Vida normal

Olá pessoas!

Que saudade que eu estava de escrever... Que saudade que eu estava de vocês! De conversar com vocês nos comentários. Mds, não sei como eu sobrevivi com essa abstinência!

Só quero que saibam que meu plano é escrever o máximo que der, durante todas as minhas férias. Vamos ver o que sai durante esse tempo. Espero que gostem da história.

Vlw! :)

Boa leitura.

....

Ela olhou para o espelho do pequeno vestiário; para a mulher de bochechas avantajadas que também olhava para ela. Por mais que já estivesse acostumada com a metamorfose, sempre era desconfortável não se reconhecer no reflexo. Tinha a impressão de que a qualquer instante a imagem no espelho iria agir por conta própria, como se fosse realmente outra pessoa.

Estava apenas de roupas íntimas e em suas mãos pendia um uniforme branco. Nada na imagem do espelho lembrava a verdadeira identidade de Camila. Os cabelos lisos e negros, o rosto redondo e o quadril largo davam a ela um ar mais delicado, de uma mulher de vinte e poucos anos.

Vestiu o uniforme e calçou as sapatilhas também brancas. Depois, amarrou o cabelo em um coque bem alinhado e olhou uma última vez no espelho, certificando-se de que estava impecável para seu primeiro dia de trabalho. Tentava se acostumar com a nova aparência, quando ouviu três leves batidas na porta do vestiário.

- Senhorita Poliana, está pronta?

Camila expirou e abriu a porta, dando de cara com uma senhora de sorriso amarelado.

- Estou sim. - disse com um tom animado, que fez o sorriso da senhora abrir ainda mais.

Camila analisou a mulher que, de acordo com as informações bordadas em seu uniforme, era a enfermeira-chefe do sanatório. Parecia ser uma boa pessoa, dedicada ao trabalho.

- Ótimo. Vamos, eu vou te apresentar o jardim. - ela disse, enquanto se dirigia porta afora. Camila a seguiu. - Bom, como seu trabalho aqui será apenas de monitoramento dos pacientes durante o momento de descanso, não acho necessário te apresentar a ala dos quartos no primeiro instante. Você vai acabar conhecendo tudo com o tempo. - elas atravessaram a recepção e caminharam por um corredor que terminava em uma pequena escada de frente para um jardim amplo, repleto de árvores e bancos, nos quais vários pacientes aproveitavam a tarde em seus afazeres. Alguns pintavam, outros senhores tocavam violão e flauta, e diversas senhoras faziam crochê enquanto conversavam normalmente em uma roda de amigas. - Aqui está. Seu local de trabalho.

- É...

- Aconchegante, não? - A senhora completou a frase, como se já esperasse que ela dissesse isso.

- Sim. - Camila fingiu surpresa, disfarçando o fato de já ter estado ali uma vez.

Contudo o lugar era realmente aconchegante. A brisa úmida do verão soprava devagar, balançando as copas das árvores em um movimento pendular que acalmava o espírito. Um casal de joões-de-barro cantava ao longe e o calor do sol começava a produzir nuvens algodonosas, típicas formadoras de tempestades.

Junto aos pacientes, cerca de quinze técnicos em enfermagem faziam suas tarefas. Não parecia ser difícil; Camila podia muito bem se passar por uma profissional da área.

- Não é nada muito pesado. - a enfermeira-chefe continuou, enquanto descia a curta escada. - Irei te passar uma lista com alguns pacientes que você ficará a cargo de lembrá-los a hora do remédio. No mais, você fará campainha, medirá a pressão de alguns que são hipertensos e é isso... - ela sorriu. As duas andavam pelo jardim; se aproximavam do flamboyant ainda florido, onde o grupo de mulheres fazia crochê. - Nada que você não consiga fazer. Digo, por ser recém formada.

- Sim, sim... Acho que dou conta do recado.

Camila observou as mulheres na roda de conversa, ao mesmo tempo que tentava dar toda a atenção possível para a senhora que acompanhava, e lá estava ela. Seu alvo naquele lugar agia calmamente enquanto focava seus olhos na agulha e no pano em suas mãos e sorria ouvindo o que as outras mulheres diziam. Estava serena, demonstrava sanidade. Sequer recordava a mulher descontrolada e paranóica que havia conversado com Camila e os outros algumas semanas atrás.

- Senhorita Poliana, quero que saiba que não costumamos contratar recém-formados, mas eu fiz uma exceção pra você. Fui com sua cara. - o sorriso de dentes amarelos estava sempre presente no rosto da enfermeira. Ela percebeu para onde Camila olhava. - Você vai adorar conversar com elas. São tão animadas! - a senhora observou as horas no celular. - Bem... Tenho muita coisa pra fazer. Vou te deixar aqui, tudo bem? - Camila assentiu. - Aproveite pra se aproximar dos pacientes, eles gostam de criar amizade com os cuidadores. Adoram contar histórias de seus passados.

- Ótimo! - Camila riu, olhando para a jornalista sentada logo a frente. - Eu adoro ouvir histórias.

...

- Meus Deus, alguém tá gravando esse momento único?! - Mônica exclamou, tentando se sobrepor ao volume do motor a sua frente.

Ao seu lado, sentado na na varanda da antiga casa junto a ela, Léo também desfrutava da situação como se assistisse a um filme de comédia.

- Verdade, isso precisa ser registrado! - ele retirou o smartphone do bolso e começou a filmar seu amigo.

Pedro desligou o cortador de grama e fitou os dois na varanda.

- Hei! - o garoto não estava contente com a situação; começou a espalmar a roupa, que havia sido tomada por grama e carrapichos, na tentativa de amenizar a vergonha que passava. - Merda de carrapichos... Merda, merda, merda! - zunia enquanto dava tapas em sua bermuda e percebia que não estava surtindo efeito.

Mônica gargalhou.

- Tem mais mato em você do que no chão. - zombou e sutilmente cutucou Léo com o cotovelo, incentivando-o a participar da chacota.

Pedro revirou os olhos:

- Não tem graça.

- Usa o aparador de gramas pra se limpar. - Léo riu enquanto dizia. - Desculpa, cara, mas sabe quanto tempo eu espero pra ver você limpando esse quintal?

Pedro ajeitou o máquina uma outra vez e reiniciou o serviço. Léo olhou para o terreno e riu. Pedro tinha sequer concluído metade da tarefa; estava apenas no início de algo que postergou durante meses, chegando a um ponto insuportável. No canto do terreno, próximo aos muros, já crescia um arbusto de fedegoso e, mais adiante, outros dois de maliça; plantas com caule mais farto e que não seriam retiradas com um simples aparador de grama. Os carrapichos, por si só, já estavam lhe causando dor de cabeça.

- Ceis deviam tá me ajudando, não rindo de mim. - Pedro tentou apelar para o sentimentalismo.

- Ooown... Tadinho dele. - Mônica levou as mãos ao rosto, demonstrando dó. - Acha que estamos pegando pesado demais com ele? - usou um volume de voz que somente Léo ouviria.

Léo negou com a cabeça.

- Não... Ele vai sobreviver. - ironizou.

Mas no fundo o garoto não conseguia deixar de sentir pena do amigo. O sol o castigava e o aparador não era o mais adequado para um serviço tão pesado. Porém, a mãe de Pedro tinha sido bem clara nas ordens; a entrada da casa deveria estar limpa até o fim da tarde, o que não demoraria muito a chegar. Já se aproximavam das dezessete horas.

Mônica expirou forte antes de dizer:

- Hmm... Adoro o cheiro de grama sendo cortada. - o odor característico empesteava o ar. - Muitas pessoas odeiam, mas eu adoro... A Janaína, por exemplo, odeia. - ela riu. Léo percebeu que a garota tentava puxar assunto, entretanto falar da Janaína não era uma boa opção. Mônica tentou mudar o rumo da conversa: - Sabe... Depois de tudo aquilo, é até estranho a gente tá aqui, rindo do simples fato do Pedro tá cortando grama, não acha?

- Como assim? - Léo não conseguiu entender aonde a menina queria chegar. Encerrou a filmagem que fazia e colocou o aparelho ao seu lado.

- É só que eu não imaginava que poderia ter uma vida normal depois de tudo. Achei que tudo tinha ido por água abaixo, mas olha como estamos!

Léo não respondeu. Até porque não saberia o que responder. Desejar a vida como era antes das adaptações não parecia ser o que ele queria, pois algumas coisas boas haviam surgido em meio a toda a turbulência. Amélia... Ela era um bom motivo para agradecer aos últimos acontecimentos, por mais que as coisas não estivessem da forma que ele desejava.

E de certa maneira, Léo conseguia ver que o que estavam vivendo não era o mesmo que antes das adaptações. Estavam, na verdade, em uma ilusão; tentando levar uma vida comum enquanto, no fundo, sabiam que o inimigo poderia se encontrar em qualquer lugar, e atacar em um momento de distração. Os questionamentos vindos dos pais e de conhecidos só aumentava a cada dia e se tornava cada vez mais difícil de sustentar a mentira elaborada. E o corpo... Léo conseguia perceber que sua percepção de seu corpo não era mais a mesma. Sentia o coração acelerado, o corpo quente e a sensação de alerta mais aguçada, como se estivesse eternamente em uma luta; com liberação de adrenalina por motivos simples, e isso não o permitia esquecer da fera em que podia se transformar.

- Não sei o que achar disso tudo... - respondeu, por fim.

- Entendo. - com o tom animado, sexy e carismático que costumava usar, Mônica disse. Era impossível não reparar na beleza da menina. O cabelo negro que caia em cascata em seus ombros, o nariz fino, as sobrancelhas bem marcadas. Mônica era naturalmente sensual; sem forçar parecer, sem se importar em parecer, ela simplesmente era. Ela continuou sua fala, depois de alguns segundos observando Pedro batalhando com uma moita de capim: - E como tá sua história com a Amélia?

- Indo de mal a pior.

A morena fez um biquinho, insinuando tristeza, e desabafou:

- Achei que tudo fosse se resolver rapidinho...

- Eu também. Mas eu entendo ela, não posso ficar chateado com essa situação. A única coisa a fazer é aceitar. - ele riu de forma visivelmente forçada e imediatamente se arrependeu de tê-lo feito.

O que lhe causava irritação não eram as perguntas sobre Amélia, porque isso ele esperava que acontecesse. Mas a feição de pena que as pessoas faziam quando recebiam novas informações do ocorrido, aquilo sim era irritante. E era essa a expressão estampada na face de Mônica naquele momento. Estava prestes a argumentar, tentando não se passar por vítima e, assim, retirar aquela bendita expressão da garota, quando um táxi parou na calçada da casa.

Camila desceu do carro, olhando para o mundo com o mesmo ar irônico de sempre, mas que Léo já tinha aprendido a gostar. Olhou para Pedro, que imediatamente parou o que fazia para cumprimentar a namorada. Ao perceber o estado do garoto, escondeu um riso.

- O que é isso? - perguntou olhando para o garoto que se aproximava, depois para Léo e Mônica na varanda, que não faziam questão de disfarçar o prazer que sentiam. - O que houve, Pê?

- Tão me torturando... - Pedro abraçou a ruiva e a beijou, porém foi logo empurrado pra trás. Camila começou a tossir, enquanto batia a mão na roupa. O rapaz a olhou, sem entender. - O que aconteceu?

Ela o fitou, séria:

- Você me fez engolir grama! - continuava tossindo. - E ainda sujou minha roupa!

- Se quer namorar comigo tem que ser na limpeza e na sujeira... - argumentou. - Larga de ser fresca!

- Fresca? Eu!! - o vermelho dos fios de cabelo também coloriu suas bochechas. - Cê tá cheirando a vaca!

- Ah, é? Pelo menos eu só estão cheirando a uma, não pareço uma! - Camila arregalou os olhos, assim como Mônica e Léo. Ninguém ousou falar nos segundos que se seguiram. Pedro levou a mão à testa, percebendo que havia passado dos limites. Deu dois passos em direção a ruiva. - Amor, foi uma brincadeira.

Camila fechou os olhos, mantendo o controle de si.

- Não. Ouse. Se aproximar... - falou pausadamente.

- Camila, me desculpa, achei que você não iria se impor... - deu mais um passo à frente.

- Pedro, eu estou armada. Se você tem amor a sua vida, não ouse se aproximar. - o garoto obedeceu. Camila seguiu apressada para a varanda, pisando forte e com a fronte enrugada de raiva. - E não ouse me seguir! - gritou enquanto andava. - Termina de limpar essa merda de gramado! - Passou pelos dois garotos na varanda e entrou na casa, batendo a porta com tamanha força, que o barulho ecoou pela rua deserta.

Pedro olhou para seu amigo, que fez o mesmo, ambos sem reação. Mônica bufou.

- Homens... - resmungou ela, levantando-se e indo de encontro a Camila, dentro da casa. - Você não vem, Léo?

- É... tô indo. - Léo se pôs de pé e se dirigiu para a porta. Estava entrando quando lembrou de seu celular, no piso da pequena entrada. Correu, pegou-o e se apressou em entrar.

- Explica pra ela, mano. - ouviu Pedro dizer, antes que fechasse a porta por completo.

Léo seguiu até a sala, onde encontrou Camila sentada no sofá e Mônica em uma poltrona, fitando-a com cara de indignação. A morena olhou para ele, boquiaberta, e balançou a cabeça em negação enquanto dizia:

- Ela é louca... Os dois são loucos!

Léo não entendeu o que Mônica queria dizer, mas estava disposto a ajudar o amigo a sair daquela enrascada.

- Camila, não dá moral pro que ele disse. Ele só tava brincando. - tentou explicar.

- É, eu sei. - ela disse, sem alterar o tom de voz. Não havia um pingo de raiva em sua fala. - Mas foi hilário ver ele todo desconcertado, tentando se explicar. - riu.

Léo franziu a testa:

- Então... Cê também tava brincando?

- Louca. Não disse? - soltou Mônica.

Ouviram o barulho do aparador sendo novamente ligado.

- Deixa ele achar que tô com raiva. Assim aprende a não me chamar de vaca e termina aquilo lá logo. - ela se ajeitou no sofá. Havia um sorriso vitorioso no canto de sua boca, o que fez Léo rir de toda aquela situação. - Bem... - prosseguiu. - Enquanto isso tenho que atualizar as novidades à vocês.

Léo já sabia do que se tratava. Camila tinha explicado que iria tentar arrancar mais informações da jornalista. Ana Amaral parecia saber muita coisa, mas que não falaria tudo de uma vez, como Léo achou que falaria na primeira ida ao sanatório. E ninguém melhor para se infiltrar em algum lugar do que a garota ruiva e destemida sentada à sua frente.

- Como foi? - perguntou.

- Muito bem. Claro que com uma tarde eu não conseguiria sequer ter uma conversa a sós com ela, mas o que importa é que tô lá dentro. Vou trabalhar diretamente com ela e isso vai ajudar muito. Não acho que vá demorar até ela soltar uma informação importante.

- Isso é maravilhoso! - Mônica se animou.

- Só toma cuidado. Não sabemos quantos blacks trabalham lá dentro. - Léo alertou. A imagem do enfermeiro loiro veio a sua mente e uma raiva emergiu do nada. Respirou fundo, tentando se controlar.

- Sim, sim... Não precisa se preocupar. Vai dar tudo certo. Não percebi nenhum black em potencial, mas vou ficar velhaca dessa vez. Aquilo que aconteceu da última vez não vai se repetir.

Léo também acreditava no sucesso da garota. Camila era inteligente, saberia lidar bem com qualquer problema que houvesse no sanatório. Descobrir todos os detalhes por trás do Projeto era crucial para que seu tio Paulo e sua trupe não avançassem na pesquisa; não fizessem mais vítimas.

Eles iriam conseguir... Afinal, pensou Léo, o que poderia atrapalhar?

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