Capítulo 111: POV Sophie Abramovitch
Eu sorria. Na minha cabeça, pensava nos mil lugares onde eu preferia estar, quase nenhum deles no castelo. Mas o meu rosto estava calmo e eu só sorria. Sorria e concordava enquanto Amélie falava pela milionésima vez sobre como ela sempre tinha sonhado com aquele casamento, como ela não aceitaria nada além da perfeição. Ela já tinha experimentado todos os vestidos possíveis, achando um defeito em cada um. Eu tentava amenizar, Silvia tinha insistindo que eu e Enny seríamos as melhores naquela tarefa, mas toda a boa vontade que eu tinha em mim estava se acabando. Eu só tinha o suficiente para não me levantar e rasgar a saia de tule que Amélie estava usando naquela hora.
Ela está de pé na frente do espelho triplo do seu quarto, com as mãos na cintura.
"Esse é bonito," ela disse. "Tinha. Bonitinho. Mas eu queria alguma coisa com mais cara de princesa! De realeza mesmo, um vestido mais cheio, que precisasse de mais espaço!"
"Tem aquele, marfim-" Enny se aventurou a apontar para o vestido mais brega lá.
"Argh, PELO AMOR DE DEUS!" Amélie se virou para ela com uma expressão incrédula. "Vou fingir que você não está sugerindo que eu me case com um vestido de vovó!"
Eu diminuí meu sorriso, apesar de mal estar prestando atenção na discussão. Enny do meu lado pareceu encolher com o tom de voz de Amélie.
Essa se virou de novo para o espelho, fazendo um aceno com as mãos para as criadas irem tirar o vestido dela. Eu me apoiei no meu joelho, me perguntando quanto mais daquilo eu teria que aguentar.
"E você?" Ela perguntou, me fazendo endireitar e encontrar seus olhos no espelho. "O que você acha?"
Eu engoli em seco, tentando ganhar tempo. A verdade é que eu não sabia direito como lidar com ela. Eu não sabia o que fazer que poderia agradá-la. Não sabia se elogiava o vestido que ela estava usando, ou se concordava com a Enny. Eu não queria entrar no meio dessa batalha.
"Eu acho que você merece mesmo um vestido mais cheio, que chame mais a atenção," eu falei. E depois acrescentei na minha cabeça, para mascarar sua personalidade, principalmente.
Ou pelo menos eu achava que tinha só pensado isso, pois é se virou de uma vez para mim, espantando suas criadas.
"Como é que é?" Ela perguntou, com as mãos na cintura. "O que foi que você disse?"
Eu olhei para Enny, que parecia mais em pânico do que eu e que não se atreveu a mexer um centímetro. Depois voltar a olhar para Amélie. O que eu poderia falar que consertaria aquilo?
"Eu acho que você merece um vestido que consiga combinar com a sua personalidade," eu falei, sorrindo e rezando na minha cabeça para que funcionasse.
Mas ela não parecia convencida. Ela levantou o rosto, bastante irritada e suspirou.
"Sai," ela disse simplesmente.
"Oi?"
"SAIA," ela repetiu um pouco mais dura. "Eu não preciso de você aqui, não preciso dessa inveja do meu lado," ela se virou de volta para o espelho, mas seus olhos encontraram os meus. "Vai. E manda chamarem May Singer. Eu acho que vou precisar de um vestido sob encomenda."
Eu fiquei paralisada por um segundo, mas ela só olhou para mim, inconformada que eu ainda não tinha me mexido, fazendo uma careta para eu me tocar. Então eu me toquei. Ainda não queria acreditar que tudo aquilo tinha acontecido, mas eu me levantei devagar e andei até a porta. Enny parecia dividir a minha dor, mas também tinha uma expressão de quase inveja. Como se ela quisesse estar em meu lugar, ao mesmo tempo que sabia que era melhor mesmo aquilo não ter acontecido com ela.
Antes de eu fechar a porta atrás de mim, Amélie me chamou pelo nome.
"Ah, não vai achando que Charles não vai ficar sabendo disso," ela disse, se divertindo com sua própria ameaça. "Eu e ele somos amigos de infância, ele confia muito em mim."
Eu concordei com a cabeça e saí.
Eu ainda não sabia direito o que tinha acontecido! Eu podia jurar que eu estava só falando dentro da minha cabeça! Isso que dava tentar se fazer de espertinha! Agora eu podia muito bem ser eliminada e eu nunca teria a chance de mostrar para Charles que ninguém o conhecia melhor do que eu!
Eu parei de andar e fui me encostar em uma janela, olhando para o corredor. Quem eu estava enganando? Todo mundo sabia que Charles escolheria a Gabrielle. Não dava para competir com tudo que eles tinham. Não tinha nem porque tentar. Eu achava que a batalha estava justa, mas eu só estava perdendo meu tempo. Não tinha mais nada para eu fazer ali, a Amélie podia muito bem contar o que ela quisesse para ele. Eu não me importava.
Eu voltei a andar, já na direção da cozinha, mancando bem de leve, agora que meu tornozelo tinha melhorado tanto. Demorei para chegar lá, mas não estava com pressa de atender ao pedido de Amélie, tanto que nem falei com as criadas e os guardas que passaram por mim.
Assim que cheguei nas portas duplas, eu já senti o cheiro de pão quentinho vindo lá de dentro. Não existia horário melhor para eu ter decidido ir lá. Eu empurrei as portas e entrei, sentindo o calor da cozinha me abraçar como um cobertor.
"Foi MÃO!" Eu podia ouvir e ver um cara vestido de cozinheiro falando.
Eu me desviei das criadas que passavam por mim no pequeno corredor de entrada da cozinha e sorri para elas.
"Não foi nada!" Outro cara retrucou. "Ah, pelo amor de deus, ele bateu com o ombro! O OMBRO não é mão! O ombro não aumenta em nada o alcance! E se não aumenta, não é braço! O que você quer? Que ele arranque o ombro para não deixar a bola bater?"
Eu reconheci a voz e meu estômago também, já me deixando nervosa. Mas eu resolvi ignorá-lo e passei andando por trás do cozinheiro, como se eu não soubesse que Gerad estava logo ali. Eu tentei chegar até a sala comum, mas ele me avistou e eu o ouvi chamando pelo meu nome.
"Ei, espera, Evangelique," ele falou e eu tive que me virar para olhar para ele.
"Por favor, nunca me chame de Evangelique," eu pedi e ele só sorriu, parando na minha frente.
"Achei mesmo que teria mais chances de você me ouvir assim," ele falou, satisfeito consigo mesmo. "Como está?"
"Bem," eu olhei para baixo, já me arrependendo de não ter consigo ignorá-lo de verdade. "E você?"
"Estou ótimo," ele disse, me mostrando seus dentes.
"Só isso?" Eu perguntei, sem querer ter soado tão mal-educada.
"Ah," ele disse, meio desconsertado, perdendo seu sorriso. "Eu só queria mesmo saber se seu tornozelo está bem, se tem alguma coisa que eu posso fazer para ajudar."
Eu me senti tão culpada de tê-lo feito desanimar daquele jeito. Mas meu coração estava acelerando em meu peito e eu precisava fazê-lo parar antes que fosse tarde demais. Eu não podia pensar em Gerad. Eu não podia falar com ele. Ele era a o irmão da RAINHA! Eu não teria a menor chance com ele. Eu tinha que saber meu lugar e nem pensar naquilo.
Eu precisava sair dali.
"Está tudo bem," eu disse. "Não tem nada que você possa fazer."
Eu me virei para continuar meu caminho, mas já tinha me esquecido do que eu estava fazendo ali. Eu continuei andando, mirando a sala comum, esperando que a distância de Gerad fosse ajudar.
Mas ele não deixou essa distância se estabelecer, vindo atrás de mim como quem não quer nada.
"E aí, está animada para o grande casamento que vamos ter aqui?" Ele me perguntou, colocando as mãos nos bolsos da sua calça.
Eu me virei um segundo para olhar para ele e eu me distraí de novo, parando de andar. Foco, Sophie, eu repeti para mim mesma. Foco.
"Você não gosta de casamentos?" Ele perguntou, percebendo que eu não ia responder.
"Amo," eu disse sem pensar, assim que passamos pela porta que levava à sala comum. Ela estava quase vazia e bem mais fria do que a cozinha.
"Então que desânimo é esse?" Ele perguntou e eu me virei para olhá-lo irritada. "Ah, você está do lado da selecionada."
"E de qual outro lado eu estaria?" Eu falei, pensando na pobre da Nina que estava confinada no quarto de Gabrielle desde que a notícia tinha saído.
Gerad deu de ombros. Eu tentei olhar em volta para encontrar alguma criada, mas todas que passavam por mim pareciam tão ocupadas, que eu não me atrevi a atrapalhar. Ele deve ter percebido que eu estava um pouco perdida.
"O que exatamente você está fazendo aqui?" Ele perguntou, puxando uma cadeira e se sentando.
Eu fiquei um pouco inconformada com a casualidade dele, esse jeito de achar que nós estávamos ali conversando, como se não fosse nada. Mas apesar de eu estar pensando para mim mesma que aquilo estava errado, que eu devia sair dali e parar de ser LOUCA, minhas mãos fizeram bem o contrário. Elas puxaram outra cadeira do outro lado da mesa de onde ele tinha se sentado.
"Sua irmã," eu falei.
"America."
"Não," eu o corrigi. "May. Amélie quer que ela desenhe seu vestido, já que ela não está conseguindo encontrar nada que a agrade." Eu nem tinha terminado de falar, e Gerad já estava rindo alto, levando uma mão à barriga, como se aquilo fosse a coisa mais engraçada que ele já tinha ouvido em toda a sua vida. "Ei, qual a graça?" Eu perguntei, lhe dando um empurrãozinho.
Assim que eu toquei seu braço, eu percebi como eu queria fazer aquilo de novo. Eu fiquei buscando na minha cabeça ideias de como tocá-lo de novo sem parecer que eu só estava dando em cima dele. Bom, sem dar na cara.
"Ah, é só que a minha irmã vai AMAR a ideia," ele disse, se recompondo. "Eu já consigo imaginar. Ela ama desenhar vestidos de noiva, tem tudo a ver com ela."
Eu franzi a sobrancelha, não entendendo como aquilo era engraçado. Aí que me ocorreu.
"Espera, você está sendo irônico?" Eu perguntei, só fazendo seu sorriso crescer.
"Talvez," ele disse, se divertindo com a minha lerdeza.
Na HORA, eu pensei em lhe dar outro empurrão, mas acabei não fazendo nada além de cruzar os braços na minha frente. Gerad só me olhou, sorrindo de lado, como se estivesse realmente gostando do que via. Eu só não sabia se era eu ou o fato de eu não ter percebido seu sarcasmo de primeira.
Mas eu sabia em qual eu gostaria de acreditar.
"Gerad," a voz do cozinheiro fez com que nós quebrássemos o olhar que mantínhamos e nos viramos para ele, que aparecia na porta da sala. "Aqui está, pão italiano que acabou de sair do forno," ele o colocou entre nós em uma tábua de corte. "E aqui," ele continuou, mostrando a outra cozinheira que vinha logo depois dele, "queijo do reino com um belo vinho Carménère." Ele olhou de Gerad para mim, depois de volta para ele, todo orgulhoso. "Bom apetite."
"Obrigado, Edward," Gerad disse, já se inclinando para o queijo e cortando um pedaço.
Ele estava tão quente, que parecia quase derreter. Por um segundo, eu me distraí com o jeito que a fatia caía do resto do queijo, delicada e quase cinematograficamente. Mas aí a outra cozinheira colocou uma taça na minha frente e começou a enchê-la.
"Espera, eu não falei que queria comer," eu disse, me perguntando se deveria me levantar.
"Não é para você," Gerad falou. "Mas eu adoraria que você me acompanhasse."
Eu desconfiei. Parecia tão perfeito, na hora que eu tinha chegado, ali estava a comida. Mas era verdade que ele não teria tempo de simplesmente inventar tudo aquilo. Como ele saberia que eu estava chegando?
"Eu te faço companhia," eu disse e ele pareceu satisfeito. "Com uma condição."
Ele parou o que estava fazendo e levantou os olhos para mim. "Pois não?"
"Você que vai ter que falar para a sua irmã que a Amélie quer que ela faça o vestido dela," eu disse e ele bufou uma risada. "Estou falando sério."
"Eu acredito," ele disse. "Essa é a pior parte."
Gerad levantou sua taça assim que a cozinheira tinha terminado de enchê-la e eu levantei a minha. Assim que elas se tocaram, ele piscou um olho só para mim, me deixando mais tonta do que o vinho jamais conseguiria.
Eu bebi mesmo assim, era de certo modo reconfortante ter a taça entre ele e eu, um jeito de eu me esconder por um segundo.
Depois ele me ofereceu um pedaço do pão com queijo em cima. Estava tão quente, que o queijo realmente estava começando a derreter. E na hora em que eu dei a primeira mordida, eu não conseguiria lembrar do meu nome. Não era só o gosto, mas o calor que me dava um pouco de segurança, ao mesmo tempo que pânico. Eu senti meu corpo inteiro esquentando e relaxando. Era como chegar em casa depois de uma longa viagem. Era conforto, era perfeito. Eu fechei meus olhos por instinto, deixando o sabor do pão com o queijo misturar com o restinho de vinho na minha boca. Quando olhei de novo para Gerad, eu tinha lágrimas nos cantos dos olhos. Ele, em compensação, só assistia minha reação.
"Bom, não é?" Ele perguntou, sorrindo satisfeito.
Eu tentei falar alguma coisa, mas minha boca queria outro pedaço. Então só mordi de novo.
E Gerad riu, me acompanhando. "Esse é meu queijo preferido," ele disse, parecendo se deliciar tanto quanto eu. "Esse e emmenthal."
"Hm," eu murmurei. "Emmenthal é o preferido de Charles," eu falei. "Ele ama fondue." Gerad recuou sua cabeça um pouco, parecendo meio incomodado. "Que foi?"
"Você não sabe quem eu sou, mas sabe qual é o queijo preferido do Charles?" Ele perguntou, ofendido.
Uh-oh, eu pensei. Sorri de leve para ele, como se pedisse desculpas.
"Eu...eu gosto do, quer dizer, eu era fã dele," eu disse, sem jeito. "Quando era pequena, eu decorava tudo sobre ele."
Gerad concordou com a cabeça de leve, não parecendo muito convencido, mas ainda desanimado. Até que alguma coisa atrás de mim chamou sua atenção. Ele se levantou na hora.
"Gus!" Ele disse, esticando seu braço para apertar a mão de alguém. "Eu não sabia que você já estava de volta."
Eu me virei para encontrar um garoto de cabelos negros e olhos verdes. Ele estava de pé, apertando a mão de Gerad, mas seus olhos caíram em mim.
"Ah, Gus, essa é Evangelique," Gerad disse, só para me irritar.
"Sophie," eu falei, empurrando minha cadeira e me levantando.
"Está bem, Sophie," Gerad se corrigiu. "Eva, esse é Gustave Leger."
"Prazer," o garoto se virou para mim, e eu lhe ofereci minha mão.
Ele a levou aos lábios, deixando-os encostado em minha pele só um segundo a mais do que era necessário, o que me fez perder a pose por um segundo. Mas logo eu respirei fundo, pensando que era uma idiota de me derreter por qualquer cara que me olhasse por mais de um segundo.
Gustave, na verdade, me olhava por bem mais do que um segundo. Ele não parecia conseguir tirar os olhos de mim. Gerad perguntava quando ele tinha voltado, onde estavam os pais dele, mas Gus e ele mantínhamos os olhos um no outro.
Até que ele finalmente quebrou esse olhar e se virou para Gerad.
"Ontem," ele disse. "Meus pais estão em casa com Elsa e Elena. Mas eu vim trabalhar."
"Você trabalha aqui?" Eu perguntei, ainda levemente hipnotizada pela atenção que ele parecia não conseguir tirar de mim, mesmo quando falava com Gerad.
"Gus é guarda," ele intrometeu, e eu pude ouvir em sua voz que ele se incomodava por estar sendo deixado de lado. "Você não precisa ir se vestir ou alguma coisa assim?" Ele se virou para Gus.
"Não," ele disse, sorrindo educado. "Não agora."
"Ah, então se junte a nós," eu falei sem pensar, e ele ganhou um brilho nos olhos, como se já soubesse o que estava por vir, mas que ainda preferia ir devagar.
E eu senti aquele olhar me perfurando. Eu sorri, porque era a única coisa que eu conseguia fazer. E quando nós três nos sentamos, eu arrisquei um olhar em direção a Gerad, que parecia bastante desconfortável. Eu sou uma pessoa terrível, mas aquilo me deixou ainda mais feliz. Talvez eu nunca mais visse aquele Gus na minha vida. Talvez eu só tivesse aquela sua adoração por mais alguns minutos. Mas o efeito que aquilo causava em Gerad era o suficiente para eu querer mais, para eu aproveitá-la. Eu sabia que eu não deveria nem olhar para ele, ele era filho da rainha. Mas isso não significava que ele não podia olhar para mim daquele jeito. Não é?
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top