Capítulo 77: POV Thomas Woodwork

O clima todo do castelo estava pesado, só algumas selecionadas ainda não sabiam do que estava acontecendo. Era protocolo não comentar nada fora das áreas comuns dos criados e nenhum de nós se arriscaria a quebrá-lo. Johnson na minha frente nem me olhava, o que me deixava mirá-lo. Seu olhar acabava atrás de mim, apesar de passar tão rente do meu.

Era melhor assim, eu sabia disso. E mesmo assim não conseguia não tentar fazê-lo perder a pose. Mas ele era resistente e a manteve, até mesmo quando uma das selecionadas apareceu de camisola, pedindo para falar com o príncipe. Foi quando todos nós ficamos mais rígidos, mais imóveis. Não queria nem respirar, nem deixar a entender que sabia de algo que ela ignorava. Não poderia nem a olhar com simpatia quando foi dispensada e caminhou até as escadas. Eu a ouvi sentar-se ali e ficar em silêncio, em meio aos seus pensamentos. Tive que me segurar para não ir consolá-la, mesmo sem saber como livrá-la de tanta tristeza. Não entendia como podia ter se incomodado tanto pelo príncipe simplesmente ter dito que não podia falar com ela naquela hora.

Mas também, eu sabia o que o matinha ocupado, eu entendia o que era tão importante. Tinha estado dentro do escritório quando o rei foi informado do que tinha acontecido na Alemanha e estava na porta quando o príncipe alemão entrou, sem saber o que estava prestes a ouvir, sem saber que estava prestes a perder o chão. E ela tinha que ter aparecido cinco minutos depois.

Eu entendia que era caso de vida ou morte, mas aquela selecionada não. Ouvindo-a respirando fundo, sentada encolhida na escada, aquilo estava me incomodando muito! Me peguei imaginando quanto tempo ela passaria pensando em como tinha sido dispensada, sem saber porquê. Se pelo menos eu tivesse alguns poucos segundos para explicá-la da gravidade da situação!

Eu continuei agonizando por alguns minutos, até que ela se levantou e continuou seu caminho escada abaixo. Johnson continuava olhando através de mim, enquanto eu arriscava a nossa pose mirando-o nos olhos. Eu não entendia como ele conseguia fazer aquilo! Era praticamente impossível para mim saber que tinha uma pessoa na minha frente, me olhando, sem olhar de volta para ela. Sorte minha que era com ele que eu sempre tinha esses turnos no escritório do rei.

Porque se fosse com Ridley, estaria perdido. Ele olharia diretamente nos meus olhos, sem dó. E tentaria, ao mesmo tempo que eu, não rir, suprimiria todo o riso que lhe viesse, muitas vezes falhando miseravelmente. Nós tínhamos mil comentários um para o outro, mesmo que nada tivesse acontecido. Era muita história perdida nos corredores do castelo para conseguirmos ser tão profissionais juntos.

Jasper Ridley era de longe o meu melhor amigo. E o melhor amigo que alguém poderia ter. Depois dele, claro, Sebastian. Eu ouvia dos criados mais velhos que nós tínhamos sorte de viver sob tal reinado, que o rei não nos deixaria ser tão abertos com o seu filho se tivéssemos vividos na época de Clarkson. Nós, é claro, simplesmente dávamos de ombro, sem conseguir imaginar o quão terrível eles falavam que era, mas isso não nos impedia de considerarmo-nos sortudos pelas amizades que tínhamos. Eu mesmo nunca saía direito do castelo e nunca me importava. Tudo de que eu precisava estava bem ali.

Naquele final de tarde, Ridley estava de folga. Eu mesmo tinha acabado de voltar com ele de viagem de Kent, mas precisava tomar o turno de Leger, que estava com seus pais na Rússia. Eu tinha prometido que cobriria para ele e agora já estava me arrependendo. Era muito fácil se oferecer na hora em que seu amigo pedia, difícil era não dar mancada depois.

Lutei para conseguir manter meus olhos abertos, mas tive sucesso. Quando o turno acabou, já eram quase sete da manhã. Estávamos só esperando os outros quatro guardas aparecerem para irmos para nossos quartos, quando o novo rei da Alemanha apareceu de novo para falar com o rei. Maxon e Charles tinham ido para o escritório já bem mais cedo e tentavam mostrar serviço, o que era um ótimo incentivo para nós guardas. Seria fácil para eles pedirem que nós trabalhássemos tanto, enquanto eles dormissem. Mas eles estarem dispostos a acordar cedo em um domingo, tudo pelo bem do país e de seus aliados, aquilo era um ótimo exemplo.

Rei devastado ou não lá dentro, nós não esperamos mais. Assim que os próximos guardas apareceram, Johnson, Loric, Renaldi e eu começamos nosso caminho escada abaixo, tentando equilibrar nossas maneiras de guardas reais com a louca vontade de entrarmos em nosso quarto e arrancarmos todo o uniforme o mais rápido que podíamos e nos enfiarmos embaixo das cobertas.

No primeiro andar, vimos algumas selecionadas. Sempre o encantador, Renaldi lhes fez um aceno com o chapéu, fazendo-as dar risadinhas uma para as outras quando passaram por nós. Johnson só revirou os olhos, enquanto Loric e eu rimos debochado da insistência de Renaldi em sempre tentar conquistar qualquer saia que estivesse à sua volta, ela estando comprometida com o futuro rei do país ou não.

Nós chegamos à cozinha e corremos para nossos quartos. Eu mirei o meu, que ficava logo ao lado do de meus pais. Não demorei nem um minuto para estar deitado, meu uniforme jogado pelo chão, e em um pouco mais de tempo, já estava dormindo. Precisava tentar absorver o máximo de relaxamento possível, pois teríamos treinamento no dia seguinte.

Pelo que Jasper me contou depois, o castelo ficou completamente deserto no domingo. O rei alemão passou horas conversando com o nosso rei e o príncipe Charles no escritório, enquanto ninguém sabia do que falavam. Nenhum guarda foi permitido ficar lá, ninguém poderia ouvir do que conversavam. Todas as selecionadas tiveram que ficar em seus quartos, sem poder transitar nem pelo corredor. As criadas mal voltaram para o nosso salão comum e todos jantaram sozinhos. A Rainha America era a única que andava pelos corredores, indo até a cozinha, falando com a minha mãe, visitando cada selecionada para saber como estavam. Era quase como se ela fosse a mensageira de cada setor do castelo. Todos estavam apreensivos, ninguém queria fazer barulho demais, se impor demais. Ninguém queria a atenção para eles mesmos, pois ninguém sabia direito lidar com a situação. Isso nunca tinha acontecido antes.

E segundo Jasper, todas as selecionadas foram informadas do que tinha acontecido, direta ou indiretamente.

Na segunda-feira, tudo já estava mais calmo. Era como se passando um dia inteiro em silêncio e praticamente em luto tivesse aliviado o peso de tudo. Mas eu tive que ficar nas portas da Sala de Jantar durante o café da manhã e todos pareceram segurar a respiração quando o novo rei da Alemanha entrou. A família real toda se levantou, fazendo-lhe uma reverência. As selecionadas logo seguiram, enquanto as outras realezas presentes continuaram sentadas. Era tudo desnecessário, era demais até para ele. O rei alemão parecia se incomodar ainda mais com aquilo, levantando uma mão para fazê-los todos se sentarem. Mas ele deve ter ficado grato quando ninguém questionou o que fez a seguir. Ele simplesmente foi até a mesa das selecionadas e pegou uma pela mão, levando-a para fora da sala. Eu tive que continuar olhando para a frente, o que significava que olhava para dentro. Tive que lutar contra toda a curiosidade do mundo que tinha se instalado em mim para não me virar e olhar para eles. Como todos ali, eu queria muito saber porque ele a tinha buscado, o que estava lhe falando. Mas como todos, tive que esperar os rumores chegarem aos meus ouvidos algumas horas depois.

Ninguém sabia do que tinham falado, só se sabia que eles se conheciam da adolescência, bem antes de ela ter entrado para a seleção. Segundo o que minha mãe tinha ouvido, ela era uma das favoritas de Charles, mas ela tinha lhe contado que estava apaixonada pelo rei alemão. Vai entender essas mulheres que entram em uma competição que tem como única finalidade encontrar a mulher do futuro rei quando elas ainda estão apaixonadas por outro cara. Eu não conseguia ver lógica naquilo! Ela não tinha antecipado nenhum problema naquela decisão?

Apesar daquilo, todos pensávamos que Charles tinha mesmo conseguido o melhor lote possível de selecionadas. Eu não conseguiria imaginar meninas mais bonitas no país todo e nem queria tentar. Aquela era a seleção dele, é claro, e todos nós sabíamos disso. Mas isso não nos impedia de olhá-las e comentar o que achávamos de cada uma.

Por exemplo, todos nós conhecíamos Abigail Neumann e todos nós já gostávamos dela antes mesmo dela ser selecionada. Mas, por incrível que parecesse, ela não era a preferida de ninguém. Jasper ainda estava louco por uma que já tinha saído, pois tinha entrado na farra da piscina. E, ele nos lembrava todo dia, ela tinha sido enganada, empurrada e eliminada por erro. Ele tinha visto, ele tinha certeza daquilo. Até tinha falado em sua defesa com Sílvia, mas ela o ignorou. Sky, como ele nunca nos deixa esquecer, o agradeceu profundamente, dando-lhe esperança de que algo pudesse acontecer entre eles. Mas agora ela estava do outro lado do país e não tinha porque ela simplesmente vir atrás dele. Ainda mais que nós já sabíamos que selecionadas recebiam o maior número possível de pedidos de casamento.

Loric também tinha sua preferida, e ninguém de nós o questionava. Enny era a que mais conversava com a gente, sempre perguntando coisas sobre o nosso treinamento, onde tínhamos servido antes de ir para o castelo (se tínhamos, pois, alguns, como eu, tinham ido direito para lá), e coisas assim. Ela mesma tinha família militar e parecia amar tudo que tivesse a ver com o exército. Quando perguntávamos se ela gostaria de seguir carreira, negava, dizendo que não era para ela, que não queria passar por tudo que as mulheres precisavam passar para se tornarem soldado. Mas dava para ver que só estava tentando se enganar, dava para ver que tinha mais por trás daquilo. E Loric não se cansava de elogiá-la, dizendo que era mais forte do que imaginava, que eles precisavam de mulheres como ela no exército. Ele era dos mais velhos de nós e já tinha servido na Europa, o que dava aos seus argumentos muito mais convicção.

Renaldi queria todas, e todos nós sabíamos disso. Mas mesmo que ele não admitisse, ele tinha sua preferida, sempre se ofendendo quando falávamos de Beatriz, mas logo fingindo que não tinha nada a ver, que nós estávamos vendo coisas. Ele gostava daquilo, de ser o cara que queria todas. Ele não queria se mostrar dedicado a nenhuma. Eu mesmo só via isso como um jeito de não se deixar levar por quem ele realmente se interessava.

O que era um bom plano. Ninguém ali era louco o suficiente para realmente ir atrás de uma selecionada. Nós ficávamos quietos, mirando o nada, enquanto as ouvíamos conversando, rindo e nos olhando. Nós quase nunca trocávamos uma palavra com elas, e quando trocávamos, sempre nos mantínhamos distante o suficiente para não criar dúvidas na cabeça delas. Depois da história de meus pais, todos nós estávamos atentos às regras e ninguém estava disposto a quebrá-las. Minha mãe falava sempre que queríamos (ou não) ouvir que nós éramos responsáveis pelas nossas atitudes e tínhamos que ter consciência das consequências que viriam se decidíssemos quebrar as regras.

O engraçado era que meu pai não discordava, mas sempre que nós dois conversávamos sozinhos, ele me dizia que tinha valido a pena, que ele não teria feito nada diferente. Ele não acreditava em arrependimentos, eu já sabia disso. Mas era estranho ver ela dando lição de moral, enquanto ele me falava que amor verdadeiro era mais forte do que qualquer regra de conduta. Eu não sabia disso, eu nunca tinha sentido aquilo. Mas eu não me colocaria naquela posição. Eu não precisava nem me preocupar com algo assim.

Mas confesso que me divertia com a seleção. Não via problema nenhum em ter algumas meninas novas e bonitas andando arrumadas pelo castelo. Principalmente quando uma delas aparecia nos corredores dos criados de madrugada, com os braços sujos de tinta. Aquilo tinha sido positivamente adorável e eu não me importaria se acontecesse mais algumas vezes.

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