Não tenha medo de voar

Dona Rose estava orgulhosa da mulher que eu havia me transformado.

Eu podia ver isso em seus olhos enquanto a cabeleireira terminava meu penteado, e ela me observava sentada no sofá de couro branco, bem do meu lado.

- Mãe, você vai me fazer chorar e borrar toda a maquiagem. E isso é tão clichê! – falei, fazendo-a sorrir um pouco.

- Mas eu não estou dizendo nada – ela se defendeu.

- Ah, mas eu posso ouvir seus pensamentos: "Minha pequena e frágil criança vai casar e encarar o mundo com aquele idiota convencido".

Isso a fez rir.

- Você não é assim tão pequena. Mas não pode me culpar por ficar emotiva por te perder para aquele idiota convencido.

O dia em que minha mãe e Dylan se conheceram, foi também o dia em que eu mais fiquei nervosa na vida. Minha mãe já sabia da existência do meu namorado do trabalho, claro. Sabia que estávamos juntos há algumas semanas e que eu já o amava. Ele não havia sido meu primeiro namorado, mas era o primeiro que eu levava para um jantar em casa. O primeiro cara importante.

Ding-dong

- Ai meu Deus, mãe, ele chegou! – falei, naquela noite, ao ouvir a campainha. – Por favor, se comporte! E nada de papo sobre netos, pelo amor de Deus!

- Claro, querida, isso nem interessa mesmo. Esse é apenas o maior desejo de 98% das mães, eu entre elas. – Irônica, minha mãe caminhou até a sala e esperou que eu o recebesse.

Respirei fundo, e abri a porta com um sorriso nervoso. Dylan, apesar de disfarçar bem, estava apavorado.

- Oi amor, seja bem vindo ao lar das mulheres Bechamel – falei, para tentar quebrar o gelo. Dylan sorriu, e quando estava prestes a me cumprimentar com um selinho, ele enxergou minha mãe parada logo atrás de mim.

- Ah, olá senhora Bechamel – ele disse, se desviando de mim. – É um enorme prazer conhecê-la. Jules fala muito da senhora.

Depois de retribuir o aperto de mão de Dylan, dona Rose deu um sorrisinho educado.

- Jules? – questionou ela, me encarando como se eu tivesse vendido minha alma ao demônio. Só a minha mãe me chamava de Jules; isso até Dylan aparecer.

- Ah, é, hm. – Ele pareceu constrangido e confuso. – Bem, é um apelido. Eu a chamo de Jules. Ela me chama de Dyl...

E lá estava Dylan sendo completamente idiota e desajeitado. Era algo novo e até engraçadinho, mas eu já estava ficando com pena dele.

- Mamãe, que tal parar de encarar o Dylan como se ele fosse um extraterrestre e pular logo para o jantar?

No jantar, Dylan relaxou um pouco e começou a contar sobre seu envolvimento em vários projetos da empresa; se gabou um pouco por ter sido chamado de "prodígio" na faculdade e ainda falou um pouco sobre seus grandes planos para o futuro.

- Ah, sim, mas um homem tão ocupado e obstinado a fazer tantas coisas, será que pensa em ter filhos? – minha mãe perguntou ainda antes da sobremesa.

Dylan respondera prontamente que sim, ele sonhava em ter pelo menos dois filhos. Ele vinha de família grande e barulhenta, seus pais eram professores e estavam sempre ocupados demais para brincar, por isso ele se divertia e aprendia muito com os irmãos. E sonhava em construir algo assim na sua própria vida.

Depois daquela noite, dona Rose ficou um pouco esquisita. Tornara-se mais reservada e quieta. E eu não sabia exatamente o porquê, e nem se aquilo tinha a ver com Dylan, apesar de ela tê-lo aceitado de braços abertos, e permitido que ele frequentasse nossa casa diariamente.

Algumas semanas depois daquele jantar, minha mãe me propôs um acordo engraçado, e que não pude deixar de aceitar: Durante um final de semana por mês, seriamos apenas eu e ela; onde nós deveríamos fazer todas aquelas coisas que queríamos fazer, mas sempre acabávamos deixando para depois.

E assim foi; durante o que nós chamamos de "Final de Semana Bechamel", nós viajamos de carro pelo litoral, acampamos em uma área rural, bem afastada das luzes da cidade, onde era possível ver o céu mais estrelado do mundo. Nós fizemos aquelas receitas da última página da revista, fizemos maratona dos filmes do James Bond e do Tarantino. Finalmente nos desapegamos de várias roupas, bolsas e calcados, enviando tudo para doação. E no último Final de Semana Bechamel, minha mãe e eu adotamos um cachorro.

Depois de ela escolher seu vira-lata e batiza-lo de Pudim, nós voltávamos para casa com o novo mascote na coleira, caminhando alegre na nossa frente.

- Pudim é muitíssimo simpático e coisa e tal, mas porque de repente, você decidiu ter um cachorro? – perguntei.

- Porque vou precisar de companhia para quando você for embora.

- Eu vou embora? Você está me expulsando de casa, mãe?

- Bem, eu sei que não vai demorar muito para aquele idiota convencido perceber que quer ser seu marido.

- Você é maluca, mãe. Dylan não está com pressa para se amarrar comigo. E eu não vou embora. Você vai ter que me aguentar por mais alguns bons anos, escreva o que eu digo.

Dona Rose apenas riu daquilo.

Três semanas depois, Dylan me pediu em casamento.

Foi então que eu percebi que o Final de Semana Bechamel nada mais era do que uma despedida da nossa convivência diária. Minha mãe resolveu nos presentear com aqueles momentos, que talvez jamais se repetissem, mas que agora estariam para sempre nas nossas recordações.

Minha mãe continuava sentada no sofá de couro, me encarando com um sorriso tranquilo e aquela expressão de "eu sei de tudo", que só as mães têm.

- Mãe, você não vai me perder – falei logo depois que a cabeleireira finalizou meu penteado e saiu da sala, nos deixando a sós.

Minha mãe suspirou, e então disse:

- Filha, você tem estado pronta para enfrentar o mundo há muito tempo. Eu te criei bem, e confio no meu taco, querida. Você vai se sair muito bem lá fora, com ou sem Dylan. Mas eu soube que vocês dois desejavam viver um com o outro naquele primeiro jantar. A forma como ele te ouvia falar, o modo como te observava. A admiração e o respeito que vocês dois compartilhavam. O companheirismo, os sonhos tão semelhantes. Eu soube filha, que era ele assim que o vi passar pela porta. E quer saber? Eu gostei dele, eu sabia que chegaria um momento alguém que conquistaria seu coração, e fiquei imensamente grata por ter sido uma boa pessoa como ele. Então, estou feliz e orgulhosa por você estar indo, minha criança. Por favor, não duvide disso em hipótese alguma.

Eu me sentia agradecida por ter sido criada por uma mulher tão especial como ela. E estava feliz por ter sido criada para o mundo, para ser corajosa e obstinada. Porque agora, eu me sentia pronta.

- Mãe, você nunca vai me perder – eu falei, em um misto de alegria e emoção. – Eu vou me casar hoje, vou enfrentar o mundo amanhã e vou ter que fazer tudo isso sem você do meu lado todos os dias, me dizendo o quanto sou especial, capaz e forte. Eu vou dar o melhor de mim, não vou desistir e vou em busca dos meus sonhos. E vou conseguir realizar todos eles. E sabe por quê? Por sua causa. Eu vou até lá e vou voltar para você, mãe. Eu sempre vou voltar e nunca vou te deixar de verdade. Eu vou te ligar todos os dias, vou te mandar fotos, áudios e vídeos, e vou te atormentar tanto que você vai se encher de mim e ter que desligar o telefone. E a cada passo, a cada conquista, eu vou pensar em você. Então, mãe, eu sei que você é a pessoa mais sábia do mundo, mas você está errada agora. Você nunca vai me perder de verdade.

E antes que nós pudéssemos nos abraçar e chorar, o que teria sido uma cena lastimável e completamente previsível, a organizadora do casamento entrou pela porta como um furacão, nos apressando para o início da cerimônia.

E então, minha mãe e eu estávamos lado a lado mais uma vez. Prestes a caminhar pela passarela no meio dos convidados, a caminho do altar. Eu a encarei, sentindo uma súbita onda de nervosismo e ansiedade, buscando nela aquele olhar encorajador, que sempre me mantinha firme; e ele estava lá.

Minha mãe sorriu para mim e sussurrou "não tenha medo". E eu não tive.

Caminhamos lado a lado pela passarela em meio aos convidados; e Dylan estava lá, me esperando no altar. Com a promessa de todos os nossos sonhos em seu sorriso emocionado. Minha mãe afagou meu braço, me encorajando. Sempre me encorajando a fazer tudo o que eu tivesse vontade. Dizendo-me que eu posso, eu consigo e eu mereço. E agora, ela estava aqui para me dizer com apenas um simples toque: Você está pronta para voar, Julie.

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