Capítulo 90: POV Sophie Abramovitch

Eu nunca tinha pensado que passaria por algo parecido em toda a minha vida. Um minuto, eu e Enny estávamos dançando, bebendo, nos divertindo. E no outro, nós estávamos correndo, em pânico. Eu nem sabia porquê, mas ouvi um barulho alto de vidro se quebrando e todos começaram a correr. Eu só segui, sem questionar, medo tomando conta de mim. Talvez depois eu risse daquilo, talvez eu me sentisse idiota de ter me preocupado tanto, de ter reagido daquele jeito. Mas, naquela hora, medo era tudo que eu tinha dentro de mim - e parecia que todos ali me entendiam.

A massa de pessoas se dirigia ao lado contrário do barulho, para o jardim. As portas ali estavam abertas e as pessoas não hesitaram em sair. Eu procurei pelo rei ou pela rainha para me guiar, mas eles já tinham desaparecido. Alguns guardas indicavam para que entrássemos em um cômodo do lado do Grande Salão. A ideia era boa, mas tinha muita gente ali e tanto o lugar, quanto a passagem que começava ali eram pequenos. O tumulto não diminui quando as pessoas tiveram que diminuir o passo para conseguir entrar e eu estava ficando muito ansiosa, já no final da fila.

Eu era umas das últimas. E os últimos ainda estavam no Grande Salão. Por mais que o pânico os fizessem querer entrar o máximo que dava, empurrando quem estivesse na frente, não era fisicamente possível fazer todos nós cabermos ali.

E eu fui ficando cada vez mais nervosa. Eu batia o pé, pedia para eles irem mais rápido, como todos do meu lado. Mas nada mudava, estava indo devagar demais. Alguns guardas seguravam a porta do Grande Salão, mas eles não pareciam que iam conseguir aguentar por muito tempo. E outros tentavam trazer as pessoas que tinham pensado em sair para o jardim de volta para dentro. Nós éramos ratos, encurralados, inofensivos e à mercê de quem nos atacava. E eu não aguentava mais aquilo! Eu estava me coçando de nervosismo, de claustrofobia. Eu queria subir pelas paredes, me perdurar no candelabro, sair dali! Qualquer coisa, menos esperar enquanto aquelas pessoas lerdas não saíam da minha frente!

Andei mais dois passos e aquilo foi a gota d'água. Eles podiam ficar ali, tentando ver quanto tempo tinham até os guardas não aguentarem mais. Mas eu precisava sair. Eu precisava tomar conta de mim mesma.

Eu peguei a minha saia do melhor jeito que podia e me agachei só o suficiente para passar entre a porta e uma mulher que estava entrando. Um guarda me avistou e gritou para eu voltar para dentro, mas eu já tinha meus olhos no jardim e nada ia me fazer parar.

Eu nunca tinha corrido daquele jeito! Minhas pernas tinham tomado vida própria! Elas não sentiam nada, não se abalavam. E elas tomavam conta da minha cabeça, não me deixando questionar a minha ideia nem um segundo.

Eu bufava e meus olhos lacrimejavam com o vento que batia. Mas eu não parei até entrar na floresta. Minhas botas estavam aguentando bem o chão desigual e cheio de galhos, mas uma hora eu tentei pular um maior e virei meu tornozelo sem querer. Eu já não conseguia andar tão bem e pela primeira vez, eu parei e olhei para trás.

Foi quando eu vi que logo depois de mim, vinha um cara correndo. Eu entrei em pânico! Ele parecia determinado em me alcançar e eu subitamente fiquei determinada em fugir. Me virei de novo para a frente e comecei a andar do jeito que dava com o meu pé. Eu tive que me apoiar nas árvores e largar a minha saia, pois meu pé insistia em gritar mais alto do que o pânico que tomava conta de mim. E eu ouvi a respiração do homem atrás de mim, bufando, correndo, chegando mais perto, mais perto, logo atrás de mim.

Ele colocou as mãos nos meus ombros na hora em que eu quase virei meu pé de novo na raiz de uma árvore. Mas ele não parou.

"Vem," ele disse, me puxando para o lado.

Eu não queria ir, coloquei o braço em volta da árvore, não o deixando me mexer.

"VEM!" Ele gritou, se virando para mim. "Vem comigo, eu sei aonde você pode se esconder!"

Eu podia jurar que ele estava querendo era me sequestrar. Mas quando ele falou isso, eu olhei para as suas roupas. Ele estava vestido de rei, claramente fantasiado, seu cabelo ruivo brilhava no sol debaixo da sua coroa de plástico.

"Como eu sei que eu posso confiar em você?" Perguntei, mas meu instinto já me dizia para segui-lo.

"Você não tem outra escolha, tem?" Ele falou, levantando uma sobrancelha.

É, acho que não tinha mesmo.

Eu tentei andar do seu lado nos primeiros metros, mas depois ele percebeu que nós estávamos demorando demais, então ele colocou um braço meu por cima do seu ombro e praticamente me carregou até uma clareira que eu nunca tinha visto antes. De lá, o castelo parecia uma lembrança distante.

Eu não conseguia pensar em como nós estaríamos mais seguros ali, até que ele me soltou e foi ao meio do círculo imperfeito de árvores. Ele se abaixou, mexeu em alguma coisa que eu não conseguia ver o que era. E quando eu estava chegando perto dele, mancando com meu pé no ar, alguma coisa apitou baixinho, e ele levantou uma tampa de grama.

Aquela sim era uma passagem secreta!

"Vem," ele disse. "Não é muito fundo, nem dá para ficar de pé direito, mas serve por algum tempo."

Eu manquei os últimos passos que tinha entre nós e ele pulou lá dentro. Quando eu me inclinei para olhá-lo, ele tinha seus braços no ar, esperando que eu me juntasse a ele.

Eu não me mexia tão agilmente quanto ele e demorei mais do que o dobro do tempo para conseguir descer. Eu estava tentando tomar cuidado com o meu tornozelo, mas ainda assim senti um baque ao pisar no chão de concreto do nosso esconderijo.

O garoto ruivo fechou o teto depois que eu já estava a salvo na cama tosca de exército que tinha lá. Assim que tudo ficou escuro, ele acendeu uma luz branca e eu pude olhar para ele pela primeira vez sentindo alguma coisa que não fosse medo.

E minhas bochechas ficaram quentes quando eu pensei comigo mesmo que eu estava de parabéns por ter o herói mais bonito de Illéa.

"Tem algumas coisas aqui que eu acho que dá para ajudar a imobilizar seu pé," ele disse, abrindo o armário de metal que ficava do lado da cama. Eu sentei um pouco para trás para poder apoiar meu pé no colchão.

"Como você sabe desse esconderijo?" Eu perguntei, enquanto ele vasculhava uma gaveta.

"Eu cresci aqui, praticamente," ele disse, dando de ombros.

"Você é filho de algum criado?"

Ele riu. "Não, irmão da rainha," falou, fazendo o meu queixo literalmente cair. "Não me reconhece?" Ele perguntou se virando para mim e abrindo os braços.

Como se aquela posição fosse melhor para eu conseguir reconhecer um cara que praticamente tinha me carregado até ali.

"Não," confessei. "Deveria?"

Ele riu de novo consigo mesmo, depois veio até mim, com algumas coisas na mão. Ele sentou na frente de onde o meu pé estava e o colocou no seu colo.

"Espera, você sabe o que está fazendo?" Perguntei, puxando meu pé só um pouco para longe dele.

Até aquele pouco me doeu.

"Pode confiar em mim," ele disse, segurando no meu pé com as duas mãos com cuidado e trazendo-o de volta para o seu colo. "Eu sou praticamente formado em cuidar de tornozelos, acredite."

"Você é médico?" Perguntei e ele soltou uma risada de novo.

"Você realmente não tem a menor ideia de quem eu sou, não é?" Ele disse, tirando minha bota com cuidado.

"Sei sim, você é o irmão da rainha," falei, tentando evitar olhá-lo nos olhos.

"Além disso," ele disse, parando para olhar para o meu pé.

Eu segui seu olhar e percebi porque ele tinha parado.

"Você vai ter que tirar essa meia-calça," ele disse.

"É," falei, me virando para fora da cama. Eu ia começar a levantar a minha saia, quando lembrei que ele estava bem ali. "Será que tem como você virar para o outro lado?"

"Ah, claro, desculpa," falou e me obedeceu.

Eu tirei a meia-calça o mais rápido que pude para não lhe dar nenhuma chance de se virar na hora errada. Quando coloquei meu pé de volta na cama e ele o pegou para deixar no seu colo, eu percebi porque minhas criadas tinham sugerido a meia.

Minha saia era curta DEMAIS! Eu tive que manter minhas duas mãos na minha frente para que nada de ruim aparecesse. E mesmo assim, o tempo todo, eu estava preocupada na minha cabeça com fazer alguma coisa ou me mexer de um jeito que mostrasse minha roupa debaixo.

Minha preocupação sumiu por um segundo quando o garoto passou um spray gelado pela minha pele.

"Ai!" Falei, puxando o pé um pouco para longe dele.

"Calma, isso não foi nada," ele disse, rindo de leve.

"Eu sei, desculpa. Foi só susto," senti de novo minhas bochechas esquentando com o toque dele na minha pele.

E só quis enterrar minha cabeça mais ainda quando seus dedos roçaram de leve embaixo do meu pé, me fazendo sentir cosquinhas.

Instintivamente, eu puxei o pé de novo, dessa vez colocando-o de volta em seu lugar antes que ele reclamasse.

"Você realmente não confia em mim, não é?" Ele perguntou.

"Eu não confio em ninguém com meus pés," falei, mas logo me arrependi.

Aquilo era patético, eu era patética. E eu nem sabia seu nome.

"Como você se chama?" Perguntei do nada.

"Gerad," ele disse e seus olhos encontraram os meus.

Ele segurou esse olhar por um tempo, até que me ocorreu que ele estava perguntando o meu.

"Ah, eu sou Sophie," falei, levando uma mão rapidamente ao meu peito e logo voltando a me apoiar nas duas. "Sophie Evangelique Abramovitch."

Ele riu de novo, jogando a cabeça para trás, deixando com que eu me sentisse a pessoa mais ridícula do mundo.

"Quê?" Perguntei, um pouco - talvez muito - ofendida.

"Você realmente não tem a menor ideia de quem eu seja!" Não era uma pergunta, ele estava afirmando, em meio a suas risadas.

"Por quê? Você é famoso, por algum acaso?"

Ele parou de rir, mas não de sorrir, e levantou uma sobrancelha só, me desafiando a entender sem que me falasse mais alguma coisa. Então ele era famoso! E eu não o tinha reconhecido.

Mas ele era ator? Modelo? Cantor?

Segurei seu olhar, enquanto eu tentava reconhecê-lo, mas não estava chegando a lugar nenhum com aquilo.

"Desisto," falei, depois de um tempo, e seu sorriso só aumentou. "Vai, me diz, o que você faz, por que você é famoso?"

Ele levantou meu pé no ar, colocando a ponta de uma atadura logo embaixo e o soltando de novo. Ele massageou um pouco a minha pele, me deixando ainda mais encabulada. E depois ele tentou arretar meu pé e começou a enfaixá-lo. Eu só estava esperando que ele me falasse quem ele era, mas ele não parecia que ia falar.

"Vai!" Eu insisti, mas ele só balançou a cabeça, seus olhos fixos em seu trabalho. "Vai, me conta! Por favor! O que você faz?"

Ele terminou de enfaixar e prendeu a atadura no lugar com um esparadrapo.

"Você quer mesmo saber?" Ele perguntou e eu só concordei com a cabeça, animada. "Eu sou jogador de futebol."

"AH!" Soltei, apesar de ainda não ter a menor ideia se eu já o tinha visto antes ou não. "Tá, e aí? Por que eu tinha que te conhecer."

Ele só riu de novo, divertido. Ele apoiou meu pé do seu lado no colchão e se levantou, levando todos os materiais que ele tinha pegado até a gaveta de volta.

"E aí nada," ele disse, fechando-a e se virando para me mirar. "É só que algumas pessoas me conhecem."

"Desculpa," falei, e ele começou a andar para um cooler que tinha na frente da cama. "Eu não gosto muito de esporte," confessei.

"Sem problemas," ele disse, abrindo a caixa. "Você quer comer alguma coisa?"

"O que tem aí?" Perguntei, me inclinando um pouco para tentar ver alguma coisa.

"Só água e coisas que aguentam alguns mil anos em conserva."

"Nada que aguenta mil anos em conserva é muito saudável," falei, mas naquela hora não me importava.

Eu queria a água e nada mais.

"É, mas eu acho que eles estavam pensando mais em sobrevivência do que saúde quando criaram esse esconderijo," ele disse, pegando uma lata de milho e duas garrafas de água e trazendo até mim.

"Só a água está bom," falei, quando ele me ofereceu o milho.

"Como quiser," disse, me entregando uma das garrafas. Ele foi ao armário de novo e pegou um garfo.

Ele levantou a tampa da lata e a jogou em um lixo que tinha do outro lado do armário. Depois se sentou do meu lado, enfiou o garfo no milho e levou o máximo que podia à boca. Mas era demais, e ele teve que lutar para conseguir manter tudo dentro, ao mesmo tempo que ria e equilibrava a lata na outra mão.

Acho que não ajudou quando eu também comecei a rir da cara que ele fez, lacrimejando e em desespero.

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