Capítulo 117: POV Gabrielle DeChamps
"Obrigada," eu disse, pegando a xícara de chá da mão de Nina. Estava quente demais para eu segurar e tive que apoiá-la na mesa. Mas a pequena fresta aberta da janela deixava um ventinho frio entrar, então eu deixei minhas mãos o mais perto da xícara possível, tentando esquentar meus dedos. "Como você está?"
"Eu que deveria te perguntar isso," ela disse, se sentando à minha frente e mergulhando o saquinho do chá na sua própria xícara. "Você que foi sequestrada."
Eu baixei meus olhos para a mesa, pensando rapidamente naquilo. Me lembrei de quando eu tinha acordado no cativeiro, me lembrei de quando tinha ficado presa embaixo do píer, me lembrei de quando Charles gritava de dor na praia. E depois de tudo aquilo, eu ainda sabia que não teria como a minha dor se comparar com o que Nina estava sentindo.
Voltei meus olhos para ela, que observava o chá tingindo a água com tanto desânimo, que eu mesma senti um aperto no coração. Eu não saberia o que fazer se estivesse no lugar dela. Eu não conseguiria sobreviver! Eu tinha certeza de que não conseguiria respirar se tivesse que assistir Charles se casando com outra. Eu tinha passado a Seleção inteira tentando me preparar para aquilo, mas ainda conservava um pouco de negação de que eu não teria mesmo que passar por isso. Mas agora, com a Nina na minha frente, agora sim eu sabia como seria. Eu achava amarga a ideia de perder a Seleção, mas eu realmente nunca tinha pensado na possibilidade de perder Charles. Não assim, não completamente. Eu sempre achei que perceberia antes, que o sentiria se afastando de mim e indo em direção a outra menina. Mas Nina teve todas as suas esperanças arrancadas dela do nada, sem aviso, sem conseguir se preparar.
Eu preferia ser sequestrada mil vezes a estar no lugar dela. Eu preferia ser sequestrada mil vezes a ter que a ver assim.
"Eu estou bem," eu falei finalmente. "Como você está?" Eu perguntei de novo.
Ela levantou os olhos para mim, mas ainda parecia não me mirar. E então deu de ombros, suspirando. "Estou viva, né? É o máximo que eu posso dizer."
Eu concordei com a cabeça e tomei um gole do meu chá. Ela ainda estava levantando e soltando o saquinho do seu, como se nem percebesse o que fazia, quase automaticamente. Eu não tinha ideia do que dizer! Não queria ficar falando no assunto, porque não queria relembrá-la de todas as razões que ela tinha para ficar triste. Mas talvez fosse isso mesmo de que ela precisasse! Talvez ela precisasse de alguém que falasse para ela que ela estava certa em ficar mal, que ela tinha mesmo que sofrer, que não era para se fazer de forte. Talvez ela só precisasse de alguém para compartilhar essa dor.
Mas antes mesmo que eu pudesse falar alguma coisa, ela soltou do saquinho do chá e pegou a xícara.
"Você ouviu falar de Enny?" Me perguntou logo antes de tomar um gole. Eu só balancei minha cabeça, voltando a colocar a minha xícara na mesa. "Ela está indo para a aeronáutica. Ela saiu do castelo hoje, apesar de que dizem que ela talvez ainda volte."
"Aeronáutica?" Eu perguntei, um pouco surpresa.
"Aeronáutica," Nina repetiu. "Parece que era um sonho dela, que Charles ajudou a concretizar."
Eu tentei imaginá-la de uniforme, mas tudo que eu consegui visualizar era ela de vestido, pilotando um avião.
"E as outras?" Eu perguntei, depois tomei outro gole de chá, como se a xícara entre nós fosse esconder a minha curiosidade.
Eu não queria pensar em mim mesma. Eu tinha ali na minha frente uma menina que tinha praticamente perdido tudo com que ela sonhava. Eu não podia me dar o luxo de ficar preocupada com os meus próprios problemas amorosos. Não quando eu estava em uma posição mil vezes melhor.
Mas eu ainda precisava saber. Enny tinha ido embora, Charles tinha ajudado não só a concretizar um sonho dela, mas a tirá-la do castelo. Eu precisava saber se ele estava eliminando as outras, se ele tinha tomado uma decisão.
"Arya fugiu," Nina falou, só para me fazer arregalar os olhos ainda mais. "Eu tinha te contado, não?" Ela perguntou como se não fosse nada, e eu só balancei a cabeça. "Nossa, desculpa. Mas então, ela estava no hospital porque tinha trombado com o irmão da rainha-"
"Sim, lembro da sua concussão," falei.
"Suspeita de concussão," Nina me corrigiu. "Ele tinha que sair do país por ter dado em cima dela. Charles disse que ela não fez nada, mas ela fez alguma coisa quando resolveu fugir para a Irlanda com ele."
Eu levei uma mão à boca, como se aquela fosse realmente a coisa mais absurda do mundo. Mas era! Era sim, eu nunca poderia imaginar Arya fazendo uma coisa como aquela! Ela era tímida, sempre ficava na dela. Ela não tinha cara de que simplesmente fugiria!
"Eu nunca poderia imaginar..." eu falei baixinho, quase como se pensasse alto.
"Eu também não," Nina disse, sorrindo um pouco de lado. "Mas acho que é o que amor faz, né? Deixa as pessoas loucas."
Na hora em que ela falou isso, seu pequeno sorriso desapareceu e ela se perdeu em pensamentos. Eu precisava fazê-la esquecer daquele assunto, como ela claramente queria. Se ela tinha se esforçado para conseguir pensar e alguma coisa para falar que não fosse sobre ela, eu precisava fazer o mesmo esforço.
Mesmo que a pergunta que corresse dentro da minha cabeça fosse, o que Charles está pensando em fazer?
"E Gregor?" Eu perguntei, pegando-a de surpresa. "Já sabem o que vão fazer com ele?"
Nina deu de ombros. "Tem rumores de que ele será executado, mas ninguém sabe ao certo," ela disse. "Charles não falou mais nada, mas disse que nos avisaria caso uma decisão fosse tomada. O rei acabou de desfazer as castas cinco e quatro, aliás."
Eu ainda estava mais preocupada com o Gregor, mas mesmo assim isso me pegou de surpresa.
"Sério? As duas?"
"Sim," Nina disse. "Sophie acha que foi um jeito de distrair todo mundo do sequestro. Eu acho que talvez seja um jeito de não deixar ninguém falar alguma coisa sobre a decisão de executar o Laeddis."
"Mas você disse que eles ainda não decidiram."
"Eu acho que decidiram. Eu acho que eles só não querem falar," ela deu de ombros, seu olhar ainda perdido pela mesa. "Eu espero mesmo estar errada, eu odeio pensar em alguém sendo executado."
"Eles não podem fazer isso," eu falei, ao mesmo tempo que pensava naquilo. "Isso não faz o menor sentido! Eles não podem simplesmente matá-lo!"
Sem hesitar, eu me levantei, empurrando minha cadeira para trás. Eu não podia deixar que decidissem sem eu falar alguma coisa. Era eu quem tinha sido sequestrada, era eu que conhecia o Gregor. Eu sabia o que ele merecia. Eu não podia deixar que eles decidissem assim.
"Eu preciso ir falar com Charles," disse, começando a me afastar da mesa.
"Como assim?" Nina perguntou e eu me virei para olhá-la. Me doeu ter que deixá-la quando ela estava tão sem vontade de viver. Ela tinha passado todos os dias do meu lado, ela tinha me feito companhia até mesmo quando eu nem estava acordada.
Mas era o Gregor. E não era uma situação comum! Era a vida dele, a vida que tanto me tinha valido. Eu não queria voltar com ele, eu não queria nem o olhar outra vez na minha vida. Mas eu não poderia suportar a ideia de ele parar de existir. Ele tinha que existir. Ele tinha que viver. Eu não conseguiria ter que passar por tudo aquilo de novo, não queria nem pensar em ter que enterrá-lo de novo.
"Eu preciso falar alguma coisa," eu disse, voltando a andar até Nina e a pegando pelas mãos. "Me desculpa, de verdade. Mas eu preciso falar o que eu penso. Eu preciso fazer de tudo para eles não executarem Gregor," eu me agachei na frente dela. "Eu tenho uma voz, eu preciso falar por ele. Mas eu volto, Nina. Eu volto logo, eu juro! E aí a gente pode ficar assistindo filmes românticos e chorando nossos olhos fora, okay?"
Nina franzia a sobrancelha, mas não me contestou. Eu esperei sua resposta, mas ela só concordou com a cabeça. Então a deixei e saí do meu quarto, já mirando o escritório do rei.
Mas eu estava quase chegando na escada, quando Charles apareceu, andando em minha direção. Ele pareceu assustado de me ver, mas eu não tinha tempo de me explicar.
"Vocês não podem matar o Gregor," eu falei, chegando até ele.
"Do que você está falando?" Ele perguntou, me segurando pelos ombros.
"Do Gregor!" Eu insisti. "Vocês não podem matá-lo!"
"Ninguém vai matar ninguém," ele disse, mas eu podia ver que ele só estava falando aquilo para me acalmar. "Gabrielle-"
"Não," eu me livrei de suas mãos dando um passo atrás. "O que vocês vão fazer com ele? Qual vai ser a punição dele?"
A expressão de Charles mudou e na hora eu percebi que ele não queria me falar, mas tão pouco queria mentir.
"É complicado," ele disse, dando um passo em minha direção, enquanto eu dei mais dois para trás.
"Não, é bem simples," eu falei. "Não importa o que ele tenha feito, ele não pode ser executado! Deixe-o em na cadeia o resto da vida, faça com que a sua vida se resuma a caça-palavras e comida de prisão, mas não o mate."
"Gabrielle, você não entende-"
"Não, você que não entende! EU não vou conseguir viver se você o executar, EU que não vou conseguir olhar para você-"
"Será que você pode pelo menos me deixar falar?" Ele me cortou, sua voz tão dura que eu perdi momentaneamente meu foco. Quando o recuperei, pensei em falar mais alguma coisa, mas não o fiz. Só concordei com a cabeça, quase rangendo os dentes por ter sido contrariada.
Charles olhou para os lados e respirou fundo. E então ele me puxou pelo braço e me levou para um quarto perto de nós que parecia estar vazio. Ele fechou a porta e me mirou ali mesmo, me segurando pelos ombros. Eu queria empurrá-lo, mas ele me olhava tão de perto que eu quase me esqueci porque me sentia tão frustrada.
"Ele não será executado por ter te sequestrado," ele disse. "Ele não será executado porque chegou a atirar em mim. Ele será executado, porque ele traiu a organização e foi negligente a ponto de custar a vida de outra pessoa. Não é por sequestro ou por me ferir. É por homicídio, Gabrielle. Não tem nada que algum de nós pode fazer. É a lei da agência de inteligência."
"Tem sim!" Eu insisti, dessa vez sem o empurrar. "Mesmo que não seja por nós, tem alguma coisa que nós podemos fazer!"
"Não tem," ele disse. "Acredita em mim, não tem!"
"Mas tem que ter!" Na hora em que eu falei isso, minha voz deu uma fraquejada e eu senti uma lágrima contornando meu rosto. "Tem que ter! Ele não pode simplesmente morrer! Eu não posso deixá-lo morrer!"
Charles me soltou na hora, se afastando um pouco de mim.
"Não é culpa sua! Ele que tem que arcar com as consequências de suas ações!"
"Não!" Eu gritei com ele. "Ele pode lidar com consequências, mas não isso! Não assim! Por que ele não pode ser julgado? Por que ele simplesmente não pode ser preso?"
"E se ele for julgado e decidirem que ele tem que ser executado?" Ele perguntou, se distanciando ainda mais de mim, andando em direção à cama. "Se um júri de doze pessoas diferentes decidirem unanimemente que ele tem que ser executado, você aceitaria?" Ele se virou para mim. "Seria bom o suficiente para você esquecê-lo?"
"Não!" Eu falei sem pensar. "Não, eles têm que entender o lado dele! Quem julga alguém assim? Quem dá um veredicto desses?"
"Então o que você quer? Você quer um julgamento, mas só se ele acabar como você espera?" Ele marchou de volta na minha direção. "Você não consegue largar dele, não é?"
Foi a minha vez de me afastar dele. "Não é assim-"
"Me explica por que você se sente tão culpada, quando é ele o culpado!"
"Ele não é assim!" Eu falei sem pensar. "Ele não era, não sei."
Eu fui até a varanda, esfregando meu rosto, tentando organizar meus pensamentos, mas era quase impossível.
"E se fosse qualquer outra pessoa?" Ouvi a voz de Charles atrás de mim. "Você aceitaria que ele fosse julgado e executado?"
Eu engoli em seco. Não tinha pensado por aquele lado. E não gostava da resposta.
"Não," eu falei, me virando para olhá-lo. "Mas acho que seria mais fácil de aceitar."
Na hora em que falei isso, Charles levantou as sobrancelhas, rapidamente as baixando e concordando com a cabeça, como se finalmente entendesse. Mas eu tinha medo de que ele entendesse errado.
"Não por ser ele," eu disse, andando até Charles. "Quer dizer, claro que é por ser ele. Ele era importante para mim e eu não quero passar por isso de novo. Não quero ter que pensar nele com alguém que simplesmente não existe mais."
Charles concordou com a cabeça, mas ele evitava me olhar.
"Entendi," ele disse, desanimado.
"Não, Charles, não é assim," eu falei. "Será que você não consegue entender que eu não posso assistir esse destino dele se desenrolar sem me importar? Não consegue entender que ele faz parte da minha história, que mesmo que eu não o queira mais, eu ainda não o desejo mal? É difícil entender isso?"
"É, Gabrielle," ele falou alto do nada e levantou os olhos para me mirar com bastante determinação. "É difícil entender que você se importa tanto assim com alguém que deliberadamente decidiu te sequestrar e trocar a sua vida pela chance de roubar documentos que provavam a culpa dele na morte de um agente inocente. É bem difícil de entender isso."
"Ele é um ser humano!" Eu gritei. "Ele é uma pessoa, uma pessoa que ajudou a me fazer ser que eu sou, por bem ou por mal! Ele tem gostos, ele tem sonhos. Ele comete erros, como todo mundo! Me desculpa se é tão errado assim mostrar compaixão por alguém que é tão humano quanto eu!"
Eu estava sentindo que não ia conseguir chegar a lugar nenhum com Charles, que ele realmente não conseguia me ouvir. Não sabia se era por ciúmes ou o quê, só sabia que ele não tinha ideia do que estava fazendo. Ele não conseguia abrir a cabeça, não conseguia ver o lado de Gregor. Ele não conseguia ver o meu lado. E eu precisava ir atrás de alguém que conseguisse.
"Se você está pensando em ir falar com o meu pai, te garanto que ele concorda comigo," Charles disse enquanto eu me dirigia à porta.
"Que, o quê? Que o Gregor merece morrer?" Eu perguntei, me virando para ele. "Duvido que o rei concorda com isso."
"Eu nunca falei que Gregor merecia morrer," Charles disse, quase batendo o pé. Ele levantou a voz só até ficar com um tom de superioridade que me irritou profundamente. Ele soou como meu pai, me falando pela última vez para me comportar. Mas eu sabia que eu era que estava certa. "Essa decisão cabe à agência, não a nós," ele disse. "E é com isso que meu pai concorda."
Eu senti um pouco da esperança em mim morrer, mas isso só me fez pensar em como Gregor deveria estar se sentindo. "Eu preciso tentar," falei. "Eu não conseguiria viver comigo mesma se eu não tentasse." Eu esperei que ele falasse mais alguma coisa, mas ele só segurava o olhar em mim, ainda determinado com sua opinião. "Eu preciso tentar."
"Não," ele disse, duro. "Você precisa aceitar. Você precisa entender que isso não tem nada a ver com você, que não é você que decide."
"E você precisa entender que se você não me deixar pelo menos tentar salvar alguém que já significou o mundo para mim, então eu prefiro nunca mais ter que olhar para você."
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