The Red Hood Hide The Beast
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Yaaaaay
Como estão bolinhos?
Espero que tenham preparado lencinhos.
Essa aqui é a minha primeira preciosa feita para o projeto GoldenTicketjkm! O tema era releitura e eu escolhi os filmes "A fera" e "A garota da capa vermelha" pra fazer essa one. Se você não assistiu esses filmes, não se preocupe por que eles não tem nada a ver, de qualquer forma!
Capa e banner feitos por Nichu-
Betagem por @ParkSofredora
Sem mais enrolação vamos aos 10k de jikook sendo jikook!
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Sinopse
As lendas contadas em volta da fogueira sobre uma grande fera, que assolava uma pequena vila pelos arredores de Silla, eram assustadoras. Havia sangue, uma besta, incontáveis vítimas - cada uma com uma história de derramar lágrimas -. Entretanto, nada disso importava para Jimin, um jovem cético e descrente que se mudou para a pequena vila em busca da paz que lhe faltava na grande capital.
Sua paz, porém, usava capuz vermelho, tinha uma cicatriz no rosto e escondia um segredo que ninguém jamais descobriu. Ninguém, até o Park chegar.
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CAPÍTULO ÚNICO
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A lareira ardia em brasas, a lua brilhava no céu noturno e o único som vinha do crepitar do fogo, para mim isso soava como uma canção de ninar. A leve brisa vinda da janela deixava o ambiente ainda mais confortável.
Finalmente, paz.
Não havia nada disso na capital, era sempre barulhento. Comerciantes tentando ganhar a vida até o último minuto possível, as casas noturnas tocavam música alta, bêbados pelas ruas, até mesmo a patrulha real tornava a noite mais cansativa do que o dia. Talvez para as famílias de elite não fosse dessa forma, afinal, tinham os melhores terrenos e empregados para atender a porta. Eu estava longe de entender esse tipo de vida, não havia nascido em berço de ouro, também não tinha nenhum parente rico para visitar. Minha família sempre foi humilde, até onde eu sabia.
Na grande capital era difícil sobreviver e permanecer o mesmo - tudo baseava-se em amizades, um péssimo lugar para alguém que não tinha muitos amigos: mestiço, loiro e mais baixo do que a maioria -, por isso, tomei a decisão de me mudar. Teria alguns impostos a mais para pagar ao palácio, mas, esse era o menor dos empecilhos.
O problema, agora, estava nos moradores da pequena vila. Além de extremamente supersticiosos, como era normal dos camponeses, também tinham alguns costumes... estranhos.
Homens, mulheres e crianças estavam sempre olhando para trás, como quem procura por algo, faziam tudo o mais rápido possível, principalmente se estivessem em um pequeno grupo de pessoas. Quando chegava a noite, fechavam portas e janelas, apagavam tochas e fogueiras, como se com isso não quisessem chamar a atenção.
Infelizmente, não tive a oportunidade de perguntar a ninguém o motivo daquilo que os locais faziam com tanta paranóia. No entanto, a pulga atrás da orelha ainda me fazia pensar sobre isso com mais atenção do que de costume.
O que fazia os moradores terem medo? Um animal? Um ladrão? Alguém não tinha pago os impostos para o palácio? Eram múltiplas alternativas, porém com somente uma resposta correta.
Desde a minha chegada, há dois dias, muitos me deram boas vindas, apesar de terem estranhado minha decisão. "Quem em sã consciência sai da capital para viver com a ralé?" - um ahjussi havia me perguntado isso quando notou alguém que nunca havia visto. A visão que os camponeses tinham a respeito da capital parecia ser quase universal: belos rapazes, com as melhores roupas; belas garotas, com lindos vestidos; melhores empregos e maior possibilidade de fazer negócios. Eu não podia discordar que isso era uma grande parte da primeira impressão que se tinha, mas se olhasse uma segunda vez, com toda certeza não seria tão atraente.
Voltei a ler o pequeno livro que havia sido esquecido enquanto tomava chá, retomando a leitura mais uma vez. Era um pequeno conto que já havia lido muitas vezes, mas ainda não havia me cansado, e, acredito que jamais me cansaria.
No entanto, minha leitura foi mais uma vez interrompida quando um rugido alto veio do lado de fora. Soou outra vez e então parou. Levantei-me, deixando o livro de lado, caminhando até a janela aberta.
A vila permanecia em silêncio, deserta, como um vilarejo fantasma. O breu da noite não me permitia ter uma visão muito ampla do lado de fora, assim se tornava difícil de encontrar o animal que estava rugindo.
Seria esse o motivo das pessoas da vila se comportarem daquela forma? Um animal selvagem à espreita? Então por que não chamaram os guardas do palácio?
Essas perguntas não me deixaram dormir, me sobrou apenas observar o teto, imaginando como obteria minhas respostas. Não importa o quanto eu pensasse sobre isso, não encontrava uma resposta convincente ou no mínimo boa o bastante para que explicasse o comportamento dos locais. Tinha o pressentimento de que ninguém que havia visto naquela vila até agora teria uma resposta concreta. Não gostava de ter esse tipo de pressentimento, geralmente isso significava que estava certo.
Na manhã seguinte, os moradores da vila continuavam sua rotina, sempre vigiando ao seu redor, de maneira quase paranóica. Porém, dessa vez havia alguém que não estava ali antes.
Ninguém falava com ele, sequer olhavam em sua direção. Era como se o temessem. O sujeito andava para lá e pra cá com toras de madeira e carcaças de animais. Usava uma capa vermelha, já batida e suja, o cabelo era cortado, o que o tornava ainda mais singular entre os outros.
- O que tanto olha, rapaz? - perguntou-me o ahjussi, sentado em uma pedra enquanto arrumava seus utensílios para pescar no lago.
- Aquele ali, - apontei, com um leve movimento do queixo na direção do sujeito, que agora estava cortando a carne dos animais que foram caçados - quem é?
- Ah! O jovem Jeon! - o ahjussi soltou uma risada de escárnio. - Ele é o caçador da vila, também corta lenha quando o estoque acaba. É o único que tem coragem de entrar na floresta, também é o único que sai vivo de lá! - o velho voltou a rir, exibindo os dentes amarelados.
- Não sei... Algo nele... me intriga, vai além da aparência... - disse baixo, mas foi o suficiente para o senhor ouvir.
- Não perca seu tempo com ele! Não fala com ninguém, é esquisito... - o ahjussi fez um gesto para que eu me aproximasse - dizem que a cicatriz no rosto dele foi feita pelo tigre branco!
- Tigre branco? - perguntei-lhe, em baixo tom.
- O tigre branco que está sempre rondando por essas bandas. Dizem que está aqui há muito tempo, antes dos avós daquelas crianças sequer nascerem - apontou para duas crianças que brincavam com a terra. - Tome cuidado, rapaz! Não deixe portas e janelas abertas, tigres estão sempre famintos! - riu mais uma vez, antes de voltar a fazer o que fazia todas as manhãs.
Olhei na direção do Jeon, agora montando em um cavalo, e assim que subiu, seu olhar cruzou com o meu. Senti um arrepio passar pela espinha. Parecia que seus olhos iriam me comer vivo, no sentido ruim. A linha branca cortava o lado esquerdo de seu rosto, a cicatriz vinha da testa até a bochecha. De fato, parecia ter sido feita por um felino.
Aquilo me deixou curioso, o que o ahjussi disse era mesmo verdade? A cicatriz foi feita por um tigre?
Como se tivesse visto a pergunta em meu olhar, Jeon contorceu os lábios em um sorriso de deboche, então desviou sua atenção de mim, galopando para a direção contrária.
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Não vi Jeon pelo resto do dia, nem no seguinte. Todas as noites ouvia o tigre rugir, às vezes parecia ser longe, outras tão perto que eu podia jurar que estava me esperando do lado de fora da porta. Confesso que fiquei tentado a sair, mas não teria como me defender caso o tigre quisesse me atacar.
Depois de uma semana, vi novamente o moreno, dessa vez estava com o semblante cansado, como se não tivesse tido uma boa noite de sono. Ignorou minha presença, mesmo quando passou por mim. Fingi não ter notado, embora tenha certeza que ele notou que eu estava olhando para suas costas.
O que me fazia observar tanto o Jeon? Por que não conseguia desviar minha atenção dele?
Crianças se afastavam quando o viam, jovens evitavam olhar para seu rosto, porém, toda vez que eu via seu rosto tinha vontade de falar com ele, perguntar seu nome, saber sua história.
- Ah, você não vai mesmo deixar isso de lado, não é? - o ahjussi riu, enquanto tomava soju em sua jarra de barro. - Gosta do perigo, huh?
- Por que ele é tão temido? Só porque supostamente teve um encontro com o tigre?
O ahjussi meneou com a cabeça para os lados, considerando as opções.
- Ninguém nesta vila teve coragem de ver o tigre, talvez o temam por ter sido o único. Talvez... tenham receio que o mesmo aconteça com elas se estiverem envolvidos com o Jeon... - ele fez um gesto vertical pelo rosto, simbolizando a cicatriz.
- Isso é ridículo! - balancei a cabeça.
- Tudo nesta vila é ridículo para qualquer um que venha de fora, ainda mais da capital, meu jovem! Por que acha que todos te olham como se fosse um louco de ter se mudado para cá, huh?
- É, ahjussi, acho que você tem razão. - sorri levemente, quase soltando uma risada.
Pelo fim da tarde, quando todos estavam se recolhendo, me atrasei de propósito. Jeon cruzava pelo centro da vila uma última vez antes da noite cair. Curiosamente, era o mesmo sentido por onde vinha o rugido do tigre. Esperei que ele passasse, fingindo ainda cuidar de algumas ervas medicinais que plantava para exportar para outros vilarejos e à própria capital, como sempre fazia, era a forma que aprendi a ganhar a vida. Sempre precisavam de ervas para fazer remédios, os médicos da cidade estavam a todo momento fazendo pedidos.
Assim que o vi sumir da viela que levava para os limites da vila, comecei a fazer o mesmo caminho que ele, tomando o devido cuidado para não ser descoberto. As poucas casas começaram a ficar para trás à medida que ia andando, restando apenas árvores e arbustos. Segui as pegadas que o cavalo havia deixado no trajeto, no entanto elas paravam no meio do caminho.
Olhei para todos os lados, procurando, mas não havia nada. Nem mesmo algum barulho que fosse.
- Olá? - me senti estúpido no momento que a pergunta saiu de minha boca. O que eu estava fazendo afinal?
- Todos se recolhem ao entardecer, não percebeu isso, novato? - a voz vinha de trás de mim, e, embora eu tenha lutado com todas as minhas forças para não me virar, minha curiosidade se tornou uma traiçoeira.
O capuz vermelho cobria uma grande parte do rosto, eu mal conseguia enxergar muito além do nariz, mas sentia seu olhar sobre mim. No entanto, por algum motivo, eu não queria apenas seu olhar sobre mim, eu ansiava ouvi-lo, ter um momento de sua atenção, então fazê-lo falar me pareceu uma boa forma de tê-la.
- Não tenho motivos para me recolher ao entardecer, sinto muito... - minha intenção de ser irritante não pareceu surtir tanto efeito. Ele sequer moveu um músculo.
- Pois deveria, Jimin-ssi. Ou o tigre pode te estraçalhar. - seu tom tinha se tornado sombrio, principalmente quando pronunciou meu nome. Ouvir o tal saindo por aqueles lábios me deu arrepios, eu só não sabia se eram bons ou ruins.
Deuses, o que estou pensando?
- É mesmo? Sou muito bom com animais, acho que ele não faria isso. - retruquei, ele mesmo estava à mercê do tigre neste momento, já que era tão perigoso assim, porém ele sequer parecia estar assustado ou com pressa. Seus movimentos eram lentos, até sua respiração parecia mais lenta.
- Apenas volte. Se tem algum apreço pela sua vida. - disse o Jeon, antes de se virar, sem se importar se eu o seguiria ou continuaria parado no mesmo lugar.
Quando finalmente botei os pés em casa, o tigre rugiu, parecia realmente muito perto. Esse foi o único som na vila durante toda a noite.
~§~
Fritar o peixe recém comprado para o almoço nunca pareceu demorar tanto. Sequer tinha começado, mas para mim o tempo parecia não passar, tudo por causa da incômoda sensação que não tinha me deixado dormir.
Se há uma fera faminta do lado de fora, por que o Jeon sequer parecia preocupado?
Por algum acaso, seria ele o dono do tal tigre? Não. Era uma ideia totalmente descartável, não era? Ninguém falava com ele, ele também não falava com ninguém. A maneira que agia dentro da vila e a maneira que agiu comigo ontem pareciam diferentes. Na verdade, desde que botou os olhos em mim o comportamento do Jeon parecia mudar, a maneira que seu olhar parecia ganhar mais vida quando seus olhos se encontravam com o meu, diferente do brilho opaco de sempre. Deuses, eu o tinha observado ao ponto de saber até mesmo sua mania de ajeitar o capuz a cada trinta minutos.
Será que ele tinha me observado também? Na noite passada ele me provou que sabe esconder seus rastros.
- Eh, seu peixe vai virar carvão desse jeito, rapaz! - a voz do ahjussi me tirou de meus pensamentos, só então percebi que o peixe já estava quase passando do ponto. - Parece distraído hoje, huh?
- Não sabe o quanto, ahjussi-ah. - sorri, enquanto tirava o peixe da pequena fogueira improvisada para comer. - Está com fome?
- Ah, não se preocupe comigo garoto... - tentou negar, sacudindo a mão.
- Ora, vamos. Tem o suficiente para nós dois. Não gosto de comer sozinho. - sorri, o que fez minhas bochechas espremerem meus olhos, deixando minha visão um pouco embaçada.
- Bem, já que insiste tanto...
- Ahjussi, por algum acaso você sabe onde o Jeon mora? - as palavras saltaram de minha boca antes que eu pudesse sequer pensar sobre.
O mais velho parou para me olhar entre uma colherada de arroz, parecia um pouco hesitante, eu estava quase pedindo para que esquecesse a pergunta mal pensada quando ele finalmente respondeu.
- Ninguém nunca me perguntou isso, jovem. Você é o primeiro que se interessa tanto assim pelo Jeon. Ele mora perto da floresta, onde ninguém tem coragem de morar.
Perto da floresta. Quão perto eu tinha ficado da floresta, na noite passada?
- Oh. Entendi. Ele prefere se isolar, não é? - perguntei, para ter certeza.
- É... - o Ahjussi estava desconfiado, era notável. No entanto, não disse nada mais sobre isso e logo se despediu, caminhando em direção ao lago para pescar.
Não esperei o Jeon passar pela vila dessa vez, fui para casa e tentei dormir decentemente. Com o passar das horas, percebi que estava esperando pelo rugido do tigre. Curiosamente, a única coisa que ouvi foi um ronronar, então mais nada até que finalmente peguei no sono.
Naquela noite, sonhei com o tigre, de tanto pensar no dito, mas não tive medo no sonho, sequer tentei me afastar quando ele avançou, mostrando os dentes e abrindo a bocarra. Naquele mesmo dia, Jeon não apareceu na vila, ao menos eu não o tinha visto em lugar nenhum.
"Jeon"
Eu já estava cansado de chamá-lo de "Jeon" ele devia ter um nome, mesmo que não fosse um costume que as pessoas tivessem nome e sobrenome fora da cidade. Nomes de família estavam reservados aos nobres, então a maioria das pessoas tinham apenas um nome. Passei boa parte da manhã pensando qual seria o nome dele, fazendo combinações com todos os nomes que conhecia. Ao terminar meu trabalho de todo dia, pegando as mudas para plantar e colhendo as que já estavam boas, sequer percebi que estava sendo observado de perto. Muito menos notei por quem eu era observado.
- Você não parece ter medo do tigre, Jimin-ssi. - ele disse, com a mesma calma da noite anterior. O capuz cobria boa parte de seu rosto, ainda que, com a pouca luz do fim de tarde, eu ainda conseguisse vê-lo e até mesmo a cicatriz. Juntei os braços ao corpo, reprimindo a vontade de tocá-la. - Mulheres e crianças já se recolheram e os últimos homens caminham para suas casas, mas você ainda está aqui.
- Como sabe meu nome, Jeon? - desviei o assunto, já cansado da mesma ladainha sobre se recolher. Ele se achava o guardião da vila, ou algo do tipo?
- Algumas senhoras são fofoqueiras, um recém chegado é um assunto e tanto para as moças solteiras... - inclinou a cabeça, o movimento pareceu tão natural... quase... felino... - Não preciso te perguntar sobre como sabe o meu, Dong-il não sabe calar a boca grande que tem.
- O que quer? - cruzei os braços, há alguns segundos eu queria saber mais sobre ele, mas agora apenas desejava socar seu nariz até que ficasse achatado.
- Você me seguiu. Por quê? - seu olhar se tornou penetrante, eu tive a impressão que ele podia ler minha alma. - Responda.
- Por que isso importa pra você? - respondi com outra pergunta, o que o deixou irritado, pude perceber isso ao ouvir sua respiração mais rápida.
- Por que me seguiu? - ele se aproximou, um passo a mais e estaríamos próximos demais até mesmo para respirar. - Não me responda com outra pergunta.
- Por que estava curioso. Sobre você. Está sempre solitário... Isso parece triste. - abaixei o tom de voz, mesmo sem perceber. A essa altura não estava mais encarando os orbes negros do mais alto, e, sim, olhando para o chão terroso, refletindo.
Eu me identifiquei com Jeon. Essa era a resposta que tanto procurei desde que coloquei meus olhos nele pela primeira vez, o porquê de não tirá-lo de meus pensamentos.
- Me faça um favor, deixe as suas histórias tristes para alguém que realmente se importa. - Jeon não me olhava mais, agora eu só conseguia ver parte de seu rosto, ele mirava o horizonte, onde o sol começava a se pôr. - Faça como todos aqui e finja que eu não existo.
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Obviamente não segui as palavras do Jeon, no outro dia, logo ao amanhecer, a primeira coisa que fiz foi seguir a trilha novamente, ver até onde podia ir. Sem interrupções, segui o mesmo caminho por algum tempo, tinha uma pequena cesta nas mãos que já estava pela metade com algumas ervas medicinais que encontrei pelo caminho, quase considerando a ideia de que tinha errado o caminho em algum momento, mas então, embaixo de uma árvore, encontrei a quem tanto procurava. Não consegui ver seu rosto, estava encolhido em volta de sua capa - que parecia ainda mais suja - e parecia dormir.
O que ele estava fazendo dormindo embaixo de uma árvore?
- Ya! - chamei, me aproximando aos pouquinhos, um pouco receoso. - Jeon? - insisti, vendo o outro se remexer, ainda dormindo. Senti minhas bochechas ficarem quentes. O que eu estava fazendo? Deveria deixar ele dormir e procurar o que realmente estava procurando: sua casa.
Mas eu não podia deixá-lo ali, algo em mim não conseguia cogitar a ideia de abandoná-lo. Larguei a cesta que tinha em mãos, me aproximando cautelosamente, como uma criança que tem medo de ser descoberta fazendo traquinagens. De perto, conseguia ouvir o ritmo de sua respiração, mas diferente de antes, não era tão lenta como a primeira vez que troquei palavras com ele, nem acelerada como ontem.
Estava dormindo tão tranquilo que eu quis me estapear por estar atrapalhando seu descanso, mesmo que ele ainda não estivesse ciente de que eu estava ali. Ainda assim, haviam perguntas que não queriam calar. Eu deveria sentar e esperar? Voltar outra hora? Continuar procurando por alguma casa perto da floresta?
Jeon resmungou em seu sono, murmurando qualquer coisa. Sua boca estava entreaberta, ele ainda resmungava enquanto roncava baixinho. A testa estava franzida, como se estivesse confuso com algo. Era... fofo.
Semanas atrás, se me dissessem que pensaria dessa forma sobre Jeon eu provavelmente iria rir muito, no entanto, encontrava-me aqui, olhando-o dormir, observando cada pequeno detalhe de seu rosto, até a grande cicatriz que o marcava. Sequer dei por mim quando fechei os olhos e cochilei, mas Jeon não teve a mesma bondade de me deixar dormir, e me acordou com um grito:
- O que você está fazendo aqui?! - agora ele estava de pé, olhando para mim com a costumeira intensidade que parecia sugar minha alma para seus olhos negros. - Como você chegou aqui?
- Andando, oras. - disse, me levantando e limpando a sujeira do chão de minhas roupas. - Ou você está vendo algum cavalo? - sorri, provocando-o propositalmente. A reação do Jeon foi levantar as sobrancelhas, como se não estivesse crendo que eu estava fazendo uma piada quando eu deveria estar correndo para longe dali.
- O que você está fazendo aqui? - ele perguntou mais uma vez, agora parecia mais bravo do que antes, as sobrancelhas franzidas em irritação.
- Estava colhendo algumas ervas, sabe? Te vi aqui... por que estava dormindo embaixo de uma árvore? Sabe, tem um tigre à solta, ele pode vir atrás de você...
- Me poupe de paranóias. Você não ouviu o que eu lhe disse? - ele fechou as mãos em punhos, claramente muito irritado.
- Ouvi. Eu só preferi ignorar. Mas e então, por que estava dormindo debaixo da árvore? Faz mal para a coluna, sabia?
Jeon não me respondeu, apenas continuou me olhando, já estava quase desistindo por hoje, então vi seu olhar suavizar e seus ombros relaxarem, mas eu estava muito enganado se achava que ele ia ceder.
- Meus parabéns, você me pegou. Agora, por que não volta para a vila e continua sua vida pacata do interior como você sempre quis? Não há nada para ver aqui, não me faça repetir isso.
- O quê? - perguntei, feito um idiota. - Você acha que é quem? Só porque as pessoas têm medo de você acha que pode sair dando ordens?
- Você ainda não entendeu, não é mesmo? As coisas aqui funcionam assim: eu vivo a minha vida e eles continuam vivendo a deles. Não sou parte desta vila, nem serei, pessoas não gostam de quem não é bonito, e para eles eu sou uma aberração! Portanto, só continue colhendo suas plantas e me deixe em paz.
- Me obrigue a me afastar. - cruzei os braços, irritado, batendo o pé no chão. Jeon me olhou com a mesma irritação, talvez até mais intensa, pelo modo como ele respirava fundo e o maxilar estava travado.
- Vá embora!
- Não quero!
- Então fique aqui sozinho! - gritou, se virando para ir embora.
- Posso te seguir! - comecei a andar, seguindo seus passos, ele não respondeu dessa vez, apenas continuou andando, cada vez mais rápido até que percebi que estávamos a passos de entrar na floresta.
Hesitei. Tinha um tigre à solta, entrar na floresta era pedir para ser devorado.
- Com medo? - ele sorriu, me provocando, mas dessa vez eu não quis provocar de volta. Estava mesmo me cagando de medo. - É a última vez: me deixe em paz.
Então ele entrou na floresta e eu não o segui. Suspirei, apertando os olhos, cansado. Por que era tão difícil me aproximar dele? Qual era o problema com ele? Não podia ser só por causa de uma cicatriz! Isso era ridículo!
Voltei para onde estávamos antes, conformado de que hoje não tinha mais jeito. Isso não significava que estava menos irritado, eu ainda queria socá-lo. Peguei a cesta que continuava ali, largada no chão, o vento até mesmo havia levado algumas ervas e agora alguns ramos se encontravam espalhados pelo chão.
Levei algum tempo até juntá-las novamente, e quando enfim levantei para voltar à vila, vi algo que me tinha passado despercebido até então. No topo do tronco da árvore, havia uma casa.
Uma casa na árvore.
Meus olhos se arregalaram com a possibilidade daquela casa ser onde o Jeon vivia. Agora fazia sentido ele estar dormindo debaixo da árvore. Tecnicamente, ele já estava em casa.
Soltei um riso baixo, sem acreditar: o que eu tanto procurava estava bem na frente dos meus olhos.
Voltei para a vila mais calmo, saber onde poderia encontrá-lo me trazia a sensação de que não precisava me preocupar. Pude trabalhar em paz, sem me preocupar em observá-lo a cada momento, tentando decifrar seus passos. Se ele havia passado pela vila, eu não saberia, estava muito concentrado em cuidar dos crisântemos que precisavam ser plantados, além de organizar todas as ervas que peguei pelo caminho. Foi uma longa tarde até que tudo estivesse organizado e pronto para usar caso fosse preciso.
No dia seguinte, não vi Jeon, nem mesmo o ahjussi, então passei a manhã toda arrumando algumas coisas que não tive tempo de arrumar desde que cheguei. Acabei por descobrir um livro que não me lembrava de ter lido ainda. "Coletânea das Flores" estava escrito em hanja com uma caligrafia muito bonita. Fiquei curioso em saber quem o tinha escrito, já que não havia mais nada além de um título e as primeiras páginas continham apenas desenhos de flores.
Decidi que ia começar a leitura hoje mesmo, tanto que comecei a preparar um chá de ginseng. Porém, alguém não estava muito de acordo em me deixar relaxar, e, batia incessantemente em minha porta.
- Já estou indo! - avisei, ainda em tom manso, mantendo a calma. Abri a porta, tomando o cuidado de abrir apenas o suficiente para que pudesse ver quem era. - Você?
- Você conhece remédios, não é? - ele perguntou, a voz sem qualquer emoção que eu pudesse identificar.
- Bem, eu entendo o básico... alguém está doente? - Jeon desviou meu olhar quando nossos olhos se encontraram.
- Pegue alguns remédios e venha comigo. - disse, já se virando, sem esperar uma resposta de minha parte. Eu não deveria estar surpreso por seu comportamento, mas realmente não esperava que logo ele fosse me procurar!
Está certo que posso estar tomando ideias precipitadas sobre ele. Sequer sei o que aconteceu. Talvez fosse uma vítima do Tigre?
- Jeon? O que está acontecendo? Alguém se machucou? - perguntei, mas ele não me deu ouvidos, apenas continuou andando a alguns bons passos a minha frente.
Comecei a ficar preocupado quando vi que estávamos indo para o mesmo lugar onde o encontrei no dia anterior. Logo, ele estava contornando a árvore para subir uma escada que sequer tinha reparado estar ali antes. Era feita com corda trançada e madeira, parecia resistente o suficiente. Subi devagar, mas assim que alcancei o piso também de madeira fui tomado por uma euforia que não cabia ao momento. Era minha primeira vez em uma casa da árvore!
Jeon estava parado na porta, esperando que eu entrasse. Percebi que parecia muito menor vista do chão, já que a casa era bastante espaçosa, tanto que os galhos cresciam em volta dela. Ao entrar tive um pouco de dificuldade por causa da altura do teto e quase bati a cabeça no processo.
No entanto, não tinha ninguém ali, além de nós. Então quem precisava de remédios?
- Onde está o paciente? Ainda vai chegar ou...
Jeon, no entanto, nada disse. Devagar, ele se desfez da capa vermelha que estava sempre usando, assim como o casaco pesado que provavelmente usava quando precisava caçar, já que era de couro. Então pude ver uma grande mancha vermelha na manga da blusa branca que ele usava.
Arregalei os olhos, assustado. Ele tinha entrado na floresta. Aish! Por que insisti tanto?
- Como você fez isso? Digo... como se machucou?
- Um infeliz acidente enquanto caçava. Não é nada grave...
- Quem entende dessas coisas por aqui, Jeon? - cortei-o quando percebi sua estratégia de desviar o assunto com uma desculpa qualquer. Pedi para que ele se sentasse antes que fizesse uma réplica a minha resposta e assim ele fez, puxando uma cadeira do canto, no qual havia uma mesa e um fogão à brasa improvisado. Imaginei que fosse onde tivesse suas refeições, também tinha uma pequena pia, com algumas tigelas ao lado e um grande jarro de barro que provavelmente, servia para armazenar água. Não pensei duas vezes antes de colher um pouco com uma concha de madeira que achei por perto, usando-a para limpar o sangue que já havia secado. - Como você se feriu? - perguntei, enquanto ainda limpava o machucado, com o maior cuidado possível. - Sem desculpas, me diga o que aconteceu...
- Foi uma ursa. Me distraí e ela avançou, mas eu escapei a tempo...
- Céus! Como você diz isso tão calmo? Poderia ter morrido!
Jeon deu de ombros, passando a olhar para qualquer lugar enquanto eu terminava a limpeza do machucado que agora eu sabia ter sido causado por um animal. Enquanto separava as gases que usaria para cobrir o ferimento, fervia algumas ervas que ajudariam na cicatrização. Jeon não falava nada, apenas me observava.
O silêncio estava me matando. Eu precisava falar alguma coisa, fazê-lo conversar comigo, seja lá o que fosse...
Jeon, Jeon, Jeon...
- Qual é seu nome? De verdade? - a pergunta que não queria calar saiu por meus lábios antes que eu pudesse pensar duas vezes.
- Meu nome não importa.
- Importa. Para mim. - tirei as ervas já fervidas do fogo, amassando-as, sendo rápido para que não esfriassem demais. Sem demora comecei a espalhar a mistura pela área machucada.
- Argh! Isso dói! - reclamou, um tanto grosso.
- É porque você ainda não me respondeu.
- O que você espera? Que eu me identifique com você e comece a contar sobre a minha vida? Você anda lendo muitos contos de fadas, isso aqui não é uma história bonitinha, é a vida rea-Argh!
- Resposta errada. Vamos, o que tem demais em me dizer seu nome? Você sabe o meu, mas tudo que sei sobre o seu é a primeira sílaba.
- Não há mais nada que você precise saber. - enrolei seu braço com a gaze, tomando o cuidado de não deixar muito apertado, assim a pele ainda poderia respirar.
- Já que não quer me falar eu vou ter que inventar um.
- O quê?
- Deixe-me ver... é Jeonhyun? Esse parece bom. - disse um dos nomes que eu já havia considerado.
- Nunca vai acertar, então pare de tentar.
- Jeondeok? - ele não respondeu. - Jeonsoo? Quem sabe, Jeondae?
- Chega, Park. Vá caçar suas ervas, eu tenho obrigações para cumprir. - me dispensou, vestindo novamente o casaco pesado de couro e colocando a capa.
- Está bem, Jeonhyun, voltarei amanhã. - recolhi meus pertences. - Não tire, huh? - apontei para o curativo em seu braço - Vai ficar pior se tirar.
Não esperei a resposta do Jeon, passei pela porta e acenei antes de descer pela escada de corda, mesmo que ele sequer tenha me dado atenção.
No momento que botei os pés em minha casa, quis voltar. Eu sentia um mal pressentimento que estava me deixando inquieto. Tinha a ver com ele, eu tinha certeza. Será que se machucou de novo? O tempo estava passando devagar desde que anoiteceu e eu já estava começando a ficar ansioso.
Se saísse agora, correria o risco de encontrar o tigre e ser devorado, mas se deixasse para amanhã, poderia ser tarde... Aquele idiota ainda estava ferido, para completar o pacote! Se ficasse com febre, o machucado poderia ficar pior! Eu não era médico!
Abri a janela, procurando vestígios de que o tigre estava por perto. Engraçado, eu nunca o tinha visto, apenas o ouvia rugir e ronronar, do que estava com medo? A rua estava deserta, não havia uma alma viva, nem mesmo gatos ou cachorros de rua. Parecia até mesmo que os ratos se escondiam.
Me lembrei do sonho que tive com o tigre, eu não o temia no sonho. Por quê?
Não, esta não é a pergunta. A dúvida correta é: por que estou tão temeroso com um animal que nunca vi? Mesmo que eu o tenha ouvido, nunca o vi para confirmar todas as histórias que os habitantes desta vila insistem tanto em sussurrar pelos cantos.
Decidi, por fim, não esperar o amanhecer, logo calcei meus sapatos e vesti um casaco. Apanhei a mesma bolsa que tinha usado mais cedo, os materiais que havia usado ainda estavam ali, então adicionei mais alguns, por precaução.
Abrir a porta nunca me deixou tão tenso quanto nesse momento. Ainda não havia vestígio de tigre nenhum do lado de fora, o que me deixava ainda mais ansioso.
Segui o caminho que havia feito mais cedo com o Jeon, olhando atentamente para os lados, garantindo que não seria pego de surpresa - de certa forma, agora eu entendia o comportamento de meus vizinhos, por mais que achasse paranóia fazer isso em plena luz do dia. A lua estava alta, iluminando, mesmo que precariamente devido às nuvens que a cobriam hora ou outra, boa parte do caminho. Quando vi a casa da árvore, me apressei para subir a escada, mas não estava mais ali. Olhei para cima, mas também não havia vestígios de escada nenhuma.
Jeon tinha tirado a escada? Por quê? E se... não tivesse sido ele?
Todas essas perguntas foram respondidas com um rosnado que arrepiou todos os pelos do meu corpo. Me escondi atrás do grande tronco da árvore, me abaixando e espiando, tentando ver de onde vinha o som.
Era enorme.
Branco, as listras pretas pelo corpo e rosto, as patas com garras afiadas, dentes tão longos que tenho certeza que poderiam me devorar em poucos minutos.
Era... fascinante.
O tigre voltou a rosnar, alto e forte. A cauda balançava de um lado para o outro, agitada. Nada bom.
A grande fera branca continuou andando de um lado para o outro, ainda rosnando. Seria possível ouvir seus rugidos da vila nesse instante? Se estivesse em casa agora, talvez ouvisse a fera rugir, e, dessa vez parecia rugir como nunca antes! Diria até mesmo que estava agonizando.
Numa observação minuciosa do tigre reparei algo que não era comum encontrar em um felino daquele porte: um curativo. Aquele animal tinha gazes apertadas na perna dianteira direita. Aquilo parecia incomodar, já que volta e meia ele tentava arrancar com os dentes.
Jeon tinha se machucado. Eu vim justamente para cuidar de seu ferimento no braço, preocupado com o mal pressentimento de que algo pudesse ter...
Oh.
- Jeon?
O tigre olhou para mim no mesmo instante, abriu a bocarra e rugiu. Com a fera branca me olhando de frente eu pude perceber que seus olhos eram negros, diferente do que sempre dizem sobre os tigres brancos. Eram tão raros que tinham olhos azulados, assim diziam meus pais quando eu era pequeno, reconhecidos como um grande rei dos animais por sua força, independência e coragem, símbolo de poder, perspicácia, astúcia, beleza...
Se não era Jeon, eu não sabia de mais nada. Seria insano, ele não podia ser o tigre, ele era humano, não? Entretanto tudo começava a se encaixar.
Eu nunca o tinha visto durante a noite, ele sempre tinha pressa quando o pôr do sol estava próximo... não teve medo de entrar na floresta.
Por que temeria, se o único perigo era ele mesmo?
- Ei, Jeon... eu estou aqui pra cuidar de você! - tentei manter o diálogo. Deus, o que estava fazendo? A única coisa que ele vai fazer é rosnar e tentar me devorar.
Saí de vez de meu esconderijo, encarando o tigre de frente. Ele rosnou de novo, e tentou me acertar com uma das patas enormes. Com o susto pisei em falso e tropecei, caindo de bunda no chão.
- Jeon! - exclamei - Não vou machucar você! - sussurrei, olhando fixamente nos olhos do tigre, que agora estava a centímetros de mim. Vendo de perto, podia ver quase com perfeição a cicatriz que já me era tão familiar. - Eu... estou aqui para te ajudar, hm?
O tigre parou, apenas me observando, ainda rosnando. Apontei para o curativo apertado, e ele pareceu entender o recado, mesmo que ainda tenha rosnado. Com calma, desfiz o nó que o mantinha no lugar, desenrolando com cuidado. Estava prestes a pegar uma nova para substituir, no entanto, não tinha mais ferimento algum. O pelo estava branco como neve, mesmo no escuro podia-se perceber que não tinha mais nada ali.
- Como isso pode ser possível? - sem pensar nas consequências, agarrei sua pata, procurando o bendito ferimento por entre os pelos. Nada.
Jeon rosnou outra vez antes de puxar a pata, me fazendo cair para trás com a força que puxou e sair andando em direção a floresta. Desta vez eu o deixei ir, sabia que ele voltaria cedo ou tarde.
Eu podia esperar. Esperaria até ter as respostas que me roubavam o sono.
Me sentei embaixo da árvore, no mesmo lugar que tinha visto Jeon naquele dia. Não notei quando caí no sono enquanto o esperava voltar.
~§~
- Se você abrir a boca... - começou Jeon, finalmente falando após um momento de silêncio desde que tinha me acordado e praticamente me arrastado para sua pequena e humilde casa na árvore.
- Não quero que os outros saibam. - cortei-o. - Vou manter isso em segredo, mas...
- Você quer impôr condições? - perguntou, como se fosse um absurdo, me interrompendo.
- Mas, eu quero que me deixe conhecê-lo. - terminei, ignorando sua fala anterior. - Você é solitário demais, não gosto de te ver assim.
- Isso não é sobre você gostar ou não de algo. É tão difícil assim deixar alguém em paz? - ele se virou para a janela, apoiando as mãos na madeira. - Por quê?
- Por que o quê?
- Por que se importa? - virou o rosto para mim, a cicatriz chamando atenção em seu rosto iluminado pela luz da manhã. Foi impossível não me lembrar de vê-la em sua "versão" animal.
- Eu ainda estou procurando uma resposta concreta o suficiente. - foi tudo que respondi, sustentando o olhar de obsidiana em minha direção. Novamente lembrei-me do episódio da noite passada. Como era possível? Agora era humano, sequer poderia dizer que se transformava em uma fera que aterroriza uma vila inteira apenas com um rugido. - Como... isso acontece?
Jeon desviou o olhar novamente, os minutos se passaram e eu já estava conformado que não teria respostas hoje. No entanto, ele me surpreendeu quando respondeu em voz baixa:
- É uma maldição. Todas as noites estou fadado a me transformar em uma grande fera e... fazer coisas ruins. - abaixou a cabeça, envergonhado. Custou-me cada célula do meu corpo não levantar para abraçá-lo, poderia fazer isso se não soubesse que seria rejeitado. - Quando aprenderam o recado as coisas ruins pararam de acontecer...
Não precisei perguntar o que eram as coisas ruins, eu podia imaginar. As histórias que eram contadas ao redor de fogueiras no fim da tarde e pelas tabernas durante o dia todo ajudavam bastante a imaginação.
- Você não fez coisas ruins ontem. Eu poderia ter sido seu jantar... - dei de ombros, ainda o olhando.
- Como chegou à conclusão de que era eu? - perguntou baixo, voltado para perto de mim e sentando-se à minha frente.
- Bem, eu não acho que um tigre saiba fazer um curativo... eu tive um mal pressentimento, queria ter certeza que estava tudo bem com você. A noite é fria e você mora em cima de uma árvore! Podia ficar doente... e também... você é o único que conheço que tem uma cicatriz no rosto.
Jeon não disse nada, parecia em choque: os olhos levemente arregalados em minha direção, os lábios entreabertos estavam vermelhos; eu podia imaginar, quase que com perfeição, sua mania de morder o lábio inferior com os dentes de coelhinho. Ele desviou o olhar do meu e subiu a manga da blusa, revelando apenas a pele branca sem nenhum arranhão de seu braço.
- Isso está incluído no pacote. Vida longa e próspera.
Toquei seu braço, onde antes estava o machucado que tanto me deixou preocupado. Percebi seu olhar sobre mim, mas apenas continuei examinando.
- Ao menos, há algo de bom nisso tudo. - cobri novamente seu braço, recolhendo minhas mãos. Olhei para seu rosto outra vez, que ainda me encarava. Desta vez eu não pude decifrar sua expressão. - Estou curioso...
- Você é curioso demais. - ele desviou o olhar novamente, sorri levemente com a cena. Observando de perto, chegava a ser fofo. - Diga logo e pare de me olhar assim.
- A cicatriz no seu rosto... estou curioso para saber se foi realmente culpa do grande tigre branco - baixei o tom de voz para soar mais misterioso, provavelmente ficou ridículo, mas arrancou um sorriso pequeno do Jeon.
- Na verdade, foi um antigo caçador da vila que tentou acabar com a fera branca. Ele não conseguiu me matar, mas me deixou essa cicatriz como lembrança.
- Oh. - acenei com a cabeça para mostrar que entendi.
- Você não parece se sentir incomodado com isso...
- Sua cicatriz? - Jeon concordou de leve com a cabeça um pouco tímido. Apoiei o queixo em minha mão, apontando para meu olho. - Está vendo meu olho direito? Se você reparar, verá que ele é mais inchado que o outro. Eu bati na casa de banho quando era pequeno e tive que levar oito pontos. Tá vendo? Tem uma cicatriz aqui...
Jeon olhou de boca aberta para mim, até chegou mais perto para olhar. Isso me fez abrir um sorriso que fez minhas bochechas espremerem meus olhos, dificultando minha visão.
- Eu nunca perceberia isso se não me dissesse... - senti o toque de sua mão em meu rosto, ele passou o dedo polegar próximo ao meu olho. Era uma carícia simples, quase me rendi ao instinto de fechar os olhos e suspirar.
O que está acontecendo comigo?
- Mas, como você conseguiu bater o olho desse jeito? - ele fez uma careta, fazendo surgir ruguinhas em seu nariz. Adorável.
- Nem mesmo eu sei! Eu era muito pequeno. - comecei a rir, mal enxergava já que meus olhos estavam espremidos, mas podia jurar de pés juntos que vi Jeon rir fraquinho, quase imperceptível.
~§~
Depois daquele dia, as coisas ficaram mais calmas. Todos os dias conversávamos antes do pôr do sol, mesmo que fosse o básico, assim como todas as manhãs Jeon vinha até mim, pedindo raiz de giseng para fazer chá.
No fim, depois de sua desculpa de que não sabia como colher corretamente a raiz, ele entrava e tomava o café da manhã comigo. A essa altura eu já sabia muito mais sobre ele do que antes, assim como ele também já sabia mais de mim.
Sabia que ele preferia caçar a noite, já que conseguia as melhores presas, por isso cortava a lenha durante o dia. Também recentemente descobri que ele gostava de bolinho de arroz - comeu metade da tigela cheia que havia feito e comeria o resto se eu não tivesse o pegado no flagra.
- Você vai caçar hoje também? - perguntei, bebendo o chá que tinha acabado de fazer. Estava ficando mais frio a cada dia que passava. Observei Jeon, com sua capa vermelha inseparável - disse-me que foi um presente de sua falecida mãe para que usasse quando fosse mais velho, ele gostava muito de vermelho na época -, casaco de couro já surrado e sua camisa larga. Ele podia ser um tigre durante a noite, mas ainda era humano e sentia frio, como todos, e, realmente precisava de casacos novos.
Uma capa nova, também.
- Sim, preciso aproveitar, antes que fique frio demais e os animais se escondam. Não sei quando vou voltar, talvez passe a noite na floresta... - disse, então tomou o chá quente. De uma só vez. - Ah! Quente!
- Cuidado, Jeon! - peguei a jarra de água do outro lado da mesa, servindo um copo e estendendo para ele, que tomou devagar - Tsc, tsc. Apressado. Não viu que estava quente?
- Aish! Por que você...
- Uh? - o encarei, vendo suas bochechas cheias com água e olhar emburrado.
Jeon engoliu a água e riu, eu o acompanhei, mas estava mais concentrado em como ele estava rindo tão leve. Isso fazia meu coração bater forte no peito, em uma combustão de emoções que não sabia identificar.
Será que ele sentia o mesmo? Sentia as mãos suarem logo de manhã quando eu abria a porta já sabendo que era ele? Será que seu coração palpitava no peito quando me via sorrir para ele todas as manhãs? Sorria bobo quando estava sozinho pensando em mim? Será que se lembrava de meus avisos e sermões quando estava caçando ou cortando lenha? Será que lembrava de mim quando voltava para sua casa?
Eram tantas perguntas, mas eu não conseguia colocá-las para fora. Demorei tanto para ter sua confiança, para ter um diálogo decente com ele...
Ainda assim, tudo que sabia era que seu nome era Jeon. Que era mais velho do que aparentava, que sua mãe já tinha morrido, e que sua maldição foi culpa de uma garota obcecada por ele. Era tudo que tinha me contado.
O que ele pensaria se eu dissesse que penso em cada detalhe de seu rosto, de seu jeito, antes de dormir? Que me sinto atraído? Eu seria um obcecado também, ao seus olhos?
Perguntas, perguntas...
Mas nenhuma resposta.
- Jimin-ssi? - o sotaque característico do moreno à minha frente me despertou dos pensamentos que não queriam calar.
- O que foi?
- Você estava olhando para o nada parado aí... - deixou a frase no ar, o par de olhos negros me observando com um brilho triste.
Por que ele estava triste?
- Você está chorando, Jimin... - sua mão grande tocou meu rosto, secando uma lágrima que eu sequer tinha sentido até o momento. - Está tudo bem?
- Só estou preocupado... apenas isso.
- Jimin... - chamou baixinho, parecia tocado, sua expressão mostrava sentimentos que eu não conseguia identificar com a bagunça em minha mente.
Braços fortes e protetores me puxaram para mais perto de seu tronco. Arregalei meus olhos.
Jeon me abraçou.
- Jeon? - foi um sussurro quase inaudível, mas ele ouviu, tanto que me apertou mais forte, enfiando o rosto em meu pescoço, ficando todo curvado para isso. Meu coração deu um salto no peito, o ar ficou rarefeito por um momento, até que se preencheu com o cheiro do moreno.
- Jeongguk. - ele se afastou um pouco, para me olhar. - Meu nome é Jeongguk. - repetiu. - Você já merecia saber há muito tempo, mas eu... não sabia quando falar. Desculpa.
- Jeongguk. É um nome bonito. - sorri, agora sequer me lembrava das lágrimas.
Garoto esperto.
- Não me deixe sem graça... - coçou a nuca, envergonhado, eu apenas sorri e o chamei de fofo inúmeras vezes até que ele estivesse rindo comigo.
Embora meu desejo - e desconfio que o de Jeongguk também - fosse ficar naquela bolha pelo resto do dia, tínhamos nossas obrigações para cumprir, então logo o moreno já estava caminhando em direção à porta com passos lentos.
- Ei! - chamei, Jeongguk se virou - Vou deixar a porta aberta. Não fique vagando por aí. - ele sorriu, assentindo.
~§~
O sol já tinha ido há algumas horas, assim como eu já havia jantado e agora estava esperando um felino nada comum entrar pela porta. Será possível que ele ainda está caçando?
O ranger surdo da porta me fez levantar. Primeiro vi a cabeça branca e preta espiando pela porta, então o corpo grande e cheio de pelos entrar.
- Gguk! - chamei, e logo o tigre veio em minha direção. Visto dessa maneira não me pareceu um tigre assustador, mas sim um grande gato. - Você ficou o dia todo fora, se alimentou? - perguntei, mesmo que ele não pudesse me responder devidamente. Um aceno fraco com a cabeça grande foi tudo que tive como resposta. - Ya! Seu pelo está quentinho, como você consegue? Está congelando lá fora!
O ouvi ronronar baixinho quando acariciei seu pescoço peludo e macio. Imaginei que se estivesse em forma humana, talvez deitasse a cabeça em meu colo e aproveitasse a carícia.
- Está com sono? - perguntei, sussurrando. Um ronronar mais alto foi minha resposta. - Isso é um não? - fiz carinho em sua orelha.
Quem diria, o grande tigre branco se derretendo com uma carícia tão simples.
- Quer ouvir uma história? Eu posso ler pra você. - disse, e o tigre ergueu a cabeça para me olhar, interessado na ideia. Levantei-me, calçando os chinelos e andando até a prateleira onde guardava algumas coisas, entre elas alguns livros.
Puxei o livro que ainda não havia começado a ler e voltei para a cama. Jeongguk então se sentou nas patas traseiras, esperando. Isso me fez sorrir talvez pela milésima vez desde que Jeongguk tinha concedido minha aproximação e se permitido aproximar-se de mim também.
Jeongguk.
Eu queria repetir esse nome inúmeras vezes, apenas pelo prazer de ser o único a saber. Iniciei a leitura do primeiro conto, tendo a atenção de Jeongguk completamente em mim.
Passamos a matar o tempo dessa forma a partir daquela noite. Jeongguk passava as noites ao meu lado enquanto eu lia para ele, diversas vezes ele mostrava interesse no que estava escrito e sua enorme cabeça de tigre acabava ficando apoiada em meu ombro. Quando a noite estava muito fria, nós nos sentávamos perto da lareira e eu o fazia de almofada, aproveitando de seu pelo quentinho.
Por vezes, ele também acabava dormindo, tomando toda minha cama com seu corpo enorme. Felizmente, com a primeira luz do dia, o moreno voltava ao normal e eu podia ter parte da minha cama de volta.
Jeongguk parecia outra pessoa agora. Não era mais o esquisito que não falava com ninguém, agora ele era o esquisito que falava comigo. O moreno também passava mais tempo em minha casa do que na sua própria, até já o tinha ensinado a fazer chá.
- Jimin-ah? - chamou, com as bochechas cheias de bolinho de arroz recém feitos, dessa vez ele tinha me ajudado a preparar a massa. - Você me ensina a ler? - suas bochechas ficaram levemente rosadas - Não precisa ser tudo... é só...
- Ensino. - sorri, e, novamente meus olhos ficaram espremidos por minhas bochechas.
~§~
Eu nunca me imaginei ensinando hanja para um tigre. Muito menos tentando decifrar suas expressões para saber se tinha entendido, felizmente, Jeongguk me dizia suas dúvidas pela manhã.
Ele até arriscou treinar a escrita algumas vezes! Eu estava muito orgulhoso de seu progresso até agora, mais alguns treinos e ele seria capaz de escrever o próprio nome!
Agora, ele estava quase saindo para cortar lenha, lá fora fazia frio, mas teimava em dizer que não sentiria frio. Vamos lá, não é tão difícil, apenas mostre a ele! - pensei, tentando criar coragem para mostrar um presente que havia terminado há alguns dias.
- Espera, Gguk! - chamei-o quando ele já tinha praticamente botado os pés para fora. Recolhi a grande caixa embaixo da cama e a abri, retirando de dentro a capa vermelha novinha em folha que havia levado semanas para fazer. - Eu fiz isso pra você! Sei que nunca terá o mesmo significado da que sua mãe fez, mas...
Jeongguk parou para analisar o tecido escarlate, analisou o gorro, que fora cuidadosamente revestido com algodão por dentro.
- É perfeita. - Jeongguk sorriu, mostrando os dentinhos de coelho enquanto vestia a nova capa por cima das outras roupas, colocando até mesmo o capuz - Mas por que vermelho?
- Ahn... - por que vermelho? Que pergunta é essa?
- Ah! Foi porque te disse que gostava de vermelho, não é? - meio confuso, assenti. - Agora eu não gosto mais tanto assim de vermelho... - Jeongguk tinha um sorrisinho preso no canto dos lábios, que estava me deixando louco.
- Não? - perguntei, entorpecido com a expressão leve e brincalhona em seu rosto - E qual gosta agora?
- Amarelo.
- Amarelo?
- É! Igual ao seu cabelo, Jiminie! - bagunçou meus fios. - Chá de giseng? - perguntou, antes de se virar para caminhar até a porta novamente.
- Com bolinhos de arroz. - assenti, ainda sem sair do lugar, com um sorriso bobo no rosto.
Jeongguk acabou de dizer que gosta da cor do meu cabelo. Ele me chamou por um apelido fofo e bagunçou meus cabelos... o que está acontecendo?
É um sonho! Só pode ser um sonho! Eu estava imaginando coisas! Ele não estava correspondendo aos meus sentimentos, estava? Ele estava apenas brincando, não é?
- Ah! Jimin-ah! - ele voltou, metade do corpo para dentro, já que suas botas estavam sujas. - Hoje eu que irei te contar uma história. - sorriu antes de finalmente deixar minha casa e ir fazer seu trabalho de todo dia.
Jeongguk sabia como me deixar curioso, e agora, tinha a certeza que abusava desse prazer.
Também me ocupei durante o dia, o frio estava tornando difícil para as mudas crescerem, o que obrigou-me a fazer uma estufa improvisada em casa, apenas para as que não podiam faltar. Embora tenha ficado um tanto ansioso o dia todo e quase deixado os bolinhos passarem do ponto tudo ocorreu na mesma rotina de sempre.
Jeongguk chegou reclamando do frio, o que, novamente, foi algo inédito!
- Você está reclamando do frio agora, Gguk? Não era você o "senhor-imune-ao-frio"? - ri, terminando de servir o chá quente.
- É que eu não estava acostumado com o calor... até você chegar...
- O que você quer dizer com isso? - perguntei, direto, antes que minha mente me traísse, colocando dúvidas em cima de dúvidas e mais perguntas sem respostas.
Jeongguk, no entanto, apenas sorriu para mim, antes de se sentar na frente da lareira e me chamar. Levei o chá e os bolinhos, me sentando em sua frente.
- Eu tinha doze quando comecei a ajudar meu pai a cortar lenha. - ele enfiou um bolinho na boca, enchendo as bochechas.
Então, ao que parecia, ele estava contando sua história, hoje. A tão esperada história de Jeongguk.
- Eu não fazia muito, só carregava madeira pra lá e pra cá. Quando criei músculos, foi que finalmente comecei a cortar a lenha. Na minha idade, aquilo era como ganhar um saco de ouro, significava que já era crescido o suficiente para fazer as coisas que os outros homens faziam. Também foi quando as garotas da vila começaram a reparar mais em mim do que antes... acho que essa é a primeira coisa da lista de arrependimentos.
- Você... era um destruidor de corações? - era uma pergunta idiota, mas eu estava começando a acreditar que não tinha mais poder sobre as palavras que saíam de minha boca quando Jeongguk estava em minha frente.
- De certa forma... mesmo que deixasse claro que não seria algo sério... Eu era muito diferente do que você está vendo agora. - Jeongguk suspirou - eu ainda não tinha essa cicatriz, então ninguém me achava uma aberração ou coisa do tipo... - fez um gesto para seu rosto - ... não era tão fechado e muito menos afastava as pessoas de mim. Acho que ainda não me desculpei pelo meu comportamento de antes, não é? - Ele sorriu de lado, os olhos redondos começavam a ficar marejados e ele fungou. - Aish, agora estou parecendo um bebê chorão.
- Você não precisa se desculpar! Eu não fiquei chateado... - toquei em sua mão, apertando-a. Minhas mãos eram pequenas, então não foi difícil para ele cobri-las com as suas. Elas tremiam. - Continue. - pedi, dando um pequeno sorriso.
- Certo. Eu disse que uma garota ficou obcecada em mim, não é? Era a filha mais nova do ferreiro, vivia ouvindo as ladainhas da mãe sobre se casar cedo... lembro que, por mais que eu a dissesse que nunca teríamos algo sério, ela continuava vindo atrás de mim...
" Então ela trouxe a bruxa, disse para todos que se casaria comigo, mesmo que eu negasse a quem viesse me perguntar. Naquela mesma noite, me lembro de estar levando às últimas caças e a bruxa apareceu. Não me disse nada, muito menos respondeu as perguntas que lhe fiz... "
- Todas as noites ainda consigo ouvir a voz dela recitando a maldição... - seus olhos estavam vidrados em nossas mãos unidas, agora haviam parado de tremer.
" Um ano você terá, para encontrar alguém que possa te amar
Caso contrário, uma grande fera para sempre se transformará
Vida longa e próspera terá, até o último pôr do sol chegar"
- Aquela garota nunca soube o que era o amor. Ela não podia quebrar o feitiço.
- Jeongguk... - soltei suas mãos para segurar seu rosto e olhar em seus olhos.
- Ela contratou a bruxa para se vingar de mim, pela minha arrogância e egocentrismo, por não amá-la como ela achava que me amava. Depois que um ano se passou eu não estava levando realmente a sério... mas bastou a noite cair e... aconteceu.
"Nunca me perdoarei por ter machucado pessoas a ponto de quase matar, muito menos de ter feito todos nessa vila serem oprimidos pelo medo. Quando deixei de ser o centro das atenções, percebi como realmente me viam: um lenhador qualquer que mal tinha onde cair morto. Tudo piorou quando percebi que o tempo passava, mas não havia sequer um fio de cabelo branco... comecei a me esconder debaixo de um capuz..."
- Assim como aquele personagem da sua história, Jiminie - limpei suas lágrimas com meu polegar, ignorando as minhas próprias. Ah, Jeonggukie.
" Eu saí da vila por um tempo, até que as pessoas se esquecessem e as crianças estivessem velhas demais para se lembrarem de mim. Não importava aonde eu fosse, sempre acabava voltando para cá... assim como não importava o que acontecesse, eu continuava vivendo."
- Peguei tuberculose uma vez. Achei que finalmente seria o fim, mas depois de duas semanas, estava completamente curado. - seu olhar, que mantinha-se baixo até então, voltou para mim - Quando você me deu um sermão por causa da ursa ter me machucado... você foi o primeiro a se importar com meu bem estar. Nem mesmo... meu pai fazia isso... você não tem ideia do quanto fiquei feliz naquele dia. - suas mãos cobriram as minhas. - Eu estava decidido a seguir com essa vida pacata de caçar e cortar lenha até onde pudesse sem que ninguém soubesse que eu era o tigre, até que vi você...
- E-eu? - arregalei os olhos, incrédulo, o coração palpitando no peito.
- Você. - ele sorriu, fungando, secando meu rosto molhado. - No começo, eu queria distância, confesso. Não estava acostumado a ter ninguém por perto. Perdi minhas habilidades sociais com o tempo...
" Mas você se mostrou tão teimoso em me observar e tentar seguir meus passos, que cheguei à conclusão que era apenas curioso. Eu deixei você me seguir daquela vez, queria te assustar, mas não funcionou. Tive medo que, durante a noite, o tigre te atacasse... "
- Mas não atacou. - disse, segurando sua mão. - Nem quando você se machucou, nem agora.
- Foi a primeira vez que controlei o tigre - seu olhar estava fixo no meu, as orbes negras agora tinham um brilho que nunca notei estar ali antes. - Você foi a primeira pessoa que não temeu chegar perto de mim, que... não me desprezou pelo meu rosto... você ficou, Jimin. Cuidou de mim quando me machuquei, leu para mim de madrugada... você me deu um motivo para continuar. - Seu rosto estava perto. Muito perto. Mais alguns centímetros e eu poderia sentir sua respiração em minha bochecha. - De alguma forma que não sei explicar, eu não consigo me sentir feio perto de você.
Meu coração já martelava no peito, as mãos suavam, meus pensamentos já não se encontravam mais em linha reta. O que ele iria dizer a seguir? O que faria? Eu devo falar como me sinto? Ele disse que precisava encontrar alguém que o amasse... ainda funcionaria? Depois de todos esses anos? Eu poderia acabar com seu tormento? O que eu deveria fazer? Por que ele está chegando mais perto?
- Em 100 anos, eu nunca vi ninguém sorrir para mim como você sorri. Nunca ninguém me ensinou a ler como você fez. Em 100 anos... - sua testa encostou-se na minha. - Eu nunca senti meu coração bater tão forte quanto todas as vezes que vejo você.
Suspirei, de repente o ar me faltou, minha boca ficou seca. Suor escorria de minha nuca e estava fazendo quinze graus negativos lá fora.
- Eu... nunca senti algo tão forte assim antes, Jimin-ah, mas... eu acho que amo você.
Esse foi o estopim: não pensei, apenas agi. Fechei meus olhos e dei fim a pouca distância que ainda havia entre nós, selando meus lábios com os de Jeongguk.
Não houve movimento, era apenas o toque casto de nossos lábios, entretanto, não diminuía a intensidade do que significava. Era como sanar uma necessidade que só se sabe que tem quando não está mais ali.
Jeongguk sorriu entre nosso selar, isso me despertou e logo afastei meus lábios dos seus. Sequer percebi que estava segurando a respiração.
- Eu tive medo que você me achasse um obcecado também... - confessei, ofegante. O olhar de obsidiana fixo no meu - então preferi guardar para mim. Jeongguk, eu não posso dizer que acho que te amo, por que eu tenho certeza há muito tempo. - minha voz estava entrecortada pela respiração ofegante, meus olhos analisavam cada centímetro do rosto do moreno, procurando decifrar sua expressão.
- Onde você estava esse tempo todo, Jimin? - foi sua última pergunta antes de me puxar para um beijo.
~§~
Já era noite.
Jeongguk estava sentado ao meu lado na casa da árvore, olhando para o céu. Ali, enquanto o moreno contemplava a beleza da noite estrelada, eu colocava os pensamentos em ordem. Desde que o sol se pôs Jeongguk tinha ficado nervoso, esperando pela mudança que não veio.
Eu estava feliz, tanto por ele quanto por mim, afinal, também desejava que a maldição de Jeongguk tivesse um fim. Saber que era a razão de sua liberdade me deixava sem estruturas! Eu ainda estava eufórico, tanto que a qualquer momento poderia explodir.
- Me sinto estranho. Acho que passei muito tempo sendo um tigre. - disse o moreno, desviando o olhar para mim.
- Deve estar sentindo falta de seus pelos, tenho certeza. - impliquei, segurando o riso.
- Os pelos que você adorava fazer carinho! - emburrou-se, cruzando os braços.
Gargalhei, caindo para trás, segurando a barriga. Gguk logo me acompanhou, também se deitando no chão de madeira a alguns metros do chão.
- Agora entendo porque escolheu uma casa na árvore. - olhei para o céu, observando as estrelas e a lua. Tinha a impressão que, se esticasse o braço, poderia tocá-las.
- Jimin...
- Hm? - virei meu rosto para o do moreno, que agora parecia preocupado. - Acha que... aquilo vai voltar a acontecer, algum dia? Digo... e se for temporá-
- Shh. - calei-o, colocando o indicador sobre seus lábios. - Não vai, maldições não chegam atrasadas.
- É só que... e se acontecer? E se eu estiver no meio de pessoas inocentes? Eu...
- "Se" não significa que é, Ggukie. E, se acontecer, eu vou estar ao seu lado.
Ele sorriu, entrelaçando meus dedos miúdos com os seus finos e elegantes. Ficamos assim por um tempo, apenas nos olhando entre palavras mudas. Não havia necessidade de falar quando tudo estava tão explícito em nossos olhos.
- Oh. Está nevando, hyung! - exclamou Jeongguk, apontando para cima. - É a primeira neve deste ano.
- Dizem que quando se assiste a primeira neve com seu par, todos os seus desejos serão realizados. - comentei, apertando sua mão.
- Os seus já foram realizados, hyung?
Estava pensando na resposta quando finalmente notei a maneira que ele estava falando.
- Você me chamou de hyung! - me sentei, cruzando as pernas e apontando para ele como uma criança.
- Oras, você é o hyung aqui! - ele riu, exibindo os dentinhos de coelho. - Eu tinha 22 quando tudo aconteceu, você é dois anos mais velho.
- E você diz isso como se estivesse falando do tempo? - tentei parecer bravo, mas não deu muito certo, visto que Jeongguk apenas riu ainda mais, como se fosse uma verdadeira criança. - Nossos vizinhos vão ficar loucos quando nos virem agindo assim! - ri, imaginando a cena. Seria mesmo engraçado vê-los completamente confusos em ver que agora ele moraria comigo na vila e que éramos realmente próximos. - Você... está bem com isso, Jeonggukie? Digo, se mudar comigo para a vila.
Jeongguk se manteve em silêncio por um momento, antes de assentir e sorrir.
- Aprendi com você que não importa como os outros olham para nós, o que importa é como nós nos vemos. Estar junto de você me fez uma pessoa melhor, hyung, e eles não tem nada a ver com isso. Se me detestam eu não me importo, o único que me importa é você.
Sorri, tocado, abraçando-o e enterrando minha cabeça em seu peitoral. Mesmo que não tivesse mais todo aquele pelo quentinho, ainda conseguia sentir seu calor.
- Jeongguk?
- Hm?
- Meus desejos já foram realizados. E os seus?
- Desde que você esteja ao meu lado, eles sempre se realizarão, Jimin-hyung.
~§~
Fim
• 🌙 •
Kyaaaaaaaaaa
E ai????? Gostaram, bolinhos?
Quanta coisa aconteceu com o JK, né?
Tadinho do pitico 😢
Me deixem saber se vocês gostaram da fic, me deixem saber o que não gostaram, me deixem saber se vocês querem uma continuação ou se já tá bom!
E não deixem de dar sua estrelinha se você gostou! Sejam uns bolinhos e deixem essa bolinho feliz!
Até a próxima bolinhos!
• 🌙 •
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