1
Eu cometi um crime.
Um crime simplesmente imperdoável.
Algo pelo que serei julgada pelo resto da minha miserável existência. Punida. Escorraçada em praça pública.
Meu castigo já chegou, aliás. Estou olhando para ele agora. Esse cartão do tamanho de duas mãos minhas, em azul, com a porcaria de um aviãozinho de papel desenhado no verso. Um convite para o casamento de Eduardo Rodrigues, o homem dos sonhos de qualquer mulher, e Juliana, a coisinha sem graça por quem ele me trocou.
Tudo bem. Vamos ser justas. Ele não me trocou. Infelizmente, nunca consegui tirar uma lasquinha que fosse daquele pedaço de mau caminho. Olha que tentei. Esfreguei o decote na cara dele. Literalmente abri as pernas, e nada. Porque o senhor bom moço dos infernos é homem de uma mulher só. Blá blá blá.
Tentei separar os dois, é verdade. Mas também não adiantou de nada. Quem diria que o tal homem apaixonado e fiel ainda existia. Jurava que era lenda urbana.
A questão é que cometi o crime de cobiçar o homem alheio, e por isso jamais serei perdoada. Mesmo que o resto da ala feminina inteira do Rio de Janeiro também tenha cobiçado, mas não! Não. Eu que sou a vadia. Só eu. Ninguém mais. Ir atrás do que quero é pecado agora. Crime mortal e inafiançável.
Só dei azar de ter me metido na história errada e pisado no calo da mocinha do romance alheio. Se fosse eu a protagonista daquela história, estariam torcendo por mim.
Só que sorte não é uma coisa que tenho tido muito nessa vida. Pelo menos não nos últimos anos. É inferno astral que chama?
Acho que cansei.
É isso.
Eu me demito.
Vou morrer solteira, sozinha, largada no mundo com os gatos que nem tenho ainda, ficando velha e enrugada porque ninguém me quer.
Tudo bem.
Algumas pessoas querem. Mas a pessoa certa, não.
Não tenho vocação para falsa modéstia. Eu sou linda. Linda. Ruiva como uma princesa escandinava. Olhos claros como... Bom, uma princesa escandinava. Sei me equilibrar em cima de um Louboutin como ninguém, por horas a fio sem reclamar e com um sorriso no rosto. Sei rir nas horas certas. Sei me fazer de idiota na horas certas. Sei me fingir de burra nas horas certas. Sou treinada com maestria na escola de esposas-troféus, então, por que, no nome de Deus, é tão difícil cumprir o destino que senhor meu pai traçou para mim e achar um homem, unzinho só, que seja rico e não me faça querer morrer?
Eduardo era o homem dos sonhos. Perfeito para a função. Mas já faz dois anos que aquela perfeição humana escorregou pelos meus dedos e até agora nenhum chegou aos seus pés. Honestamente, a essa altura estou torcendo por um velho rico que pareça a ponto de ter um ataque cardíaco a qualquer momento.
Isso faz de mim uma pessoa horrível? Quer dizer, eu não devia desejar a morte alheia, e não desejo, juro que não! Mas, se acontecer de algum milionário com idade para ser meu avô ter o coração fraco demais para me aguentar na cama e passar dessa para a melhor, não vou chorar muito. Resolve meu problema por inteiro: cumpro o acordo feito com papai e não tenho que fingir rir das piadas sem graças que essa raça sempre conta.
Meu Deus, eu sou uma pessoa horrível.
— Chega.
Levanto a cabeça para ver Nicole parada no meio da sala, perfeitamente vestida, linda como só minha irmã consegue ser, carregando peças delicadas e exclusivas das joias que ela desenha.
— Esses brincos são novos? — pergunto, analisando com cuidado o trançado em ouro branco, adornado com pequeninas gotas de ametista. Isso arranca um sorriso do seu rosto, orgulhoso. Nic toca a peça e balança a cabeça, exibida.
— É da coleção nova, gostou? Estou tão nervosa para a apresentação! — diz, franzindo o nariz do jeito engraçado que ela sempre faz. Até que parece lembrar de mim e arregala os olhos, apontando um dedo acusador na minha direção. — Não me distraia! Chega, Lorena. Você está o dia todo nesse sofá, chorando pitangas sem fazer nada.
— Não é verdade, eu fiz coisas — defendo-me, apontando para a mesinha de centro bagunçada.
Nic revira os olhos.
— Beber meia garrafa de vinho e comer um pote de sorvete inteiro não conta, e você sabe disso — protesta. Até perceber que o pote de sorvete em questão é o favorito dela que estava no congelador, guardado para uma ocasião especial. É quando sei que estou morta.
Ninguém mexe no sorvete de Nicole e sai impune. Nem mesmo eu, sua criatura favorita a habitar esse planeta. Mesmo sabendo que vivo em uma dieta monótona e torturante sem carboidratos e hoje, somente hoje, movida por meu coração despedaçado, me deixei vencer pela tentação; não importa. Nic parece a ponto de voar no meu pescoço com suas unhas afiadas.
— Agora você passou de todos os limites — diz, e preciso usar cada gota de autocontrole no meu corpo para segurar a risada com sua postura furiosa.
Nicole não conseguiria colocar medo nem em uma mosca. Nem se a vida dela dependesse disso.
— Levanta essa bunda do sofá. Eu tenho uma reunião agora, quando voltar, espero te encontrar perfeita como sempre.
Deveria ser um elogio, mas sua voz é um misto de pena, desprezo, insulto e deboche. Ela odeia minha perfeição. O que não faz nenhum sentido, já que Nicole é a rainha da impecabilidade.
Não tem um fio do seu cabelo loiro-acobreado fora do lugar. Sua maquiagem é impecável, assim como cada peça de roupa, que se complementam para formar a manequim perfeita para suas peças exclusivas e tão caras quanto um carro. Ela apresenta toda a seriedade e profissionalismo de uma profissional do seu porte, e toda a sensualidade de uma modelo que carrega as mais caras peças de joia. E vem falar da minha perfeição?
Me poupe.
Ignoro sua bronca, afinal, sou mais velha e não sou obrigada, e volto a deitar no sofá, alcançando novamente a garrafa de vinho. Não tenho nem tempo de sentir o doce amargo da bebida, porque levo um tapa forte do dorso da minha mão e a garrafa é arrancada de mim.
Nic suspira e aperta o ossinho entre os olhos.
— Escuta — começa, suspirando. — O cliente que vou encontrar agora tem uma pousada em Búzios e está organizando uma festa ridiculamente exclusiva para a virada do ano. Se, quando eu voltar, você tiver colocado sua vida no lugar, limpado esse lugar e ligado para o papai, consigo um convite para você.
Em uma frase, Nicole disse todas as palavras certas. É o suficiente para me colocar de pé.
— Eu te amo mais do que à minha própria vida — digo, dramaticamente pousando a mão sobre o coração.
Ela revira os olhos.
— Você é uma vadia interesseira — aponta, uma sobrancelha arqueada.
Ergo um dedo para me defender.
— Sua vadia interesseira preferida — corrijo, e vejo que ela tenta segurar um sorriso, mas falha.
Nic move os fios curtos e me dá as costas, indo em direção à saída do apartamento.
— Volto em duas horas. Comporte-se.
Antes de sair, pisca o olho para mim e fecha a porta. É um pedido vazio. Eu não saberia me comportar nem se a minha vida dependesse disso.
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