Capítulo III

         Eram cinco da tarde de domingo. Shawn acordara tarde, já se tinha levantado da cama, tomado banho e comido um pão com fiambre e queijo, e bebido um copo de leite. A sua apresentação na noite passada tinha sido, mais uma vez, um sucesso. Até o momento improvisado em que beijou Chris na bochecha correra na perfeição: "ele é gato", pensava Shawn, soltando um sorriso.
         Shawn morava com a mãe, viúva e sem mais filhos, num pequeno apartamento em Manhattan já muito velho e sujo. A mãe estava desempregada e o único sustento dos dois eram os shows que Shawn fazia. Naquela tarde, Shawn não tinha de se preparar nem ensaiar pois não era dia de atuar, mas algo o deixava nervoso. "Será por causa de Chris?", perguntava Shawn, enquanto via televisão. "Doidices minhas", suspirava.

         Chris Evans tinha dormido pouco naquele domingo solarengo. Não havia livro nenhum que lhe interessasse, não estava com fome, e as caminhadas que fizera tinham-no deixado cansado. Estivera ao telefone com o seu motorista Mark por algum tempo, que queria saber se o empresário estava bem e se precisava de alguma coisa. Evans deixara-o descansado, e Consuelos estaria de volta na madrugada de domingo para segunda.
          Faltavam duas horas para as dez da noite e Chris não sabia o que vestir: os fatos eram demasiado formais mas o resto do closet parecia não ter nada que se aproveitasse. Acabou por pegar numas calças de ganga, uma t-shirt branca e um casaco azul. As horas estavam a passar demasiado rápido na sua cabeça e, de repente, parou em frente ao espelho e ficou a olhar para o seu reflexo "Nem estou mal", disse, penteando o cabelo e dirigindo-se à grande porta de saída.
          No elevador, continuou a arranjar-se e a admirar-se nos espelhos. Lá fora estava uma noite amena e Chris foi até à casa de Shawn. Não sabia se havia de tocar à campainha ou simplesmente esperar, mas dado que não tinha o contacto dele decidiu esperar cinco minutos e de seguida, tocou na campainha.
         - Quem é? - disse uma voz feminina.
         - Chris Evans mas... o Shawn está?
         Fez-se silêncio e alguns segundos depois outra voz respondeu:
         - Já vou para fora.
         Evans voltou a pentear o cabelo e a ajeitar as calças que lhe estavam a enfiar-se no meio do rabo de tão apertadas que eram. Entretanto, a velha porta estridente do prédio abriu-se e o jovem Shawn apareceu com um sorriso no rosto. Vestia uma roupa bem simples e trazia uma pequena bolsa ao ombro.
         - Para que é isso? - perguntou Chris, apontando para a mala.
         - Para poder levar as minhas coisas... vamos?
         Chris continuou a olhar para a mala:
         - Não podias levar isso nos bolsos ou assim?
         O sorriso de Shawn tornou-se logo numa cara de desânimo.
         - Eu tentei ser simpático contigo depois de nos cruzarmos estas vezes todas, convidei-te para irmos sair e estás a resmungar comigo como se me conhecesses?
         Evans soltou os braços como quem se tivesse desistido.
         - Tens razão, desculpa...
         - Vá, é melhor irmos indo - sorriu Shawn e seguiu à frente.
         Os dois seguiram até ao The Ghost num silêncio estranho e constrangedor, sem uma soltarem uma única palavra todo o caminho. Chris ia cabisbaixo e envergonhado, não entendia porque é que tinha feito aquele comentário. Shawn ia com a cabeça levantada, talvez arrependido por ter-se levado pelo impulso de convidar um homem estranho a sair ou por tê-lo beijado a meio do seu show, na noite passada.
         Tinham finalmente chegado ao famoso bar; hoje era noite de vários DJs se apresentarem e pôr toda a gente a dançar. Chris aproximou-se da porta, abriu-a e fez sinal para Shawn entrar primeiro, e este assim o fez. Lá dentro, o estabelecimento estava cheio, e os dois dirigiram-se ao balcão e pediram bebidas.
         - Sentamo-nos aqui? - perguntou Chris, apontando para os sofás néon que ficavam num canto.
         - Sim!
         - Então, gostas do ambiente? - Evans estava a tentar começar uma conversa, visto que tinham estado o tempo todo em silêncio desde que saíram de casa.
         - Sim, gosto de passar aqui a noite com amigos e assim, e tu?
         - Não sou muito de sair à noite - sorriu Chris - mas de vez em quando gosto, faz-me lembrar a época em que andava na faculdade.
         Shawn deu um gole na sua bebida e perguntou:
         - Trabalhas?
         - Sim, tenho uma empresa de vestuário. E tu, trabalhas só como drag queen?
         - Já trabalhei num supermercado mas por enquanto é só drag que faço, é aquilo que gosto.
         Evans tirou o blusão e Shawn apreciou o corpo definido de Chris pela camisola justa.
         - Quando estavas a dar o teu show ontem, reconheceste-me?
         - Sim, vi logo que era o gajo que tinha ficado a olhar para mim no café.
         Chris riu e disse:
         - Desculpa se te intimidei mas agora estamos quites!
         - Não me intimidaste, nada.  Mas estamos quites, porquê?
         O empresário corou e respondeu:
         - Não sei, senti-me intimidado quando me convidaste para vir tomar um copo - de repente, esticou a mão na direção de Shawn - mas foi uma intimidação positiva, estou a gostar de conversar contigo.
         Mendes riu, voltou a dar um gole na sua bebida e perguntou:
         - 'Bora dançar, adoro esta música!
         Chris olhou em redor e murmurou que não sabia dançar.
         - Pára de ser assim, anda - disse Shawn, puxando-o pelo braço. Evans pegou no casaco e seguiram até à pista de dança. - Não tenhas medo, deixa-te levar pela música.
         - Eu nem conheço esta música, Shawn - riu ele, acompanhando o ritmo da batida.
         Shawn aproximou-se mais de Chris, colocou muito devagar as mãos sobre os ombros dele e sorriu.
         - Nunca tinha dançado assim com um homem - disse Evans.
         - Aqui podes fazer tudo o que quiseres. Vá, põe as mãos à volta da minha cintura.
         Ele assim o fez. "You make me feel like I'm living a teenage dream" - ecoa a música no grande bar.

         Já estavam a dançar há quase duas horas quando Chris pediu para se irem sentar. Shawn disse que estava com calor e perguntou se não era melhor irem para um parque que ficava ali perto. "Por mim, pode ser" - disse Evans, e saíram do The Ghost.
         Cá fora, a rua principal continuava movimentada: pessoas de todas as raças e religiões riam e divertiam-se nos bares abertos e à entrada das discotecas. Os dois caminharam devagar até ao parque que ficava a caminho de casa. Decidiram sentar-se num pequeno banco de madeira em frente a uma fonte de água e Chris recebeu uma chamada. Era Mark a dizer que chegava dentro de poucas horas.
         - Desculpa, era o meu motorista.
         - Ele é giro como tu? - perguntou Shawn, a rir-se.
         Evans corou e respondeu com um sorriso:
         - É mais giro que eu.
         - Está uma noite tão agradável - disse Mendes, olhando para o céu.
         - Está mesmo, e às vezes é preciso aproveitar estes momentos mais relaxantes do que estar propriamente a beber numa discoteca e no dia seguinte acordar de ressaca.
         - Uau, essa atingiu-me - riu Shawn.
         - Desculpa, eu também já fui assim portanto não leves a mal.
         - Vais trabalhar amanhã?
         - Ás segundas de manhã tenho sempre folga, e à tarde tenho uma reunião importante.
         Shawn encostou-se suavemente a Chris que se mexeu desconfortável.
         - Estás a gostar desta noite?
         Evans sorriu. Estava verdadeiramente a gostar de conhecer Shawn e ter passado a noite com ele.
         - Sem dúvida - respondeu, aproximando-se de Mendes e colocando o braço carinhosamente à volta dele. - Temos de sair mais vezes. 
         Shawn sorriu e colocou a sua cara na direção de de Chris. Devagar, inclinou-se para o beijar mas Evans recuou.
         - Desculpa... - murmurou Mendes.
         - Não, não, a culpa é minha... desculpa - dizia o empresário, levantando-se - A sério, desculpa, eu é que dei a entender outras coisas... Eu tenho de ir. Foi bom conhecer-te, Shawn. Vemo-nos por aí.
          Shawn estava chocado com o que tinha acabado de acontecer. "Eu sou tão estúpido, ele era hetero e eu achava que ía mesmo acontecer alguma coisa...", pensava ele, enquanto Evans seguia o seu caminho até casa.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top