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– Nicolau! – grito com toda força que consigo.
O volume que sai da minha garganta não é muito alto, mas serve para despertar o Nicolau. Ele abre os olhos com lentidão e quando ele absorve tudo o que nos rodeia, ele força os braços para ficar de pé.
Tento fazer o mesmo e fico um pouco mais tranquila ao perceber que também já consigo me mexer. Meus músculos estão bem doloridos e a tarefa da ficar em pé é bem complicada. Não reconheci o local onde estávamos e percebi que parecia uma pequena biblioteca. Erick tinha nos movido?
– Temos que sair daqui! – Nicolau grita e eu olho para ele.
A nossa visão já está um pouco comprometida por conta da fumaça. Abaixo um pouco e me sinto melhor por respirar menos fumaça. Nicolau faz o mesmo e se aproxima de mim.
– Vem comigo – ele pede para que eu o siga e eu faço isso sem pestanejar.
Saímos da biblioteca e o fogo parece estar um pouco mais ameno, também, tinha bem menos papel no corredor. Dava pra reconhecer facilmente os pontos que eram o começo do incêndio. Tudo foi bem distribuído. Erick não era nenhum amador.
A madeira rangia sobre os meus pés e eu estava ficando extremamente preocupada com a estrutura da casa.
– Não estou gostando nem um pouco desse rangido daqui – Nicolau reclama e seu pé atravessa a madeira frágil, quebrando parte do piso.
Nem temos tempo de reagir quando o chão e o teto tremem, despencando sobre nós, me jogo instintivamente para trás e fecho os olhos, cobrindo o meu rosto sobre qualquer coisa que caísse sobre eles.
Quando o barulho cessa, abro os olhos e tento me acalmar.
– O que foi isso? – Nicolau grita alarmado e eu não conseguia mais vê-lo. Alguns escombros estavam na minha frente.
Fico aliviada, pois ele não parecia estar ferido. Sei que é uma suposição idiota apenas me baseando na voz dele, mas eu tinha que segurar em alguma coisa. Já que eu não tinha tido tanta sorte, com os meus passos para trás, acabei prendendo ele em algum lugar e tropecei, caindo de bunda no chão.
Sinto uma dor alucinante quando algo de madeira, uma mesa, ou algo parecido, cai por cima do meu pé, fazendo outro barulho alto e eu tenho que morder o meu lábio para não gritar alto. Movo o meu pé e retiro o móvel de cima.
– Escutei outro barulho Viv! – o grito dele parecia estar vindo de outro lugar, ou poderia ser apenas impressão minha. Mas eu ainda não consegui vê-lo. – Onde você está?
– No mesmo lugar de antes. Ainda no corredor. Mas já estou procurando uma saída.
– Fique falando comigo! Estou indo te encontrar.
– Devo ser capaz de encontrar a saída... – com os dedos trêmulos ergo a mesa que não era tão pesada assim de cima do meu pé. Já conseguia ver a coloração avermelhada já esperada. Pelo menos não havia sangue.
– Nada feito. Só continue falando Vivian! – a voz dele estava mais próxima, mas ainda me parecia absurdamente distante.
– Só pegue algo que é insubstituível para você, eu já saio daqui – me forço a ficar de pé e o meu tornozelo queima assim que eu o encosto no chão. Me movo com muita dificuldade agora, encostada em uma parede e tentando manter o peso sobre o meu machucado mínimo.
– Certo, eu buscarei isso então.
Fecho os olhos por alguns momentos para lutar contra as lágrimas que queiram se formar por conta da fumaça, minha garganta estava tomada por areia em chamas e não consegui falar outra coisa, somente tossi.
De olhos fechados, nem reparo quando ele veio na minha direção e me toma em seus braços.
– Pronto, peguei o meu insubstituível.
Perdi completamente a fala. Não saberia como expressar os meus sentimentos nesse momento. Eu sou insubstituível para ele? Aquilo me acertou com a sutileza de um soco no estômago e para conseguir aguentar a força daquele sentimento que me comoveu naquele momento, passo os meus braços ao redor dele, abraçando com firmeza.
Aquelas palavras e ações em outra situação não teriam o mesmo peso e importância quanto aquele momento. Era ridículo eu sei eu estar pensando nisso quando a casa dele está pegando fogo e o irmão dele que nos deixou ali para nos queimar, mas não dava para evitar.
Meu peito estava apertado e aquele gesto dele foi quase como uma lufada de ar fresco em meus pulmões. Isso, combinado com seus passos rápidos, nos fez sair daquele inferno. E então sinto a minha bunda pinicar, quando ele me coloca sentada na grama.
– Você está bem? – ele pergunta preocupado, com o seu rosto parcialmente coberto com fuligem. Seus olhos estavam sem brilho e ele tinha um corte na sua cabeça, que sangrava lentamente em seu rosto.
– Realmente você está me perguntando isso? – digo segurando o seu rosto com as minhas mãos.
As lágrimas que vem a seguir, eu não consigo contê-las. O amor que eu sinto por esse homem na minha frente é tão intenso que por alguns momentos me sinto até sufocada. Eu me sinto uma bela de uma idiota por estar chorando assim na frente dele e pra ser sincera nem tenho motivos para derramar essas lágrimas, mas quando o sentimento vem, não há como pará-lo.
Enxugo porcamente com as costas das minhas mãos e aquilo só serve para espalhar mais fuligem pelo meu rosto.
– Ei. Seu tornozelo está doendo assim? Eu posso pegar o meu carro e te levar para um hospital eu...
– Não é isso – digo entre lágrimas. – Eu só... Não sei. Eu só... Obrigada – digo sincera e meio maluca. Ele não deve estar entendendo o meu humor agora. Por Deus, nem eu estou me entendendo agora.
– Não me agradeça. Dessa casa, a única coisa que não poderia ser substituída é você Vivian – ele toca o meu rosto com delicadeza e beija, levando embora as minhas lágrimas.
Sirenes começam a tocas e quando olhamos para trás, vemos o caminhão dos bombeiros se aproximar com muita velocidade. Nicolau enlaça os seus dedos nos meus e as lágrimas não ameaçam mais cair. Somente saímos do caminho enquanto os bombeiros faziam o trabalho deles e controlavam o fogo com maestria. E acredito que quinze minutos depois as chamas estavam sob controle, ainda queimavam, mas não representavam mais perigo.
Só percebi que uma ambulância tinha chegado ao local quando dois paramédicos tocavam o meu ombro e me disseram que iriam imobilizar o meu pé. Somente concordo com a cabeça e vejo os dois homens amarrarem o meu pé numa tala e me colocarem em cima de uma maca, me levando para a ambulância.
Nem assim eu largo a mão do Nicolau. Nos entregam máscaras de oxigênio menos de um minuto respirando aquele ar fresco fez um bem que não estava escrito. Os meus músculos que pareciam pesar uma tonelada se tornaram mais leves. Meus olhos que ardiam, ficaram mais límpidos. A respiração que estava curta e dolorida se tornou longa e prazerosa. Sentei na parte traseira da ambulância.
– Vamos levá-la para o hospital Tenente Darela – um dos rapazes disse. Eu estava tão envolta com a situação que eu nem tinha percebido que eu conhecia os paramédicos. – Precisamos fazer uma radiografia, quem sabe até uma ressonância para saber a gravidade do ferimento.
– Tudo bem – mas não queria sair dali naquele momento. Não queria deixar o Nicolau sozinho, mas parece que sentindo esse meu pensamento, ele se aproxima de mim e me dá um beijo na testa.
– Assim que resolver seja lá o que quer que eu tenha que resolver aqui eu vou te encontrar.
– Fique bem, por favor – desejo do fundo do meu coração e beijo seus lábios de leve.
Ajustam a minha maca dentro do veículo e em questão de segundos já estamos dirigindo pelas ruas da cidade, com a sirene ligada e um dos rapazes olha para trás e começa a conversar comigo.
– Como você está se sentindo Tenente? Precisa ligar para algum familiar para informar sobre o seu estado?
Penso na minha irmã, mas não quero perturbá-la. Já está tarde e uma ligação de madrugada só irá fragilizar o seu estado que ainda está fragilizado. Eu estou viva, eu estou relativamente bem, e amanhã de manhã, quando estiver mais calma eu me comunico com ela. E também ligarei pros meus pais. É isso, é mais fácil. Então digo que eu não preciso ligar para ninguém.
Sou levada para a sala de radiografia assim que chegamos no hospital e o médico me diz que sofri uma fratura no meu pé, eu teria que engessar e passar duas semanas com o dito cujo no meu pé. Não reclamei tanto assim. O médico tinha acabado de enfaixar o meu pé quando Nicolau entra na saleta. Seu rosto estava limpo e os cabelos molhados.
– Oi – ele diz num sussurro triste e senta do meu lado, de cabeça baixa, sua mão procura a minha.
– Oi – tento soar um pouco mais animada e enlaço nossos dedos.
– Você falou com a Vanessa?
– Não, eu ligo pra ela amanhã de amanhã, não quero preocupá-la com isso agora, não é como se ela pudesse fazer algo agora... Infelizmente o pior já passou.
– Sim.
– E qual a situação da sua casa?
– Um desastre completo, os bombeiros não esperam que eu consiga salvar muita coisa de lá... Vou procurar outra coisa para mim.
– Se não quiser ficar sozinho, pode ficar lá em casa, afinal, não é completamente estranho... Você já conhece tudo por lá.
– Não quero incomodar...
– Não é incômodo amor, pelo amor de Deus! – digo um pouco envolta com as emoções de hoje. – Você já dormiu diversas vezes lá.
– É, mas agora seria bem... Diferente.
– Claro que sim, mas não é um diferente ruim Nicolau. Eu realmente gostaria que as condições para você morar comigo fossem distintas, mas é o que temos para hoje...
– Sim, é o que temos para hoje.
– Então estamos combinados, você até já tem suas roupas e coisas lá, não será tão diferente assim como você está pensando...
– Assim espero.
Os médicos dão alta para mim e depois de fazerem alguns exames com o Nicolau ele é liberado também. Ele está de carro e me ajuda a andar com esse trambolho na minha perna. Liga o carro e segue silenciosamente até a minha casa. Depois de estacionar o carro, volta a me ajudar a caminhar e tudo o que eu preciso agora é de um bom banho.
– Vai ser um saco tomar banho agora com esse trambolho na minha perna.
– Precisa de ajuda?
– Se me ajudar a caminhar até o banheiro vou ser eternamente grata.
– Posso fazer isso – ele me toma mais uma vez em seus braços e me carrega até o banheiro, com o pé ele baixa o assento e proteção do vaso sanitário e me põe sentada em cima do aparelho, sem que eu peça nada, ele começa a retirar a minha roupa. – Precisa de ajuda para entrar no chuveiro? Precisa de um banco?
– Um banco é uma boa ideia para não molhar o gesso...
– Só um minuto – ele sai do banheiro e quando volta tem dois bancos de plástico e uma jarra grande de suco. – Vem, senta, eu te ajudo a tomar banho.
Ele coloca um banco afastado do chuveiro e outro bem na frente do primeiro. Ainda não tinha me levantado. Seus olhos estavam tristes e ele ficava cada vez mais calado.
– Não precisa fazer isso amor, eu consigo e...
– Me deixa fazer isso, por favor, preciso ocupar a minha mente, e você ocupa a minha cabeça sempre com os melhores pensamentos – é a última coisa que ele diz.
Não digo nada também. Ele lava o meu rosto com cuidado. Seus dedos ensaboavam com delicadeza a minha pele. Nicolau parece concentrado no seu trabalho e tento fazer com que ele não tenha muito trabalho. Quando termina, busca uma toalha e me enxuga devagar, me enrola no tecido felpudo e me ergue em seus braços, me levando para a cama.
– Obrigada – agradeço e todo o seu rosto. Ele sorri sem dentes.
– Sempre que precisar. Vou tomar outra ducha rápida. Precisa que eu pegue algo pra você dormir?
– Não precisa se preocupar comigo. Pode ir tomar seu banho tranquilo. Fique à vontade.
Consigo levantar e com muita dificuldade pego um pijama para mim e passo o tecido leve e fresco de algodão pelo corpo. Deito na cama e só então percebo que estou com muita sede. Merda. A viagem até a cozinha vai ser um saco.
A porta do banheiro se abre e Nicolau tem uma toalha enrolada em seus quadris. Fico olhando quando ele vai até a cômoda e pega uma calça de moletom e depois de pendurar a toalha no banheiro, ele veste a calça e eu fico de pé.
– Vai pra onde mandona? – ele pergunta se aproximando de mim e abraçando a minha cintura.
– Cozinha, eu percebi que estou morrendo de sede.
– Fique aqui, eu pego pra você – e nem espera uma resposta, já vai me sentando na cama novamente e andando para a cozinha.
Tomo o copo d'água sentindo a minha garganta melhorar trezentos por cento. Nicolau deita na cama e eu dou o meu melhor para me enganchar nele. Encosto minha cabeça em seu peito. Sua respiração estava estranha.
– Sabe... – ele começa a falar. – Nem sabia que eu tinha um limite até atingi-lo.
– Limite?
– Sim. Meu limite. A quantidade de merda que posso aguentar do meu irmão. O quanto de dor ele pode me infligir. Não posso aguentar mais. Não quero mais saber dele...
– Eu sinto muito Nico – quis acrescentar que eu e a Vanessa seríamos a família dele se ele quisesse, mas até eu mesma me espantei com essa minha linha de pensamento.
– Meu irmão morreu para mim, pela segunda vez – ele diz triste e me puxa para um abraço apertado. Só percebi que ele chorava quando uma gota molha a minha testa.
Paciência comigo pessoal, meu pc não tem mais nenhum acento ou cedilha, pra revisar os capitulo, estou tendo que rebolar e confiar muito na correção automática... Então, já estou me desculpando por possíveis muitos erros :P
Um beijo grande e ate o próximo capitulo :*
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