Capítulo 75: POV Gabrielle DeChamps
Revirei na cama com os olhos bem fechados, tentando bloquear qualquer raio de luz que conseguisse passar pelas cortinas. O momento ainda estava vívido em mim e eu queria de qualquer jeito o apagar, mas ao mesmo tempo ainda precisava saber se tinha sido de verdade. Eu precisava lembrá-lo bem, eu já tinha passado por tantas emoções que era difícil me agarrar à realidade. Mas eu precisava tentar, senão eu poderia perdoá-lo rápido demais. E o que ele tinha feito era muito grave.
Então eu respirei fundo uma vez e tentei me lembrar de cada segundo da noite passada mais uma vez.
Eu tinha descido à meia noite em ponto, lampião na mão, cheio de luzinhas de natal, ao invés de uma vela. Eu usava o meu melhor vestido. E conforme ele foi passando pela grama, eu me lembrava do último encontro que nós tínhamos tido. E a cada passo que dava, minha expectativa crescia. Só de lembrar eu já estava nervosa, mas pensar que poderia acontecer de novo era demais. E eu queria demais.
Quando cheguei ao primeiro banco de pedra da floresta, ele não estava lá. Eu não me importei quando percebi que teria que esperar, o único problema era que eu ficaria ainda mais nervosa.
Alguns minutos se passaram e as minhas luzinhas começaram a falhar. No silêncio da noite, todos os barulhos de galhos e vento na floresta eram ainda mais altos. Comecei a me assustar com qualquer rangido que ouvia, me virava nervosa para ver se era ele ou talvez até outra pessoa. Pensei ter ouvido passos e fiquei nervosa. Não pela expectativa, pelo medo. Estava com frio nos braços, estava com dor nas costas. E ele não chegava.
Eu tentei me agarrar à imagem de que quando ele chegasse, nós ficaríamos juntos de verdade. Tentei focar nisso, tentei focar nele. No rosto dele, nos braços dele, nos lábios dele nos meus. Mas logo a noite foi me consumindo e a bateria das minhas luzes foi acabando. Eu já sabia que ele não viria. No fundo, eu sabia. Mas eu não estava pronta para desistir. Não estava pronta para voltar para o castelo e passar pelos guardas que tinham me visto saindo. Meu orgulho estava ferido demais, eu precisava de mais um tempo para me recompor. E eu ainda tinha uma mísera esperança de que estivesse errada.
Ele ainda poderia aparecer. Ele tinha se atrasado, alguma coisa tinha acontecido. Ele ainda viria, ele chegaria, me abraçaria, pediria mil desculpas e logo toda aquela minha angústia pareceria estúpida, completamente inútil.
Mas a angústia só foi aumentando e nem sinal dele. Nem sinal de ninguém. O frio já tinha tomado conta de mim e eu tremia sem parar, tentando me aquecer com a saia do meu vestido. Eu cantava para mim mesma, falava alto comigo mesma, tudo que podia para tentar superar o silêncio. Ele ainda poderia aparecer, eu pensava alto. Mas sabia que estava me enganado. Já estava encolhida, minhas lágrimas ficavam geladas com o vento, enquanto as luzinhas falhavam cada vez mais. Eu mal conseguia ver o banco onde estavam. Eu tinha tanto frio, que até pensei que deveria ter levado uma vela ao invés delas. Mas tinha medo de fogo e quase certeza de que a vela já teria terminado.
O que não teria sido a maior desgraça do mundo, pensei hoje, quando rolava pela cama. Se eu tivesse levado uma vela e ela tivesse acabado, eu teria que engolir meu orgulho e a esperança estúpida que ainda tinha no peito e teria que voltar para o castelo bem antes. Ao invés disso, eu esperei a bateria acabar por inteiro para me dar por vencida e começar meu caminho de volta. Eu tirei meus sapatos e corri o mais rápido que podia, sentindo a grama gelada em cada passo.
Quando cheguei ao meu quarto, bati a porta tão alto, que por um segundo pensei que alguém fosse acordar. Mas se alguém ouviu, essa pessoa também resolveu ignorar, pois ninguém veio até mim. Ninguém veio me perguntar o que estava acontecendo. Ninguém quis saber porque eu estava agindo daquele jeito às quase duas da manhã.
Nem ele. Eu estava jogada na minha cama, derrubando todas as lágrimas que tinha no meu travesseiro e ele não se importava. Ele sabia que eu estaria esperando-o. Ele sabia que eu o queria, que ele tinha me machucado. Mas ele não estava nem aí. Provavelmente estava dormindo, no melhor dos sonos, aquele que eu nunca conseguiria ter de novo. Ou estava em outro quarto, ocupado com outra selecionada, quem sabe até Beatriz.
Abri meus olhos de novo, acabando com a memória ali. Já sabia o que tinha acontecido. Já sabia do meu erro. Não ia pensar no que tinha sentido no dia anterior. Eu estava sendo levada pelo medo, pela raiva. Eu precisava pensar claramente.
Me deitei de costas, olhando para o teto. Aquele não era o Charles que eu conhecia. Ele não faria aquilo, ele não iria me deixar daquele jeito. Ele pelo menos mandaria alguém me avisar que ele não poderia aparecer. Alguma coisa muito terrível deveria ter acontecido.
Foi quando eu comecei a ficar com medo de alguma coisa realmente terrível ter acontecido. E se algo tivesse acontecido com ele? E eu estava ali, chorando por orgulho ferido. Ele podia estar literalmente ferido ou até coisa pior e eu só me importava com a minha própria vaidade. Como eu era patética.
Mas o ponto nem era esse. E se alguma coisa tivesse acontecido com ele? Alguma coisa grave? O que eu faria? O que eu faria sem ele?
Me levantei correndo e coloquei o meu roupão. Quando abri a porta do quarto, dei de cara com Abbie, que estava para bater na minha porta.
"Ei," ela disse, surpresa. "Ia ver se você estava melhor."
"Melhor do quê?" Perguntei.
"Suas criadas falaram que você não estava bem essa manhã," ela disse, dando de ombros.
"Essa manhã? Abbie, que horas são?"
Ela se inclinou um pouco para dentro do meu quarto, procurando o despertador. "Seis da tarde," disse quando o viu.
Seis da tarde! Voltei para dentro do quarto e abri as cortinas. A única luz que vinha de lá fora era de um sol se pondo e de uma lâmpada da sacada.
"Uou, está tarde," falei, tentando imaginar como podia ter passado tantas horas na cama.
"Quase hora do jantar," ela disse, entrando e se sentando na minha cama. "O que você tem?"
Me virei para ela e olhei para a minha roupa, depois de volta para ela. "Nada," disse, dando de ombros. Ela estranhou e eu tive uma ideia. "Cólica," falei, o que a convenceu.
"Entendo," disse, me sorrindo triste.
"Mas tá tudo bem no castelo?" Perguntei e ela riu.
"Tá, por quê?"
Dei de ombros. "Não, nada. Só para saber o que eu perdi," expliquei.
Ela suspirou alto e olhou em volta. "Não, você não perdeu nada demais. Nina ainda não voltou, os familiares foram embora, os convidados reais ficaram, essas coisas."
"Abbie," eu fui até ela e a segurei pelos ombros. "Como assim eu não perdi nada? Minha irmã foi embora?"
"Ah! Verdade, sua irmã estava aqui," ela disse, sem entender a gravidade da situação. "Sim, ela foi embora, todos foram," a soltei e andei de volta até a janela.
Valentine tinha ido embora e eu nem pude me despedir! E só porque eu era tonta e estava com raiva de Charles! Ele tinha me custado um adeus à minha irmã!
"Sinto muito, Gabbie," ela disse, desanimada.
Eu balancei a cabeça. "Não se preocupe, eu escrevo para ela depois," disse.
Mas na verdade estava só querendo tirar o peso de Abbie. Eu estava preocupada. Eu me odiava por ter passado o dia na cama e não ter me despedido da minha irmã. Eu deveria ter deixado as criadas entrarem quando elas tinham batido na minha porta uma hora. Eu deveria ter entendido que era por uma coisa importante.
Eu teria que tentar ligar para Valentine assim que eu pudesse, eu precisava me desculpar. Mas tinha uma coisa que eu precisava fazer primeiro.
"Abbie," me virei para ela, "você sabe onde está Charles?"
Ela inclinou o rosto, confusa. "Eu vi ele andando com o rei, por quê?"
Não a respondi, só fui até ela, dei-lhe um beijo no rosto e saí pelo quarto. Por sorte, não passei por mais quase ninguém até chegar ao escritório do rei. Mas quando cheguei lá, me dei conta do que estava usando e fiquei com medo de ele achar que era inapropriado. Pedi então para que um dos guardas chamasse Charles para mim.
"Gabrielle, eu não posso falar com você agora," ele disse, quando saiu pela porta. Estava tão agitado que a minha própria eletricidade parecia nula perto dele. "Você vai ter que esperar."
"Mas-"
"O que quer que seja, não é mais importante do que eu estou fazendo agora," ele falou, um pouco duro demais. "Desculpa," disse, se virando e voltando para o escritório, me deixando falando sozinha, com todos os guardas dali me olhando.
Não era mais importante? Então ele tinha mesmo me deixado, nada de terrível tinha acontecido com ele, ele estava inteiro. Ele sabia que tinha me deixado esperando ontem à noite no frio e na escuridão, e ele não se importava. Pelo contrário, nem achava que era uma coisa tão grave. Achava que não era nada. E pensava que qualquer droga de assunto que ele tinha que resolver com o seu pai era mais importante. Mais importante do que eu.
Me virei de volta para as escadas e comecei a descer, mas parei no meio do caminho. Não queria ir para o meu quarto. Não queria ir para lugar nenhum. Me sentei no degrau que estava. Fiquei inconformada com a habilidade que Charles tinha de me fazer pensar que se importava comigo quando não era verdade. Ele era realmente muito bom naquilo. Ele conseguia me fazer pensar que era a única menina no mundo inteiro, quando não era nem a única com quem ele estava saindo aqui no castelo. Ele conseguia me fazer imaginar nós dois juntos de verdade, num futuro inteiro. Quando ele não estava nem aí. Ele nem me achava importante.
Ele devia fazer isso com todas as selecionadas. Ele provavelmente deixava todas flutuando por aí, sonhando com ele, enquanto ele brincava com a gente. Eu não conseguia acreditar que tinha caído nessa, caído por ele. Eu deveria ter ido embora no dia em que o vi com Beatriz. Foi quando ele me mostrou quem realmente era, mas eu caí de novo na sua lábia e acabei ficando. Estava cansada daquilo. Cansada de nadar e nadar e tentar tomar fôlego, mas nunca ter ar o suficiente para o próximo mergulho.
Abracei meus joelhos ali mesmo, nos degraus da escada. O pior de tudo era que eu já não conseguia ir embora. Eu tinha caído tanto que só a ideia de o deixar me parecia insuportável. Eu era realmente tonta demais, mas não conseguia nem imaginar voltar para a minha vida de antes. Eu já não era a mesma pessoa, eu já não conseguiria fingir que era. Eu não conseguiria viver sabendo que ele estaria aqui, fora do meu alcance. Como é que ele tinha conseguido me fazer sentir como se precisasse dele para respirar quando ele era bem a razão de eu estar tão sem ar?
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