II. Algum problema?

É possível amar um completo desconhecido?

Era o que eu me perguntava enquanto passava pelos majestosos portões de ferro da St. Margaret's. Naquela noite, eu quase não conseguira dormir. Passara a maior parte da noite revirando na cama, me perguntando como e por quê isso estaria acontecendo e tentando entender meus próprios sentimentos. Como eu nunca fui boa em entender a mim mesma, levantei da cama pela manhã com mais dúvidas do que respostas.

Eu conseguia lembrar de tudo. De cada coisinha que meu namorado fizera por e para mim, cada momento de carinho, cada receita que eu tentara cozinhar para ele em uma tarde ensolarada e resultara em uma gororoba sem gosto. Como diabos é possível ter sentimentos tão fortes por alguém que nem sei quem é? Por alguém que, de acordo com todas as evidências, só existia agora em minha cabeça. Cabeça esta que estava latejando de dor naquele segundo.

- Você está pensativa demais - Cassandra me lançou um olhar desconfiado - Você nunca pensa, Liz. O que tá acontecendo? Ainda é por causa daquele sonho maluco?

Tinha dito a ela que minhas ligações desesperadas perguntando sobre um namorado que não existia eram fruto de um sonho que parecia real demais para ser mentira. Se não fosse a caixa em minha escrivaninha, eu ficaria feliz em acreditar nessa versão das coisas.

- Não. Eu já tinha até esquecido isso, acredita? Só estou com dor de cabeça.

- É nisso que dá ficar até tarde fazendo listas de prós e contras de todos os seus pretendentes - ela riu - Não pense que eu já esqueci dessa insanidade.

Eu não conseguia reunir forças para dizer que não, eu não tinha feito nenhuma lista de prós e contras. Até tinha tentando, mas tinha desistido porque dava trabalho demais e a maior parte dos homens só tem contras. Deixei que ela engatasse um monólogo sobre como hoje era importante porque ela enfim apresentaria o trabalho de inglês que passara três semanas desenvolvendo e que não poderia chegar atrasada por motivo algum, até que ela cansou e se despediu da amiga que mais parecia um zumbi com um beijinho na testa. Eu amava beijos na testa com cada pedaço do meu ser.

Observei Cassie enquanto ela subia as escadas de pedra branca. Ela nunca entenderia o que estava passando, nem se eu passasse uma tarde toda explicando tim-tim-por-tim-tim, em parte porque era uma situação absurda e nem eu mesma entendia, mas também porque ela não sabia o que era ter um namorado. Cassie nunca havia amado alguém, nem tido uma paixão platônica avassaladora, e nunca alguém havia sentido isso por ela também. Embora fosse linda de morrer, com uma pele oliva perfeita e uma boca que fazia inveja a todos os esteticistas aplicadores de botox, ela raramente se envolvia com algum garoto. Sempre dizia que não tinha tempo suficiente e que o meu problema era ter tempo demais. Talvez ela estivesse certa; de certo, nada disso estaria acontecendo se eu fosse mais como ela.

Estava começando a acreditar que não ter dormido direito tinha sido um erro gravíssimo. Como eu esperava encontrar o amor da minha vida se estava cheia de olheiras e sentia como se quatrocentos caminhões tivessem passado por cima de mim, engatado a ré e passado por cima novamente? Havia um motivo para que eu fosse tão rígida com minhas 8 horas diárias de sono. A privação de sono me tornava ainda mais imprestável do que eu já era.

Como ninguém em St. Margaret consegue ter um minuto de paz sentado na escada vendo as pessoas passarem pela grama sem que seja importunado por Emma Barret, ela logo apareceu em minha frente.

- Nossa, Liz, a noite passada deve ter sido selvagem! - ela quase gritou, naquele tom agudo irritante de sempre.

Em minha opinião, Emma Barret era uma criaturinha detestável. Eu só aguentava passar mais do que 5 minutos ao seu lado quando estava na companhia de Cassie, que tem um limite de tolerância para Emma muito mais elevado do que o de qualquer ser humano normal. O único motivo pelo qual eu ainda conversava com ela era porque, por mais insuportável que fosse, Emma Barret dava as melhores festas de todo o colégio, e toda aquela parte da cidade disputava os escassos convites como se suas vidas dependessem daquilo.

- Emma, me diga, o que você sabe sobre Matteo Caputo? - eu decidira na noite passada que começaria minha busca implacável por ele.

Ela abriu um sorrisão que indicava que sabia muita coisa. Imaginei que devo tê-la feito muito feliz, pois não há nada que Emma Barret ame mais do que fofocar sobre outros alunos. Principalmente quando esse aluno é o alvo número 01 das fofocas de St. Margaret.

- Vamos começar por partes. Você sabia que ele é, tipo, milionário? - não entendi porque ela frisou essa informação, já que muitos alunos da St. Margaret o eram - Mas o que ninguém sabe é como a família dele conseguiu todo esse dinheiro. Dizem que eles são da máfia italiana ou alguma coisa assim e que ele vai ser, tipo, o chefão quando completar 18 anos. Mas ele já deve estar treinando, porque foi preso ano passado por bater em uns caras num bar na parte pesada da cidade. Dizem que ele deixou os caras, assim, inconscientes, sabe? Deve ter sido louco. A mãe dele é uma estilista hippie e o pai...

- Eu não quero saber sobre toda a árvore genealógica do menino, Emma. Eu queria saber, por exemplo, se ele tem namorada.

Os olhos dela quase saltaram. OK, talvez ter perguntado isso para a maior distribuidora de boatos de toda a escola não tenha sido uma boa ideia.

- Ai. Meu. Deus. Você tá a fim de Matteo Caputo? Por favor, Liz, você sabe que pode fazer muito melhor que isso. Aquele cara vai morrer de overdose na banheira de um motel aos 27 anos.

- Só responda a minha pergunta - eu devo ter soado muito mais ríspida do que gostaria, porque o brilho nos olhos da loira apagaram-se instantaneamente. Cassie sempre dizia que eu devia pensar mais na maneira com que me comunicava com as pessoas. Eu não me importava, entretanto, já que adorava ver aquela expressão de ofensa no rosto de Emma.

- Ah. Não, ele não tem namorada. Raramente fica com qualquer garota da escola, e tenha certeza de que não ficaria com você. Matteo gosta de manter suas garotas bem longe dos holofotes - ela fingiu olhar para o relógio. Era uma clara mentira, porque ninguém seria capaz de ver as horas em um movimento tão rápido assim - Bom, agora eu tenho que ir. Boa sorte com o seu deliquente! Au revoir!

Emma Barret me lançou um beijo no ar antes de rodar nos calcanhares e subir as escadas em pulinhos. Ugh. Eu a odiava.

Não importava o que eu fizesse, Matteo Caputo estava concentrado demais em seu livro para notar a minha existência. Às vezes suas mechas castanhas caíam sobre o olho e ele levantava um pouco a cabeça para jogá-las para cima novamente, e eu tinha uma boa visão de seu rosto. Acho que nunca havia estado tão próxima dele antes, sempre o via através do gramado na frente da escola ou de cima da arquibancada da quadra, de onde eu tinha uma visão privilegiada do cantinho que os drogados usavam para fumar maconha. Assim, de perto, ele parecia ainda mais bonito; dono de uma estrutura óssea invejável e um nariz saliente.

Estávamos na biblioteca, sentada na cadeira em sua frente e ele com os olhos grudados em algum livro estúpido. Eu odiava a biblioteca da escola, com seu cheiro de livros antigos que irritavam meu nariz e o silêncio completo que irritava a minha mente. Fiz uma anotação mental de que, se Matteo passava tanto tempo assim na biblioteca quanto aparentava, talvez ele não fosse meu namorado misterioso.

- Algum problema?

As palavras dele me pegaram de surpresa, e eu até virei a cabeça para todos os lados para ver se ele estava falando comigo. Não havia ninguém perto de nós.

- Perdão?

- Você não fica quieta. Está me atrapalhando - a voz dele era rouca, provavelmente de tanto fumar. Toda vez que eu o via fora da sala de aula, estava com o cigarro na boca. Torci para que ele não fosse meu namorado, porque não aguentaria perder o grande amor da minha vida para um precoce câncer de pulmão.

- Ah - tentei pensar rapidamente em uma desculpa - A biblioteca não faz bem a minha rinite alérgica.

- Por que você não sai? Nem está lendo mesmo.

Mas que filho da puta.

- É claro que eu tô lendo.

- Você tá na mesma página há 10 minutos - ele riu. Os dentes dele eram tão pequenos e alinhados. Eu podeira lambê-los.

- Desculpa, não sabia que você estava supervisionando quantas páginas eu leio por minuto - passei a página de um modo talvez dramático demais.

Matteo riu novamente.

- Se eu estivesse, o resultado seria zero.

Não sei se foi porque ele parecia estar brincando agora, ou porque eu estava disposta a esquecer toda a arrogância anterior e acreditar que seríamos uma daquelas histórias de amor em que os protagonistas brigam até a metade do filme e depois se apaixonam perdidamente, mas eu logo esqueci que estávamos discutindo e me juntei ao riso.

- O que você está lendo? - levantei-me um pouco e me inclinei em direção ao seu livro, para ver e para que ele pudesse analisar o meu decote, meus cabelos loiros caindo sobre ele.

Erro de principiante. Toda a arrogância de alguns segundos atrás voltou de repente.

- Por que você tá falando comigo?

O encarei por alguns segundos. O que diabos ele queria dizer com isso?

- Por que eu não falaria?

- Porque você é Elizabeth Davis - Matteo chacoalhou as mãos no ar quando falou meu nome com uma voz afetada e revirou os olhos.

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OLÁÁÁÁ! Como está o carnaval de vocês? Dançando muito em bloquinho ou só lendo histórias no wattpad (o meu está sendo assim)?

Gostaram do segundo capítulo? Parece que vamos conhecer melhor o Matteo agora...

Os dias de postagem continuam sendo às quartas, ok? Só publiquei hoje pq não tinha certeza se conseguiria publicar amanhã. 

Tô feliz demais com os comentários de vocês na história <3

Então até o próximo capítulo! Beijos!


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