se apresentar? Eu posso ouvir?

- Haha... você acha que eu sou idiota? Se eu quiser ouvir alguém me julgar pela minha música eu mesmo faço isso.

- Você tem ficado mais experto com o tempo? É uma pena... eu realmente ia fazer isso – Me aproximei mais e sentei em um banco atrás dele, examinando o violino que estava tocando a minutos atrás.

- Ei! Solta meu violino! - Sua mão tentou alcançar a minha violentamente, mas eu fui mais rápida e a afastei, escondendo o violino em minhas costas – Solta ele sua...! – Mordeu os lábios, se censurando com raiva.

- Sua? – Perguntei soberba.

- Apenas solte por favor! Ele é importante pra mim... só isso viu? Eu tenho que implorar pra você ter o mínimo de compaixão?

Baixei os olhos envergonhada, seu tom estava anormal, pior que os mais miseráveis dos tons que eu ja ouvi na sua voz.

- .... Não. Você não tem. Sabe o que eu fiz hoje? Não é normal eu estar por aqui no sábado, mas hoje... hoje o Nicolas, irmão da Marina, teve uma recaída por conta da sua doença e ela ficou muito preocupada e...

- Doença?! Ela nunca me falou nada disso – Exclamou, me interrompendo.

- Porque ela o faria? Você não é tão importante pra ela quanto eu afinal... Enfim, por sorte eu tinha ido a sua casa hoje de manhã e estou fazendo companhia pra ela não se preocupar muito, tentando confortar sabe... legal não é?

- Uau! Seria admirável se essa pessoa não fosse você, eu te conheço Alice, aposto que em vez de lhe dar apoio e conforto você está só a estressando ainda mais, querendo ou não com esse pessimismo e maldade que emana naturalmente de você. Sabe... Marina é uma boa garota, tente não estraga-la sim? – Julian cuspiu essas palavras como se fossem nada, pisco os olhos como se tentasse acordar e analisei seu rosto sem expressão.

- Você deve ser muito confiante pra falar isso comigo quando estou com seu violino nas mãos.

- Não! Digo... eu não quis dizer isso, só quero dizer que a Marina é importante pra mim. Me dê o violino sim?

- .... Sua covardia é entediante – Peguei sua mão tremula e a abri, lhe entregando o instrumento e a fechando, embraçando sua mão embaixo da minha – Então ela é importante para você? Então está com sorte, tudo isso é temporário e eu irei partir logo, isso já foi designado desde o começo. Mas por enquanto fique longe da Marina, é uma boa garota, mas é fraca como um inseto, e por isso cairia fácil por você, nós duas temos um trato e ela precisa cumprir sua parte, então não a distraia de me ajudar enquanto isso, agora quando eu se for... aí você faz o que quiser com ela, eu já vou estar longe.

- É isso que ela é para você? Um trato?

- Sim. Minha honestidade lhe parece digna agora?

- Nunca me pareceu.

Não demostrava um sinal de arrependimento das suas palavras, e eu muito menos. Sequei suas lagrimas forçando meus dedos na sua pele, num ato carinhoso escondíamos o ódio que sentíamos um pelo outro, as marcas dos meus dedos pareciam machucar e percebi ele segurar a respiração a centímetros de mim, seus olhos me olhando de cima como se eu fosse uma barata, quem de longe via e achava que era amor, mas éramos dois mentirosos.

- Não se preocupe. Você e Marina não são nada para mim, eu não me importo com o que pensam e falam de mim, por isso não lhe faria nenhum mal.

Tirei minhas mãos do seu rosto e me afastei, não olhei pra trás enquanto não sai do terraço, e no final, não comprei nenhum lanche.








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