XIV. Síndrome de Afrodite

Eu tenho síndrome de Afrodite.

Foi o que Cassie disse quando a enviei um áudio gritando que havia marcado o encontro com Matteo e que tinha sido tão fácil que 3 dias era um prazo longo demais até para conseguir que ele casasse comigo. Ela então explicou que as pessoas que sofrem dessa síndrome são viciadas em flerte e conquista, talvez por isso eu tenha insinuado a Matteo que estava apaixonada por ele quando sabia que a verdade estava muito longe disso. E talvez por isso eu tenha enviado uma mensagem no instagram de Steve elogiando a última foto que ele postara. E, só talvez, por isso eu tenha chegado de surpresa ao Prince of Wales naquele dia quando sabia que o turno de Ben estava prestes a acabar. Tudo isso enquanto ignorava todas as mensagens de Leigh Anne e os diversos convites do meu pai para que eu passasse a tarde em sua casa.

- Videodrome é mesmo um grande filme - eu disse, antes mesmo de o cumprimentar, sentando ao balcão. Ok, eu não tinha assistido todo o filme, mas tinha visto algumas cenas no youtube antes de ir ao Prince of Wales e lido metade de uma resenha. Me sentia pronta para falar sobre ele por horas.

Ben abriu um sorriso de orelha a orelha quando me viu.

- Viu? Eu disse que filmes de terror de baixo orçamento são os melhores.

Inclinou-se no balcão, apoiando-se nos cotovelos e repousando a cabeça nas mãos enquanto eu falava sobre o cachorro que me perseguira na entrada do Prince of Wales. Eu gostava de como Ben parecia estar sempre interessado no que eu dizia. Às vezes, sentia como se todos os garotos com quem eu saía mal pudessem esperar para que eu calasse a boca para que eles pudessem beijá-la. Mas não o Ben.

- Você veio para a aula de matemática?

- Isso também - respondi, com um sorriso. A Síndrome de Afrodite atacava novamente. Não sei exatamente por quê, mas sentia que com Ben era diferente. Com ele, eu não poderia brincar dessa maneira. Talvez porque eu soubesse que ele era extremamente inexperiente e, consequentemente, impressionável, continuei: - Preciso de alguém para passar as falas da peça comigo.

- Peça?

- Romeu e Julieta - levantei-me e fiz uma reverência segurando um vestido de época imaginário - Você está falando com a ama de Julieta. Esse papel é importante pra mim. Eu quero ganhar um Oscar ou algo assim.

- Eu tenho uma notícia boa e uma ruim para você: a boa é que eu sei tudo sobre Romeu e Julieta - ele segurou o roteiro que eu o oferecia e passou os olhos por ele enquanto falava - Como por exemplo o fato de que os Montéquio e Capuleto apareceram na Divina Comédia de Dante muito antes da peça de Shakespeare.

- E a notícia ruim seria...

- Sou um péssimo ator - ele riu.

- Breaking news: todo mundo no ensino médio é um péssimo ator. Até mesmo Henrietta.

Ben sorriu, balançando a cabeça.

- A Henrietta é o maior ídolo de Toby. Depois da Cassie, claro.

Toby Atkins era o melhor amigo de Benjamin e estava no clube de teatro. Fora dos palcos, ele era uma pessoa absurdamente reservada, mas quando entrava no personagem mudava completamente. Ele seria o Romeu de Henrietta.

- Depois de Cassie? - ergui uma sobrancelha e me apoiei no balcão, convidando-o a falar mais.

- Você não sabia? - ele riu - Eles estão flertando há um tempo. Do jeito deles, claro.

Arregalei os olhos. Cassie nunca havia me dito nada sobre aquilo. Na verdade, eu nem lembro de tê-la visto no mesmo ambiente que Toby ou ter falado sobre ele, além de quando ela me convenceu a não inclui-lo em minha lista; o que agora faz muito sentido. Mais uma vez, Cassie me escondia algo. E eu estava puta.

- Como assim eles flertam? Cassie mal tem tempo pra mim além dos estudos.

Benjamin riu.

- E o Toby mal tem tempo pros estudos além da Cassie - ele deu de ombros.

Eu não queria admitir, mas estava profundamente ofendida. Eu me abrira totalmente com Cassie, contara todas as loucuras que passavam pela minha cabeça, e ela nem sequer confiava em mim o bastante para falar que estava de rolo com um garoto qualquer. Eu era a sua melhor amiga, droga! Eu deveria saber!

- Vamos mudar isso aqui - ergui o roteiro, sem conseguir esconder minha irritação, e tentando desesperadamente mudar de assunto - Eu serei Julieta e você, Romeu.

Ben assentiu de um jeito nervoso e pegou o roteiro, hesitando num primeiro momento. Assim que ele leu a frase que eu apontava, levantou os olhos e me encarou, engolindo em seco. Ele sabia que cena era aquela, e sabia onde eu queria chegar. Eu estava tão irritada que nem havia pensado duas vezes sobre isso. Eu o faria aqui e agora.

- Se minha mão profana o relicário em remissão aceito a penitência: meu lábio, peregrino solitário, demonstrará, com sobra, reverência. - ele não estava exagerando quando disse que não sabia atuar. Não pude deixar de sorrir, porque era simplesmente adorável o seu esforço para soar convincente.

- Ofendeis vossa mão, bom peregrino, que se mostrou devota e reverente. Nas mãos dos santos pega o paladino. Esse é o beijo mais santo e conveniente.

Benjamin tinha os olhos grudados em mim. Me perguntei se aquela seria a primeira vez que ele beijaria uma garota. Eu não sabia muito sobre a sua vida, mas tinha a certeza de que ele não era tão experiente assim. Eu estava irritada com a minha melhor amiga e com o namorado que sumira da minha vida, e Benjamin tinha uma beleza convidativa. Por que não? Minha Síndrome de Afrodite falava mais alto que a consciência.

- Os santos e os devotos não têm boca? - ele sabia aquela fala de cor.

- Sim, peregrino, só para orações.

- Deixai, então, ó santa! que esta boca mostre o caminho certo aos corações.

- Sem se mexer, o santo exalça o voto.

Benjamin inclinou-se sobre o balcão. Xinguei os deuses por termos aquele balcão entre nós. Naquele momento, eu realmente queria sentir o toque do corpo dele no meu.

- Então fica quietinha: eis o devoto. Em tua boca me limpo dos pecados. Beija-a.

Antes que eu pudesse rir pelo fato de Benjamin ter lido a última frase, ele me beija. Foi um beijo terno, lento e contido. Assim como Benjamin. Ele afundou os dedos em meus cabelos, puxando-me, mas o balcão tornava impossível qualquer aproximação adicional. Eu ignorava a minha surpresa por ele ter tomado a iniciativa, e retribuía aquele beijo com desejo. Eu me sentia bem. Não havia a urgência dos adolescentes espremidos em um canto de uma festa, nada de desespero para entrar nas minhas calças. Aquele era provavelmente o beijo mais tranquilo que eu já tinha recebido. Não senti culpa.

No entanto, não pude deixar de sentir uma certa decepção. Eu esperava que aquele beijo mudasse tudo, que eu subitamente percebesse que Ben era meu namorado, e que ele sentisse o mesmo.

- Que passaram, assim, para meus lábios - sussurrei, meus lábios ainda colados nos de Benjamin.

- Os meus pecados? Oh! Eu os quero de volta - ele modificou a fala. Ben afastou o rosto só o suficiente para que nos olhássemos. Ele estava vermelho e com um sorriso envergonhado no rosto, seus olhos orientais brilhando - Me devolva.

Beijamo-nos de novo.

Não houve uma só lição de matemática naquela tarde.

Eu me sentia um milhão de vezes mais leve.

Ainda estava com um sorriso bobo no rosto quando encontrei meu pai, Lola e Leigh Anne sentados no sofá de casa, com cara de poucos amigos. Mamãe afogava sua raiva em um copo de vodka na bancada da cozinha.

- Estou muito decepcionado com você, Liz - ele disse, antes mesmo que eu pudesse cumprimentá-los - Eu trouxe sua irmã para que vocês pudessem, juntas, tornar-se melhores. Mas estamos aqui há menos de uma semana e já descubro que você a acobertou.

Leigh me lançou um olhar cúmplice. Pelo menos, era isso que eu achava que aquele olhar morto de sempre significava naquele instante.

- Ah. Claro - revirei os olhos, jogando minha bolsa na bancada ao lado de mamãe e lhe dando um beijo na testa. Ela fez uma careta em resposta.

Eu não estava no clima de levar bronca por conta de uma irmã que, 3 dias atrás, era como uma conhecida qualquer em minha vida, apenas uma história para contar para os amigos. "Eu tenho uma irmã que mora na Inglaterra"; tudo que eu queria dela era apenas poder dizer isso para quebrar o silêncio e começar a inventar diferenças culturais entre os EUA e a terra da rainha. Por que eu de repente tinha que agir como a irmã mais velha para alguém que eu nem queria que tivesse nascido?

- Você sabe que sua irmã está passando por uma fase complicada - papai levantou - Eu não esperava que você fosse incentivar esse comportamento.

- Por que você espera coisas de mim? Você nem me conhece!

Bridget tentou esconder o sorriso que se formava em seu rosto. Aquilo era o que ela sempre queria: que eu me levantasse contra meu pai. Ela era uma mãe liberal demais para falar algo, sempre dizia que a escolha era minha, mas eu sabia que, secretamente, ela odiava o jeito que eu obedecia todas as loucuras dele.

- Elizabeth...

- Não! - o interrompi, aos gritos. Percebi que Leigh Anne também sorria, enquanto Lola parecia estar prestes a ter um ataque epiléptico. Ou talvez fossem apenas as injeções de botox - Eu não serei a babá da filha que você teve enquanto minha mãe se virava em duas pra cuidar de mim. Já é o suficiente aguentá-la na mesma escola que eu. Agora o senhor poderia por favor me deixar em paz?

Meu pai tentou falar algo, Lola levantou-se em sua defesa e começou a balbuciar coisas que eu preferia nem entender. Mas Bridget se colocou entre nós, rindo escandalosamente.

- Você ouviu a Liz, Sebastian. Saia da nossa casa - ela riu mais ainda, antes de continuar: - Sempre quis dizer isso a você.

Sebastian me lançou um olhar reprovador antes de sair de mãos dadas com a baranga com quem casara e sua filha favorita, mas eu não ligava. Eu nunca seria suficiente para ele, então era mais fácil simplesmente desistir de tentar. Agora você tem duas filhas rebeldes, Sebastian Davis.

Mamãe virou-se para mim assim que eles saíram. Ela segurou meu rosto com ambas as mãos e beijou minha bochecha com força demais. Percebi que mantive o punho fechado o tempo todo, e que algumas lágrimas começavam a descer pelo meu rosto. Minha fachada de Garota Forte estava prestes a ruir e eu não queria que ninguém me visse quando meu estado começasse a parecer deplorável.

- Eu sabia que você ia libertar a Bridget Stacey que existe dentro de você mais cedo ou mais tarde.

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Hellllooooouuuuu
Então, dessa vez eu não tenho nenhum motivo pra não ter postado na quarta, eu simplesmente esqueci kkk mas aqui está o capítulo e espero que vcs gostem!
O que acharam? E o que acham do Ben?
Vejo vcs na próxima semana ♡♡

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