1. A Escolha

  


  – Você está linda – uma voz suave soou da porta.
   – Mal consigo me  reconhecer – respondi sem expressão, ainda encarando o espelho.
   Meus espessos cabelos negros, estavam presos a uma trança lateral, que caia elegantemente pelo meu peito. Minha pele dourada, agora, hidratada, depilada e macia, continha marcas e insígnias antigas, feitas com tinta vermelha. Meu rosto, com uma maquiagem leve, parecia pertencer a uma mulher mais velha e madura, ainda mais com meus olhos delineado, trazendo uma inteligente sensualidade e esperteza que sempre tentei esconder.
   Isso sem falar do vestido!
   Com um tecido branco translúcido, quase transparente, marcava todo o meu corpo, me deixando praticamente nua. Os tecidos transpassado que cobriam meus seios, não conseguiam ao menos esconder o rosado dos meus mamilos. Um pouco acima do umbigo, onde terminava o decote, tinha uma larga faixa de tecido que se amarrava nas costas, deixando que o restante do vestido caíssem livremente, seguindo as curvas do meu quadril, até meus pés descalço.
   A Matriarca deu uma risadinha.
   – Elas fizeram um bom trabalho, de fato – sua voz continha um familiar divertimento.
   – Achei que estaria se preparando para a cerimônia – comentei soando mais como uma pergunta, enquanto me virava em sua direção.
   Maya foi até minha cama e passou os dedos em cima de um pote de tinta.
    Ela era alta e esbelta, com seus sedosos cabelos castanhos preso em um coque frouxo, deixando seu elegante pescoço a mostra como um convite. Seu vestido cerimonial, da cor de grama recém amanhecida, se agarrava em seu corpo tão ousadamente como o meu.
   – Lisa estava preocupada com você – ela deu de ombros.
   – Eu estou bem, ela não precisa se preocupar – rebati indo até a cama e arrumando apressadamente a pequena bagunça.
   – Minerva, ouça. Ela é sua mãe, e sempre irá se preocupar. Ainda mais hoje,  quando um daqueles sádicos e ardilosos colocará as mãos em você.
    Revirei os olhos. Já tínhamos discutido tantas vezes durante a semana que já tinha ficado cansativo.
   Hoje irei participar do Progenitum, um grande rito de "reprodução". Nele, as jovens entregam, de bom grado, sua virgindade para a natureza, em forma de "poder", em prol de ajudar na fecundação da terra e na fertilidade de nosso mundo. "Em troca", geramos nossas próprias crias como um símbolo de prosperidade.
   Claro que tudo é apenas uma forma de negar o evidente: nós precisamos dos homens, a qual escravizamos, para poder dar continuidade a nossas gerações.
   Rosélia é um território totalmente regido por mulheres. Onde ser homem é uma das piores maldições. Isso significa que vivem para servir as mulheres sem contestar. Há muito tempo, esse território não era assim, vivíamos com os homens como "iguais", mas seus orgulhos eram tanto que se achavam superiores a nós, mulheres. Então veio a revolução feminista e, com uma magia poderosa das feiticeiras, os dominamos.
   Acredito que só exista homens por aqui porque ainda não aprendemos a procriar sozinhas.
   – Minerva…! – Maya falou chamando minha atenção.
   – Eu sei – foi tudo o que respondi.
  Não havia mais o que falar. Eu tinha tentado lutar. Sempre fui contra esse rito idiota e o que faziam com os homens, apesar de tudo o que fizeram no passado. E acima de tudo, eu era contra ser mãe agora.
   – Você vai ter uma menina, e se não for capaz de criá-la, de a alguém que a queria. Mas quando for Senhora de Cristalia, não reclame na hora que precisar de uma herdeira – Maya tinha gritando quando falei sobre tão ter um criança agora.

    – Você ainda tem a porção? – Maya perguntou chegando mais perto.

   Assentir em silêncio. A Matriarca tinha me oferecido uma porção que reduzia as chances de produzir um feto masculino, outra coisa pelo qual fui contra, mas como todo o resto, não tinha escolha sobre isso.
    Maya era uma das três Senhoras-Mães que regia Rosélia, nosso país. Por anos, o cargo tem sido hereditário. E como filha de sua esposa, ganhei o cargo. As mulheres acreditavam que, o segredo para progresso, deveria ser passado desde cedo para suas herdeiras.
   – Ele vai está lá? – falei sem a olhar.
   – Não sei! – mesmo com a firmeza com que respondeu, sabia que infligir uma dor profunda nela, e me reprimi mentalmente.
   Ela teve um filho. E foi obrigada a abandoná-lo com o pai, como as leis antigas exigiam. Sei que apesar dos anos, isso ainda a machucava.
   – Eu devia fazer isso com ele, não é? – minhas palavras estavam livre de qualquer emoção. Apenas um fato – Manter o sagrado sangue na linhagem.
   – Sim. No entanto, eu não sei quem ele é. A última vez que o vi, você nem tinha nascido. Sorte sua – suas palavras eram rígidas.
    Sem mais uma palavra, a Matriarca saiu do meu quarto, e me concentrei a engoli o choro.
   Não iria mostrar fraqueza. Não depois de tudo pelo qual lutei, e pelas brigas as quais defendi. Mesmo sem sucesso, não iria me quebrar agora.
   Obrigar alguém a transar já é ruim, colocar mais um peso em cima dela, é muito pior.
   O dia passou depressa entre preparações e ritos de purificação do corpo, como se fosse um jarro de prata todo enferrujado que precisava ser limpo. Quando citei isso para minha mãe, ela quase teve um infarto com o insulto.
   O céu estava laranja quando finalmente me reunir com as outras oito jovens e juntas subimos o morro.
   Juntas éramos as nove virgens escolhidas de Cristalia. Nove como o número da sorte. Nove com as estrelas da Mãe. Cada uma usando seu melhor vestido branco transparente, os pés descalço e as marcas de tinta vermelha cobrindo todo o nosso corpo, as quais serviam para nos purificar e dar serenidade na realização o grande ritual.
   Em fila única, andamos com graciosidade entre as árvores, seguindo o grave som dos tambores que ecoavam pela floresta, como um chamado que nos levava a uma grande clareira. Em seu centro, havia uma imensa cerejeira florida, símbolo de Hikai, a Grande-Mãe. Ao redor da grande árvore, coberto por suas flores, estavam nove blocos de quartzo branco no chão, uma para cada uma das oferendas, as virgens. E sob as rochas, havia duas velas e uma cabaça em cada altar.
   Olhando em volta, observei que havia muitas mulheres presentes, assim como homens. Depois da Escolha, as outras mulheres tinham permissão de efetuar o rito também.
    Seguimos em silêncio em direção aos altares individuais, nos ajoelhamos com a cabeça baixa, em devoção a Mãe. Este era o momento de submissão, de redenção. Não importava quem eu era ou o que eu fiz, o que importava agora era o que eu iria fazer e o quanto estava disposta a me entregar eu estava.
   Finalmente, os tambores pararam de ressoar, lançando um silêncio absurdo por toda a terra. Não havia um único som de animal ou pessoa, como se a própria natureza fizesse silêncio perante a Mãe. Um longo momento de quietude se passou até que, como uma,  nós, as noves virgens, começamos a cantar o Cântico Sagrado.
    Enquanto entoava as palavras tão antigas quanto a própria terra, sentir algo em meu peito se expandir. Era uma sensação diferente de tudo que já sentir, como se pudesse sentir o mundo a minha volta. A vida de cada ser que existia, cada respiração, e a promessa do  que estava por vir.
   Lentamente, os tambores voltaram a bater nos acompanhando, e sem que eu sequer percebesse, meu corpo estava balançando para um lado e para o outro, em sintonia com as outras meninas, como se um fio invisível nos ligasse e nos controlasse igualmente.
   Quando, por fim, o sol completou sua descida, deixando a clareira apenas no brilho das fogueiras que ardiam ferozmente nos iluminado e aquecendo, as vozes que proferiam o rito foi se calando, até que os tambores voltassem a ser os únicos a emitirem som pela floresta, agora, seme adormecida.
   A Senhora de Cristalia começou a falar, e foi então que percebi que ela estava andando a nossa volta, falando algo que, por mais que eu tentasse, não conseguia entender. Era como se eu estivesse em outro plano, submersa nas águas de um lago. Minha mente vagava sem parar ou sequer construir um pensamento coerente.
   Perto, estava tão perto.
   Quando abrir os olhos, que não lembro ter fechado, apenas sabia que era hora de beber o líquido leitoso depositado dentro da cabaça em minha frente. Não fazia ideia do que era, mas tinha certeza que continha algum tipo de droga para entorpece as meninas e lhes dar coragem o suficiente para se envolver com um homem essa noite.
   A matriarca disse as palavras e todas as meninas beberam do líquido.
   O seu sabor era agridoce, me causando uma repulsa quase que imediata, mas me forcei a engolir pelo menos a metade.
    Se passou o que pareceu um minuto inteiro, apenas com a batida do tambor em excitação esperando pacientemente. Então aconteceu.
    Minha visão ficou turva e meu corpo mole e sonolento. Minha cabeça pesada tornava o simples ato de olhar para frente, um desafio.
   Não sei com que força, mas consegui ficar de pé sem cambalear, como se uma corda estivesse me conduzindo, como uma marionete. Sentir meu corpo começar a andar antes de conseguir processar os passos em minha mente, como se meu corpo precisasse me levar para algum lugar que minha mente desconhecia.
    Olhei ao redor, e encarei as fogueiras mais brilhantes que já vi, assim como as pessoas a minha volta, que estavam mais vivas… e com um brilho sobrenatural sob a pele… mexiam-se com muito mais rapidez.
   Onde eu estava…?
   Algo dentro de mim foi puxado, me guiando… Para onde? O que eu estava fazendo?… Porque tinha pessoas ajoelhadas? Dei um passo para frente e vi o mundo girar e girar e girar…
   Olhos dourados… Eu os conhecia… Sim, sim... De onde…? Não lembro, mas era ele… Ele quem?
   É ele!
   As palavras se repetiam diversas vezes até que parei na sua frente.
   Com ousadia o homem ajoelhado levantou o seu olhar e me encarou, causando um pulsar entre suas pernas. Seus olhos tinham algo que não conseguia distinguir. Surpresa? Excitação? Fome? Reconhecimento? Raiva?
   Com uma coragem que não sabia que tinha, passei meus dedos pelo seu rosto, levando aos seus lábios, que se entreabriram levemente.
   – É você! – Falei com uma rouquidão na voz, da qual eu nunca tinha ouvido antes.
   Seus olhos ganharam um brilho diferente enquanto ele se erguia e me encarava.
   Ele era quase uma cabeça mais alto que eu.
   – Eu sou seu! – ele disse ainda com os olhos colados nos meus.
   Sim, você é!


Olha pessoal, trago mais um conto para vocês, mas esse bem é diferente.

Me contem: o que estão achando dele?

Não esqueça de votar e comentar 😉

Até o próximo capítulo e boa leitura a todos!

Beijos das sombras!
😘

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