𝟎𝟎. › OS ESTÁGIOS DO LUTO.
PRÓLOGO.
▫ | OS ESTÁGIOS DO LUTO.
SESSÃO DE TERAPIA GRAVADA #1
2 SEMANAS APÓS O ENTERRO
── 25 de Março de 2015
PACIENTE: Roxanne R. Mallory
PSICÓLOGA: 〓〓〓〓〓〓〓〓〓
HÁ UM SILÊNCIO INICIAL, até que seja ouvido o som de papéis sendo organizados. Em seguida a mulher atrás da mesa começa a rabiscar em algumas folhas, seu olhar atento se mantém nas palavras que está escrevendo na caderneta que tem em suas mãos. Quando ela para, levanta o olhar lentamente até a pessoa que está sentada a sua frente. Um sorriso falsamente amigável cresce em seu lábios, quase semelhante a uma predadora encarando sua presa. Mas ela disfarça bem, esconde qualquer segunda intenções com um olhar suave.
Sua paciente, aquela que a doutora observava, está apreensiva. Sua unhas continuam batendo contra o braço da cadeira de madeira em um som rítmico, não conseguindo para a ansiedade e manter o olhar em qualquer ponto específico por mais de meio minuto. Seu desconforto é notável. As paredes azuis do consultório trazem um contraste com seu semblante caído. Olhos um pouco ejetados e com um tom quase desbotado de rosa, ela parecia ter tido várias noites mal dormidas.
Abaixando a caneta suavemente, a psicóloga cruza as mãos sobre a mesa. Pisca algumas vezes, mantendo um silêncio que perdura e quase se torna maçante e desconfortável. Ela olha brevemente para um ponto atrás da sua paciente, uma análise rápida do relógio atrás da parede antes de pegar o próprio relógio portátil que tem sobre sua mesa e ajeitar o alarme para 1 hora depois. Deixando o objeto de lado, ela oficialmente dá início a sessão.
PSICÓLOGA: Bem, vamos começar. ── Lábios curvados para cima, a voz da mulher é suave, rivalizando com suas expressões simpáticas e apenas isso faz a inquietação das mãos da paciente parar. ── Boa tarde, Roxanne. Eu fico imensamente feliz por saber que você concordou com essa sessão.
ROXANNE: Boa tarde, doutora...? ── Ela procura algo que indique o nome ou o sobrenome da mulher sobre a mesa, mas não acha.
PSICÓLOGA: Apenas doutora.
ROXANNE: Apenas doutora? ── Questiona, franzindo as sobrancelhas.
PSICÓLOGA: Sim. Por certa necessidade de privacidade, meu nome será mantido em segredo .
ROXANNE: Isso é estranho.
PSICÓLOGA: Por que seria estranho?
ROXANNE: Por que não seria? ── Ela ponderou sobre. ── Você está me gravando, gravando tudo o que conversamos e não pode compartilhar sua identidade por causa de alguma merda burocrática que eu não entendo. ── Dá de ombros. ── Nunca vi um psicólogo agir assim antes.
PSICÓLOGA: Primeiro, que tal mantermos qualquer tipo de palavreado inadequado fora dessa sessão, está bem? ── O sorriso gélido está lá mais uma vez, o força enquanto fala. Parece tentar nunca se desfazer da tentativa de simpatia. ── Eu entendo que você esteja com algumas dúvidas, mas é assim que a Igreja do Coletivo funciona. Eu preciso dessas filmagens para analisar você e o seu progresso durante as sessões. Imagine como você vai inspirar várias outras pessoas quando estiver curada?
ROXANNE: Curada? Curada do que? Do luto? É uma doença agora? ── Pergunta, com incredulidade no tom de voz.
PSICÓLOGA: É como se fosse uma não, é? Essa dor dentro de você que sente todos os dias, o vazio que te consome, a culpa. Precisa se curar de tudo isso. E eu estou aqui para te ajudar. Eu e Deus. ── Suavemente, ela continua. ── Quero que encontre seu caminho em meio a perda. Sei que pode alcançar isso.
ROXANNE: Você acredita realmente nisso?
PSICÓLOGA: Eu acredito. Acredito com todo o meu coração e você também deveria. Muitas outras pessoas passaram pelo mesmo que você, Roxanne. Elas estavam quebradas e conseguiram se reconstruir. Sendo supers ou não, todos nós passamos por momentos obscuros nessa vida.
PSICÓLOGA: Eu vou te ajudar a passar por isso, mas, para isso, é necessário que você esteja disposta a sempre me ouvir. ── Quando Roxanne não responde, ela continua. ── E logo você vai ver que, qualquer tipo de dor, pode ser curada. Agora, o que acha de começarmos com um pequeno exercício? Quero que coloque em palavras como você se sente.
ROXANNE: Como assim?
PSICÓLOGA: Eu imagino que... Desde o incidente, você esteja passando por um misto de sentimentos, certo? ── A paciente assente. ── Gostaria que você me dissesse como se sente agora, nesse exato momento. Quero que coloque em palavras aquilo que te resume.
ROXANNE: Bom, você já disse uma delas. Quebrada.
PSICÓLOGA: Você se sente quebrada?
ROXANNE: ... Um pouco.
PSICÓLOGA: E o que mais?
ROXANNE: Eu me sinto cansada também e frustrada. Todo dia eu acordo me sentindo assim. ── Respirou fundo antes de prosseguir. ── Acho que era porque antes eu tinha... Objetivos. E, agora que eles se foram, eu não tenho mais nada.
PSICÓLOGA: Isso não é verdade. Você ainda tem o seu marido. George se importa muito com você.
Roxanne riu.
ROXANNE: George só se importa com uma coisa e é ele mesmo.
PSICÓLOGA: Se ele não se importasse com você, não teria te indicado a Igreja da Coletividade.
ROXANNE: Se ele realmente se importasse, ele estaria aqui.
Silêncio.
PSICÓLOGA: Certo, mas você ainda tem os seus pais, não? Também tivemos a oportunidade de conversar com eles. Paul e Debbie se preocupam muito com você.
O silêncio se prolonga, Roxanne a encara por um tempo indeterminado, sem demonstrar qualquer emoção, a não ser uma leve contração no canto dos lábios. Ela parece cínica.
PSICÓLOGA: Você não tem nada a dizer?
ROXANNE: Doutora, a minha verdadeira resposta está entre um palavrão e uma frase ultra sarcástica. Acho que Jesus não de orgulharia muito se eu dissesse o que eu penso sobre isso.
PSICÓLOGA: Entendo. ── Ela toma nota. ── Então nós temos cansaço, frustração, dor e culpa... Gostaria de adicionar algo mais a essa lista?
A paciente pondera por um tempo.
ROXANNE: Ódio.
PSICÓLOGA: Ódio? ── Ela assente, parece estar mais interessada agora. ── Ódio de quem exatamente?
ROXANNE: A maior parte do tempo? De mim mesma.
PSICÓLOGA: Isso faz parte da culpa, não acha? Você se culpa pelo o que aconteceu e acaba se odiando por isso.
ROXANNE: Pode ser. ── Ela de de ombros, desviando o olhar. A psicóloga toma uma nota uma última vez, antes de olhar para o relógio.
PSICÓLOGA: E o que mais?
ROXANNE: Também sinto ódio por não conseguir fazer nada. ── Continuou a mulher. ── De não conseguir mudar o que aconteceu ou... Provar a verdade.
PSICÓLOGA: E qual seria essa verdade, Roxanne?
ROXANNE: Que aquele incêndio não foi um acidente, foi assassinato. Foi um incêndio criminoso e um super...
PSICÓLOGA: Roxanne, essa não é a verdade. ── A paciente balançou a cabeça em negação. ── Chegamos ao ponto principal pelo qual você está aqui agora. A parte em que você entende que tudo isso é invenção da sua cabeça.
ROXANNE: Não, não...
PSICÓLOGA: Roxanne, você está passando pelos estágios do luto. É normal que a nossa mente invente desculpas, alguma forma de achar um culpado. Mas, nesse caso não há. E, mesmo se tivesse, você acha que vingança é a solução?
Roxanne desviou o olhar, suas mãos segurando fortemente os braços da cadeira, os nós dos dedos estavam ficando brancos. Ela estava a beira das lágrimas, se segurando ao fio de sanidade que lhe restava para não chorar. A psicóloga parecia impassível, nem um pouco surpresa pela reação que sua paciente estava tendo. Tudo indicava que já havia passado por momentos como aquele antes.
PSICÓLOGA: Você está apenas enganando a si mesma e isso não vai fazer essa dor ir embora. ── Disse a doutora. ── Precisa abrir seus olhos para a realidade agora e entender que seus filhos estão mortos.
A mulher mordeu o lábio inferior, mas não foi o suficiente para fazer com as barreiras continuassem de pé. Ouvir aquelas palavras fizeram com as lágrimas começassem a cair. Ela levou a mão as lábios, tentando se conter. A psicológica estendeu para ela uma caixa de lenços de papel, o qual a mulher aceitou sem questionar.
PSICÓLOGA: Nada que você fizer irá traze-los de volta, você compreende isso? Ou afastar o fato de que, talvez, realmente tenha sido sua culpa.
Os olhos de Roxanne se arregalaram.
ROXANNE: Eu-
PSICÓLOGA: Roxanne, você está doente. Muito doente. ── Prosseguiu ela, sem deixar a paciente falar. ── Tão doente que não percebe que todas as pessoas a sua volta só estão tentando te ajudar. George principalmente. Não pode direcionar todo o seu ódio por si mesma a ele, quando você também tem culpa no cartório.
ROXANNE: Você não sabe o que diz...
PSICÓLOGA: Sei exatamente o que estou dizendo, Roxanne.
As duas se encararam por um tempo particularmente longo, a psicóloga parecia satisfeita por ver sua paciente tentar se conter. As últimas lágrimas ainda caíam quando Roxanne trincou o maxilar.
ROXANNE: Eu... Acho que que quero ir embora.
PSICÓLOGA: Bom, nosso tempo está se esgotando mesmo, então preciso falar com você mais algumas coisas antes de finalizarmos essa sessão. ── Deixando a caneta de lado, ela se concentra unicamente na mulher a sua frente. ── Existe muito sobre si mesma que você ainda precisa trabalhar, mas fico feliz em saber que estamos fazendo um progresso. Como eu disse antes, para essa nossa parceria dar certo, você sempre precisa estar disposta a escutar e deixar um pouco do seu orgulho de lado.
PSICÓLOGA: Tudo isso está nas suas mãos e será decidido pelo seu progresso em cada sessão que tivermos. Roxanne Mallory deve estar encarando um precipício agora. É um lugar fundo, vazio e sem volta. Quando ela pular, tudo vai mudar. Você precisa se decidir, vai empurra-la ou salva-la da morte certa?
Há um silêncio que se prolonga até que o corte de câmera mude para o sorriso largo da doutora e foque unicamente nele. A gravação trava antes da finalmente ser encerrada e a tela ficar completamente escura e apenas uma frase aparecer no aparelho de televisão.
FIM DA SESSÃO 1.
﹝💥 • •﹞
❝ DIZEM QUE O LUTO TEM CINCO
ESTÁGIOS: NEGAÇÃO, RAIVA, NEGOCIAÇÃO,
DEPRESSÃO E ACEITAÇÃO. EU QUERO ACRESCENTAR MAIS UM: VINGANÇA. ❞
── CRUELLA.
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