Capitulo 11


Pov Marina

- Novo trimestre, novo começo, vamos lá! – Alice exclamou alto, com tanta empolgação que a estranhei.

As três primeiras aulas daquela segunda feira de manhã passaram incrivelmente rápidas, e mesmo que somos de salas diferentes eu acho que senti sua motivação a metros de distancias desde a manhã, e agora no intervalo, conversávamos sobre como ela teria de se esforçar para conseguir notas suficientes esse trimestre, nós duas sabíamos que sua situação era difícil e suas notas no primeiro eram quase nulas, mas ainda falávamos com essa ingênua esperança boba que mantinha essa amizade – se é que eu posso chamar assim – viva.

- Esqueci o guardanapo... – Percebo, e me levanto da mesa – Eu vou buscar e já volto.

Ela apenas balança com a cabeça, dando uma grande mordida no seu sanduiche e sujando os cantos da sua boca com qualquer coisa que ela tivesse pedido, balanço a cabeça, de princesa ela só tem a cara...

Me dirigi ao primeiro porta-guardanapos que vi, quando eu ia leva-lo uma mão se aproxima e nossas mãos se encostam, a afastei rapidamente e levanto meu olhar, por algum motivo eu agora reconheço esse cabelo escuro e pintas espalhadas pelo rosto como se o conhecesse a tempos, ou talvez eu apenas reconhecesse sua expressão que parecia sempre melancólica e distante, ainda mais no meu de tantos rostos, talvez eu só estivesse intrigada. De qualquer jeito, eu me peguei sorrindo e chamando seu nome.

- Julian?

Perguntei seu nome e ele virou seu rosto rapidamente pra mim, seus olhos logo se arregalaram e seu rosto se manteve surpreso enquanto me observava fascinado.

- Marina! Você estuda aqui desde quando? Eu achei que você não tinha condições... digo... como eu nunca te vi aqui antes? – Ele se perdia e gaguejava um pouco para falar, incrédulo.

- Ah sobre isso... eu sou apenas uma bolsista, entrei faz pouco tempo.

- Entendo... você deve ser um gênio – Ele sorriu sem graça, constrangido pela sua reação – Mas ainda eu deveria ter te visto antes, a escola não é tão grande e você é a única ruiva que eu conheço. Bom... de qualquer jeito... eu estou feliz que você está aqui, é solitário as vezes.

Quando toda a sua reação meio exagerada passou, ele se acalmou e simplesmente sorriu, os olhos brilhantes e um sorriso genuinamente feliz, o quão sozinho ele esteve? Me perguntei, e o observei atentamente, porque era bom ver alguém feliz por te ver? Eu não sentia isso a um tempo, seu rosto alegre era uma visão rara e bonita de ser ver, e eu imaginei quem deveria estar mais feliz por ver um ao outro, e talvez se eu parecesse tão feliz perto dele também, eu veria esse rosto mais vezes.

- A escola pode ser sempre solitária, por incrível que pareça a minha salvação aqui está sendo... bom, você sabe quem estuda aqui não?

- Não me diga... que Alice está com você? – Ele procura com os olhos por ela, e quando a avista, franze as sobrancelhas e suspira lamentando-se – É obvio, por que não estaria? Eu sei que ela estuda aqui...

- Não é ruim como você pensa, porque você não senta com a gente?

- Não acho que ela ia gostar disso, ela também sabe que estudo aqui e por isso fizemos um acordo de não se falar na escola, por motivos óbvios.

- Besteira de vocês dois, as coisas estão melhores do que antes entre vocês, tenho certeza que ela não vai odiar tanto.

- Talvez... – Ele murmurou preocupado, e tratei logo de pegar os guardanapos e o guiar até nossa mesa.

Paramos em frente à mesa esperando Alice para de prestar atenção em sua latinha de coca e nos notar, ela reclamou da demora antes mesmo de olhar para mim e quando finalmente o fez, ela o notou e observou com olhos arregalados por longos segundos, um misto de surpresa e timidez em seu rosto que logo se desviou para qualquer outro canto. Notei que tinha engolido em seco, o rosto vermelho e contraído dos dois me pegaram de surpresa, e o silencio entre nós era pesado. O que diabos tinha acontecido?

- A- adivinha o que eu achei? – Gaguejei em um tom de brincadeira, tentando amenizar o clima.

- Um bicho de estimação! – Alice exclamou com uma voz aguda, o rosto voltado a normal e junto uma expressão zombeteira – Você diz como se fosse um bichinho de estimação abandonado, bom... talvez é isso que ele seja.

- Olha só quem fala! – Julian rebateu, recuperando a postura, o clima de antes já mal deixava vestígios a não ser por uma risada nervosa que Alice soltou depois, e tudo parecia na mesma dinâmica de sempre.

- Eu não te disse pra me ignorar na escola?

- Disse, mas eu te ignoraria em todo lugar. Eu estou com a Marina e ela está com você, mas eu posso te ignorar se quiser.

Os dois se encararam desafiadoramente, Alice foi a primeira a se render, respirou fundo e apoio o queixo na mão, fechando os olhos conformada.

- Isso não faria sentido, então você pode ficar, nem que seja por enquanto.

De canto de olho eu vi o canto dos seus lábios se curvaram em um esboço de sorriso, num sorriso companheiro e grato, não sei ao certo se ela o ouvira, mas talvez sim, ela sorriu tristemente quando ele afirmou.

- Sim. Nem que seja por enquanto.


{...}


Pov Alice

Me despedi e observei Marina adentrar na sala de aula junto com os outros, olhei em volta, o sinal já tinha batido a um tempo e os corredores estavam quase vazios, eu não me importava de chegar atrasada.
Segurei gentilmente o colarinho de Julian que esteve acenando com um sorriso inocente no rosto, ignorei seus protestos e o arrastei até a saleta do zelador, trancando a porta atrás de nós.

- Que merda é essa?! – Cochichou furioso – Você sabe pra que usam esse lugar? Pra se pegarem!

- E é isso que você queria, não é? Seu pervertido! Pra sua tristeza não é isso que viemos fazer, quem sabe você ache alguém pra usar esse lugar antes de se formar.

- Como se eu quisesse fazer isso... e com você muito menos! Eu pareço estar gostando por acaso?

- Aposto que se eu acendesse a luz flagraria você sorrindo, aliás trate de parar de reclamar e procure pelo interruptor, aqui tá um breu. 

Palpei as paredes procurando pela luz até que elas se acenderam de repente, Julian tinha achado e tinha sua mão sobre o interruptor, com um sorriso vitorioso exibido no rosto.

- Você não estava bravo? – Retruquei – Está gostando da situação?

Como se se lembrasse ele volta a ficar afobado e arruma seu colarinho nervosamente.

- As pessoas viram, as pessoas sabem pra que esse lugar serve... não tinha qualquer outro lugar nessa escola desnecessariamente grande pra você querer conversar?!

- As pessoas não nos conhece, as pessoas não ligam pra nós. Acredite, eu vejo alunos entrando e saindo daqui o dia todo, eu vejo Marina passando por esse corredor nesse exato momento e uns professores nos todos os outros que se nos virem nos corredores, vão nos mandar pra sala, e eu preciso que falar com você e não quero que ninguém ouça.

Ele franziu as sobrancelhas remoendo tudo o que eu disse com uma careta confusa, e depois se virou pra mim, levemente assustado.

-... E como você sabe de tudo isso?

- Digamos que eu passe muito tempo fora de sala, eu sei que você tem Educação Física agora e é o último a ser escolhido, não vai fazer falta.

- Cruel... sobre o que você quer falar afinal?

Respirei fundo e me aproximei, enquanto ele recuava ainda mais, até estar perto o suficiente e sentir sua respiração contida, não tirávamos os olhos um do outro então ele apenas me olhava atentamente, com olhos arregalados e sua escuridão sugestiva e densa. As vezes ela me prendia se eu olhasse por tempo demais, eu aprendi isso com o tempo que o conhecia, eu admitia isso vergonhosamente.

- Escute bem, escute bem mesmo. Eu não quero ouvir um pio sobre o que aconteceu naquela tarde no carro pra ninguém, muito menos pra Marina, eu não quero a sua piedade e muito menos a dela, não quero conselhos, sessões de terapia amadora com vocês ou o amor altruísta de vocês, ou melhor... dela. Não estou dizendo pra esquecer o que aconteceu, eu também não quero esquecer, afinal eu compartilhei uma história importante com você, apesar do estado lamentável que eu estava, só não quero que toque no assunto de novo, obrigada pelo apoio naquele dia mas... não quero isso de você, não mais.

Ele me olhou por longos segundos, os olhos vidrados e tão atentos que me senti transparente e vulnerável, lida por eles, não consegui ler qual fosse o sentimento que ele sentia agora, ele ao menos sentia? Era só aquele silencio no fim?

- Mas se quiser esquecer esqueça então, sei que você não é uma pessoa que faria essas coisas pra mim – Disse tudo muito rápido, estava nervosa e me sentia vermelha por algum motivo, talvez eu não devesse ter dito nada desde o começo.

O vi baixar os olhos e morder os lábios, levantou os olhos e me respondeu grogue, a voz tristonha e baixa, sem ao menos tentar esconder.

- Não quero esquecer, e você disse que também não, mas ao menos ouviu alguma coisa que eu disse aquele dia? Eu disse que seria bom com você de agora em diante, eu não vou ser ruim como antes. E você vai também? Vai ser ruim comigo?

Me senti corar mais ainda, ele parecia tão vulnerável e sentimental. Não esqueci que ele disse aquele dia, mas não esperava que estava falando sério.

- Eu que deveria perguntar isso! Você ao menos ouviu o que eu disse...? Mesmo que você esteja falando sério eu não quero, eu não preciso, é desconfortável e estranho!

Cuspi essas palavras com a confiança e força de uma gaga, minha voz falhou e meu tom era alto demais para parecer real, e me arrependi na hora, parecia uma mentira até pra mim.

- Não conto então. Mas aquelas palavras eu não retiro nem se você apontar uma arma no meu rosto, você mesmo me disse que não quer se esquecer, e eu também não.


{...}


Pov Marina

Dou uma grande mordida e fecho meus olhos para saborear o grande pedaço de bolo de cenoura que minha mãe me fez, a cobertura de chocolate por cima do bolo mancha meus lábios e eu sorrio feliz, a cobertura era a parte mais esperada e amada por todos e acredito que seja a única razão pra comerem bolo de cenoura. Receitas assim são coisas que passam de geração a geração em muitas famílias e são sabores que nunca mudam, sejamos velhos ou adultos, o sabor nos faz viajar a infância e suas sensações, numa viagem que não queremos voltar para a época inalcançável das nossas vidas.

- Para onde você está viajando? – Uma voz sussurra perto de mim e eu abro os olhos no pulo, assim que eu o noto seus lábios se curvam num sorriso genuíno e ele se senta alegremente ao meu lado – Sua expressão estava tão bonita que eu quase desejei viajar pra onde você estava.

- Bonita...? - Divaguei.

Na verdade, eu nunca tinha parado pra pensar se eu era bonita ou não, eu não tinha tempo e muito menos me importava com isso, meus cabelos são ruivos e meus verdes, talvez eu não fosse muito comum e as pessoas sempre comentavam sobre isso, se era ruim ou bom eu já não sabia. Mas por algum motivo ouvir aquilo de Julian era importante pra mim e pela primeira vez eu me sentia feliz de ser elogiada.

Ele apenas confirmou com a cabeça e ficou me olhando, imaginei por quanto tempo eu ficara divagando.

- E- eu só estava pensando... lembrando da infância – Parti o pedaço ao meio e lhe dei um pedaço, que ele aceitou sem demora – É engraçado como as coisas mais simples nos lembram certas coisas, seja pessoas, épocas ou memorias, estejam no passado ou futuro, distantes ou no mesmo lugar que lembramos, tudo lembra alguma coisa e no final nossa vida toda esta interligada, as coisas mais simples a importantes estão num sabor, um som, um objeto, um cheiro...
Esses dias eu estava pensando, quando sai com Alice ela me fez de seu manequim e me vestiu a tarde inteira com todo tipo de roupa, eu deveria estar irritada e cansada, mas eu nunca tinha a visto tão feliz assim, no final quando eu perguntei o porquê daquilo pra ela, ela me disse que se lembrava da sua infância e como ela era feliz, parecia se agarrar naquele momento entre o passado e o presente desesperadamente. Eu pensei muito sobre isso, e agora a pouco eu me lembrava da minha infância também e como eu era feliz... eu já disse e Alice também, mas e você Julian? O que te lembra o passado?

Fitei seu rosto atônito e rígido, ele encarava sua mão tremula e o pedaço de bolo posto nela prestes a cair, prendi a respiração e esperei silenciosamente, ele não parecia nada bem e comecei a questionar se eu tinha sido invasiva quando ele finalmente soltou um suspiro baixo e esboçou o menor dos sorrisos, ele já não tremia.

- Um som. Uma melodia melancólica e bela me lembra a infância e tudo que fazia parte dela.

Nossos olhos finalmente se encontraram e não precisaram de uma palavra a mais, eu não perguntaria mais nada e ele não estava pronto pra responder.

- Eu sinto que, ou melhor, eu sempre senti, que no fundo somos todos uma sinfonia como a que você me descreveu, eu, você e até mesmo Alice, estamos sempre nesse transe entre o passado e presente, se alimentando de migalhas de memória que o cotidiano nos dá, no final, não sabemos de quase nada um dos outros e mesmo depois do que foi dito aquele dia naquela colina, ainda não sabemos de muitas coisas.

- Mas você quer? Eu também sinto que, nós três somos iguais de inúmeras formas e precisamos todos de um pouco de presente agora, talvez até um futuro.

- Eu quero...! Digo... eu sei que você está certo, mas eu ainda tenho medo do que pode acontecer, do que eu posso descobrir e sentir ao continuar com vocês, com você... eu nunca tive outra pessoa na minha vida.

Se fez um silencio, e apesar das minhas palavras arriscadas, eu me sentia extremamente calma e confortável, os dois estavam sendo sinceros e não existiam julgamentos, as palavras saiam como agua e o coração estava quente.

- Eu também estou com medo, nunca tive ninguém como você e nunca me entendi bem assim com ninguém. Na verdade, eu não se sinto feliz assim a um tempo... porque estamos retraindo isso? A gente devia sair mais, só nos dois.

Eu gostaria que ele corasse e escondesse o rosto, seria muito fofo, mas ele sempre tem essa mania feia – que era muito linda por sinal – de olhar fundo em seus olhos quando falava, com um sorriso gentil e expressão serena me fazia gostar mais dele de uma forma perigosa, assim como ele essa felicidade que eu não sentia a tanto tempo e esse gostar de derreter o coração poderia se acabar a qualquer segundo. Mas eu ainda disse sim no momento que sua voz se inclinou pra mim e acariciou meus ouvidos com os só nos dois.

- A gente deveria mesmo.




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