Capítulo 80: POV Melissa McQueen

Luto é uma coisa engraçada. É a melhor desculpa que alguém pode ter, pois ninguém consegue questioná-lo. Luto nos leva a fazer coisas absurdas, irracionais, impensáveis. E às vezes nos dá a coragem que nos faltava para pular de cabeça em tudo aquilo que sempre tínhamos sonhado.

Quando Theo tinha ido embora sem ao menos tentar me dar uma explicação, eu fiquei de luto. Não era uma morte, mas era uma perda imensurável. Eu passei pelas suas cinco fases, cada uma durando o tempo que precisava, tirando de mim um pedaço por vez. Comecei claramente na negação, passando dias a fio sem acreditar que ele tinha mesmo me deixado, sempre me convencendo de que ele apareceria uma hora ou outra, de um jeito ou de outro. Demorei várias semanas para entender que ele tinha ido embora de vez. Me perguntei como ele podia fazer aquilo, como eu podia significar tão pouco para ele. Gritava ao nada, me agarrava a mim mesma, completamente desesperada.

Meu desespero se tornou raiva e eu o odiei com todas as minhas forças. Meus gritos já não eram de súplica, minhas mãos estavam constantemente fechadas em punhos. Eu o odiava, odiava muito. Se eu o tivesse encontrado, teria batido nele como pudesse. Me faltava ar de tanto ódio. Passei meses assim, não suportando ouvir seu nome, sem conseguir nem me deixar pensar nele. Eu quebrava copos sem pensar, brigava com praticamente todas as minhas amigas. Eu não queria ver ninguém, não queria nem existir. Senti raiva de ele ter me deixado, de eu ser idiota o suficiente para o ter amado. Eu tinha raiva de tudo e todos e ninguém conseguia me consolar.

Mas a raiva foi morrendo, meu ódio foi desaparecendo. E eu percebi que precisava dele como precisava do ar que respirava. Eu estava disposta a trocar minha vida inteira por mais um segundo com ele. Se eu pelo menos pudesse falar com ele por alguns minutos, eu poderia convencê-lo de que seu lugar era comigo! Eu poderia fazê-lo entender como eu o amava, quanto precisava dele! Eu passei horas planejando jeitos de entrar em contato com ele, usando nossos amigos em comum, seu sobrenome. Procurei do jeito que dava um modo de chegar até ele, todas as minhas tentativas morrendo na praia. Eu quase conseguia alcançá-lo, mas nunca o suficiente para tentar explicar meu lado. Nunca conseguia falar o que estava tão entalado na minha garganta.

Com tantas tentativas em vão, fui desanimando da luta. Tentava me convencer de que tinha mesmo que lutar! Eu nunca tinha podido confessar o que sentia por ele, era minha obrigação tentar o máximo que podia para ter outra chance! Mas já me faltavam forças para isso. Me faltavam forças para qualquer coisa.

Eu passei mês atrás de mês presa dentro do meu próprio corpo, vagando pelo mundo porque tinha que vagar. Meus olhos já não olhavam ao meu redor, eu já não conseguia pensar em nada. Eu era como um zumbi, existindo porque tinha que existir. E todo segundo que eu podia, eu passava na minha cama. Lembro de ficar acordada no quarto escuro, de olhos abertos no silêncio por horas. Eu nem pensava em nada mais, eu só sentia. Eu mal conseguia formar frases na minha cabeça, eu mal me mexia. Eu respirava, porque era tudo que eu conseguia fazer. E o ar que entrava em meus pulmões só era o suficiente para eu continuar existindo.

Essa para mim foi a pior fase. Eu perdi oportunidades, amigos, momentos. Eu perdi quase um ano da minha vida presa a esse desespero que me consumia. Eu já nem sabia se ele ainda estava vivo, só sabia que eu o amava. E esse amor foi me sustentando, mesmo à distância. Eu fui me levantando, fui acordando. Logo eu tinha voltado para a minha rotina, para a felicidade de meus pais. Eu fui participando de coisas que não queria, só porque eles me diziam que eu precisava participar. Eu voltei a viver, contra a minha própria vontade, e fui guardando toda aquela mágoa e aquele sentimento no meu peito, longe do resto do mundo. Eu me convenci de que eles não entenderiam, de que aquilo era só meu. E comecei a imaginar como seria encontrar com Theo outra vez.

Não sabia se isso era aceitação, mas eu já estava muito melhor, e isso eu não podia negar. Eu já não estava instável, eu já não sentia como se pudesse surtar de uma hora para a outra. Eu já não estava à beira de desistir de mim mesma. Eu tinha aceitado que ele seria sempre uma parte de mim e que eu não estava pronta para parar de amá-lo. A final de contas, mesmo se eu não tivesse mais nada, pelo menos eu o tinha dentro de mim.

Depois de tudo pelo que nós tínhamos passado, eu realmente acreditava que todo aquele pesar tinha sido uma coisa boa. Não só a minha ausência tinha mostrado para ele o que ele realmente sentia, como essa distância tinha amadurecido os meus próprios sentimentos. Eu não estava só sonhando, eu estava com os pés no chão. E isso me mostrou que o meu amor por ele era mesmo verdadeiro, e não só uma paixãozinha de adolescente.

Serei eternamente grata por ter entrado na Seleção. Se eu tivesse ficado em casa, me afogando nas minhas próprias lágrimas, eu teria perdido a oportunidade de vê-lo outra vez. O destino nos trouxe outra vez juntos e eu sabia no meu coração que seria a minha última chance. Eu precisava ver se aquele amor seria para sempre ou uma lembrança perdida.

Não me arrependia de estar ali, mas quando Charles me chamou para ouvir seu discurso de eliminação, eu fiquei ainda mais grata. Algumas meninas ficaram completamente chocadas, outras não se importaram tanto. Eu mesma tive que me segurar para não sair correndo até Theo, contando-lhe a boa notícia.

Mas, por sorte, pensar naquilo me fez lembrar de quando ele tinha me chamado no café da manhã para me contar de seu pai. Eu já sabia daquilo, minhas criadas tinham me contado. Mas o deixei falar, como ele precisava, e depois o consolei. Eu nunca o tinha visto tão abalado, eu nunca tinha imaginado que ele ficaria tão mal. Mas tão pouco tinha pensado que ele passaria por algo assim.

Apesar de Theo ser forte, de ter se mostrado quase indiferente, eu sabia como aquilo devia estar consumindo-o por dentro. E eu não poderia simplesmente sair alegre até ele, ainda mais porque eu não conseguia ficar alegre de verdade, sabendo que ele estava tão perturbado. Seria egoísmo meu pensar que ele se importaria comigo naquela hora. Seu pai era família, ele estava acima de qualquer menina, até mesmo de mim. O que quer que fosse que tínhamos entre nós, eu sabia ainda assim o meu lugar. Eu sabia que eu não era prioridade. Pelo menos, era o que eu pensava.

Fui com as meninas naquela atmosfera pesada até o nosso quarto. Algumas choravam baixinho, se lamentando. Mas nós nos separamos no segundo andar e eu comecei a fazer a minha mala silenciosamente. Minhas criadas fizeram questão de me arrumar e eu não as contestei, pensando que seria a última vez. Elas tinham guardado um vestido para quando eu ganhasse, elas falaram. Elas não queriam que eu fosse embora sem usá-lo, então foi ele mesmo que eu coloquei. Ele era quase branco, bege bem clarinho. Sua saia era volumosa, mas um pouco transparente, então elas criaram tipo uns shorts por baixo, da mesma cor. O decote era em formato de coração, e dele até meus ombros, tinha uma renda delicada e impecável.

Enquanto elas arrumavam meu cabelo, eu fiquei me encarando no espelho. Era quase como se eu estivesse me preparando para o dia do meu casamento, mas na verdade era bem o contrário. Eu só estava levando tudo em diante para a felicidade daquelas duas mulheres que tinham dedicado seus dias em me deixar adorável para o príncipe, enquanto eu tinha passado quase o tempo todo pensando em outro homem.

Me peguei imaginando o que Theo acharia de como eu estava vestida, se aquilo o distrairia pelo menos por dois segundos de tudo que estava lhe acontecendo. Mas eu tive que me lembrar de que eu não tinha esse poder. Comecei a me perguntar o que aconteceria comigo, apesar de não querer pensar naquilo. Não queria me deixar lembrar da minha vida antiga, pois alguma coisa me dizia que era bem aquilo que me esperava. Pude me ver sentada no sofá da minha sala, sozinha e desolada de novo, pensando sobre como o melhor da minha vida já tinha acabado.

E então eu me perguntei uma coisa que tinha me incomodado o dia inteiro, sussurrando no fundo da minha cabeça. Eu não queria nem pensar naquilo, mas a vozinha foi ficando cada vez mais alta até eu não poder ignorá-la mais. Eu teria que viver sem Theo de novo? O que seria de nós dois com ele tão longe?

A resposta era clara, mesmo que me irritasse. Eu teria que aprender a viver sem ele. Eu teria que deixá-lo ir. Ele estava embarcando em uma nova fase na vida dele, ele estava realmente começando uma nova vida e já não tinha espaço para mim nela. Eu era normal demais, eu era completamente errada. Ele acabaria se voltando para Amélie, talvez para qualquer outra princesa de algum país da Europa. E eu teria que esquecê-lo de novo, teria que enterrar aquela esperança que eu tinha deixado crescer dentro de mim.

E eu era a idiota naquilo tudo. Fui eu quem me deixou levar. Nada tinha mudado. Ou melhor, tudo tinha. Antes mesmo de ele se tornar rei, ele já era príncipe. Ele já estava fadado a herdar um país inteiro, um oceano de distância de mim. Não entendia como eu podia ter me deixado esquecer de que meu lugar ainda era em Illeá, de que eu não estava nem perto de ser boa o suficiente para ele.

Quando desci as escadas, malas na mão, eu já estava com raiva de novo. Não chegava nem perto do que eu tinha sentido quando ele tinha me deixado, mas era o suficiente para eu mesma querer ir embora sem me despedir. Tá, ele era rei de um país bem importante, ele poderia muito bem ir atrás de mim e exigir que eu me despedisse. Mas pelo menos ele saberia minhas intenções, saberia que eu não estava feliz com ele.

Estava colocando o meu pé no chão depois do último degrau quando uma culpa me bateu. Eu realmente iria causar-lhe essa mágoa só pelo meu próprio orgulho ferido? Bem nesse momento em que ele estava? Meus pés continuaram andando, enquanto minha cabeça ainda tentava chegar em uma decisão. O que eu deveria fazer? Deveria ir embora e deixá-lo? Ou deveria engolir minha própria tristeza para poupá-lo?

Eu parei de andar. Eu não sabia se continuava, eu não sabia o que fazer, então meu cérebro decidiu não fazer nada. Eu não queria ir embora, mas também não queria ficar. Não tinha nada para mim lá fora, mas eu também não poderia ficar ali pelo que eu queria. O que eu queria tão pouco ficaria ali por muito tempo.

"Melissa, você vem?" Annabel me perguntou, passando de mim.

Eu voltei a andar do seu lado, sem lhe responder. Pelo menos aquele era um jeito de me fazer ir embora sem ter que pensar, sem nem ter que decidir.

Quando viramos o corredor, percebemos que muita gente nos esperava. Eu reconheci o rei e a rainha de mãos dadas e, ao lado deles, o príncipe Charles. Todas as meninas da Elite estavam ali, mas só algumas das eliminadas tinham chegado. Me preparei emocionalmente para aquele momento, pensando no que teria que dizer, no que eu falaria para cada um deles na última chance que teria. E então um cara se virou e eu percebi que era Theo.

Nós tínhamos chegado perto dele quando quase todos nos miraram. Eu parei quando percebi que Theo andava em minha direção, mas Annabel continuou. Ele tinha tanta expectativa nos seus olhos que eu me peguei ficando com medo do que ele faria na frente de todos. Mas o que ele fez foi ainda mais inacreditável.

"Mel," ele começou, franzindo as sobrancelhas, e eu vi um mundo de insegurança em seus olhos. "Eu passei horas e horas pensando no que te diria, mas nada me parecia bom o suficiente para alguém como você. Então eu só vou falar," eu arrisquei um olhar atrás dele para a família real, mas não consegui nem pensar no que eles diriam quando percebi que Theo tinha se ajoelhado na minha frente.

"Ai, meu deus," eu soltei baixinho, meu coração percebendo bem antes de mim o que estava acontecendo.

"Eu sou o homem mais feliz do mundo," ele disse, enquanto eu levava as duas mãos ao meu rosto. "Não pelo trono, não pelo reino, mas porque eu conheci você. E você me viu quando eu era ninguém, quando eu não tinha nada além de meu próprio orgulho. Orgulho que me cegou aos meus próprios sentimentos. A coroa me faz rei, mas é você que me faz homem. E se você me deixar, eu passarei o resto da minha vida tentando te provar que sou merecedor do seu amor," ele parecia estar tremendo e eu já não conseguia respirar. "Você é a minha rainha," ele continuou e eu percebi que ele lacrimejava. "Não pela coroa que eu espero humildemente que você aceite, mas por esse coração maravilhoso que você carrega no peito e que eu quero tanto que seja meu. Eu não conseguiria viver sem você, eu não saberia de onde tirar forças para encarar essa vida que me esperar sem você do meu lado. Por favor, me dê a chance de te fazer feliz, atravessa o mundo e vem construir uma vida comigo."

"Theo," eu soltei quando percebi que ele esperava uma resposta minha.

"Se você quiser, eu largo tudo," ele disse do nada, provavelmente pensando que eu ia negá-lo. "Tudo mesmo, de verdade. Agora. Eu largo tudo e fico. Eu não consigo ficar sem você, eu prefiro perder tudo a nunca mais poder tê-la em meus braços."

Ele me suplicava de joelhos, como se aquela fosse sua última chance de vida e eu pude ver em seus olhos o quanto ele precisava de mim. E era como eu precisava dele.

Ele era a pessoa que eu mais admirava no mundo inteiro. Ele era o homem mais decidido, mais incrível que eu já tinha conhecido. Tinha a perfeita mistura de bondade com inteligência, de força com generosidade. Ele era racional, mas não negava o que sentia. Ele estava disposto a lutar contra tudo e todos por aqueles com quem ele se importava. Ele era perfeito em tanto sentidos que eu não conseguiria nem os contar. Eu tinha passado anos desejando que por um segundo ele me olhasse. Eu não precisava da opinião de mais ninguém além da dele.

E naquele momento ele estava aos meus pés, me implorando para vê-lo. O homem que para mim vivia em um pedestal estava de joelhos à minha frente, abaixo de mim. Ele estava acima de todos no mundo, mas se colocava abaixo de mim. Eu o amava por isso, mas eu precisava estar do lado dele. Eu precisava que ele soubesse que eu estaria com ele, como sua companheira incondicional.

Por isso eu me ajoelhei na frente dele, pegando as suas mãos que estavam juntas na frente de seu rosto. Eu as segurei bem forte e o mirei séria, tentando tirar de dentro de mim toda a coragem que eu tinha.

"Mel," ele falou, antes que eu pudesse dizer alguma coisa. "Quer se casar comigo?"

Aquelas eram as únicas palavras que eu precisava ouvir para deixar meus olhos soltarem as lágrimas que tinham se acumulado neles. Eu tentei falar alguma coisa, gritando na minha cabeça que eu queria, mas minha garganta estava presa em um nó. Eu apertei as duas mãos dele com a força que tinha e concordei com a cabeça o mais enfaticamente que pude, não querendo deixar dúvidas. Ele soltou das minhas mãos para me abraçar e eu pude afundar meu rosto em seu peito. Seus braços me apertavam forte e eu senti ali toda a segurança e carinho que qualquer pessoa poderia querer.

Não me importava quem estava em volta, não me importava aonde eu estava. Seu povo poderia me odiar, meu próprio povo poderia me questionar. Naquele momento era só eu e ele, seus olhos em mim, os meus nele. Eu não sabia o que era tempo, nem espaço. A única certeza que eu tinha era de que eu o amava e eu era dele. Para sempre.

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