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Vanessa está sentada no banco do meu carro e seus olhos estão para baixo, e vejo lágrimas querendo brotar de seus olhos. Ela não fala nada e eu não quero pressionar, mas eu tinha que saber.
– Um bebê Vanessa? – seu rosto se ergue e seus olhos estão arregalados.
– Vivian, podemos falar sobre isso em casa? – ela me fala tão triste que nem tenho como recusar.
Dou a partida em meu carro e voltamos para casa. A viagem é feita em silêncio absoluto. Não tenho coragem de quebrar o silêncio de maneira nenhuma. Eu disse a Vanessa que iria dar o tempo dela, e é o que vou fazer.
– Chegamos – tive que falar quando parei o carro dentro da garagem e Vanessa sai do carro, ainda sem falar nada, ainda sem levantar a cabeça.
Saio do carro também e vou atrás da Vanessa. Quando a encontro ela está perto da geladeira, com a porta aberta, olhando para a luz da geladeira totalmente parada. Me aproximo dela em silêncio.
– Desculpa Vanessa, eu não devia ter dito nada sem saber, não deveria ter dito essas coisas...
– Você não ter que pedir desculpas Viv, eu que tenho que me desculpar, não consigo nem me abrir com você, que é minha irmã...
– Você deve ter seus motivos Van, eu é que não deveria estar te pressionando assim...
– Mas você não está me pressionando mana, é que eu nem sei o que estava passando na minha cabeça, sabia que era bem provável acontecer isso.
– Vanessa, não quero que você fique constrangida. Eu disse que ia esperar você estar preparada para falar o seu lado da história e é isso que eu vou fazer.
– Eu não mereço você mana – Vanessa me abraça e chora um pouco em meu ombro.
O silêncio da cozinha só era interrompido pelos soluços da minha irmã. Eu a faço sentar na cadeira alta dali e peço um copo com água e açúcar e a faço tomar alguns goles. Seu respiração vai ficando mais normal e mesmo a meia luz da cozinha eu consegui ver como os seus olhos estavam ficando inchados.
– Vanessa, você não tem que fazer isso agora. Você deve estar cansada de ter andado no shopping e as suas emoções estão um pouco por todo o lugar agora. Acho que o melhor que você pode fazer é tomar um banho relaxante e tentar dormir um pouco. Podemos ter essa conversa outra hora.
– É difícil falar com esse nó na minha garganta.
– Não precisa falar agora. Está tudo bem Van.
– Acho que vou aceitar o banho e cama. Desculpa Vivian, mas é que é uma coisa ainda bem recente pra mim...
– Sem problemas Vanessa. Você precisa de alguma coisa?
– Não, está tudo bem – ela coloca o copo em cima da pia e vai para o seu quarto. A casa está tão silenciosa nesse momento que escuto o barulho oco do trinco da sua porta.
Vou para o meu quarto e tomo um banho quente, tentando relaxar os meus músculos. Estava tensa, mas nem assim consegui relaxar. Estava com uma dor no meu peito e não consegui pregar o olho de jeito nenhum. Olhei para a minha varanda e vi que a noite estava linda. Resolvo então tomar um pouco de ar fresco, quem sabe assim eu não consiga dormir?
Desço as escadas e nem me importo em me cobrir, pego uma pequena lamparina que eu tenho e acendo e levo para fora. Abro uma porta lateral da casa, que dá para um pequeno jardim e um banco comprido de madeira, daqueles que tem em praças, coloquei a lamparina com cuidado no chão e fiquei ali sentada observando as estrelas.
O vento estava frio e agradável e olhar as estrelas estava me fazendo esquecer um pouco da dor nos olhos da minha irmã.
O que quer que tenha acontecido na vida da minha irmãzinha, foi bem traumático pra ela. No começo eu só pensava que tinha uma coisa boba, um desentendimento bobo com a minha mãe, mas pela reação dela, acho que tem mais coisa por trás...
Olho para longe e vejo o reflexo da minha piscina. A lua estava grande no céu, e estava linda. Imagino quantas pessoas não deveriam estar olhando a mesma lua e fazendo milhares de pedidos e promessas.
Eu tinha muitos pedidos, mas o que queimava dentro de mim era um pedido para que a minha irmã encontrasse paz. Que ela encontrasse a felicidade.
– Também não consegui dormir não foi? – Vanessa fala atrás de mim, me assustando um pouco. Fiquei tão envolvida com as minhas orações e pedidos que nem a escutei se aproximar. Vanessa parecia uma pequena criança em seu pijama.
– Acho que tive algumas dificuldades...
– Não vou conseguir dormir se eu não te falar Viv.
– Não precisa se você ainda não estiver pronta pra isso... Eu vou entender, e sempre há calmantes...
– Mas eu prefiro tirar isso de dentro do peito Viv, nem sei porque achei que pudesse esconder isso de você tanto tempo, afinal com o seu super faro de policial era somente uma questão de tempo até que você descobrisse... – ela contorna o banco do jardim e se senta ao meu lado.
– Mas você sabe que eu não sei de muita coisa não é? Eu só fiz uma suposição.
– E o seu instinto esta certo mana, isso tem haver com uma criança...
– Isso ficou um pouco claro quando eu vi a sua reação ao ver aquela loja de roupas de bebês... Não sei o que eu estava pensando. É claro que um shopping ia ter uma loja de roupas infantis.
– Não tinha como você saber...
– Mas você entende que uma criança é um assunto bem vago não é? Tem tantos motivos possíveis para você reagir daquele jeito quando visse uma loja de roupas de bebês...
– Eu sei que sim. Você tem que saber o que aconteceu na minha viagem...
– Sou toda ouvidos Vanessa.
– Você sabe que sempre foi o meu sonho fazer um mochilão pela Europa, conhecer os países de lá e arriscar as minhas línguas não sabe?
– Claro que sim Van, desde que você começou a fazer seus cursos de inglês, francês, alemão e sei mais lá o que, você sempre infernizou nossos pais para ir em uma viagem de intercâmbio.
– Então. Eu fui fazer isso mana. Eu peguei minha mochila, botei debaixo do braço e fui realizar meu sonho. Pegava um bico de garçonete, lavadora de pratos, qualquer coisa que me levasse de uma cidade a outra... Fui levando assim por três meses...
– Você sabe que os nossos pais pensavam que você estava somente em Portugal, não sabe?
– Eu sei disso, e por favor, não conta pra eles Viv, eles não entenderiam. Mas eu fui tão feliz nesses quatro meses. Não aconteceu nada demais até que...
– Até que o que?
– Eu conheci um cara lá. Nós saímos um monte de vezes e ele começou a me acompanhar na minha viagem. Ele era um cara divertido e ele me disse que era argentino, mas falava português muito bem. Passamos mais de um mês juntos e eu acabei me apaixonando por ele. E você sabe como as pessoas podem fazer coisas bem estúpidas quando estão apaixonadas, não sabe?
– Tenho uma ideia Van.
– Pois então, eu fiz a burrada de dormir com ele sem camisinha. Eu tomava pílula e fizemos os exames antes, tudo direitinho, para ver se estávamos saudáveis e bem. Estávamos livres para nos amar livremente. Foi maravilhoso.
– Van, eu tenho certeza que deve ter sido, mas será que você poderia não dar muitos detalhes, não quero ter essa imagem na minha cabeça.
– Certo, desculpe – ela dá um sorriso triste. – Então, estávamos juntos a cerca de dois meses quando ele disse que tinha que fazer uma viagem de emergência para a Argentina, tinha que resolver alguns problemas pessoais. Mas ainda nos falávamos todo dia, e ele era um cara super atencioso. Quando ele voltou da viagem ele me trouxe presentes e disse que estava apaixonado por mim – de repente ela para de falar e lágrimas escorrem pelo seu rosto.
– Pode parar a hora que quiser.
– Não, eu estou bem – ela respira fundo e sorri para mim. – Então eu não pensei duas vezes antes de aceitar o seu pedido de ir morar com ele. Escolhemos uma pequena cidade no interior da Itália e conseguimos uma casa para nós, na realidade Juan que acertou tudo para nós. Então nos estabelecemos na casa e fomos montando nosso lar aos poucos. Eu liguei para a mamãe para lhe dar a novidade, dizer que tinha encontrado alguém e que talvez minha viagem durasse um pouco mais.
– Foi esse o motivo da sua briga com a mamãe?
– Foi. Ela ficou possessa ao saber que eu estava morando com um cara. Disse que aquilo era errado e que eu não deveria estar brincando de casada, que eu ainda era muito nova e que eu não sabia o que eu estava fazendo. Claro que eu não dei ouvidos a ela. Disse coisas horrorosas sobre ela e disse que já estava grande o suficiente para cuidar da minha própria vida. Se eu pelo menos soubesse...
– Não teria como saber Vanessa, não importa o que aconteceu, não teria como você saber...
– Obrigada. Mas depois daqui só piora. Então estávamos na nossa casa, felizes e sorridentes. Quando num belo dia de quarta feira, Juan somente some. Sumiu, não me deixou nenhum recado, não me disse para onde iria e nem se iria voltar. Fiquei em estado de completa agonia. Pensei que tinha acontecido alguma coisa com ele, fiquei desesperada atrás dele. Procurei qualquer pessoa que talvez pudesse saber do paradeiro dele, mas só bati contra as paredes, não consegui nada demais. Foi então que eu juntei um pouco do meu dinheiro e contratei um detetive particular para saber do paradeiro dele, já que a polícia não estava mais me ajudando e eu não tinha mais para quem recorrer...
– Você não pensou em pedir minha ajuda? Eu poderia ajudar?
– Até pensei Viv, mas você ainda estava se adaptando a sua posição e eu não queria te atrapalhar...
– Não atrapalharia...
– Eu sei agora. Então você tente entender a minha frustração quando o detetive particular não conseguiu encontrá-lo. Toda pista que ele conseguia era um beco sem saída. Eu estava desesperada. e quando me despejaram da casa que estávamos morando, fiquei sem ter onde morar, numa cidade que eu não conhecia muito bem. Tive que me mudar para a cidade vizinha e peguei um emprego de meio período para poder pagar as minhas contas e as do detetive.
– Você deve ter se sentido muito perdida Vanessa...
– Com certeza fiquei. Fiquei assim por umas boas semanas. E então o Juan volta. Como se nada tivesse acontecido. Ele simplesmente abre a porta do bar que eu estava trabalhando e me abraça apertado. E mais uma vez, como o perfeito exemplar de mulher apaixonada que eu sou, me deixei levar pelo seu abraço, pelo seu carinho e atenção. Toda a raiva se dissolveu como mágica quando ele me tomou nos braços e me fez mais uma vez dele. Me chame de maluca, mas eu senti que algo mudou em mim naquela noite. Acho que nunca vou esquecer do que senti naquela noite...
Ela fecha os olhos com força e abaixa o olhar. Passo um braço pelo seu ombro e a abraço. Não sei o que falar para ela agora. Vanessa respira fundo uma vez e continua a falar.
– Quando acordei no outro dia, o lado onde ele dormia estava completamente vazio, frio. E eu sabia que mais uma vez ele iria sumir da minha vida. Ao lado da cama, tinha uma mala preta grande, e um bilhete dele em cima. No bilhete ele me dizia que não era mais para eu procurá-lo. Que não queria que eu o investigasse mais, que tentasse esquecer dele por enquanto, que não era seguro estar ao lado dele. Dentro da mala, dinheiro suficiente para que eu pudesse recuperar a nossa casa. A quantidade de dinheiro era absurda! Fiquei sem saber o que fazer, estava mais uma vez perdida sem ele. E o pior, que daquela vez, eu estava me sentindo usada. E aquele sentimento estava fazendo eu me sentir a pior pessoa do mundo... E sabe o que é o pior de tudo isso? Que mesmo ele me usando, mesmo ele me abandonando, eu ainda não consigo odiar aquele maldito!
– Sinto muito Vanessa – o no na minha garganta incomodava muito.
– Eu também. O sermão que a mamãe me deu ficava ecoando na minha mente, me fazendo sentir pior ainda. Se eu pelo menos tivesse escutado ela... Ela tinha toda a razão, eu me machuquei muito nesse relacionamento. Parecia até que ela estava prevendo tudo isso... Porque eu não a escutei Viv? – ela chora em meu ombro, enquanto eu afago seus cabelos, numa tentativa de acalmá-la.
– Você não saberia Van. Nem a mãe poderia saber. Poderia ter acontecido com qualquer uma... Não se martirize assim, esse cara é que não vale meia lágrima que você está derramando por ele.
– Eu tinha que sair de lá. Tudo naquelas cidades me lembravam ele. Na realidade tudo ali me lembrava dele, minha mochila, as viagens que a gente fez, as risadas que a gente compartilhou, tudo. Tudo era doloroso demais. Eu me apaixonei perdidamente por ele Viv, e ele fugiu e levou meu coração com ele. Por isso que eu estou aqui agora. Peguei o dinheiro que ele me deixou, comprei uma passagem de volta. Doei o resto pra caridade. Parecia o certo a se fazer...
– Sei que parece clichê Vanessa, mas eu sei que você vai encontrar uma outra pessoa. E depois de escutar a sua história, eu tenho certeza que você vai encontrar alguém para te fazer feliz. Depois disso você merece.
– Obrigada Vivian... Mas pra completar a minha situação, eu ainda descobri que estou grávida dele! Você pode imaginar o meu desespero? Eu sabia que a última noite que eu tinha passado com ele tinha me mudado de uma forma irreversível...
– Você está grávida? – pergunto espantada e olho diretamente para a sua barriga.
– Sim. Estou com algumas poucas semanas de gestação.
– E você está tomando vitaminas? Já foi nos médicos especializados? Você sabe como está a saúde do bebê?
– Eu digo que estou grávida e você está preocupada com ele Viv? Pensava que eu ia tomar um sermão dos infernos por estar grávida...
– Um sermão até que me passou pela cabeça, mas acho que essa não é a hora adequada para você escutá-lo. Mas se você precisa desesperadamente escutar um sermão, eu te dou um aqui e agora. Como é que você faz uma viagem longa dessa e não tem o cuidado? Vanessa, você agora tem que pensar em vocês dois...
– E eu sei disso. E eu penso muito nele. É errado eu querer ter esse filho Vivian? É errado eu amar uma coisa que aquele homem sem coração fez para mim? Uma coisa que fizemos juntos, fruto de um amor da minha parte?
– Claro que não Van. E eu vou estar aqui também por você – aperto sua mão e ela sorri para mim.
– Obrigada Vivian. Nem sei como te agradecer.
– Deixa de conversa besta. Que espécie de irmã eu seria se eu te abandonasse assim? Vou te dar o número do meu ginecologista e depois ele pode te guiar para outro médico. Olha, vamos cuidar juntas dessa gravidez que eu quero um sobrinho ou sobrinha bem fofo tá certo? – tento mudar um pouco o assunto, para ver se ela fica mais feliz. E funciona. Vanessa dá um sorriso verdadeiro.
– Obrigada mana...
– Mas e os nossos pais Van? Sei que você teve uma briga com a nossa mãe, mas acho que os dois deixam tudo pra trás se você lhes disser que eles vão ser avós...
– Também acho – ela sorri e me olha. – Obrigada por me escutar Viv. Eu me sinto bem melhor agora.
– E eu também. Agora já sei como eu posso te ajudar. Que tal entrarmos, começou a esfriar e não quero que o meu sobrinho pegue um resfriado...
– Estou vendo que você vai ser a tia mais coruja do mundo...
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