XXX. Inveja
Eu estava vestida no vestido vermelho que ele havia escolhido. Meus ombros estavam à mostra, e eu girava nervosamente o pingente do colar sobre minha clavícula descoberta. Vislumbrei o reflexo do meu rosto por uma última vez, antes de cobri-lo com a máscara dourada que agora me parecia extravagante demais, com penas douradas e marrons acompanhando o contorno da minha testa.
Christofer estaria na porta de casa a qualquer momento, e eu ainda não tinha superado o que ocorrera no dia anterior. Você sabe, antes de eu interromper o beijo com uma desculpa desprezível e correr para o balcão de pagamento. Não vi Matteo desde então. Eu mantinha meu celular desbloqueado, caso ele decidisse me ligar alguma hora e declarar que ir ao baile com Chirstofer como meu acompanhante era uma estupidez. Ao mesmo tempo, uma parte de mim queria nunca vê-lo novamente. Aquela voz irritante no fundo da minha cabeça narrava a cena em que ele me dispensou por Leigh Anne, na calçada do apartamento do meu pai, e dizia que ele só havia me beijado porque não podia beijá-la.
E havia Christofer. Ele provavelmente estava a algumas quadras dali, ouvindo música no volume máximo e gritando a plenos pulmões. Ontem, depois do beijo assustadoramente bom com Matteo, eu me sentira tão culpada que correra para alguma loja de música e, como se os céus quisessem me recompensar pela brincadeira de mau gosto que tinham feito ao colocar Matteo no lugar errado na hora errada, acabei encontrando uma palheta autografada por Aron Castaneda, um cantor local que Christofer amava. Planejava presenteá-lo no baile. Eu também não sabia como me sentir quanto a ele. Eu não sabia como deveria me sentir e ponto final. Nunca fui a melhor pessoa quando o assunto era entender meus próprios sentimentos e diálogos internos, mas aquilo já estava beirando o ridículo.
Ouvi a campainha, e sabia que aquela era a minha deixa.
Christofer e minha mãe estavam lado a lado, ele arrumando a gravata que, se eu o conhecia bem, passaria a noite toda torta, e ela com uma taça de vinho na mão. Ele tinha uma cicatriz abaixo do olho esquerdo e o nariz ainda estava um pouco rosto. Ambos calaram-se assim que eu pisei na sala, como se o objeto da conversa tivesse aparecido de surpresa. O canto esquerdo do lábio de Chris elevou-se em um sorriso, e eu podia jurar que seus olhos brilhavam enquanto nos fitávamos em silêncio. Por Deus! Por que ele tinha que ser tão fofo? Isso só complicava tudo.
- Liz, você está... Perfeita.
- Eu faço das palavras de Christofer as minhas - minha mãe levantou a mão que não segurava a taça para o céu, como agradecimento - Obrigada por ter escolhido os genes certos, Deus.
Revirei os olhos em uma encenação inútil, porque era estava bem claro que eu segurava o riso. Andei até Chris, talvez em passos lentos demais porque tenho um fraco por drama e imaginava aquele momento como uma cena importante antes do clímax de um filme adolescente. Ele segurou minha mão, e disse "você está linda" sem emitir som algum. Christofer tirou uma máscara preta do bolso e amarrou-a atrás da cabeça.
]- Você está pronta para o melhor baile de sua vida, Elizabeth Davis?
A St. Margaret nunca decepcionava em relação às decorações de seus bailes. Claro, pelo valor que cobravam na mensalidade, o que faziam era o mínimo. Mas o ginásio estava particularmente glamouroso naquela noite, com centenas de lâmpadas redondas penduradas no teto que lembravam um céu cheio de estrelas, esculturas intricadas de máscaras gigantes e arranjos de flores que misturavam-se com penas.
- Uau. Eles realmente gastaram muito dinheiro nesse ano. Umas três mensalidades - Chris brincou.
Eu tentava ficar calma, mas a verdade é que não conseguia parar de pensar no que ocorrera da última vez que estivera em uma festa. Balancei a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos. Dessa vez, tudo seria diferente. Minha companhia era alguém que me conhecia desde sempre e que nunca tinha sido menos do que um gentleman comigo. Dessa vez, talvez as coisas até dessem certo. Se eu conseguisse ignorar todas as olhadelas que me direcionavam, se minha mente não acabasse vagando para aquele ponto em que eu me pergunto quais seriam os boatos que estão falando sobre mim e em alguns segundos não consigo mais respirar.
Era só a terceira música, e eu e Christofer já estávamos suando de tanto dançar. Ele tinha esse poder; sempre teve. Não importava o mundo ao redor se Christofer estivesse ali. E ele estava ali, na minha frente, dançando de modo tão ridículo que não me restava opção senão dançar de modo ainda mais ridículo..
- Okay. Eu preciso de uma pausa - ele arfou.
Sentamos em duas cadeiras afastadas, Christofer puxou uma terceira para apoiar os pés e nos conseguiu água, muita água. Ficamos assim por um momento, julgando as máscaras que passavam, tentando adivinhar quem eram seus donos. Era quase como se eu estivesse no primeiro ano do ensino médio novamente.
- Boa noite - Chris e eu ambos erguemos nossas cabeças ao mesmo tempo para seguir aquela voz. Tobias Atkins estava ao meu lado, vestindo um terno branco estampado que contrastava com sua pele escura e com a máscara em mãos - Liz, eu meio que preciso de um favor.
- Você espera um momento? - dei um beijo na bochecha de Chris e me afastei. Aquilo não me cheirava bem. Na última festa, algo muito ruim aconteceu quando alguém precisou de uma ajuda. Mas, como era Tobias e nós havíamos nos aproximado na última semana, tentei manter-me calma.
- Eu meio que quero fazer uma surpresa para Cassie - ele disse, de olhos fechados porque era claro que estava morrendo de vergonha, e eu me senti mais calma imediatamente - Uma surpresa romântica, digo. Ela vai chegar a qualquer segundo.
Eu devia estar com um sorriso enorme, porque meus músculos faciais logo cansaram.
- Caramba, eu odeio vocês! - gritei, rindo. Como percebi que Tobias parecia confuso, expliquei: - Casais felizes me lembram o que eu não tenho e nunca vou ter.
- - Credo, Liz! Não fala assim!
- Mas e a surpresa?
- Ah, claro!
E então ele me contou uma história irritantemente adorável sobre um momento especial que passaram juntos no campo de futebol e como aquilo havia despertado o interesse de algum dia fazer algo para replicar aquele sentimento. Porém, ele tinha tido alguns problemas para conseguir acesso à quadra e agora Cassie poderia chegar a qualquer momento e não havia nada pronto.
E claro que eu seria a super-heroína e mão de obra extra que ele precisava.
Agora eu conseguia ver o que Cassie tinha visto em Tobias. Assim como minha amiga, ele pensava em tudo. Ao decorrer da última semana, ele havia escondido todos os itens que precisaria para a surpresa pelos arredores. Flores, pisca-piscas, uma cesta e, hoje mais cedo, um verdadeiro banquete fora distribuído por todo aquele lugar. Mas, nem mesmo quando se pensa em tudo, as coisas saem como o planejado. Ele quase não conseguira a chave do portão que dava acesso ao campo.
- Você sabe que tem uma portinha no ginásio que dá pro campo, né? E a maçaneta dela é muito frágil.
Ele me encarou, com cara de nada. É claro que ele não sabia. Apenas alguém com muita experiência em arranjar lugares para namoros secretos saberia. Alguém como eu, de fato.
Terminamos de organizar tudo, e cumpri minha outra parte do plano. Enviei uma mensagem para Cassie, uma tão desesperadora que não tinha como ela não correr para o campo na mesma hora que a lesse. Christofer ainda estava sentado na mesma cadeira quando retornei, com um ponche na mão.
- Você colocou álcool aí, né? - perguntei, atrás dele. Ele jogou os braços para trás, me abraçando e forçando que eu me inclinasse sobre a cadeira. Nossos rostos estavam na mesma altura, porém eu estava de cabeça para baixo.
- Você me conhece tão bem, Elizabeth Davis - Christofer soprou um beijo antes de me liberar do abraço sufocante. Sentei ao seu lado.
- É claro que eu conheço. Inclusive... - tateei a bolsa absurdamente pequena que havia trazido comigo, e não encontrei a palheta - Puta que pariu! Eu devo ter esquecido no campo! Já volto!
Fiz o caminho correndo, tentando não esbarrar no que parecia ser milhares e milhares de adolescentes dançando juntinhos. Fui pela porta do ginásio, obviamente, e não tive nenhuma dificuldade ao abri-la. Eu estava quase no meu destino quando percebi que Cassie acabara de chegar, e observei sua expressão alarmada por conta do SMS se transformar lentamente em uma da alegria mais pura possível. Ela levou as mãos à boca, e não é como se eu conseguisse ver as lágrimas daquela distância, mas estava claro que ela chorava. Tobias levantou-se, envolveu-a em um abraço e rodou-a no ar, e até eu ri quando um de seus saltos voou para longe.
Enquanto minha amiga girava no ar e tinha as bochechas esmagadas por beijinhos, dois sentimentos inundaram o meu peito. O primeiro: eu estava muito feliz por ela. O segundo: lá no fundo, bem lá no fundo mesmo, eu a invejava, e não sentia orgulho disso. Como eu queria viver algo assim!
E foi aí que fui tomada por uma realização da qual nunca poderia voltar atrás.
Eu havia vivido algo assim. Agora eu via nitidamente.
Eu havia vivido exatamente aquela cena. Porque Tobias Atkins era o meu namorado.
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