Capitulo 23
Pov Alice
Quando os tios da Alice chegaram, fizeram um showzinho sobre como ela parecia horrível, e surtaram quando viram a marca de enforcamento em seu pescoço, mas quando viram meu igualmente esfolado e a mesma marca no meu pescoço, A postura intimidante do meu pai e nenhuma palavra de Emily, foi o suficiente pra faze-los parar, eles não sabiam de toda a história por trás de uma simples briga de adolescentes, como relatamos aos policiais e como eles em seu desinteresse e cansaço da noite registraram.
Mas nós sabíamos que não era só isso.
Quando estávamos saindo da delegacia, Julian me parou e me levou a um canto isolado da delegacia, me prensando contra a parede e deixando nossos rostos a centímetros de distância, e por mas que parecesse eu sabia que ele não queria me beijar. Ele estava furioso.
- Não foi isso que aconteceu, não é? Eu vi a marca das suas mãos no pescoço dela, e a Marina... A Marina viu você a enforcando e foi chamar ajuda, foi ela que me ligou dizendo para eu vir para cá. Você ia mesmo matar ela? Quase colocou toda a sua vida em risco, todo o futuro que você tanto fala apenas pelo prazer de matá-la? Eu sei que você é louca, capaz de muito, mas não dessa merda! Isso é sério? É ridículo! Nem você seria capaz de fazer alguma coisa assim.
- Eu ia! - Gritei e ele recuou surpreso - E acredite Julian eu faria de novo, sinto muito te decepcionar, mas eu sou capaz de matar alguém. Você sempre me diz pra fazer isso, fazer aquilo, como se quisesse me mudar, você... realmente gosta de mim? Você só sabe me julgar e nem me perguntou o meu lado da história, ela tentou me jogar do prédio! E você foi um dos principais motivos pra eu ficar... mas acho que eu errei. Acontece que eu não sou boa como você ou Marina, Emily e meu pai estavam certos, eu sou ruim, eu sou podre, e se você não acha, logo vai achar... E pessoas boas como você não merecem estar com pessoas como eu,... e agora, como uma pessoa ruim eu estou me afastando de você, e espero que você faça o mesmo.
Tinha muito mais do que reclamar e do que gritar pra argumentar, admitir da minha alma o quão ruim eu poderia ser, ou talvez contar o meu lado e de tudo o que eu pensei na beira da morte, do medo e do arrependimento que tive da pessoa que fui, e de quem eu pensei em amar mais uma vez. Queria muito chorar e parecer mais inocente, pra que ele secasse minhas lagrimas e esquecesse meus problemas até o próximo que eu fizer.
Mas eu já estava morrendo de vergonha de mim mesmo. Se tentasse parecer melhor ou pior mais uma vez eu choraria e pediria seu perdão e de mais tanta gente por ai.
Soltei suas mãos de meus ombros e as posicionei ao lado de seu corpo gentilmente, não tive coragem de olhar em seus olhos e me retirei de cabeça baixa, andei rápido pra que não desse tempo de ele vir atrás de mim, mesmo que eu queria muito.
Andei até a saída zonza, a visão embaçada, Só choraria em casa, Julian não secaria minhas lagrimas. Mas eu também não secaria se fosse ele.
{...}
Pov Marina
Dois dias se passaram desde que eu flagrei Alice e Emily brigando no terraço do hospital, quando as vi fiquei dividida entre separar a briga e deixar elas brigarem. Muita coisa tinha que ser resolvida entre elas, mas quando percebi que a briga estava tomando um rumo que não deveria corri para procurar ajuda, eu sabia que não ia conseguir separar as duas e talvez seria arrastada junto também, mas eu sabia que no fundo, eu apenas não queria encarar elas agora. Eu era uma covarde.
Mesmo de longe eu conseguia ouvir o choro incessante que vinha das duas, e minutos depois quando vi as marcas de enforcamento vermelhas e inchadas na garganta das duas, eu engoli seco minha saliva amarga na minha, junto a culpa do que eu poderia ter parado e o que poderia ter acontecido.
Na escola dei graças a Deus por não sermos da mesma classe e evitei a todo o custo esbarrar com ela e com Julian. E as vezes eu me pegava pensando nela e automaticamente me forçava a pensar em outra coisa, mesmo que fosse para pensar nela de novo depois.
E não importava o que eu dizia que não quisesse, eu me pegava novamente passando os olhos pelos corredores vazios e lotados a procura de qualquer um dos três, passei meus almoços e cafés da manhã sem sabores em bosques e terraços vazios, mas por dois dias inteiros eu não os vi. Por isso me espantei quando o vi almoçando sozinho com um semblante tão desgraçado em sua volta que era quase palpável. Presumi que algo deve ter acontecido com eles e passei o resto do meu dia solitário remoendo isso.
Eu o queria, eu queria os dois separados e fiz isso acontecer. Mas porque diabos eu não me sentia feliz? No fim não adiantaria nada, nem se eu viesse como o Verão eu não tiraria Julian do Inverno. Alice estava fora, mas eu também nunca iria entrar.
No fim do intervalo, passei propositalmente pela sua mesa e o olhei de relance, ele não me notou e nem parecia notar nada a seu redor, preso na bolha solitária e sombria que criara. Ele não me enxergaria e nem procuraria por mim, e talvez nem por Alice.
Quando passei por ele foi como passar para a realidade, e eu finalmente entendi o que eu tinha feito. Eu tinha acabado com tudo.
{...}
Passei o dedo pelas fotos da galeria roboticamente tentando me distrair de todas as pequenas coisas que me lembravam dela naquela vazia casa. O dia que fizemos vasos juntas, eu, ela e toda a minha família, naquele dia eu nunca a vi tão feliz, experimentando depois de tanto tempo o que é ter uma família, e também pra a gente, que recuperamos o brilho daquela escura e nunca esquecida loja depois de tanto tempo. Me lembrei também de quando meu irmão teve outra recaída, eu voltei para casa naquele frio da aurora que congelava até minhas lagrimas e lá estava ela, me esperando como uma estátua de anjo na frente de casa após o sol mal ter nascido.
Naquele dia eu vi seu lado mais humano pela primeira vez, e me senti como uma depois de muito tempo.
Não notei quando as lagrimas começaram a sair, apenas quando elas molharam a tela do meu celular, em uma foto que eu me esqueci que tinha. Era de quando fomos visitar o campus da universidade que Alice queria entrar, nem a magnifica estrutura da universidade e o campus com as mais lindas arvores, verdes e coloridas atrás de nós pareciam mais esplendidos que nós, os sorrisos mais lindos que demos e os olhos mais brilhantes que já tivemos eram a coisa mais notável e bela naquele campus.
Alice estava no meio e aquele era exatamente o lugar que ela deveria estar, o elo que nos ligava, o motivo dos mais variados sentimentos e sensações dos melhores e piores meses da nossa vida, dessa teia de gente perturbada que ria e chorava junto.
Os melhores meses da nossa vida.
E estava tudo acabado...
Mas tinha que estar?
{...}
Meus pulmões ardiam e minhas pernas latejavam, e quando cheguei a praça cai de joelhos no chão, recuperado o folego levantei minha cabeça e passei os olhos pela praça, procurando por uma silhueta qualquer que fosse, mas aquela praça estava tão sozinha quanto eu. Me levantei com dificuldade e ri da minha própria estupidez, o riso rouco ecoava nas ruas desertas da tarde da noite.
Depois de ver aquela foto eu corri para cá como uma idiota, movida por uma esperança cega de que por algum motivo ela também estaria aqui. O último lampejo da minha sanidade numa ilusão sem noção.
Afinal foi aqui que tudo começou, foi aqui que apertamos as mãos e fechamos um trato. E por mais clichê que seja, se me dissessem meses atrás que eu choraria por uma menina como Alice, e que aqueles seriam os melhores e mais emocionantes, seja de uma forma ruim ou boa, meses das nossas vidas.
Andei pela praça com as pernas bambas, mas não deixei de andar, olhando em volta e tentando captar o máximo de memorias possíveis escondidas no meu cérebro, mas o céu estava tão lindo, que eu não conseguia parar de olhar para ele e todas as suas estrelas tão tarde da noite, onde as estrelas mais brilhavam. Até eu esbarrar com alguém.
Cai de bunda no chão e uma mão feminina me estendeu ajuda. O rosto de Emily iluminado pela luz da Lua me olhava com uma compaixão serena.
- O que... O que você está fazendo aqui?! - Indaguei, a voz mais fraca do que eu gostaria. Ignorei sua mão e me levantei mais dignamente possível, dando um passo longo para trás.
- Não tenha medo Marina. Eu não mordo, só se você quiser.
Ela me dá uma piscadela e ri timidamente, sua voz era surpreendentemente terna e madura, e lembrei que todas as vezes que estive com ela, não eram momentos que eu podia admirar ela, mesmo que nem agora eu deveria.
Ela deu voltas ao meu redor, me analisando de um modo intimidante e zombador, e depois parou a minha frente, mais perto do que eu gostaria.
- Você achou que ela estaria aqui também... não é?
- Pra você bater nela? - Acusei.
Ela deu de ombros, um sorriso enigmático e misterioso nos lábios que pareciam desenhados para os seus.
- Não sei. Queria bater nela e brigar com ela, mas também queria abraça-la e dizer o quanto senti sua falta. Mas acho que ela está cansada disso, e eu também, eu só queria encontrar com ela uma última vez antes de...
Ela parou de repente, como se fosse dizer algo que não deveria. Seus olhos agora eram medrosos, tão medrosos que me perguntei se eram realmente dela, e mesmo assim os procurei, mas seu olhar só fugia do meu. Ela se afastou e começou a andar pela praça com pequenos passos, institivamente a segui.
- Se você ama ela então porque a faz tanto mal?
- Porque fazemos coisas ruins quando estamos com medo. Quando eu não consegui seu perdão fiquei com tanto medo dela me esquecer de novo, então fiz questão de lembra-la que eu ainda estou aqui, de um jeito ou de outro... e quando finalmente percebi que ela nunca chegou me esquecer, ah! Eu fiquei tão feliz! Mas estava gostando de mexer com ela, eu poderia descontar toda a raiva da minha desgraçada vida nela e ao mesmo tempo podia estar com ela, falar com ela... era uma faca de dois gumes.
- Isso não faz o menor sentido. Isso não é amor, o que ela te falava e o que você falava pra ela, pra que estar junto quando as duas se machucam tanto?
Ela suspirou pesadamente.
- Você não entende Marina, eu precisava disso.
De repente ela parou, e eu também. Seu rosto iluminado pela luz da lua nunca me pareceu tão bonito, e assim como Julian, seus olhos eram tão escuros e pareciam dissecar o fundo da minha alma insistentemente, e talvez por ambos serem profundamente negros, eu não conseguia parar de olhar para eles. Como um buraco negro me sugavam para si.
- Você está se perguntando se eu não me sinto culpada. Não, não foi eu que comecei tudo aquilo, foi o pai da Alice, eu posso ter aceitado o dinheiro por anos, mas você também teria se tivesse minha vida. Depois que eu fui embora o único problema era ela e seus pais, e depois eu de novo e depois você. A vida dela, a sua, a minha, e vida miserável e vazia de dramas bobos de qualquer um quase nunca é culpa de uma só pessoa, as pessoas em nossa volta, das mais distantes ou até mesmo você, são as culpadas.
Ela se aproximou de mim e sussurrou em minha orelha, seu perfume agora tão perto, tão doce e sua respiração tão calma, ao contrário da minha, em minha orelha, me arrepiavam todos os pelos e me deixavam atordoada essa noite. As lembranças voltavam como uma avalanche, mas aquilo não era hora, talvez depois de tudo isso nunca seria.
- Mas as vezes podemos culpar o medo, e eu sei que você fez uma coisa ruim.
Arfei como se isso fosse blasfêmia.
- Mas você que é a culpada disso, você que me deu a foto, você que tirou ela!
- Você não ouviu nada do que eu disse? A culpa não é só minha, eu só te dei a foto, foi você que escolheu o que fazer com ela.
Abri minha boca, mas a calei em um segundo, afinal, ela estava certa.
Andamos pelo parque em silencio, passando por brinquedos vazios e fantasmas de crianças que ansiavam pela chegada da hora de ir para o parquinho, e talvez pelos nossos próprios fantasmas do passado, seja fazendo tratos ou conhecendo alguém que mudara sua vida. Às vezes eu a olhava de relance, as vezes ela me olhava e nem disfarçava, e quando o fazia, eu a olhava por ainda mais tempo, e quando se virava pra mim de novo, eu imediatamente desviava o olhar, e de canto de olho a via sorrir.
- Eu a conheci nesse parque também. Ela era nova na cidade e estava brincando sozinha no balanço, até que essas três garotas que eram como mini meninas malvadas desse bairro mandaram ela sair do balanço, pois segundo elas o balanço eram delas. Alice sendo Alice desde criança não quis sair, e revoltadas com isso as quatro começaram a brigar, eu assisti tudo até uma delas bater na Alice e eu rapidamente entrei no meio das quatro e gritei que se fossem pra bater nela teriam que passar por cima de mim primeiro, minha fama era de lobo solitário e as crianças tinham medo de mim, eu senti que Alice era do mesmo tipo e não iria sobreviver naquela cidade sem mim, então eu apenas a ajudei.
O mais engraçado foi que logo em seguida, ela apenas limpou a bunda suja de areia e me olhou por uns segundos, sem nenhuma expressão e correu até a gangorra e me olhou como se dissesse " você não vem idiota? ", balançamos naquela gangorra por minutos sem dizer uma palavra e brincamos por todo esse parque no mesmo silencio, no fim do dia eu a acompanhei até sua casa, ela me deu um beijo no rosto e entrou.
No dia seguinte eu me deparei com ela me esperando na frente do parque e quando me viu abriu o maior sorriso e me abraçou fortemente, e durante toda a tarte brincamos e ela falou o que não falou no dia anterior e mais um pouco, achei aquilo tudo muito engraçado, como se só tivesse caído a ficha que fizera uma amiga um dia depois, e mesmo que a minha não fosse tão diferente, eu demorei um pouco para me acostumar a sua personalidade.
Quando terminou de contar sua história, notei que assim como ela eu também tinha acabado com um sorriso e logo em seguida rimos como bestas daquela história peculiar e incrivelmente verdadeira. Alice como criança seria alguém que eu gostaria de ter conhecido, ela era como o toque cômico de toda essa história.
- Alice... nunca agradece diretamente por algo, ela agradece em pequenos atos. Com ela nós temos que viver de migalhas, assim como modelos.
Quando a conheci me lembro de pensar que menina...
- Detestável.
- Mas ela também pode ser tão amável...
Ela sorriu em resposta, e depois de um instante de silencio, ela completou.
- Não importa o que eu e ela digamos, somos muito parecidas. Assim como ela eu me prendo ao passado, eu também me prendi a ela. Mas eu cansei disso, eu só queria terminar tudo isso, em um final ruim ou bom. Mas já que ela não está aqui, acho que vou finalmente acabar com tudo.
Tentei entender suas palavras, mas era em vão, nada naquela noite fazia muito sentido. Só me dei conta que ela estava indo embora quando ela chamou pelo meu nome, já a alguns metros de mim.
- Marina. O medo nos faz fazer coisas ruins, mas também nos faz fazer coisas boas.
Como se para lhe acompanhar, o vento que passou levou sua doce voz a mim, dos meus ouvidos até tocar em meu coração, mesmo que eu não soubesse o porquê e nem o significado dessas palavras.
Lutei contra minha vontade de correr até ela e faze-la ficar só para conversar como se nada estivesse acontecendo, era só o que eu precisava, era só o que eu queria, voltar aos tempos antigos com ela.
Ela sorriu sutilmente para mim uma última vez antes de desaparecer em uma daquelas ruas na encruzilhada a meia noite, o sino da igreja anunciava o fim das 24 horas e seus passos nem se ouviam com o som do sino.
Como uma alma penada que me assombrava ela sumiu sem som e rastro pela noite, mas sua voz, seu rosto e suas palavras me acompanharam pelo resto daquela longa noite.
{...}
Deitei com a esperança de dormir rápido para estar bem descansada para amanhã, mesmo que já passava da meia noite, afinal amanhã seria o Enem. Mas isso não adiantou muito, mal consegui dormir à noite, meus pensamentos variavam entre o Enem e Alice, depois entre a conversa que tive com Emily e o transplante de Nicolas amanhã.
As vezes a voz da Emily dizendo "acho que vou acabar com tudo" surgia em minha mente e meu coração se acelerava pensando o pior: Será que ela tentaria matar Alice? Mesmo que parecesse loucura, eu não poderia duvidar, as duas eram loucas.
Na manhã o resultado foi duas bolsas roxas e fundas embaixo dos meus olhos e duas xicaras de café, rapidamente me arrumei e peguei o ônibus em direção a universidade aonde eu e muitos outros jovens iriam prestar Enem, e rezei para que no meio deles, nem Julian e Alice estivessem lá, e sim em outra universidade bem longe de mim naquela cidade que nem era grande assim.
Mas mesmo assim chequei o celular esperando secretamente uma mensagem de um deles. Para a minha surpresa tinha uma mensagem de Julian, acompanhada por mais umas de meus pais e outras de outras amigas, mas nenhuma da Alice.
Uma pequena chama de esperança se acendeu no meu ingênuo coração, se depois de todo o mal que eu causei ele ainda me mandava mensagens, sua bolha talvez não tivesse tão espessa assim. Sorri.
" Boa sorte hoje, mesmo que nós dois sabemos que você não vai precisar, e boa sorte para sua família amanhã, mesmo que eu espero que vocês não precisem. Eu sei que Alice deseja também, a gente só quer ver você feliz, mas acho que você já sabe. "
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