Capitulo 19
Pov Marina
Agora a sala de espera do hospital não parecia tão fria e escura, e olha que eu estava muito mal agasalhada e a luz do sol que acabara de mal acabara de nascer mal passava pelo vidro da porta. De frente para a recepção eu conseguia ver aquele relógio de sorriso infinito e falso sorrir pra mim, e pela primeiro vez em um ano, eu sorri de volta.
O barulho do que parecia ser de pessoas correndo aos poucos foi chegando em meus ouvidos, me virei pra ver o que era e realmente duas pessoas vinham correndo em direção da porta de entrada, eram Alice e Julian! Me levantei e corri em direção a porta, foi o tempo da Alice perceber que era porta era de vidro e parar de repente.
O Julian não.
Nem deu tempo de Alice ou eu gritar seu nome. O barulho do baque da sua cabeça contra o vidro foi tão grande que me perguntei se o vidro tinha se rachado ou se a cabeça dele tinha explodido, ele caiu no chão desmaiado. Abri a porta e me agachei ao seu lado, Alice jogou a sacola que tinha em mãos no chão e já estava ao seu lado, o balançando freneticamente, comecei a chamar seu nome e lhe dar leves tapas na cara. Eu já ia chamar ajuda quando percebi um pequeno sorriso surgir em seu rosto até se transformar em uma risada e depois uma careta de dor.
As pessoas que se ajuntaram ao nosso redor de dentro e fora do hospital, preocupadas com o estado do pobre garoto, quando notaram o riso que se formava nos lábios do mesmo trataram de se afastar e seguir com a suas vidas, murmurando ou praguejando sobre a preocupação perdida.
- Ai eu não consigo rir... – Falou com um fio de voz que parecia doer, tentou se levantar mas logo se deitou no chão de novo, tocou de leve no galo que havia se formado em sua testa e fez outra careta de dor.
Nos duas nos levantamos.
- Você estava fingindo?! – Perguntei furiosa, estava preocupada também, aquele galo estava muito feio.
- O desmaio sim, a batida, definitivamente não.
Alice simplesmente ignorou seu estado deplorável e se levantou elegantemente. Eu e Alice nos encaramos, ficamos nos olhando por um instante e de repente ela pareceu se lembrar de algo. Ela se aproximou e me abraçou forte, atônita, demorei um pouco pra retribuir, ainda mais forte.
- Eu estou tão feliz por você! Quando você me ligou eu consegui sentir sua felicidade apenas pela sua voz, senti como se tivesse acontecido com minha própria irmãzinha... Nicolas é como um irmão mais novo pra mim sabe?
Suas mãos se afagavam minhas costas e seu corpo mexia de um lado para o outro como o meu, para um abraço tão carinhoso ela se afastou rápido, com as bochechas vermelhas e um sorriso tímido, eu apenas consegui rir, ela nunca tinha me abraçado antes, ela se abaixou pra pegar a sacola que tinha jogado no chão, ignorando completamente o estado do Julian.
- Essa aqui tem agasalhos e escovas de dente, imaginei que desde a hora que você me ligou, você e sua família tinham saído de casa cedo e as pressas, sem tempo de se agasalhar direito ou escovar os dentes. Na outra é um presente pro seu irmão, comprei às pressas a caminho pra cá, não sei o que ele gosta mas comprei o que eu achei que um menino da idade dele gostaria.
- Você não precisava... – Digo já com a voz rouca, meus olhos lacrimejavam e eu não fazia esforços pra contê-los, estava tão feliz que esse pesadelo estava acabando e tão grata por estar compartilhando essa alegria com os dois.
Cuidado cuidadosamente por uma enfermeira bela e gentil dos primeiros socorros, Julian voltou mais feliz do que quando chegou, o rubor de um adolescente na puberdade em frente a uma mulher madura era inconfundível.
Recuperado quase que completamente ele finalmente se aproximou de nós, meio envergonhado e meio tonto se virou pra mim e abriu os braços pra mim. Não hesitei, o abracei e sorri de bom grado, mesmo depois de tudo – ou nada – que aconteceu entre nós, naquele momento percebi que estava muito feliz de o ter como amigo. Talvez mais feliz de que se fosse meu namorado.
Talvez aquele sentimento novo e prazeroso de um garoto bonito e gentil me influenciou demais, ou talvez fosse amor mesmo. Não importava, eu não poderia estragar essa relação que nós dois, nos três construímos por ciúmes ou seja lá o que fosse. Nós três nos merecemos e nos precisamos, seja como amigos ou amantes.
Mas olhando pra trás agora, eu não mudaria nada. Não achei que poderia aprender mais sobre a vida, mas aprendi.
{...}
O médico estava espantado, o que era compreensível, a família que eu tinha e a família que eu escolhi estava amontoada no seu pequeno consultório, parecendo tão exaustas quanto os médicos em plantão de 12 horas que viviam na base do café. Acordamos antes do Sol nascer e estamos acostumados, mas os dois riquinhos não, e pareciam piores que zumbis depois que a euforia passou.
Ele limpou a garganta e olhou para os meus pais, que estavam sentados nas duas cadeiras a frente de sua mesa, Nicolas parecia inquieto e ansioso no colo de mamãe, eu nunca consegui decifrar o que ele sentia sobre a sua doença e seu destino quando ele estava sem a sua máscara de criança inocente que eu o vi tirar algumas vezes.
- A leucemia de Nicolas é do tipo de células B, mais comum em crianças, desde que foi descoberta a um ano, vocês deixaram claro que não podiam pagar a quimioterapia, então ele era tratado por medicamentos e por isso seu estado recaia tanto – O médico fez uma pausa e nos deu o sorriso mais grande que já o vi dar em um ano – Felizmente, depois de muita luta e espera, ontem a noite surgiu um doador de medula compatível com Nicolas, isso se chama transplante de células tronco alogênico e o tipo de tecido correspondente do de Nicolas, a combinação é bem próxima então as chances das células transportadas se adaptarem as novas células sanguíneas são maiores.
Eu não conseguia parar de sorrir, olhei para os meus pais, um sorriso fraco e forçado fazia tremer seus lábios, uma ansiedade mal disfarçada emanava deles e confundia todos nós, os felizes, meu pai balançava o pé freneticamente e minha mãe apertava as mãos trêmulas no vestido, os olhei indignada. Porque a preocupação?
Olhei pro meu irmão, meu frágil irmão, ele não parecia se preocupar ou a menos ouvir as palavras que o médico falava, seus olhos apenas fitavam o pote de doces em sua mesa. Não soube dizer se estava fingindo ou se entendia completamente sua situação, ele até podia, mas seu corpo não mentia, o corpo não mente, ele estava tão fraco e acabado, comido por remédios que seu corpo estava por um fio, será que resistiria a uma cirurgia?
A mesma pergunta que gritava calada no ambiente agora pesava sob o garoto com todos os olhares voltados para ele. A mesma pergunta martelando na cabeça de todos um por um, a que todos queriam perguntar, mas ninguém tinha a coragem, então era só aquele silencio ansioso pela resposta de alguém com uma solução que não envolvia sua morte.
O médico suspirou pesadamente.
- Vamos fazer assim. O doador e sua família estão aqui no hospital, nós vamos até lá e conversamos sobre a cirurgia, eu explico como ela funciona e os efeitos colaterais e seus riscos. Então vocês decidem se vão fazer o transplante ou não.
Meus pais se olharam, olharam pro Nicolas e olharam pra mim.
- Tudo bem – meu pai falou, firme como sempre, em momentos assim suas rugas de preocupação eram mais claras.
- Os pais e a criança tem que vir, vocês dois não – Apontou pra Alice e Julian de uma maneira fria e então se voltou pra mim – Voce pode vir se quiser.
{...}
No corredor, meus pais e eu estávamos lado a lado, Nicolas bagunçava pelo corredor, tentava olhar pelas janelinhas nos portas e mexia nos cartazes na parede, me impressionei como ele nem parecia perceber o que estava acontecendo era importante. Não sei, essa dúvida martelou no meu coração o dia todo e o fazia apertar? A ignorância era uma benção, mas eu não tinha certeza que ele tinha ela. Estaria ele consciente do risco da sua vida e desse bendito transplante? Estaria ele correndo e bagunçando pra longe de nós porquê não conseguia manter a postura dessa ignorância feliz que ele atuava? Estaria ele chorando pela nossas costas? Chorando enquanto pula e saltita pelos corredores?
Balancei a cabeça e tentei me concentrar em qualquer outra coisa, nem que seja nessa conversa estranha e desagradável que está acontecendo agora.
- Isso é muito gentileza sua Alice, tenho certeza que Nicolas vai adorar o brinquedo – Minha mãe dizia enquanto sorria gentilmente.
Alice sorriu sem graça, imagino que não esteja acostumada com agradecimentos, já que nunca ajudava ninguém mesmo.
Voltei meu olhar para Julian. Todos os seus músculos estavam enrijecendo numa careta estranha, ao mesmo tempo que pareciam tão frágeis que quebrariam a qualquer instante. O olhar perdido e vazio em direção aos meus pais. Olhar que nunca vi nele.
- Julian? Está tudo bem? - Perguntei
Ele se virou a mim assustado como uma presa que estava sendo caçada. E sorriu nada convincente antes de engolir em seco e se virar para meus pais novamente, parecendo menos com um maluco em epifania.
- Eu não tinha roupas de roupas de mulher ou comprei um brinquedo. Mas imagino que vocês estejam com fome, nem tomaram café...
eu vou comprar o café da manhã pra todos. Quando estiveram acabando a conversa com o médico a Marina vai me chamar e partiremos para a padaria mais próxima.
Ele fez uma pausa e olhou pra baixo, parecia fazer um grande esforço para falar normalmente, a voz quase que de choro, os olhos dançando para qualquer outro lugar que não seja seus olhos. Coisa que ele nunca fazia, com aquela mania de nos olhar intensamente nos olhos e nos puxar para dentro do buraco negro dos seus.
Depois de piscar um pouco e limpar a garganta ele finalmente voltou a falar.
- O que vocês gostam de comer?
Tentei me convencer que não era nada, mas esse pensamento voltava a minha mente constantemente durante nossa curta e desconfortável conversa. Muitas coisas voltavam e saiam da minha mente hoje, não importa o quanto eu tente afastar.
- Não precisa se incomodar...
Minha mãe deu uma risadinha. De canto de olho vi meu pai a encarar com um leve desgosto. Ela agia como uma adolescente num corpo de uma mulher de 40 anos, acho que tinha se encantado com Julian, assim como se encantou com Alice pela primeira vez que ela foi lá em casa. Ficou dias me dizendo em como ela parecia uma princesa. Foi insuportável.
- Nós comemos qualquer coisa, muito obrigado por isso, e você também Alice.
Foi a vez de meu pai falar, ele permanecia neutro. Papai era a pedra dura que de tanto bater na água ficava mole. Quando estava sozinho ele e suas memórias sujas de argila de uma loja abandonada. Em casa. Só em casa.
O médico saiu de sua sala e a trancou. Fui atrás do meu irmão e o agarrei sua mão, ignorei seus protestos e começamos a segui-los. Deixamos Alice e Julian pra trás, me virei pela ultima vez para os dois e sorri.
Um sorriso nervoso. Feio e falso como o de Nicolas, de meu pai e minha mãe, e de Julian.
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