Capítulo 56

- Bem... - Valentina soltou mais uma flecha - O que pretende fazer?

- Não sabia que eu tinha que ter um plano. - Marlon bufou.

- Seria bom que tivesse pelo menos uma ideia de como convencer o Conselho se em algum momento precisarmos.

- Acho que eu posso deixar isso com você. - ele sorriu - Não sou diplomático...

- Você não tenta ser. - ela soltou mais um flecha e o barulho do aço na madeira soou - Além disso, sou do clã Saeb e não somos conhecidos por nossa diplomacia.

- Ravena, então?

- Estrangeira. - a ruiva riu - E meu irmão é ainda uma criança. Já pensei nisso tudo para te poupar, mas não tem saída.

- Não acho que um cego seja a saída. - o rapaz sentiu o vento fresco do verão em seu rosto e o barulho das árvores ao seu redor.

- Celina era muda e as pessoas ainda a escutavam.

- Celina fundou Zaark... - ele bufou - E tinha um dragão.

- E você trouxe nossa rainha de volta... e tem uma coruja. - a moça riu baixinho.

- Oto, se ninguém concordar comigo, faça o favor te tentar arrancar os olhos deles fora. - Marlon riu de volta - Ainda estou tentando entender o que estava passando na cabeça dela em deixar a gente no controle. Sou um camponês, para ser mais justo comigo, um bardo... não entendo quase nada do que está acontecendo.

Valentina ficou em silêncio por mais alguns momentos, o rapaz foi capaz de ouvir ela pegar outra flecha, puxar a corda do arco e do objeto corta o ar até seu alvo. Milésimos de segundos antes de acontecer o impacto, a moça disse.

- Ela confia em você. - cansada ela sentou ao lado de Marlon - No mínimo acredita que pensam parecido.

- Não deveria está aqui. - ele sorriu com tristeza.

- Acredita em destino?

- Honestamente, acho que isso é uma desculpa que criamos para colocar a culpa das coisas que dão erradas nas mãos de outras. - ele apertou os lábios - O que transforma o que acabei de falar em uma grande bobagem... não me sinto confortável aqui, mas... foi escolha minha.

- Se arrepende?

- Ainda não. - ele suspirou - Como eu faria os nobres confiarem em mim?

- Não sei. Mas, normalmente, só precisa que as pessoas sintam mais confiança em você do que no lorde Knightley. - ela suspirou - Ele anda tão estranho. Parece... transtornado.

- Ele não gosta de mim.

- Ele não gosta de quase ninguém. - ela riu - Nada pessoal! Sem contar que você tem um agravante: era amante da moça, a qual deveria casar com o filho dele.

Marlon concordou pensativo.

- Nunca conversei sobre isso com Kay... - ele engoliu seco - Ele tinha algum ressentimento?

- Com você? - Val riu com uma certa tristeza - Aquele cabeça oca só pensava em manter Avalon bem e segura, você era capaz disso. Não importava quem ficava com ela no final. Acho que esse amor devocional dele nunca foi saudável e ele mesmo tinha essa noção...

- Você gostava dele? - o rapaz assoviou para que Oto voltasse - Claro que você gostava dele, mas romanticamente falando.

- Nunca parei para pensar nisso. - ela viu a coruja pousar no ombro do rapaz - Enquanto a guerra não acabasse eu não teria chance, mas nunca conseguir imaginar um cenário em que não tivéssemos medo do dia seguinte.

- Espero que esse dia chegue. - ele sorriu e começou a cantarola enquanto fazia carinho na cabeça da ave.

- Não acha Oto estranho?

- Por que deveria?

A moça observava a coruja e depois seus olhos iam para o céu, se tivesse a oportunidade estaria voando com outras aves, não no ombro de um rapaz cego o ajudando.

- Não age como um animal comum.

- Meu tio tinha um canário que o seguia para todos os lados, ele dizia que aquela ave raramente saia de perto dele desde sua infância. - ele sorriu - Quando morreu, o pássaro sumiu. Acho que podemos criar ligações com várias coisas e... só não há explicação.

Longe dali, Asterin observava a tia levar até ela com sua mão estendida uma pequena criatura, primeiro ela acreditava ser uma salamandra, mas olhando mais de perto percebeu que não era. A líder das Guerreiras sorria para a sobrinha.

- Esses seres mágicos costumam se esconder bem dos olhos humanos. - ela riu - Claro que esses pequenos. Os maiores... normalmente vivem em lugares onde humanos quase nunca vão.

- Como os lugares que vamos agora? - ela disse rindo - Céus! Vou ver uma fada?

- Isso você já viu! - Blair disse pegando a fada que decidiu morar nas coroas deixadas pelas criaturas a Asterin - Ganhamos uma companheira.

- Por que ela não vai embora? - a princesa disse preocupada com a pequena.

- Cuidado para não ofendê-la. - Aloïsia disse rindo - Vai saber? Eu me pergunto o mesmo pela coruja que fica seguindo seu namorado.

- Oto? - ela hesitou - Você disse algo como ele ser um familiar? Certo?

- Sim. Familiares são animais muito parecidos com os nossos, na realidade eles imitam os nossos. Eles se apegam a humanos e continuam com eles até a sua morte...

- E depois?

- Vão para outro humano. Normalmente filho ou parente próximo do seu último. - Blair sorriu - Isso é bom! Ter um animal desses na família real de Zaark.

- Você vai ficar comigo? - a princesa disse olhando para a fadinha que voou até o seu nariz pousando ali.

- Não acho que ela vai abandonar essa parte da floresta por você. - Blair riu - Ainda mais para ir em um lugar tão cheios de humanos.

A princesa olhou para a moça de pele negra que sorria de canto de boca. Como seria viver cercada daquele tipo de magia? Constantemente lembrada que havia muitas coisas além de seu entendimento e alcance? Uma vida que diferente da dela, você sabia que não tinha controle de nada?

- Chegamos! - Aloïsia sorriu para a sobrinha.

A princesa fez seu cavalo andar mais um pouco em frente e viu a enorme tenda apoiada nos galhos das árvores ancestrais, uma enorme fogueira no centro e várias ocas construídas sob o pano cru. Um grupo de mulheres semi-nuas carregavam cestas com frutas, crianças corriam com armas de brinquedos, homens ensinavam seus filhos a seguraram lanças e uma velha senhora contava histórias em um canto.

Um cheiro maravilhoso de comida atingiu Asterin, que fechou os olhos um minuto, o som das risadas e conversas em uma língua estranha se transformou em melodia. A sua tia riu e começou a guiar seu cavalo para o local, sendo seguida de perto por Blair.

Nesse curto espaço de tempo a garota reparou que tinham chegado muito cedo ao local e as duas semanas que Aloïsia havia passado como prazo seriam desnecessárias. Deixando com que seu cavalo seguisse as duas, já era capaz de ouvir as primeiras pessoas que viam receber as mulheres.

- Minha cara, Aloïsia! - Moracir disse indo abraça-la - Meu pai está animado em ver, finalmente, uma governante no trono de Zaark.

- Não é apenas o seu pai. - a líder disse com um grande sorriso de alívio formando em seu rosto.

O nativo notou isso e, de certa forma, compartilhou desse mesmo sentimento, ainda era nítida a memória de quando a moça contou sobre a morte de toda a sua família, de como ela segurou o choro até ser impossível. Foi uma longa noite.

- Moacir... - Aloïsia disse apresando a sobrinha com a mão - Eu lhe apresento, Avalon Breindal II, filha do rei Erick e da princesa regente Brenda, princesa de Zaark e futura rainha.

- Poupe o fôlego, minha amiga. - ele riu - Não há necessidade de fazer uma apresentação tão formal.

- Um prazer conhecê-lo. - a princesa disse sorrindo.

- Vejo que os Filhos da Floresta já se revelaram para você... - ele disse rindo e dado o dedo para a fada - Essa foi rápida.

- Ela fez uma longa viagem para voltar para casa. - Blair deu de ombros - Mesmo que não fosse uma área muito habitada por eles, acho que foi o suficiente para reconhecê-la.

- Isso pode ser bom. - o homem disse entregando a Aloïsia um cocar e outro a Asterin - Bem... por causa da guerra, creio que estamos com presa, uma pena, pois gostamos de fazer uma festa para as princesas que nos visitam. Vamos?

- Claro! - a moça disse já dando o seu primeiro passo.

- Você precisa levar a sua arma... - Blair disse colocando o braço na frente do corpo dela - Tradições...

Asterin parou, buscou ajuda em sua tia, mas ela estava entretida em uma conversa com Moacir. Mesmo que ela notasse o desespero dela em pegar no seu machado mais uma vez, nada poderia ser feito.

Devagar a princesa foi até seu cavalo e sentiu a madeira do machado em seus dedos e engoliu seco a medida que puxava-o em sua direção. Aquilo era estranho, o formato do cabo na palma de sua mão, o peso que refletia em seu braço, a lâmina que refletia uma luz em seu rosto. Por alguns segundos ela achou que tinha visto manchas de sangue, mas ao verificar, viu apenas seu rosto ali.

Suando frio, sentiu seu coração querer sair pela boca e o ar faltar do peito, guardou a sua antiga amiga em suas costas, logo em seguida de seu escudo de madeira. Caminhou até o grupo e forçou um sorriso.

- Me acompanhe! - Moacir disse começando a caminhar.

Um grupo considerável de pessoas começaram a se juntar para ver aqueles quatro atravessaram a aldeia. Por alguns segundos Gayla se viu pela primeira vez conhecendo os rebeldes, toda a pressão que sentiu daqueles olhares esperançosos na sua direção, toda a confiança, a qual não merecia depositada sobre sua costas. Os nativos tinham sido colocados naquela briga quando Uhall os atacou, agora eles queriam que ela tomasse uma atitude.

Moacir parou na frente de uma oca feita de palha e barro e fez um sinal para que a princesa prosseguisse.

- Apenas você pode entrar agora. - ele deu uma piscadela - Mas fique tranquila, meu pai não morde.

- Não tranquilizou... - ela deu um sorriso triste.

Sem tempo para prolongar o diálogo ela adentrou o local, soltando o ar com calma. Não havia mais ninguém além dela e de um senhor de idade sentado ao fundo do local, algumas redes estavam espalhadas e uma trabalho de cestas trançadas estava no chão inacabado. O velho sorriu.

- Finalmente conheci a futura rainha. Normalmente esse tipo de encontro ocorre aos 8 anos da governante.

- Espero que 10 anos de atraso não tenha o incomodado. - ela disse se aproximando - Tive, problemas...

- Sua tia explicou. O simples fato de você está viva é motivo de alegria. - ele a observou um pouco - Se parece muito com Aloïsia. Mas...

- Mas...?

- Não tem aquele impulso impiedoso no olhar. - ele riu - Aquilo me preocupa todas as vezes que o vejo. Parece que cresce e... a consome. Claro que com a idade esse tipo de coisa começa a sumir e diminuir, ou melhor, a se disfarçar.

Asterin sorriu e tomou coragem para se aproximar e sentar na frente do senhor.

- Mas em você... - ele deu uma risada - Em você há uma confusão tempestuosa. Medo, raiva... espero que isso não cresça.

- Não é o único.

O homem pegou seu cachimbo e soltou uma ou duas fumaças até dizer com calma.

- Não é uma princesa.

- Fui criada como guarda...

- Mas você também não é isso. - ele deu mais uma tragada - Uma guarda não estaria andando por aí sem ninguém para proteger. Ou descumprindo ordens.

Silêncio, a moça abaixou a cabeça, não poderia discordar disso.

- Você é uma camponesa. Pelo menos a pessoa que está na minha frente agora.

- Isso é ruim?

- Bem, tem reinos que nunca foram governados por reis. - ele deu de ombros - Seu pai, por exemplo, era um excelente cavaleiro e Celina, uma ótima diplomata. Aloïsia era uma rainha, mas negou esse cargo com tanta certeza e é feliz fora dele.

- Isso é consolador.

- Nem tanto. Em tempos de guerra uma rainha ou general... - ele bufou - Bem, tem mais chances de ganhar, seja lá o que ele deseja ganhar.

- O que seria além da guerra?

- Vidas? Tempo? Paz... nunca dá para compreender totalmente alguém.

- O que você acha que eu quero?

- Não está nessa posição, mas já que está... quer o menor número de perder possível. Chega de sangue, como o seu discurso inflamado disse.

- Chegou até aqui?

- Deve ter ido até nossos ancestrais. - ele riu - Tem momentos em que você é uma rainha. O que deve despertar isso?

- Meus pais.

- Que não conheceu? Não! É algo mais profundo que isso. Uma vontade própria, sua, ligada à mais ninguém.

- Tem como algo não está ligado a ninguém mais do que eu mesma dessa situação? - ela bufou - Aparentemente, ou eu estou tentando matar minha antiga família ou traindo a minha verdadeira!

- Bem... não dá para apagar deu passado, mas você não precisa ser refém dele.

- Como não?

- Não lutando com isso.

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