Capítulo 50
Asterin ficou horas girando o machado e teve que trocar o toco de madeira algumas vezes desde que começou. Seus braços e estavam pesados e seu coração batendo na garganta, a respiração chegava a falhar vez ou outra, tinha percebido há algum tempo sua plateia de Em e Liam, mas não se importou. O mundo se resumia naquele toco e toda a sua raiva em não poder fazer nada em relação a todos que morriam sobre o seu reinado.
Girou o machado mais uma vez e o impacto da arma na madeira fez seus lábios soltarem um grunhido, respirou fundo ao ver que tinha finalmente cortado o toco transversalmente ao meio. Respirou fundo e pegou outra madeira para colocar no lugar. Limpou o suor da testa e jogou sua cabeça para trás, sentindo o cansaço daquelas horas ali, as estrelas começavam a aparecer.
- Sério? Até agora? - Kay disse surgindo de entre as árvores e cumprimentando as crianças - Marlon está começando a se preocupar. Pediu para que eu e Val fôssemos te procurar.
- Ela não parou... - Liam disse apertando os lábios - Nem para beber água.
- Bem... isso é um problema!
- Não adianta me olhar feio. - Asterin bufou cravando o machado na madeira - Eu ia me alimentar depois desse toco.
- Ia, assim como iria colocar roupas descentes.
A princesa revirou os olhos enquanto soltava seu cabelo e renovava o coque, a raiva dela fez com que no caminho para o quarto para pegar seu machado, tropeçasse na saias do vestido diversas vezes, o que não só a irritou, como a fez pegar as calças de Marlon para treinar. Nenhuma, obviamente, serviu. A menina foi obrigada a improvisar um cinto e dobrar a sua barra diversas vezes e amarrar tudo, estava ridícula, mas se sentia confortável pela primeira vez em muito tempo.
- Não tem decência nenhuma vocês acharem que eu sou capaz de lutar usando uma saia. Não existe muita mobilidade ou conforto em um vestido.
- Catalan não deixa que suas mulheres lutam, mas permite o uso de calças...
- Homem não tem que permitir nada para mulher! Só calem a boca e deixem a gente em paz!
Kay riu, uma risada longa e gostosa, se aproximou da prima e ofereceu seu cantil com água com gentileza.
- Agora falou como uma verdadeira rainha de Zaark! - a menina bufou enquanto virava a água - Ainda chateada pelo ataque?
- O que você acha? - ela sorriu amarga - Não dá para voltar no tempo e quem morreu, morreu! E não tem nada que eu possa fazer, nem para evitar mais mortes. Parece que tudo o que eu faço é apenas para minimizar o impacto.
A garota deu um passo para trás, se aproximando dos arbustos, ela cruzou os braços e olhou para o chão, infeliz e indefesa. Seu primo suspirou e pegou em sua mão com delicadeza.
- Mas esse é o nosso trabalho.
- Que?
- Ser monarca não é evitar grandes tragédias. - ele bufou - Não dá para saber quando alguém vai enlouquecer e atacar nosso povo, quando a natureza vai mostrar sua força ou quando doenças se espalham. Não vamos ter controle disso, estamos aqui apenas para minimizar os impactos e, apenas isso. As pessoas vão morrer.
- Então de que adianta tanto poder? - ela riu com tristeza.
- Agora falou como alguém de Catalan.
- Não entendi.
- Você não tem poder nenhum. - ele riu - Isso é ilusório e todos nós sabemos disso.
- Ainda não entendi.
- Sabe o motivo de fazermos todas essas festividades, Avalon? - ele olhou para a cara de confusa da prima - Céus! Catalan não te ensinou nada! Temos essas festas para que lembremos que não somos nada em comparação a natureza, o tempo vai ficar quente, vamos ter que colher, vai nevar e as flores vai voltar. Não importa o que eu ou você quer!
A menina ficou em silêncio, atenta ao rapaz.
- Você é princesa por sorte em ter nascido na família certa, não escolheu isso, nem desejou e vai deixar de ser rainha até quando morrer. Avalon, o seu poder não permitiu que você se quer escolhesse o que vai fazer da sua vida. - ele abriu a mão - As festas servem para lembrar a todos que o nosso poder é ilusório e não adianta sofrer com isso. Eu sei que em Catalan a coisa era mais volta para tentar conquistar e exercer essa força, mas isso só trará dor.
- Então está me dizendo para apenas esquecer?
- Não esquecer, mas não se preocupar tanto.
Ela riu com escárnio, revirando os olhos, aquilo não era simples de se fazer. Kay riu e a puxou para um abraço sincero e apertado.
- Um dia você vai me agradecer por isso. - ele riu.
- Pelo o que? - ela disse suspirando - Por um conselho que eu não sei aplicar?
- A maioria deles são assim...
A princesa sorriu e olhou para a madeira com desinteresse, já estava na hora de parar de descontar tudo naquela madeira e tomar um bom banho e dormir nos braços de Marlon, esperando que aquele terrível sentimento saísse de seu peito. Abraçou a cintura de Kay exibindo um sorriso triste, mas esperançoso e começou a levá-lo para fora.
- Cuidado! - Em gritou se levantando e apontando para trás.
Asterin até hoje não consegue se lembrar o que havia acontecido. Ela fala que viu Liam já de pé pegando o arco que estava sobre a mesa, de perceber que Kay ao seu lado virar e cobrir suas costas, enquanto Em ficava branca, ouviu um grito de dor e se virou para ver Alec dando uma facada no peito de Kay. Uma flecha voou ao lado do seu rosto, arranhando sua bochecha e acertando com precisão o ombro do homem, assustada, a princesa avançou no machado e o jogou acertando a perna do homem.
Ela não sentia o corpo, nem ouvi seus pensamentos, percebeu que Liam imobilizou Alec ferido no chão, mas ela se virou para Kay, sangrando no chão. A menina se ajoelhou, sujando completamente a calça de Marlon com terra e sangue, pegou a mão gelada dele e soltou assustada, passou a mão hesitantemente pela roupa ensanguentada e depois no rosto do rapaz, sujando tudo. Limpou uma lágrima que escorria no rosto e entre uma respiração pesada e outra de choro o chamou.
- Minha prima... - ele disse engasgado, com dificuldade pegou na mão dela - Não é sua culpa.
Ela olhou para Liam que ainda segurava Alec com o braço preso nas costas e o rosto no chão, lágrimas brigavam no rosto do garoto que gritava para o rapaz várias e várias vezes. A princesa voltou os olhos no seu primo, sua única família restante no chão, com a vida saindo do seu corpo na mesma proporção que seu rosto ia perdendo a cor e seus olhos se perdendo no horizonte.
- Kay... - ela sussurrou abraçando-o - Não se vá! Não agora, eu... não me deixe!
- Minha rainha Avalon, fico feliz em vê-la assim... - ele disse baixo - Use sua coroa com orgulho e... não deixe que... que nossos pais ditem nossa vida, estava fazendo pesquisas... não descobri nada, mas olhe na biblioteca e lembre-se do que eu disse hoje...
- Kay... - ela disse quando sentiu a respiração dele sumir depois dessas palavras, quando encontrou os olhos deles fixos no céu, na constelação de cobra ela gritou, alto e quase que eternamente.
Liam acertou a cabeça de Alec o desacordando, correu até a garota e tentou meio sem jeito em tirar sua princesa do corpo morto do seu amigo, aquilo não ia adiantar muito, mas a moça apenas acenou com a mão o afastando. Então ele viu, lorde Knightley saindo das árvores correndo, junto com Marlon, Val, Em e outros nobres.
Tiraram Alec de lá, não sabiam direito o que fazer com ele de qualquer forma. O pai de Kay viu seu filho largado no chão daquela forma e se virou para o outro lado e vomitou enquanto chorava, caiu de joelhos e gritou em desespero, nobre por nobre tentou tirar a princesa daquele sangue, mas só conseguiram que ela gritasse para deixá-la em paz.
Val engoliu seco e puxou seu irmão levemente para sair dali, mas o garoto resistiu, seu rosto branco e com uma expressão neutra e lágrimas escorrendo, apertou a mão, só que... foi um dia horrível. Asterin ficou quase que completamente dourada e chorava alto enquanto deitada no peito do menino pedia repetidamente perdão. Em gelou no lugar por ver pela primeira vez um corpo, foi para o lado do amigo e abraçou sua cintura...
Malon se aproximou da princesa, ajoelhou ao lado dela e com as mãos tentou encontrar o cabelo da garota preso, sentiu o ombro dela balançando pelo choro e aproximou -se do ouvido dela. Ainda sem jeito sussurrou:
- Asterin, ele não está mais aqui.
As palavras fizeram a garota chorar mais e mais, mas ela saiu de cima de Kay, pulando para os ombros de Marlon. Não sei quem, mas tiraram o corpo sem vida do rapaz dali, um pouco antes do amante da princesa a pegar no colo e tirar do local.
A única coisa que eu sei sobre esse dia é que Marlon deu banho em Asterin, vestiu-a e a colocou na cama com cuidado. A escutou chorar até dormir e a manteve em seus braços enquanto os pesadelos a fazia se revirar várias e várias vezes, sei que ela acordou gritando e ele com toda a paciência a acalmava e a colocava para dormir mais uma vez."
- Você está bem? - eu digo para o ruivo que tinha uma expressão entre a raiva e o choro.
- Ele bebeu demais... - a contadora intercedeu, engolindo seco - Chegou a fase de chorar. Logo ele se anima.
"No dia seguinte Valentina foi ao quarto da princesa. A garota não levantou da cama, ficou olhando para o nada sentindo os braços de Marlon ao seu redor como uma âncora.
- Desculpa por importuná-la. - a moça usava um belo vestido branco e todo o seu corpo estava coberto - Mas temos que ir na despedida de Kay.
- Despedida? - a voz da garota foi arrastada e confusa.
- Sim... - a ruiva apertou os lábios e franziu a sobrancelha.
- Como era em Catalan, Asterin? - Marlon disse não hesitando em usar o nome que ele deu a ela na frente de Val.
- Alguém tem que vigiar o enterro, mas a família pode ficar em reclusão durante um dia, apenas no dia seguinte eles vão ao local que colocaram o falecido e... e... entregam flores.
- Aqui é diferente, minha rainha. - a ruiva disse compreendendo a situação - Kay foi colocado em um belo caixão cheio de flores perfumadas e cada um que queira vai até ele e deixa um pertence que acredita que ele gostaria... depois... depois vamos ir até o cemitério do castelo e colocá-lo no local onde irão construir um belo sinal que ele está lá! Se vivêssemos mais ao norte de Zaark ou... sei lá, iríamos cremá-lo, mas a família real não tem mais essa prática.
A garota chorava, o rosto inchado dela denunciava que não havia dormido para chorar e se lamentar. A princesa engoliu seco ao imaginar ver o corpo morto de Kay mais uma vez, mas não poderia negar a sua própria tradição assim, dentro de si achou forças para se levantar e tatear seu baú em busca de peças negras. Parou e voltou seus olhos para a ruiva.
- Vocês usam branco?
- Representa a paz que esperamos que os nossos se vão. - a moça disse suspirando e secando uma lágrima.
A princesa concordou e pegou um que estava no fundo do baú, sem pudor ela se livrou das roupas que usou para dormir e colocou um de seus vestidos mais bonitos, mas que nunca mais usou, acho que ela até o queimou. Ele tinha mangas de renda transparentes com pérolas costuradas, os desenhos padronizados de símbolos antigos de amor e paz estavam em toda a sua extensão e as saias soltas a faziam flutuar, prendeu o cabelo em um coque duro e seus olhos foram para a coroa que havia recebido da árvore.
As palavras de Kay quando a corou naquela noite voltaram com as lágrimas em seus olhos, sua mão foi para aquele objeto e o colocou na cabeça na busca de força. Val já havia saído do quarto, havia pegado para Marlon uma blusa e calça branca, os quais já estavam em seu corpo, subindo na cama em silêncio esperou o rapaz se aproximar para prender o cabelo dele. Tudo que ele pode fazer foi ouvi-la chorar.
- O que eu vou dar para Kay? - ela sussurrou ocupando sua cabeça com algo um pouco mais além do que sua infelicidade.
- Não sei... o que você acha que vai gostar?
Silêncio. Então a garota sentiu a ideia surgir na sua cabeça como um raio, desceu da cama e abriu seu baú da infância, não demorou para achar a sua primeira espada e ler nas inscrições o nome de Kay, o choro veio engasgado.
Saindo do quarto o calor daquele dia não parecia com as roupas, os sentimentos ressentidos da menina e muito menos ao choro constante que vinha de um dos salões do castelo. Ao abrir a porta, a princesa se permitiu encolher diante aos olhares pela primeira vez, não havia julgamento em nenhum daqueles olhos cansados por terem velado o corpo do rapaz durante toda noite, em alguns a paz do adeus já repousava em seus olhos melancólicos no corpo, mas para a garota só havia culpa em seus ombros.
Deu o seu primeiro passo com Valentina ao seu lado e Marlon logo atrás, pensava que era necessário apenas colocar um pé na frente do outro, um por um, junto com sua respiração pesada. Seus olhos encontraram com o corpo deitado de Kay e sentiu sua alma sair e voltar para seu corpo rapidamente, uma série de sentimentos bateu em seu peito mais rápido do que poderia reconhecê-los, então, percebeu que ele apenas parecia está dormindo.
Entre seus pensamentos confusos daquele momento veio um, a qual ela não o queria, Vincent também deve ter ficado assim. As lágrimas vieram mais uma vez e o medo de seu peito aumentou.
- Ele não está aí... - Marlon disse tão baixo que parecia um sopro no ouvido da princesa, que tomou coragem de dar um passo na direção do primo.
Muita coisa foi colocada no caixão. O rapaz foi tirado dali e levado para o cemitério com todos os nobres carregando velas, o pai dele, Val e Liam na frente e Asterin de braços dados com Marlon. Foi difícil ver o caixão sendo enterrado e um vazio preencheu os corações das pessoas ali, mas isso a princesa não consegue lembrar direito.
No castelo quando todos estavam sentados na sala do Conselho, alguém disse com a voz arrastada.
- O que faremos com Alec?
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