Capitulo 21
Pov Marina
Observo meus pais atravessarem o corredor e entrarem na sala do médico, em poucos dias tudo isso ia acabar, eu não entraria nesse hospital nunca mais, não veria mais esse medico, as enfermeiras, os doentes, essa branquitude inacabável.
Não veria mais as memorias persistentes e secretas em forma de olhos puxados e um sorriso provocante que eu esbarro nos corredores do hospital as vezes.
Nicolas vai ser internado amanhã e vai passar 4 dias até seu transplante. Entro no quarto em que o Nicolas vai ficar e fecho a porta atrás de mim, o quarto era simples, todo branco, a cama, o criado mudo, o armário em umas das paredes e o pequeno sofá a sua frente, uma janela grande ocupava quase toda uma parede em frente a cama, proporcionando uma constante brisa deliciosa ao quarto.
Aquele quarto tinha sido esvaziado a pouco tempo, era estranho olhar em volta e não ver o corpo na cama e todas as outras coisas que aqui pertenciam, aquele quarto vazio e branco era o espaço perfeito para a minha imaginação e as minhas memorias relembrarem de tempos passados aqui. Cada pessoa e cada coisa em seu maldito lugar nas memorias.
Me deito na cama, era surpreendentemente confortável, respiro fundo e solto meu ar com toda força. Sentia como se estivesse debaixo d’água esse tempo todo, prendendo a respiração, submersa na infinita agua da realidade vazia, densa e infinita como o mar. Muitas vezes quis deixar de lutar e deixar aquela agua me preencher por completo, me confortando por fim enquanto me sufoca uma última vez.
Mas então, alguém veio do fundo do mar e me empurrou pra cima, me fazendo chegar a superfície, e agora, nessa cama, eu sinto que pude respirar pela primeira vez, em muito, muito tempo.
Mas me pergunto se essa pessoa conseguiu chegar a superfície também.
Ouvi três batidas na porta. Sem vontade de levantar apenas olhei para a porta e esperei qualquer outra batida, já que aquilo podia só ser uma criança idiota batendo nas portas, por experiência própria. Notei uma coisa no chão que parecia um papel em branco, me levantei preguiçosamente e me aproximei, era uma foto polaroide junto com um bilhete, alguém deve ter passado ele por debaixo da porta depois de bater na porta.
Estreitei os olhos e li o bilhete ‘’ não poderíamos esperar menos dela, não é? ’’.
Era anônimo e nem a letra eu reconhecia. Não entendi de primeira, analisei a foto por alguns segundos antes de reconhecer o lugar e as silhuetas ao longe, tão pequenas que mal se via.
Era uma foto da Alice e Julian. Depois de uns segundos era obvio, eu reconhecia os cabelos louros de Alice e o contraste negro do bagunçados de Julian. Estavam se beijando, os lábios colados e os rostos tão perto como se se pertencessem. Eu sabia que eram eles, os safados usavam as mesmas roupas que eles usaram no dia que o Nicolas conseguiu um doador.
Senti meu coração quebrar ao meio e minhas lagrimas logo molharam a foto e borrarem a imagem perante mim, não adiantava negar mais, não consigo mais ignorar meus sentimentos, eu ainda gostava dele, mas se fosse apenas isso... se fosse outra pessoa. Mas não, eu já deveria saber que era a Alice, sempre foi a Alice, ele deu os sinais e eu me recusei a enxergar. Eu nunca tive chance, eu nunca poderia competir com ela. Ninguém pode.
Alice sabia, sabia que eu gostava dele e ainda assim... eu aposto que ela nem gosta dele, ela não é capaz disso, nunca poderia gostar ou amar ninguém. Me senti traída, não apenas por ela, mas pelo dois, ele sabia que eu gostava dele e ainda assim, caiu na brincadeira dela como um idiota, um burro ingênuo como uma criança.
São dois idiotas, sempre em seus mundinhos, não levam ninguém em conta.
Mas eu era idiota também. Se eles são assim, porque eu continuo chorando?
Amassei a foto e a joguei no chão, fui até a cama e me deitando em posição fetal chorei sozinha mais uma vez.
Da janela, o céu estava azul como nunca, pensei, isso era hora pra estar tão bonito? E assim como o céu, eu estava voltando para o azul do oceano, puxada pela mesma pessoa que me empurrou pra superfície.
{...}
Naquela manhã tudo parecia normal, eu acordei, fiz minha higiene pessoal, tomei café e fui para o trabalho.
Ontem à noite mandei mensagem pro Julian dizendo que tinha surgido algo e eu não ia trabalhar hoje, eu menti. No trabalho, eu tentei a todo custo não esbarrar com ele, e até sai mais cedo com a desculpa mais fajuta possível. Fajuta como aquele sofrimento por amor.
Não conseguiria falar com ele, não conseguiria nem ao menos olhar pra ele, e mesmo que conseguisse, o que eu iria dizer? Eu sempre escondi tão bem meus sentimentos e dessa vez planejava fazer o mesmo, por quanto tempo precisar. Mas o tempo passou e tanta coisa aconteceu, eu ia conseguir dessa vez?
Meu disfarce duraria pouco, de tarde tinha escola então seria impossível evitar Julian, e para piorar a Alice também estaria lá, lá então eu tinha a certeza que não ia conseguir agir normalmente.
Agradeci por meus pais não estarem em casa, e não estariam em casa até Nicolas ter alta, então eu não teria que fingir estar bem o tempo todo, como sempre fiz. Sinto que se eu desabasse na frente deles, eles iriam desabar também, mesmo não sabendo o motivo, acho que desabaríamos por tudo.
Na escola, não vi o Julian nem a Alice antes do intervalo. Já que estudávamos em salas diferentes na sala de aula eu pude esquecer tudo isso por um tempo, além do mais, o Enem era em poucos dias e nas aulas os professores davam uma espécie de cursinho pré-vestibular nessa última semana, ao mesmo tempo que tentavam nos encorajar e nos acalmar, e mesmo que a maioria dos estudantes dali poderiam pagar uma faculdade tranquilos, prestavam atenção em tudo e faziam anotações , inclusive eu, e isso me ajudou a esquecer de tudo por um tempo.
No intervalo, nos encontramos no lugar de sempre, o bosque no fundo da escola, isolado de todos, um lugar de história entre nós três, Quando sai da sala, Alice já estava me esperando e caminhamos juntas até a sala do Julian, ela comentou sobre como cursinho era difícil, enfatizou muitas vezes que esteve estudando muito, perguntou sobre o meu irmão, eu respondia tudo com um sim ou não, uma mexida na cabeça. Eu nem estava conseguindo disfarçar e ela percebeu, e foi ficando cada vez mais desconfortável, e quando finalmente encontramos Julian, ela disse que pagaria sorvete para a gente, com uma voz mais alta que o normal. Assustada.
No bosque, nós três nos sentamos debaixo de uma arvore, comendo o sorvete e jogando conversa fora, a mesma conversa de Alice se repetiu com o Julian e com ele conosco eu me forcei a ser um pouco mais presente, mas não olhava diretamente para o rosto de nenhum, mudando meu olhar de lugar a cada instante.
- Meus morangos acabaram... – Alice resmungou baixinho, o suficiente para o Julian ouvir que estava mais perto dela.
E sem dizer nada, Julian se aproximou hesitantemente e começou a pôr os morangos do seu sorvete no dela, eles estavam muito perto, com sorrisinhos bobos nos lábios e olhares tímidos que se encontram e se reencontram, as mãos quase se tocando, tudo era tão obvio.
- Vocês realmente não conseguem se segurar, não é? – Proferi rispidamente e um pouco alto demais, eles me olharam surpresos, mas não recuei.
Não iria segurar mais nada.
Me lembrei que tinha guardado a foto na minha mochila, o zíper resolveu emperrar e a cada segundo vergonhoso que eu tentava o abrir minha raiva aumentava, joguei meus livros pelo chão e achei a maldita foto no fundo da bolsa. Eu não podia me demorar nisso, não queria ter tempo pra me arrepender do que estava prestes a fazer. Quando achei a foto, ainda meio amassada, a joguei pros dois junto com o bilhete, a foto caiu como o lixo que era em seus pés, enquanto eles liam juntos senti lagrimas brotarem em meus olhos, mas engoli o choro, estava cansada de chorar. Não na frente deles.
Não demoraram muito pra descobrir sobre o que se tratava, por longos segundos, nenhuma reação, eles apenas ficaram encarando a foto, observei Julian engolir em seco e olhar como um cachorro medroso para Alice, como se perguntasse o que fazer, os dois apenas se olharam por um tempo, sem palavras ou acenos, como se conversassem pelo olhar e isso era apenas tão irritante.
Depois de respirar fundo ela olhou diretamente pra mim, seus olhos nem sua expressão, não exibiam nem o mínimo de arrependimento.
- Marina, tente entender, nós estamos realmente apaixo...
- Apaixonados? Conta outra Alice! Você não seria capaz de se apaixonar por ninguém, muito menos pelo Julian. Porque você está fazendo isso? Você tem inveja de mim? Você quer me prejudicar? Você sabia que eu gostava dele, você deveria saber que eu ainda gosto, então... porque continua brincando com ele? Você está entediada? Logo quando eu achei que você estava melhorando como pessoa... mas acho que eu estava errada, você ainda é uma egoísta, uma mimada, uma pessoa ruim...
Seu rosto continuava sério, impassível e impenetrável, seu silencio fez aquele minuto parecer se arrastar por horas, como uma alucinação gritante e estranha que eu achei que logo se transformassem em xingamentos e pragas, mas um sorriso mórbido surgiu lentamente em meu rosto e seus olhos se desviaram para o chão, ela não podia falar nada, ela sabia que essa era a verdade, sabia como nunca.
- Marina não é assim... deixa a gente se explicar – Foi a vez de Julian de tentar falar.
E se ao menos ele se aproximasse, olhasse fundo em meus olhos e tentasse de verdade falar comigo, mas uma de suas mãos segurava a de Alice, que tremia mesmo ao seu forte aperto, e a outra a minha frente, me pedia que eu o escutasse cautelosamente. Com ele, sempre seria assim.
- E você... você é tão idiota a ponto de acreditar que ela gosta de você, quando você me rejeitou eu aceitei pacificamente, e depois, você me mandou sinais que era ela de quem você gostava, mas eu não conseguia acreditar, como poderia? Ela sempre te tratou tão mal, porque você gostaria dela? Mas acho que eu entendo agora, você gosta mesmo de sofrer e ao contrário do que dizem, os opostos não se atraem, eles ficam juntos. As pessoas como vocês, ricos e esnobes, ignorantes, que se contentam em apenas enxergar o próprio umbigo, tem o seu próprio mundo, e eu não faço parte dele.
Peguei minha mochila e ajuntei tudo sem pressa. Não tinha mais o que se arrepender e ele não falariam por um bom tempo. Caminhei calmamente pra longe deles, cedi a tentação de os olhar pela última vez, os dois fitavam suas mãos dadas, mas não sabia dizer se repensavam tudo ou não.
{...}
Pov Alice
A observamos ir embora e sumir da nossa vista, mas eu via tudo como um borrão, ela, as arvores, tudo, como se meu mundo estivesse caindo e eu não pudesse fazer nada, senti toda a nossa amizade ser jogada fora e era tudo a minha culpa, queria arrancar meus cabelos e rasgar minha pele de raiva.
Por um instante, eu me arrependi de ter o beijado, de gostar dele e de sentir esse sofrido amor que me fazia me sentir tão diferente. Senti raiva até por ele gostar de mim.
Mas então eu olhei pra ele, e eles estava olhando pra mim com aqueles seus mesmos olhos, negros e densos na paixão, e por aqueles olhos eu pude ver que nem por um segundo ele se arrependeu de tudo o que fez, do que fizemos, do que sentíamos.
Minha raiva se dissipou e logo se transformou em tristeza, eu queria chorar, chorar até não haver liquido em meu corpo, mas não chorei, não queria chorar na sua frente de novo, não queria parecer fraca, odiava o fato de sempre querer ser consolada por ele, mimada, odiava me sentir fraca.
Claro, eu estava sendo fraca, mas isso não é culpa minha, eu não tenho nada a me arrepender.
Não tenho nada do que me envergonhar.
Enlacei meus braços em sua cintura e afundei meu rosto em seu pescoço, respirei fundo, sentindo seu cheiro, o guardando em minha memória, minha alma.
- Eu sabia que teria que contar pra ela um hora, eu só não planejava que fosse tão cedo, e nem dessa forma... – ele demorou pra responder, pensando num silencio sereno enquanto acariciava suavemente minha cabeça.
- Eu sei... eu ia te falar pra esperar ela me esquecer pra contar, e ela parecia estar se saindo muito bem com isso, mas eu acho que ela ficou muito mais brava pelo jeito que descobriu... é meio obvio sabe, ela pode achar que está brava por causa de mim, mas na verdade ela está brava porque foi deixada de fora, é só olhar nas entrelinhas.
Não respondi, e ele não falou nada por uns segundos, senti sua mão parar em meus cabelos.
- Você... você está arrependida Alice? Por ser minha namorada?
Me desvencilho dele e o olho incrédula, incrédula por ele ter me perguntado isso, e com mim mesma, que mesmo que por um segundo ter se arrependido.
- Não – Com aquele pequeno e simples não eu tentei por todo o meu sentimento, peguei suas mãos e as apertei, olhando fundo em seus olhos – Eu sei que as vezes parece que não... eu fico relutante em demonstrar as vezes, tenho medo. Mas não, não poderia me arrepender se eu preciso tanto de você, se eu gosto tanto de você por estar comigo agora.
- Eu sei, é que as vezes... sabe quando parece bom demais pra ser verdade? – ele sorriu timidamente – É assim que eu me sinto com você.
Ri, não pude deixar de rir, eu não sabia que ele podia ser romântico, era genuinamente fofo.
- Espera... você disse namorada?
Sussurro essa última palavra,sem deixar de sorrir por causa daquela estranha palavra, que mesmo que eu ainda nem tinha pensado, meu coração se encheu de alegria.
- Mas não é? – Ele perguntou com uma expressão confusa e logo levou as mãos pro coração, assustado, pude sentir seu coração bater rápido em minhas mãos – Ou você não quer ser? Ou você quer mas ainda não ter tornar isso oficial? Ou você...
- Ei, calma! É claro que eu quero – Rio e levo as mãos ao rosto, que ainda seguravam as suas, falhando miseravelmente em esconder meu rosto vermelho – Eu só não tinha pensado nisso ainda, mas já que você mencionou... – Sorrio timidamente e aperto suas mãos.
Sorrimos bobos como dois idiotas. Um silencio pensante se formou entre nós e nele uma chance de pensar sobre os últimos acontecimentos, além de pedidos de namoros e sorrisos tímidos.
De canto de olho, notei a foto amassada ainda jogada ao chão, como ela tinha descoberto? Quem tirou essa foto? Depois de pensar um pouco lentamente fui juntando as peças. O bilhete, a foto no terraço do hospital, alguém que odiei a gente, alguém que sempre sabia de algo. Esse nome saiu da minha boca entes que eu decidi em fala-lo.
- Emily!
{...}
No caminho de volta para casa, caminhávamos de mãos dadas, e embora estivéssemos em silencio, sabíamos exatamente o que queríamos dizer, sabíamos que foi a Emily que tinha causado tudo aquilo e mesmo sem dizer uma palavra, sabíamos que cada um tinha uma opinião totalmente diferente sobre o que fazer quanto a isso.
Eu queria ir até aquele hospital e bater nela até ela ter outro motivo para ficar lá. Já o Julian não queria fazer nada, disse pra gente esperar a poeira abaixar, então pedimos desculpas e tudo voltaria ao normal, ou quase isso. Seu argumento era que se eu fosse lá tirar satisfação com ela isso só mostraria o quanto ela nos afeta e então ela faria de novo.
Ele falava como se eu fosse uma criança que não entendia o obvio, o seu argumento fazia sentido, mas não me parecia certo simplesmente ignorar e deixar ela se safar.
Então só quando estávamos chegando perto da sua casa ele resolveu falar algo.
- Então você vai fazer o que eu disse? – Ele perguntou inocentemente e esperou minha resposta com expectativa, e mesmo que meu coração dizia não, eu não queria decepciona-lo também.
Demorei pra responder, olhei para nossos pés, eles andavam em sincronia um com o outro. Era irônico.
- Não. Não vou entrar no joguinho dela.
Paramos de frente um ao outro, já estávamos na frente da sua casa, nossas mãos dadas balançavam para a frente e para trás, como duas crianças.
- Fico aliviado em ouvir isso, sinceramente não achei que fosse concordar.
- É, nem eu.
Solto nossas mãos e seguro seu rosto, lhe beijo demoradamente, como se estivesse pedindo desculpas antecipadamente pelo o que eu não pretendia, mas sabia que ia fazer. Como se pedisse em apenas um beijo, todas as palavras possíveis para se dizer “ não me deixe”.
- Entre, entre antes que eu me convide pra entrar e passo a noite enfurnada no seu quarto.
Ele se despediu com um sorriso maroto e correu pra dentro, fitei a janela que imaginei ser a do seu quarto, sabia que ele ia aparecer ali pra ver se eu ainda estava ali e pra dar um último tchau, e assim como ele faria, eu estaria esperando por ele.
De fato, ele apareceu, e quando me viu abriu um grande sorriso, o sorriso mais lindo que eu já vi, não sei porque mas senti vontade de chorar, e como se refletisse minha felicidade, eu sorri inconscientemente, e tinha certeza que meu sorriso estava tão lindo como nunca, apenas pra ele.
Como um espelho.
{...}
Durante todo o caminho até a esquina da minha casa, eu lutei com todo o meu ser a vontade de ir até o hospital, mas eu fui forte como uma torre de frutas, como se algum babaca tivesse tirado uma fruta da base da torre eu desabei assim que vi aquela casa, a minha casa, tão grande e clara, limpa e imunda, solitária, mesmo com tantos empregados circulando por ela o dia inteiro, tão vazia e infinita, aquela maldita branquitude, como um livro em branco, talvez até como eu.
Será assim pra sempre? As coisas não poderiam ser melhores? Como isso ficou assim?
Claro.
É tudo culpa da Emily, sempre foi culpa dela. A foto e minha família. E todo o desgraçado resto da minha vida.
E mesmo que minha família não tivesse concerto, eu iria pelo menos me vingar da outra coisa.
O Julian está certo, mas eu vou fazer a coisa errada.
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