Capítulo 31
Encarando a escuridão silenciosa, as portas do castelo fechadas atrás de mim, observo o horizonte se estendendo ao infinito. As estrelas brilham no céu como vagalumes prateados, observando o desenrolar da vida aqui embaixo.
Lembro-me da última vez em que tive um momento de contemplação como esse. No dia da coroação, algumas horas após a leitura dessa bendita Profecia. Lembro de assistir o Sol se pôr, na companhia silenciosa de Tobiah. Eu soube, naquele momento, que minha vida estava prestes a mudar, e estava disposta a aceitar o que viesse, sabendo que o resultado final seria estar de volta à minha casa, ao meu Reino.
E, agora, sequer tenho certeza se esse é o meu destino no final das contas.
Sinto o peso da Adaga, o metal frio queimando minha pele, presa em minha perna. A arma em si é leve, mas a responsabilidade que reveste sua existência faz com que o simples ato de ficar de pé se torne um martírio maior do que estava preparada para lidar.
Afundo a cabeça nas mãos com uma risada deprimente.
Nem ao menos sei quem é ele que Zader tanto fala sobre. Tenho minhas desconfianças e teorias, é claro, mas como posso ter certeza? Não é como se eu pudesse simplesmente enviar um pergaminho aos Deuses dizendo "desculpe, acho que acertei o coração da pessoa errada. Boa notícia é que vocês já podem reencarnar algum dos seus mortos!"
Deuses estúpidos com suas tarefas estúpidas. Por que não resolvem seus próprios problemas? Eles, sem dúvida, não hesitaram em criá-los!
Verdade seja dita, esse sistema não faz sentido. Que espécie de equilíbrio cósmico é esse que faz com que três dos Criadores do Mundo precisem fugir como uma criança amedrontada que tenta escapar de um castigo, e faz com que se isolem de tudo? Como esse quarto Deus pode ser tão poderoso assim? Isso não faz o menor sentido.
E eu não gosto de coisas que não fazem sentido.
Sou Rainha do Reino da Sabedoria, pelos Deuses!
E literalmente pelos Deuses dessa vez, inteira responsabilidade deles.
Tento fazer as contas de quanto tempo faz que deixei o Norte. Parece uma eternidade e, ao mesmo tempo, parece que foi ontem. Se não consigo dimensionar o tempo, significa que já passou tempo demais.
Com um último olhar destinado àquela vista cintilando sob a luz negra da noite, adentro o castelo. Percorro os estranhamente familiares corredores sem sequer prestar atenção no trajeto.
Tento, mentalmente, organizar uma lista de pessoas cujo o único interesse de vida seja governar o Norte. Mas, por mais que eu tente, somente um nome grita em minha mente.
Desço as escadas que dão acesso ao salão principal, na ponta dos pés, evitando fazer qualquer barulho. Quando toco a madeira da posta principal, congelo.
Vamos levar semanas, dias na melhor das hipóteses se voltarmos pelo mesmo caminho. Não tenho dias.
Fecho os olhos e tento visualizar o mapa de tudo que compõe essas terras, depois da fronteira dos Reinos. A única outra forma de acesso é pelo mar. Uma volta consideravelmente grande que levaria pelo menos dois dias se atracarmos no Reino de Fora, ou quase isso se formos pelo Sul.
É trágico que um dos objetos primordiais não seja um navio ou cavalo que desafiem as leis naturais e se movam mais rápido do que deveriam.
Os Deuses precisam de conselheiros melhores.
Nunca havia percebido como Castelos são construções desnecessariamente grandes antes de precisar inspecionar cada um dos infinitos quartos. Onde, pelos Deuses, estão aqueles três?
Não há masmorras ou porões na construção, então não há outra alternativa para onde Neka os colcou que não sejam os quatros.
Volto ao salão principal depois de ter conferido todos os andares superiores. Posso sentir o Sol ameaçar despontar por detrás das montanhas ao longe, anunciando um dia quente pela frente.
Um gemido de frustração escapa pela minha garganta.
- Seria mais fácil se você simplesmente tivesse me perguntado, Kya – Zader, de pé no topo da escada, os braços cruzados e os olhos violetas cintilando em minha direção, diz, enquanto lentamente desce os degraus.
Honestamente, sequer considerei a possibilidade. Não sei exatamente qual era o meu plano, mas fugir no meio da noite certamente não teria funcionado. Quero gritar toda minha frustração e descontentamento com essa situação inacreditavelmente incoerente, mas, quando ele me estende a mão com um sorriso nos lábios, me limito a revirar os olhos em aceitação.
- Como posso ter certeza quem esse maldito Deus é? – pergunto.
- Você já sabe – Zader se limita a responder. – Talvez não racionalmente, mas há apenas uma resposta lógica.
Considero suas palavras por um segundo e preciso concordar. Só há um nome que faz sentido. Mas ainda assim...
Ele para, de frente para uma porta que eu não tinha notado antes, e me entrega uma chave.
- Eu não te dei essa chave, e não vou estar lá fora preparando o seu barco, porque você não está pronto para ir – diz, piscando o olho. Sorrio em resposta, passando os braços ao redor do seu pescoço em um abraço acalentador.
Zader repousa a cabeça em meu ombro por um segundo, antes de se afastar, depositando um beijo em minha testa.
- Não vou demorar muito até estar com você. Bom, até todos nós estarmos com você. Só precisamos ter certeza de que tudo vai correr bem antes de arriscar literalmente o último pedaço de terra livre de caos. Arath tende a ser muito... sentimental em relação ao seu poderio geográfico. – É com outra piscada de olho e um afago em minha bochecha que ele vira as costas.
Vejo-o se afastar em passos lentos enquanto coloco a chave na porta.
- O que aconteceu afinal? Com o mundo antigo. Você sabe, antes de vocês criarem os Reinos?
Sei que essas perguntar não são relevantes agora e que vou ter, literalmente, a eternidade para ouvir todas as histórias, mas não consigo evitar. Ele para onde está, mas não volta ou vira em minha direção. Estou encarando suas costas, seus cachos castanhos cobrindo seu pescoço quando sua voz ecoa.
- Às vezes as coisas simplesmente fogem ao nosso controle. Humanos foram criados para serem criaturas autônomas, livres. Neka acha que livre arbítrio é um conceito estúpido e que vocês jamais vão fazer a coisa certa por vontade própria, e talvez ela esteja certa. – Ela vira em minha direção e posso vislumbrar a tristeza em seu semblante. – Era um lugar lindo, você adoraria conhecer. Tão mais desenvolvidos do que vocês são agora. Tudo leva tempo, é claro, foram milênios até que chegassem ao ponto em que estavam.
"O mundo ainda está girando lá fora, Kya. Não foi o apocalipse que consumiu a humanidade. Foi... a humanidade. Pessoas ainda vivem suas vidas, nascem e morrem todos os dias. Mas há um prazo de validade. A forma como escolheram viver, a forma de governo que decidiram exercer... Corrompeu suas almas a um ponto onde não há retorno. É como uma bomba-relógio."
Olho-o confusa.
- Você não sabe o que uma bomba-relógio é, é claro. Ainda não chegaram lá. Mas não chegar. – Não acho que ele esteja falando comigo a esse ponto, mas continuo prestando atenção ao seu monólogo. – Foi por isso que criamos você, Kya. A última esperança de uma espécie que precisa da liderança correta para prosperar. Podem manter o livre arbítrio em todas as outras nuances de suas vidas, não me importo. Prefiro, até. É o que os torna seres tão especiais. Mas, claramente, são incapazes de escolher uma liderança apropriada. Milênios e milênios de história e continuam cometendo os mesmos erros. Inacreditável.
A última palavra sai como um sussurro amargo enquanto ele passa a mão em seu cabelo. Com um pigarro, sorri.
- Quem sabe um dia você possa conhecer o mundo antigo. – Ele dá os ombros. – Mais algumas centenas de anos e vai ser apenas um campo vazio esperando por novas plantações. Talvez possamos, juntos, começar um novo mundo no futuro. – Zader acena com a mão em minha direção, como se dispensasse o assunto. – Por hora, você precisa consertar esse mundo. Temos a eternidade para planejar o futuro distante para além dos portões. Nesse momento, é o que acontece desse lado que precisa ser resolvido. E não sou eu que você precisa, ou quer, ao seu lado para isso. – Ele aponta com a cabeça para a porta antes de continuar sua caminhada para longe de mim.
Vejo sua silhueta sumir por entre as sombras agitadas da manhã, enquanto o som da vida acordando lá fora começa a invadir as janelas do castelo.
Suspiro fundo enquanto giro a chave e empurro a porta.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top