Capítulo 14

No dia seguinte, Pyrus e eu estávamos andando em direção a uma feira, aonde segundo o maior afirmava que havia vários itens que eu supostamente pudesse gostar. Não estava tão animada, apesar de ser uma experiência totalmente nova. As vezes sinto falta de casa, da cafeteria e da faculdade invés de uma rua em que o sol despeja tudo de si.
Não queria dizer isso ao Pyrus, não queria estragar seu momento. Ele já esteve em vários lugares contra sua vontade por mim, e eu estou em uma grande dívida com ele, mesmo que ele não a cobraria de qualquer forma.
Apenas manti meu silêncio habitual enquanto Pyrus fala sobre várias coisas aleatórias sobre essa feira.
Chegando lá, me deparei com uma clássica feira de artesanatos, era isso o que eu pensava antes de caminhar um pouco mais.
Eram realmente artes, todas feitas a mão com cuidado, algumas já confeccionadas e outras em confecção pelos vendedores naquele exato momento. O cheiro de café e castanhas era o charme naquele momento, o que embelezava ainda mais o lugar.

Pyrus andava rápido, eu o fiz diminuir os passos para que eu consiga admirar as coisas com mais facilidade.

— O que foi, S/N? - Ele olhou para mim.

— Você anda rápido demais, me deixe olhar! - Eu o repreendo.

— Heh, desculpa. - Ele sorriu nervoso ao meu lado.

Segurei firme em sua mão, e apontei para uma barraca na qual eram vendidas diversas pequenas estátuas, mas algo me chamava atenção. Não eram qualquer santos, eu nunca havia visto algo assim antes em toda a minha vida. A quantidade de santos negros era incrível, algo que não temos no Canadá.
Me aproximei da barraca, curiosa. O vendedor usava um chapéu esbranquiçado, quase cobrindo seus olhos, mas com um belo sorriso em seu rosto. Pyrus sorriu enquanto me via observar cada imagem.

— Axé, o que desperta interesse na bela moça? - O vendedor questiona ao Pyrus.

— Bom, ela é estrangeira, está conhecendo o Brasil. - Ele o responde, mesmo que eu não entenda nada que eles dizem.

— Oh, uma estrangeira, você a trouxe no país certo. - O rapaz sorri com bondade.

— Ei, o que são essas imagens? - Eu questiono ao vendedor, e ele incrivelmente me entende.

— São os Orixás, querida. São forças incríveis, e sinceramente, o que me trás vida. - O vendedor misterioso diz.

— Orixás... - Eu repito para não me esquecer. - Pode me explicar um pouco mais?

Assim, o vendedor começa a me dizer uma breve explicação para que seja mais fácil de entender. Ele era bom com as palavras, mesmo estando em outra língua.

— Me diga, querida. Qual te chamou mais atenção? - Ele pergunta

Eu olho para todas aquelas estátuas de Orixás, tentando escolher somente uma, que era algo um tanto complicado. Eram todas perfeitas, uma beleza inigualável. Porém, aquela em específico me chamou atenção. A mulher negra na qual segurava uma espada e um instrumento no qual não sei identificar, vestia uma bela saia avermelhada, seus olhos cobertos pelas franjas da peça avermelhada em sua cabeça.
Apontei para a mesma, logo tirando um breve riso do vendedor.

— A bela Iansã!

— Oh... Iansã.

Pyrus pov

Fiquei observando a garota encantada pela pequena estátua da orixá. Permaneci calado, pois cada informação que S/N conseguisse seria ótima para suas obras. Depois de alguns minutos, a garota acabou comprando a pequena imagem de mais ou menos 15cm da orixá, mesmo sabendo seu significado. Ela saiu contente, sorrindo feito uma criança olhando para a peça em sua mão esquerda, enquanto sua mão esquerda segurava meu braço quando andamos juntos, sem pressa, queria que ela visse cada pedacinho das barracas da feira.

— E aí, você tá gostando? - Eu questiono a garota.

— Eu estou amando! O Brasil é um país lindo, bom, ao menos esse pedacinho sim. - Ela disse.

— Hum... Que bom que você está gostando, meu bem.

Antes que S/N consiga me responder novamente, notei uma garotinha ao meu lado que me olhava de forma profunda e assustada. Ela estava acompanhada de sua mãe, que não estava supervisionando a mesma. Dei um sinal para S/N parar de andar junto a mim, então passei a encarar a garota da mesma maneira.

Ela puxou a saia de sua mãe, aparentemente com medo, apontando para mim e dizendo:

— Mamãe, bicho do mal! Bicho papão! - Ela tenta avisar sua mãe.

— O que foi, Pyrus? - S/N me pergunta, levemente preocupada. - Está assustando a garota!

Mantenho silêncio, logo fiz com que minhas bocas extras supostamente se abram, mesmo estando debaixo de minha pele. A garota se escondeu, com mais medo ainda.

— Ela consegue me ver, S/N. Ela vê a minha verdadeira forma. - Eu digo.

— Pyrus, é só uma criança. Ela deve ter te achado feio e está dizendo que você é um monstro.

— Ei! Podem me chamar de tudo, menos de feio, tá bom?! - Eu cruzo meus braços, olhando para a garota.

— Então como ela estaria te vendo?

— Eu sei lá, ela nasceu bugada. Mas isso é preocupante, ela pode não ser a única que vê isso.

— Talvez aquela idosa de ontem deve ter te visto também. - A garota continua. - Qualquer coisa você pode dizer que é cosplay.

— Não brisa, fia'. Vamos, se não eu vou voar na garganta dessa pirralha. - Eu digo, segurando a mão de S/N e levando-a comigo.

— Mas ela nem fez nada pra você! - A mesma diz.

— E? Eu nem gosto de crianças.

— E você nasceu adulto, por acaso?

Continuamos a andar, tentando desviar o assunto sobre as crianças, mas depois de um tempo, S/N me parou em uma barraca de livros. Suspirei pesado, ela veio para o Brasil comprar livros?! Tem tanta coisa boa para se comprar.

— Bom dia, casal. Estão procurando um livro de qualidade? Eu recomendo todos, hahah! - A vendedora diz. Ela era um pouco mais nova que o último vendedor.

— Humm... Posso ver os seus exclusivos? - S/N a responde.

— Exclusivo? E existe essa? - Eu pergunto a S/N, a vendedora aparentemente não entendeu o que ela disse, então eu traduzo para o português. - Ela quer ver seus livros "Exclusivos".

— Exclusivos? Acho que ela quer dizer aqueles livros mais antiguinhos e difíceis de achar. Sorte que eu tenho alguns aqui na caixa embaixo da mesa. - Assim, a vendedora procura por uma caixa debaixo de sua mesa, ela a levanta e põe encima de sua mesa, abrindo e relevando vários livros levemente empoeirados. — Podem dar uma olhada, me avisem se gostar de algo.

Assim, S/N começou a analisar os livros, um por um. Não sei porque ela estava procurando livros em português se ela não entende essa linguagem.
Foi quando, depois de alguns minutos, ela tirou um livro de lá do fundo da caixa. Ele estava todo empoeirado e tinha um cheiro forte, as páginas levemente rasgadas e manchadas e sua capa envelhecida, era um livro de muitas páginas.

— Ah, esse aí é uma bíblia. É de uma religião antiga, ninguém a cultua mais. - A vendedora diz. — Eu não sei qual é o deus dessa, mas diziam que era quase igual o satanismo.

— Satanismo? Oh... - S/N abre as páginas, assim vendo a caligrafia feita   com tinteiro.

Ela olhava página por página, até que a imagem desse tal deus aparece. Era um demônio de cabelos compridos, não tinha boca, somente uma abaixo de cada um de seus olhos. Uma grande cauda, grandes unhas, grandes chifres e grandes asas. Ele era retratado de maneira violenta, mas com uma expressão serena. E logo abaixo havia a descrição do ser.
Continha tudo no livro, desde a invocação, pactos, oferendas, orações, simpatias, amarrações e tudo mais que esse deus poderia oferecer as seus seguidores.
Mas notei algo estranho, S/N começou a ler tudo o que estava escrito nas páginas em voz baixa, mas... O livro está em português.

— Ei, aprendeu a falar português e não me disse? - Eu olhei para ela.

— Mas está em inglês. - S/N me olha de volta, com um toque de confusão em seu olhar.

— Não, tá em português!

— Você é cego!? Onde tá escrito em português aqui?

A garota quase esfrega o livro na minha cara, eu o pego das mãos dela para analisar as páginas. Realmente, estavam em português.

— Português. - Eu insisto.

— Esse livro é mesmo curioso, se acalmem. - A vendedora nos entreolha. - Sempre recebo turistas de várias partes do mundo, e todos conseguem ler o que está escrito nesse livro, como se cada um lesse o conteúdo dele com sua língua nativa.

— Isso aí é interpretação, minha cara. - Eu olho para a vendedora. - Sei lá, eles só devem ler palavras que se semelhantes as do vocabulário da linguagem deles e tentam achar um contexto com base nas figuras do livro.

— Nada haver, Pyrus! - S/N me olha, enquanto lê uma parte do livro nas minhas mãos.

Eu folheio o livro, olhando para os lados. Percebi a vendedora me olhando de forma estranha, como se estivesse incrédula. Foi uma situação desconfortável, mas já estava acostumado com isso, ser lindo não é uma tarefa fácil.
Tentei distrair a mulher, então a questionei sobre o livro, apontando a entidade desenhada nele.

— Qual é o nome diabão aqui? - Eu pergunto em um tom brincalhão.

— Se o seu nome for Pyrus, ele é seu xará. - A vendedora diz enquanto olha para mim.

— Xará!? - Eu fico surpreso. - Vou levar esse livro, fechou?

Eu coloco uma quantidade aleatória de dinheiro na mesa da vendedora, então passo meu braço por trás de S/N, fazendo-a andar junto a mim para longe daquele lugar.
Ela me olha de maneira confusa, então eu a levo até um local com menos barulho, perto de um rio. Nós sentamos em um banco enquanto eu leio as páginas dos livros.

— Ei, o que você tá fazendo?! - S/N olha para mim, levemente assustada e muito curiosa.

— Esse demônio no livro sou eu! Quero ver o que estão falando de mim! - Eu continuo folheando as páginas. - Isso explica esse lance das linguagens, esse livro não é um livro comum.

S/N olha para as páginas, curiosa.

— Você é considerado um Deus? - Ela fita meus olhos.

— Tem doido pra tudo nesse mundo, S/N. Me consideram como...- Eu sou interrompido quando ela fala na minha frente.

— Deus da sedução? - Ela diz, lendo uma página do livro, rindo e zombando da minha cara.

— É-É... Deus da sedução. - Eu cruzo meus braços, envergonhado.

Ela pega o livro de minha mão e lê uma certa página, já que eu estava muito constrangido para ler em voz alta.
Ela sorria cada vez mais conforme lia, mas parecia bem curiosa com o conteúdo no livro.

— Aqui está escrito que você... Dá sucesso na vida amorosa e sexual dos que fizerem seu pacto. Está certo? - S/N lê, olhando para mim.

— É... Hoje em dia, muitos dizem ser um arquétipo. Mas isso não é importante! Me dá aqui, quero terminar de ler o que aqueles humanos cabeça de ameba da época escreveram! - Eu peguei o livro de volta dela, lendo mais algumas páginas. - Humm.... Falso, falso, mentira, errado, negativo.... Caralho, só tem fake news aqui. - Eu digo, avaliando o conteúdo das páginas.

A garota ri de mim enquanto eu folheio o livro com uma de minhas sobrancelhas levantadas, parecendo odiar o conteúdo dele.
Era como se alguém tivesse escrito uma bíblia inspirada em mim, mas a cada cem informações escritas, somente uma era verídica.
Eu pego o livro, jogando-o no rio atrás de mim. S/N olha para mim, assustada, estão se aproximou da beira do rio para ver o livro afundando, desaparecendo na escuridão das águas.

— É tonteira manter um livro desse. Se eu tivesse escrito um diário na minha adolescência, iria valer a pena. - Eu disse, me levantando. - Bora continuar nosso rolê?

— Aquele livro podia ser vendido por bem mais de 500 mil dólares, sabia? - Ela diz.

— 500mil dólares deve valer quanto? Humm... 5 reais? Hahah! - Eu digo, em um tom de brincadeira, rindo sozinho, pois ela não havia entendido a piada.

— Não pense que vou te perdoar por isso. - Ela diz, cruzando seus braços.

Revirando os olhos, me aproximo dela, pondo meu braço por trás dos ombros dela, a levando comigo para continuar a andar pela feira de artes.

Quebra de tempo

No fim do dia, eu estava me maquinando no camarim do bumbódromo, me admirando no espelho enquanto S/N estava com aquele bosta do humano de estimação da Claryus na arquibancada.
Passando sombra em alguns pontos da maquiagem, para dar um último toque de profundidade, estava tão concentrado que não havia percebido minha irmã de aproximando sorrateiramente atrás de mim.
Em um estalo alto e forte, ela deu um tapa extremamente forte na minha bunda, eu coloquei a mão no lugar pela dor, enquanto ela ri da minha cara.

— Hahahah! Você tem que ver a sua cara! - Claryus mal consegue falar de tanto rir.

— Sua idiota! Pra que isso!?

— Ninguém manda ficar com essa bundona empinada. Você tava pedindo também. - Ela sorri para mim.

— Desde quando uma boa postura é um convite pra uma lapada na bunda?! - Eu estava furioso. - Cunhãzinha...

— Não reclame, você puxa minha cauda toda vez que consegue. - Clary diz, se aproximando de mim, deslizando sua cauda pelo meu queixo com uma expressão debochada. - Você parece meio tenso, Py, o que aconteceu?

— Ah... Não é nada, Clary. - Claramente disfarçando um certo desconforto em seu olhar.

— Não minta para sua irmã. Aconteceu algo entre você e a S/N? - Ela cruza os braços em uma suposta ameaça. - Ela quebrou seu coração? Ah... Ela me aguarda.

— Não, não é nada disso! Eu só... Eu... - Ele se enrola nas palavras, levando sua irmã a ficar ainda mais desconfiada. - Nós saímos para uma feira de artesanatos, e ela acabou... Encontrando um livro... Você sabe qual é.

— A sua demonologia? E o que tem? - Ela levanta uma de suas sobrancelhas.

— "E o que tem"?! Sei lá, já acho que ela não é tão afim de mim mesmo eu sendo um "demônio bonzinho", imagine se ela descobrisse tudo o que eu fiz! - Levemente desesperado, ele arregala os olhos para Claryus.

— Pyrus, acorda, você tá no século vinte e um, que tipo de garota não gostaria de ter um demônio como você ao lado? - Ela ri de seu desespero, e se apoia na mesa atrás de si. - Aliás... Você precisa ser transparente, deixa ela saber seus podres, é passado. Além do mais, você foi um príncipe demônio, ela não deve esperar que você fosse alguém simpático, carinhoso e gentil no passado.

Ele fita os olhos da mesma, mas os desvia não tão seguros, parecendo estar pensativa enquanto olha para o chão, afagando seus próprios cabelos com os braços apoiados em seus joelhos.
Claryus se aproxima, e faz isso por ele, o acariciando gentilmente com suas unhas compridas e afiadas, semelhantes às de seu irmão.

— Eu falei que não era para você se apegar a uma mortal. Entendo sua insegurança, mas pare de pensar nisso. Eu não te reconheço desse jeito. - Ela se refere a forma que Pyrus normalmente age.

— Eu... Não tô me apegando. Só... Tô com um pouco de medo de qual rumo isso vai levar. - Pyrus volta a olhar para sua irmã. - Você sabe, tenho medo de que aconteça o mesmo que aconteceu com o Maboo.

— O Maboo era um babaca, você deveria ter depenado aquele anjo idiota quando teve a chance. Seja otimista, não espere que a sua humana seja como ele. - Então ela para de acariciá-lo, e faz um gesto pedindo pressa, pois o festival estava prestes a começar.

Quebra de tempo

Semanas depois, a rotina no Canadá voltou. Pyrus continuava a exercer seu trabalho como um dançarino, e S/N, sua faculdade e seu emprego na cafeteria, já quase não tinha mais tempo para arte.
Era uma tarde calma e fria de outono, e a garota estava na cafeteria, com seu uniforme nada apropriado ao frio, pois saiu às pressas por ter perdido seu horário depois de uma longa noite saciando a fome por vitalidade de Pyrus.
S/N estava atrás do balcão, pois hoje era seu dia na escala como garçonete. A cafeteria não estava tão cheia como habitualmente, e ficou quieta em um canto até que alguém precise de seu serviço. Esfregando os braços cuidadosamente para esquentá-los, ela olhava para os lados, foi quando alguém familiar entrou na cafeteria. Era um garoto de olhos grandes, mas fitavam os meus com um ódio sem igual. Seus cabelos ondulados e volumosos e sua pele pálida revelava o rosto de Maboo, o que a assusta ao vê-lo na cafeteria, em um lugar que trabalhava há anos e nunca havia o visto ali. Ele se dirigiu ao balcão sem tirar sua atenção da garota, que nunca pensou que estaria com medo de um anjo.

Mas como dito, voltaram a rotina, e era parte dela Pyrus visitar sua garota em seu trabalho todos os dias por sua segurança, e foi o que aconteceu, ele abriu a porta com um sorriso no rosto na direção de S/N, mas ao ver a expressão desconfortável da garota, ele olhou para os lados, e encontrando o mesmo anjo. Eles se encararam de uma forma assustadora, e o clima ficou pesado... O que eles iriam fazer?

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