Capítulo 13
- Corra.
Ele segura meu rosto, apertando meu maxilar com uma das mãos, e me olha, os olhos de ametista queimando com urgência.
- Corra o mais rápido que puder, corra e não olhe para trás. Não pare de correr até você estar em casa.
- Não posso deixar vocês - sussurro, cada palavra queima na minha garganta. Não sei o que casa significa, quero perguntar, mas me mantenho em silêncio. Não sei para onde ir.
- Você precisa - ele diz, e me entrega a adaga. Sinto o peso da pequena arma feita de tântalo, enlaço meus dedos ao redor do cabo frio. A adaga pulsa na minha mão, como se feita de energia viva e comandada por sua própria vontade, me impelindo a usá-la. A adaga tem seu alvo e quer acertá-lo.
Um silêncio ensurdecedor toma conta do ambiente e eu tento olhar ao redor, mas ele não deixa. Mantém seu aperto firme sobre mim, me forçando a olhar no fundo de seus olhos violetas. Posso sentir o desespero emanando do seu corpo, o medo como uma nuvem palpável nos circundando. Não podemos ficar escondidos aqui por muito tempo. Sei que preciso partir. Sinto um tremor tomar conta do meu corpo e meu coração acelera.
- Nós vamos embora. Todos nós. Temos que ir. Esse lugar foi criado como um santuário, um refúgio longe das garras dele. E agora ele nos achou. Precisamos proteger o Reino, precisamos ir embora. E você precisa correr. É sua missão, seu destino. Você sabe disso, sempre soube. Você precisa salvar o Reino. Corra. Corra e esconda a adaga no lugar mais seguro que encontrar. Morra antes de deixar que ele encontre a arma. Será nosso fim se ele o fizer. Nós vamos encontrá-la. Vamos seguir sua energia. Não importa onde a coloque, vamos encontrá-la. Mas você precisa sair daqui. Agora. CORRA.
Acordo num sobressalto, a respiração acelerada. Sento rapidamente e posso ouvir meus batimentos cardíacos ecoando em minha cabeça, o movimento repentino faz com que eu fique tonta. Olho ao redor e demoro alguns segundos para reconhecer onde estou. Tateio o chão até encontrar a abertura da barraca e saio.
Sinto meu corpo todo tremer quando me ponho de pé. O alvorecer da manhã colore o céu em tons de laranja e posso ouvir os pássaros já acordados. Pelo chão, resquícios da fogueira utilizada na noite passada se espalham. Levo a mão ao rosto e esfrego minhas bochechas, a dor parece quase real. A urgência parece real. Este lugar está me enlouquecendo.
Caminho em torno do acampamento até encontrar uma pequena elevação no relevo. Acho que todos ainda dormem. Posso ver as Ruínas ao longe. Uma única construção que parece ter tido dias melhores, acobreada como os tijolos crus usados nas construções das casas mais humildes. Conserva o formado de uma grande construção — ainda que lhe faltem algumas paredes — mas não sei se posso chamar de Castelo. Pelos Deuses, espero que seja o lugar certo.
Sinto uma mão tocar minhas costas e me viro em um sobressalto.
— Desculpe, não quis lhe assustar — Tobiah retira a mão, e eu aceno com a cabeça — É lindo, e me dá calafrios — ele diz, indicando com a cabeça na direção da Ruína — Parece tão pequeno olhando daqui.
Concordo em silêncio e cruzo os braços na frente do corpo, encarando a construção ao longe.
— O que há de errado? — ele pergunta.
— Além de tudo?
— Sim, Majestade. Além de tudo.
Olho-o surpresa pelo uso do cumprimento formal. Dispensamos o uso de títulos há tempos, e não entendo o motivo de voltar a usá-los agora.
— Tive um pesadelo — respondo, antes que possa realmente pensar no que estou dizendo. Espero pela risada, que não vem. Ao invés disso, ele estica o braço e espera, oferecendo-me sua mão, que eu aceito. Ele entrelaça nossos dedos por um segundo antes de levar minha mão ao seu ombro, virando-me de frente para si e enlaçando o braço ao redor da minha cintura, em um abraço inesperado.
— Tudo bem sentir medo as vezes —ele sussurra contra minha cabeça, que repousa em seu ombro — Se existe um momento em que é aceitável sentir medo, esse momento é agora.
— Não estou com medo.
— Sim, está. Mas prometo que vou guardar o segredo, Majestade — ele diz, se afastando apenas o suficiente para que eu olhe para cima e encontre seus olhos amendoados me encarando — Você não está sozinha. A partir do momento que aceitei sua proposta, minha vida lhe pertence. O meu Reino lhe pertence. Não me importo se esse casamento for puramente político, eu poderia ter arrumado uma noiva muito pior do que você — ele diz, um pequeno sorriso brotando no canto de sua boca, mas que não tira a seriedade de suas palavras que refletem em seu olhar.
— Eu não preciso de proteção, Tobiah.
— Eu nunca disse que precisava. Tudo que eu disse é que eu estou aqui, e que sua vida é minha responsabilidade também. Sei que sabe se cuidar, todos dos Quatro Reinos sabem disso. Mas eu estou aqui. Eu estou aqui e vou fazer o que estiver ao meu alcance para te ajudar a recuperar o seu trono. Você vai voltar para casa, Kya. Eu prometo — ele diz, e coloca uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. Aceno com a cabeça em concordância, absorvendo suas palavras.
Dois séculos é muito tempo para se viver. Tempo o suficiente para viver muitas aventuras e conhecer muitas pessoas. Tempo o suficiente para ouvir incontáveis juras de amor. Mercadores do Sul, fazendeiros no Reino de Fora, Soldados do Reino de Dentro. Mestres no Norte, rostos anônimos espalhados pelos Quatro Reinos. Me foram prometidas as estelas e a lua, os raios da manhã e todas as riquezas que há. Promessas verdadeiras e promessas feitas à vista do interesse de ter para si a futura Rainha do Norte; nunca me importei com nenhuma delas. Sabia que o meu futuro me reservava um casamento político, consumado pelo bem do meu povo e que trouxesse bonança ao meu Reinado. De tudo me prometeram em troca do meu amor - ou do meu nome. Mas Tobiah é o primeiro a prometer algo que realmente importa. Ele tem razão, eu também poderia ter arrumado um noivo muito pior.
Ele me liberta do seu abraço e me mantém a um braço de distância, me segurando pelo pulso. Me olha profundamente nos olhos e suspira.
— Quando eu decidi que viria para cá com você, entrei em contato com meus pais para comunicar minha decisão — ele explica. Sim, imaginei que ele tivesse feito isso. Um aviso é o mínimo que se espera quando o filho está embarcando em uma viagem da qual talvez não volte vivo — Mas essa não foi a única coisa que eu escrevi naquele bilhete — ele continua.
— Não?
— Não — ele responde, e faz uma longa pausa — Há algo que eu preciso te contar.
Tenho que admitir que a construção é muito mais imponente quando vista de perto. Não demora mais do que trinta minutos a trotes lentos dos cavalos para alcançarmos as ruínas. O ar pesado em volta das paredes caídas confere uma atmosfera um tanto sombria ao lugar. Há pedaços do teto faltando em diversos pontos, mas não posso ver muito daqui. Precisamos entrar.
Tobiah me ajuda a descer do cavalo. Estamos há poucos metros do adornado portal de concreto da entrada das Ruínas. Acho que seria mais apropriado dizer Ruína, no singular, já que é apenas uma construção gigantesca tomando um grande espaço de terra.
— Preparada?
— Não — respondo, e é verdade. Ansiosa, sim. Não vejo a hora de acabar com isso. Mas não me sinto preparada. Pelo contrário, sinto um formigamento por todo o corpo, como um aviso para correr para longe dali. Como uma aura pesada que fosse me engolir.
— Achei que fosse ordenar minha decapitação em praça pública pelo que lhe contei mais cedo — ele diz, relutante. Reviro os olhos.
— Não posso ficar viúva antes de casar, Príncipe — respondo, virando em sua direção. Ele estica a mão e toca no pingente em meu pescoço, o cenho franzido — Algum problema?
— Não — responde — É só que... Não, nenhum problema.
— Com licença, Majestade. Precisamos partir. Não sabemos o que vamos encontrar a frente, e não podemos desperdiçar a luz do dia — Cathal nos alcança e me interrompe antes que eu tenha a chance de questionar Tobiah. Vejo Laurunda em seu encalço.
— Concordo — respondo com um suspiro. Parece que é hora de partir — Obrigada por seus serviços, Cathal. A locomoção seria muito mais difícil sem alguém com o seu treinamento. Fico feliz que tenha sido você a se juntar a nós.
Não consigo conter uma risada ao pensar nisso.
— E pensar que eu quase pedi Adaliz para mandar o noivo de minha irmã. Que ideia tola, colocar o rapaz em risco por nada. Layla jamais me perdoaria — levo a mão ao peito de Cathal imediatamente ao me dar conta do que disse. Estou feliz por não ter posto a vida de outro homem em risco, mas não significa que estou satisfeita por ter colocado a dele — Por favor não se ofenda.
Ele apenas acena com a cabeça, seu rosto em uma máscara de pedra. Não consigo descobrir se o ofendi ou se essa é apenas sua expressão usual. Me viro em direção às Ruínas, e começo a andar.
Alcanço os alicerces de concreto do portal de entrada, dois pilares recobertos com vegetação morta que parecem destoar do estilo de construção do restante do local. Sem saber o que me espera a frente, eu entro.
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