Capítulo 118: POV Sebastian Regen
É muito fácil se distanciar das coisas. Por mais que te afete, é muito fácil se distanciar. Ver seu irmão tomado pelo desespero e sentir sua dor, mas ao mesmo tempo saber que no fundo aquilo não está acontecendo com você. Pelo contrário, você realmente chega a acreditar que aquilo nunca aconteceria com você. Não é nem uma questão de considerar a possibilidade, ela nem chega a se formar dentro da sua cabeça. O alívio de estar do lado de fora te impede de imaginar como seria lá dentro. É como uma jogada de sorte, que você escapou no último centímetro. Poderia ter acontecido com você? Sim. Poderia ser você quem estaria esmagando o vidro com os seus punhos? Sim. Mas não era. Não era você.
Não era eu. Eu estava disposto a fazer o que precisasse para ajudá-lo, mas eu sabia que no fundo eu ainda tinha uma certeza da minha própria felicidade. Era como se eu estivesse quase acima de Charles, olhando para baixo, tentando puxá-lo para onde eu estava. Eu não percebi que estava cavando a minha cova. Eu não percebi que todas as vezes em que eu tinha tentado negar alguma coisa que eu sentia ou tinha percebido, aquilo voltaria para me assustar. Se eu pelo menos tivesse entendido que correr não ajudaria em nada. Fingir que algo não me abalava só tinha feito com que aquilo ganhasse força na hora da revanche.
Eu sabia que a Amélie ainda iria me atrapalhar em alguma coisa. Eu via alguma coisa nela, eu sentia que algum dia ela entraria no meu caminho. Era uma sensação, mas eu resolvi ignorá-la. Eu gostava do jeito que ela me olhava, confesso que até usava daquilo para me sentir melhor quando precisasse. Ela estava sempre ali, eu não tinha dúvida nenhuma de que eu poderia me virar para ela na hora em que eu precisasse de alguém para levantar minha autoestima. Eu só não percebi que não era só isso.
Eu era um idiota! Eu a tinha usado do pior jeito possível, sem entender que aquilo voltaria para mim. Não como carma, não porque eu merecia. Mas porque eu mesmo não tinha parado para pensar nas consequências.
Eu queria me defender de mim mesmo. Queria me defender das minhas próprias acusações! Eu não sabia o que estava fazendo, eu não sabia nem o que estava sentindo! Eu nunca tinha tido alguém como Nina mexendo comigo daquele jeito. E ter sido rejeitado, deixado, eu não conseguia entender nada. Eu não sabia o que fazer! Era algo completamente novo. E devastador também. Não me assustava só me importar tanto com ela quando eu não podia nem olhar direito para ela. Não me assustava só ter me apaixonado por ela. Eu tinha mesmo era medo de virar o que virei. De ter que aceitar uma vida sem ela.
Mas não tinham defesas dentro de mim. Não tinha porque explicar, não tinha porque entender o que tinha acontecido. Eu já entendia o que aconteceria. Eu já podia ver meu futuro na minha frente, do mesmo jeito que eu tinha visto a mãe de Amélie fazendo a vida inteira.
Eu passaria o resto dos meus dias assistindo a minha vida como um telespectador, olhando para os lados, procurando quem realmente tinha meu coração. Eu sabia que nada na minha vida poderia me ganhar como ela tinha ganhado. Eu sabia que eu nunca mais seria feliz como tinha sido, que eu não conseguiria amar nada como a amava. Queria acreditar que esse filho mudaria isso para mim, que eu o veria e descobriria um tipo de amor que eu nem sabia que existia dentro de mim. Era assim que minha mãe falava de nós. Mas alguma coisa dentro de mim ainda me dizia que mesmo que eu o amasse com todas as minhas forças, eu ainda teria uma voz no fundo da minha cabeça que não me deixaria em paz. E dia após dia de assisti-lo crescer, eu me perguntaria como teria sido com ela. Como seria olhar para ele e vê-la ali, em seus traços, em seu cabelo loiro.
Eu tinha certeza de que nunca a deixaria de amar. Eu sabia disso, era a única coisa que eu sabia. Eu sabia que eu faria meu melhor para ser o pai que meu filho merecesse, mas que eu ainda carregaria aquele peso em mim. E eu mal poderia esperar para apresentar meu filho para ela, para tentar juntar, do jeito que fosse, dois lados da minha vida.
A verdade é que eu não conseguiria deixá-la. Eu já imaginava a minha vida sem ela, eu já fazia planos de como eu contaria para esse filho sobre ela, de como eu tentaria ensinar o que ele deveria fazer. Eu teria que ensiná-lo a não negar o que queria, a lutar pelo que sentia. Se eu tivesse aceitado, se eu tivesse ido atrás dela ao invés de me contentar com Amélie, talvez eu pudesse estar esperando um dia bem melhor. Talvez eu ainda tivesse tudo aquilo que eu sempre quis. Talvez eu ainda pudesse pensar no futuro e não sentir que eu estava me preparando para começar uma sentença de vida.
Ou de morte.
Eu quase planejava como passaria todos os dias me lembrando dela, mesmo do lado de Amélie. Eu me prometi que não iria deixá-la ganhar meu coração, ou meu respeito. Mas eu sabia que era culpa minha. Ela não tinha feito nada de errado. Ela era só uma garota, que tinha ficado com um garoto de quem ela tinha gostado por tantos anos. E ela tinha engravidado. Não porque queria, mesmo que quisesse. Esse acaso aconteceu tanto comigo, quanto aconteceu com ela. Eu não poderia culpá-la. Ela ainda estaria grávida mesmo se não insistisse nesse casamento. Nós ainda teríamos um filho. Ela só estava tentando tirar o melhor de uma situação ruim.
Mas eu ainda a odiava. Eu não conseguia olhar para ela. Cheguei até a me perguntar se não tinha como nós terminarmos essa gravidez. Eu não conseguiria tratá-la bem, nem pelo bem do nosso filho. E eu não queria me tornar o monstro que faria dela tão infeliz quanto ele. Ela não merece essa tortura, como eu não mereço. Ela tinha boas intenções, eu precisava entender isso. Eu precisava superar esse meu ódio. Mas enquanto eu não conseguia, eu precisava ficar o mais longe possível dela.
Eu teria que deixar o castelo, quando nós nos casássemos. Eu teria que ir com ela para a França. Eu era herdeiro, mas Charles vinha primeiro. E ela era filha única. Sua mãe estava quase tão animada quanto ela, andando pelo castelo sem saber que eu estava a ponto de bater nela também. Era quase como se esse tivesse sido o sonho de sua vida, de finalmente ter conseguido se ligar ao meu pai. Eu não podia culpar Amélie de ser tão desnorteada com uma mãe dessas.
Não queria pensar em ter que deixar Illéa, não queria pensar em atravessar um oceano e deixar Nina para trás. Mas se era isso que eu tinha que fazer, eu queria deixar alguma coisa para ela. Não contei para ninguém, mas juntei algumas boas latas de tinta e fui até a pista de skate, onde eu tinha passado praticamente todos os dias daquela semana.
Ainda não dava para ver o que eu estava pensando em fazer, e eu tinha bastante medo de estragar tudo, de me perder. Mas eu continuei de onde tinha parado, sem me importar com as minhas roupas, sem olhar para trás. Eu normalmente teria levado algum fone de ouvido, eu não gostava de ficar sem ouvir música. Mas eu não sentia que tinha o direito de ficar bem, senti que merecia o silêncio. E foi assim que eu passei as próximas horas. Até que ouvi alguns passos e percebi que Charles vinha em minha direção, apressado.
Deixei a lata de spray onde estava e corri até ele como dava, me desviando do que ainda estava molhado. Quando nos encontramos, ele parecia estar tão inconformado com alguma coisa, que ele andava de um lado para o outro, sem conseguir parar. Era como se estivesse em um debate dentro da sua cabeça, argumentando e discordando de si mesmo.
"O que você acha da execução do Laeddis?" Ele me perguntou, indo para os degraus onde nós tínhamos conversado todos os dias em que eu tinha estado ali. Mas ao chegar até eles, ele continuou de pé, inquieto. "Hein?" Perguntou, enquanto eu o seguia. "O que você acha da execução dele?"
"Sei lá," eu falei, me sentando. "Você realmente quer que eu pense nisso agora? Assim, do nada?"
"Quero," ele se virou para mim. "Vamos lá, você é o juiz e o júri, decida. Ele morre?"
"Não," falei sem pensar. "Uma coisa seria se ele tivesse tido a intenção de matar o parceiro dele. Outra é ele acreditar que estava fazendo a coisa certa e errar."
Foi como se eu tivesse iluminado o rosto de Charles com uma lanterna. Não sabia se era isso que ele queria ouvir, mas parecia que era a primeira vez que ele pensava por esse lado.
"Ele não tinha intenção," ele repetiu, como se pensasse alto. "Não foi ele que puxou o gatilho."
"E sequestro não é o tipo de crime que deve ser punido com morte, não é?" Eu continuei. "Talvez engravidar princesas estrangeiras devesse ser."
Charles bufou uma risada sem humor, seu olhar ainda perdido no chão.
"Por que você está me perguntando isso?" Eu mesmo quis saber.
"Ah," ele relaxou os ombros e se sentou do meu lado. "Porque a Gabrielle está louca da vida tentando impedir a execução dele."
"E isso é ruim?" Perguntei, depois de um tempo.
Ele deu de ombros. "Não."
Mas eu sabia que sua resposta não estava completa.
"Vamos lá, Charles, me fala o que tem de tão ruim dela querer impedir uma execução injusta," eu pedi, dando tapas em suas costas.
"Não, deixa para lá," ele disse. "Você tem coisas melhores com as quais se preocupar. Quer dizer, coisas piores."
"Não, sério," eu insisti. "Vai ser bom pensar em alguma coisa que não tenha nada a ver comigo," eu me levantei e desci dois degraus até ficar na sua frente e da mesma altura que ele. "Vai, fala."
Ele fingiu considerar aquilo, mas rapidamente se convenceu a me contar.
"É só que, sei lá," ele suspirou. "Eu esperava mais dela, sabe?"
"Mais do que se importar com a vida de um ser humano sendo jogada fora?"
Ele me mirou sério. "Mais do que ela se preocupar com ele antes mesmo de olhar direito para mim. Não só ela está correndo por aí tentando fazer qualquer um ouvir que ele não deveria morrer, como ela nem se importou em me perguntar se eu estou bem depois do tiro que ELE me deu. Ela mal olhou para mim, mas vai mover montanhas se precisar para salvá-lo."
"Olha, eu não a conheço muito bem," eu comecei. "Mas eu tenho a leve impressão de que ela estaria pronta para mover o mundo inteiro se você estivesse no lugar dele." Charles levantou os olhos para mim e eu percebi que era isso que ele queria ouvir. "Você não tem que ficar bravo com ela por se importar, pelo contrário. Tenha orgulho disso!"
"Mas ela disse que preferia nunca mais olhar para mim se eu não entendesse que ela precisa salvar ele."
"Bom, então começa entendendo," eu falei. "E sério, eu realmente acho que você tem que ter orgulho dela. Ainda mais depois disso aí. Pensa que ela tem tanto princípio, que ela prefere te perder a desistir dele," eu mesmo pensei no que eu tinha acabado de falar. "Tá, eu sei que isso não soa lá como a melhor coisa do mundo, mas é uma coisa boa. E eu não quis dizer que ela não se importa com você, pelo contrário-"
"Eu entendi," ele me cortou. "Ela está disposta a me sacrificar-"
"A sacrificar a coisa que ela mais quer," eu o corrigi.
"...Porque ela realmente acredita nisso," ele completou.
"Exato," eu falei. "Mas ela não tem que sacrificar nada. Se você entender porque ela está fazendo isso, ela vai querer olhar para você de novo. Mesmo com esse cabelo aí," eu apontei para ele.
"O que tem de errado com o meu cabelo?" Ele perguntou, tentando arrumá-lo, mas ele sabia que eu só estava tentando distrai-lo. "Me fala uma coisa?" Ele perguntou depois de desistir de se arrumar. "Quando é que você ocupou a posição de irmão maduro e eu virei o louco emocional?"
"Eu nunca fui emocional!" Eu falei, indignado. "E acho que deve ter acontecido lá pela hora em que eu esbarrei em uma das suas selecionadas."
Ele concordou com a cabeça, pensando naquilo. Não queria falar na Nina, não queria nem pensar nela. Preferia ter que me ocupar com o problema dele. Mas logo ele olhou por cima do meu ombro e se levantou para ver melhor o meu trabalho.
"Ainda não está pronto," eu falei, indo ficar do lado dele.
"Dá para ver," ele disse.
"Vai ficar terrível até ficar bom," eu expliquei. "Eu ainda tenho que refazer aquela parte," eu apontei para o canto da pista. "Eu achei que podia andar um pouco em cima, sabe, só para matar as saudades do meu skate."
"E tirou a tinta?" Ele perguntou.
"Mais ou menos," eu disse. "Só acho que podia ficar melhor.
"E você vai mostrar para ela?" Ele perguntou depois de nós ficarmos um tempo em silêncio.
"Não," eu disse. "Quero que ela veja sem querer, sozinha," me virei para ele. "Se você contar para ela, eu juro-"
"Não se preocupe," ele levantou as mãos no ar. "Mas você já desistiu? Não quer ir atrás dela?"
"Querer, eu quero," eu falei, tentando bloquear o mínimo de esperança que parecia acender na minha cabeça. "Mas eu sei o que eu tenho que fazer, Charles," ele só concordou com a cabeça. "Sabe que eu sempre me pego imaginando que ela está me observando?" Eu me virei para olhar para ele e ver sua reação. Eu nunca tinha contado aquilo para alguém. "Eu passo o tempo todo imaginando que ela está me vendo, não importa o que eu estou fazendo. E eu me pergunto se o que eu faço vai agradá-la ou não, se ela pensaria mais de mim ou menos. E eu sinto que se eu largasse a Amélie, se eu não fizesse a coisa certa..."
"...Ela pensaria menos de você?" Ele completou.
"É," eu disse, voltando meus olhos para ele. "Eu não sei se conseguiria ser o cara que ela merece se eu fosse o tipo de cara que larga a menina nessa situação."
"Entendo," ele concordou com a cabeça, com aquele ar que ele tinha toda vez que eu falava da Nina.
Mas eu não o queria desse jeito, não queria que ele ficasse mal com os meus problemas. Ele tinha os dele. E eu podia tomar conta dos meus.
"Mas e então, você não vai lá falar com o papai?" Eu perguntei, dando-lhe um tapa nas costas.
"Sobre o quê?" Ele perguntou, enquanto eu andava de volta para onde minhas tintas estavam, me desviando de onde eu tinha acabado de pintar.
"Sobre como você também concorda que o Laeddis não deveria ser executado," eu falei.
Chacoalhei algumas latas para ver qual estava acabando e depois voltei até ele.
"Você acha que eu devo fazer isso por ela?" Ele perguntou assim que eu o alcancei.
"Não," falei quando nós começamos a andar em direção ao castelo. "Eu acho que você tem que fazer isso por você, porque você entende e acredita que é injusto. Ou você não se importa?"
"Eu me importo," ele disse na hora, sem hesitar. "Eu me importo. Mas eu não queria me importar. Eu não queria ajudá-lo."
"Ah, mas isso é raiva," falei, colocando meu braço em volta dele. "E se você não fizer nada agora, você vai se arrepender depois."
"Eu sei, mas ainda assim-"
"Raiva é raiva," eu falei e ele concordou com a cabeça. "O que você tem que fazer por Gabrielle é falar com ela, dizer que entende e que a deixa fazer o que ela acha que tem que fazer. Mesmo se você não concordasse que é injustiça, você ainda teria que dar esse tipo de apoio, sabe?"
"Como eu supero a raiva?" Eu o vi se virando para me olhar, mas eu ainda mirava o castelo. "Como eu supero isso e simplesmente tento ajudá-lo?"
Eu respirei fundo. A verdade era que eu ainda não tinha conseguido superar a minha própria raiva.
"Sabe, Charles," eu disse, parando de andar e me virando para ele. "Talvez você não precise superar sua raiva. Talvez você só precise aceitá-la."
"Como assim?" Ele perguntou, confuso.
"Assim," falei. "Você não o está livrando de nada. Pensa que você está até acima dele por ter essa compaixão, por decidir fazer o certo mesmo querendo matá-lo. É como se você estivesse olhando para baixo, de tão superior que você é. É sua decisão lhe dar misericórdia," os olhos dele pareciam já ver a cena, quase iluminando com o que ele imaginava. "Agora me diz se a sua raiva não gosta dessa ideia!"
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