Capítulo 27
Asterin não sabia mais se queria chegar na cidade da família de Marlon, mas também não tinha ideia se queria ficar mais tempo com ele viajando. A situação estava ficando pouco a pouco esquisita e não era mais capaz de definir o que ele era dela e ela era para ele.
Isso tinha ficado claro quando ela percebeu que todas os dias acordava abraçada com o rapaz, mesmo que não tivesse sentido frio e, normalmente, a moça que ia aos seus braços. Até mesmo quando eles tinham conseguido cama, por algum motivo ela insistiu que eles poderiam dormir juntos para economizar. Enfim, Asterin tinha decidido que dormiria mais afastada e evitaria seu contato, mas no meio da noite acordou de um pesadelo, já nos braços dele enquanto ele, sonolento, a acalmava.
Tocar ele não era mais esquisito. Prender seu cabelo era um ato prazeroso e segurar sua mão, inevitável. O que estava acontecendo?
O coitado do Marlon estava ainda mais confuso. Tinha começado a odiar o silêncio mais do que tudo, parecia que sua mente começava a gritar sem parar. Aquilo era burrice e ele deveria se livrar daquela garota o mais rápido possível e voltar a viver isoladamente em sua casa, mas só a ideia de não ouvi-la cantar de novo era dolorida.
Então os dois continuavam assim, paravam nas cidades e vilas, a garota cantava enquanto ele tocava, conversavam sobre a vida, riam muito, ficavam em silêncio e as vezes se viam abraçados. Imagino que ver esses dois nessa época deveria ser mais fofo do que é hoje em dia.
Asterin estava dormindo nos braços do rapaz, com o rosto virado para o seu peito quando começou a mover agitada e nervosa, o rapaz não se assustou, apenas a apertou mais perto de si, sussurrando que estava tudo bem. Aos poucos isso ia levando ela de volta para a realidade, assim ela se agarrou na blusa dele e suspirou aliviada.
- Está tudo bem? - ele sussurrou.
- Sim... - ela disse já fechando os olhos.
- Você tem muitos pesadelos, já tinha percebido isso lá na casa, mas... agora percebo que são bem mais.
- Desculpa, mas poderiam ser piores... - ela sorriu sentindo o cheiro dele - Eu no início acordava gritando.
- Bem... - ele riu - Não estou reclamado! Apenas preocupado. Mesmo sem gritar, a quantidade de pesadelos que você tem não é natural, o que tanto perturba a sua mente?
O que seria mais um segredo dos vários, os quais ela havia contado?
- Eu não me lembrava direito sobre o que eles eram, mas agora eles ficaram mais claros. Eu vi o rei de Catalan matar meus pais e... meus pesadelos, normalmente, são sobre isso. Nem sempre é Vincent que aparece, mas é sua representação.
- Sinto muito. - ele deu um beijo na testa dela.
- Está tudo bem... - o local do beijo formigou - Só de você está aqui me acalma. Quando eu estava no castelo eu era obrigada a tentar me controlar sozinha, se não o príncipe e o próprio rei entravam no meu quarto preocupados.
- Como ela seu relacionamento com a realeza? - ele disse suspirando e soltando ela um pouco.
- Era... - ela deitou de barriga para cima - Estranha, no mínimo. O rei me tratava como filha, Aires muito próximo de mim e Akanta... ela gostava de mim, mas sentia que ela tinha suas ressalvas.
- Fez algo para ela? - ele disse passando a mão no cabelo dela - Tipo quebrar o seu nariz?
- Não. - ela riu - Acho que era apenas por sermos muito diferentes.
Os dois ficaram quietos, apenas escutando a floresta ao redor deles fazer seus som. Grilos, cigarras e até pássaros noturnos em algum lugar, assim como vento passando por entre as árvores. Em algum momento uma luz chamou a atenção de Asterin, que se sentou num pulo e estendeu a mão para seu machado.
- O que foi? - Marlon sentou também, segurando os ombros dela.
Mais e mais luzes iam aparecendo, preenchendo a floresta de forma encantadora.
- Vaga-lumes... - ela disse rindo - Apenas isso.
- São seus animais padroeiros, certo?
- Sim. - ela sorriu - É estranho saber que eu tenho animais padroeiros agora. Isso significa o que?
- Que você é luz na estrada.
- Ou na floresta.
Marlon soltou ela, o que a fez quase reclamar, mas em seguia o rapaz a puxou de modo que as costas dela ficassem contra seu torço, os braços dele a rodearam e seu queixo se apoiou no ombro, próximo ao pescoço. Insitivamente, Asterin segurou os braços dele e aproveitou o momento, precisava, pois em breve poderia está sem ele.
- Os soldados de Catalan diminuíram nessas últimas cidades. - ele comentou - Acho que a sua notícia não chegou em toda Zaark.
- Ainda bem... - ela sussurrou.
- É, ainda bem... - uma pequena pausa - Você já decidiu o que vai fazer sobre quem é?
- Eu... - ela engoliu seco - Eu tenho que fazer algo. Saber que as pessoas possam está sofrendo nas mãos de Catalan dessa forma fez meu sangue ferver. Só que eu também não posso ser inocente e falar que dou conta de dar as costas para o meu passado e agora.
- E agora?
- É! - ela riu - Amei ser apenas una camponesa.
- Acho que você está mais para fugitiva!
Isso arrancou risadas da moça. Aquele som gostoso, seu calor e cheiro, fez as guardas do rapaz caírem e ele suspirou fundo quando começou a dizer...
- Asterin, eu...
O coração da menina quase parou pela forma que o rapaz estava falando, não sabia falar o motivo, mas sentia que aquilo era importante. Nunca soube o que aconteceria depois disso, uma voz soou atrás deles, junto com o silêncio da floresta que os preencheu completamente.
- O que temos aqui? - um homem com um globo ocular vazio apareceu no meio do nada.
Asterin não viu como saiu dos braços de Marlon e nem como o machado parou na suas mãos junto com o escuto, mas ali estava ela, já em posição de defesa. Olhou para trás para ver Marlon bater a mão duas vezes no chão procurando o bastão, mas assim que o achou também se levantou rapidamente.
Ali, no meio da floresta era difícil ver seus inimigos, pareciam ser três, mas as sombras eram bons lugares para se esconder. Além do caolho, na sua direita tinha um com a falta de um braço e outro com a boca deformada. Eles encararam Marlon.
- Nasceu cego, amigo? - o homem sem um braço disse sorrindo.
- Sim...
- Nunca o vi vagando por aqui. Então não foi abandonado?
- Minha família aceitou minha condição de braços abertos.
- Sorte... - o homem com o olho vazio disse cuspindo no chão - Muitos não tem tanta.
- Eu sei...
- O que fazem no meio da floresta? - ele continuou- Todos sabem que nós, ladrões, ficamos por aqui!
- É o caminho mais rápido até em casa. Apenas isso.
- Engraçado, achei que Gayla estava apenas evitando os soldados que Catalan larga as vezes na estrada.
A menina apertou mais o machado, estava pronta para atacar e o ladrão percebeu isso.
- Não temos intenção de ferir vocês, muito menos lutar contra uma guarda treinada por Catalan. Não somos burros e a recompensa que nos ofereceram não é o bastante para arriscar nossas vidas assim. - ele sorriu - Além disso, o festival dos vaga-lumes começa daqui a dois dias e queremos comemorar também, apesar de não sermos de Zaark.
- Mas estão nas terras de Zaark. - a moça disse ainda com a guarda alta.
- Estamos, mas quando um de nós foi preso ou nasceu com alguma deficiência, nossas famílias simplesmente nos abandonaram aqui. - ele sorriu - Há quem nasceu em Catalan, Uhall ou Zaark. Estamos apenas vagando e tentando sobreviver.
- Roubando... - Marlon disse bravo.
- Bom... - o sem braço disse dando de ombros - Ninguém, nunca, quer comerciar conosco e só a caça nossa não é o suficiente. Mas não posso jugar muito, eu sei que há grupos de ladrões que são bem violentos e cruéis.
- Não somos muito melhores... - o outro riu com crueldade - Mas não matamos ninguém e não violamos mulheres.
- Enfim... - o caolho disse dando de ombros - Não estamos aqui para relatar como nossa existência é miserável. Íamos roubar o casal, mas já ouvimos falar do cego gigantesco aqui e a moça tem treinamento militar, agradeço, mas não estou em dia de morrer. Tenham uma boa noite.
Dizendo isso o caolho deu de costas e fez um sinal para seus companheiros o seguirem, os quais ficaram muito confusos, mas obedeceram seu líder, deixando Marlon e Asterin para trás. Quando o trio de ladrões estavam quase encontrando o resto do grupo, o homem sem braço disse:
- Por que não assoviou e chamou o resto de nós? Poderíamos ter pegado ela e ficado com a recompensa.
- Alguns dos nossos iriam morrer. Dinheiro nenhum vale a vida de um companheiro.
- Ainda assim... - o outro disse cuspindo - Era uma grana grande!
- Eu tenho um plano melhor... - o caolho sorriu malicioso.
- E o que seria, chefe?
- Bem, o rapaz disse que aquele era o caminho mais rápido para casa. Viram os olhos dele?
- Sim, ele era cego! - o homem com a boca estranha.
- Não seu tolo! A cor de seus olhos!
- Estava escuro, mas eu acho que eram vermelhos... - o sem braço disse pensando.
- Exatamente! E só tem uma família que possui essa cor de olhos. Já sequestramos uma artista deles, lembra? Era uma bela moça!
- Então sabemos onde eles vão...
- E podemos passar a informação para Catalan e conseguir o dinheiro disso. Sem mortes ou esforço!
Longe dali, Aloïsia refletia como odiava ir para as cidades. Sentia-se sempre extremamente desconfortável com os olhares das pessoas diante ao grupo de mulheres armadas, tentavam se aproximar e descobrir onde elas estavam e o que faziam ali, mas eram obrigadas a ignorar. As Guerreiras ainda não estavam prontas para voltar.
- Senhora... - Blair disse ajeitando a sua capa que escondia o seu único seio - Posso repassar nossa lista?
- Por favor. - ela se permitiu sorrir.
- Ervas vindas da Ilha de Maçãs, armas com ferreiros, bebidas alcoólicas e uma presente para a próxima tribo que iremos visitar.
- Álcool não é um presente bom o suficiente? - a mulher disse rindo.
- Bom, senhora, isso você decide.
- Separe as moças para realizarem cada uma uma das atividades, peçam para que não levem mais de vinte minutos! - Aloïsia disse olhando para as mulheres que olhavam ao redor com desconfiança, assustando os camponeses de aproximar - Nós duas vamos decidir qual será o presente.
- Sim, minha senhora. - a mulher disse chamando pelo nome algumas mulheres e passando listas diferentes.
Enquanto isso, os olhos da líder delas percorriam a feira. Tinham que sair dali antes que alguém tomasse coragem de conversar e insistir nessa atitude, mas sentiu sua capa sendo puxada para baixo.
Duas crianças estavam a olhando sorrindo gigantemente. A menina tinha duas tranças no cabelo e um bastão nas mãos, enquanto o garotinho carregava um cavalinho de madeira. A mulher não conseguiu segurar seu próprio sorriso.
- Pois não? - ela disse ajoelhado para fixar de altura mais próxima.
- Mamãe nos disse que vocês são as Guerreiras... - a garota tremia - Verdade?
Aloïsia apenas fez um sinal de silêncio enquanto sorria tristemente, era difícil encarar rostos tão esperançoso diante dela. As duas crianças trocaram olhares e abriram a boca empolgadas.
- Ouvimos que você quer arrumar um presente! - o menino disse estendendo a mão - Venha!
Aloïsia olhou para Blair que terminava o seu trabalho e fez um sinal com a cabeça para segui-la enquanto estendia a mão para o pequenino. As crianças radiantes puxavam a líder das guerreiras até uma barraca de pigentes e objetos de ouro, com certeza o chefe de qualquer tribos iriam gostar daquilo.
A mulher olhou para seus filhos trazendo duas mulheres com um único seio, capas de pelos presas por brasões de animais sem ligações a terras ou famílias, completamente armadas. A coitada limpou o suor de suas mãos nas saias do vestido e tentou manter a neutralidade do rosto.
- Senhoras... - a moça sorriu - Desejam algo em especial?
- O que tem aí? - Aloïsia disse bagunçando o cabelo do garotinho que sorria para mãe orgulhoso.
- Bem... - a moça olhou para as várias peças na bancada - Temos desde peças como brincos, colares e braceletes até enfeites ou peças para caçada.
Os olhos da moça percorreram todo aquele ouro, o qual deveria ter sido moldado com muito cuidado. Entalhes, desenhos e até formatos delicados, quase impossíveis de serem feitos.
- É você que faz isso tudo?
- Minha irmã... - a moça sorriu.
- Incrível!
Blair, que não se importava, nem compreendia esse tipo de objeto na sua frente, olhou para as crianças animadas e depois para a cidade como um todo. Queria dar mais do que uma esperança vazia para aquelas pessoas, mas a sua líder não parecia disposta a isso. Foi só aí que ela percebeu que, muito distante delas, uma mulher com um claro problema na movimentação das mãos, tentava chamar a atenção das pessoas para um papel que carregava.
Enquanto isso, a Guerreira chefe ainda estava observando a mesa, trazia lembranças da época que estava sendo treinada para ser rainha e joias era algo contínuo na sua vida. Sorriu. No canto esquerdo da mesa algo muito diferente chamou sua atenção.
- Chifres? - ela estendeu a mão para pegar um com detalhes de ouro.
- Sim... - a mulher disse com um sorriso discreto - Serve para soprar e anunciar o início da caçada.
- Quero. - ela disse observando aquela peça em suas mãos e batendo no ombro de Blair - Pague a moça!
- A senhora que manda... - a moça disse saindo se seus devaneios.
Saindo de lá as duas caminhavam para a praça onde várias guerreiras estavam já reunidas com seus objetos respectivos. Riam e brincavam uma com as outras, já tinham aquelas montadas em seus cavalos.
- Estão ficando mais rápidas. - Aloïsia disse rindo - Em breve elas estarão me apresando.
- Elas não são loucas...
- Sempre tão séria, minha cara. Não há necessidade disso o tempo todo.
- Bem... - a moça sorriu - Quando chegarmos na tribo irei beber durante a festas de boas-vindas.
Isso arrancou um longa risada de trovão da sua líder, Blair notou que isso a deixava bem mais nova.
Quando as duas já estavam entre suas irmãs, a moça com os movimentos estranhos se aproximou do grupo, balançando o cartaz na frente do corpo. A coitada era tão magra que seus ossos apareciam, suas roupas eram completamente remendadas e seus olhos eram vazios. Todas as mulheres fizeram um movimento para evitar que ela se aproximasse de Aloïsia. Sabiam, assim como todos da cidade, que ela era uma ladra da floresta e não queriam ninguém assim perto de sua líder.
A própria mulher não daria importância para aquela aparição estranha ali, afinal, os ladrões era algo que todas elas já tinham lidado alguma vez na vida, mas o papel chamou sua atenção. Sem prestar atenção ao pequeno protesto de Blair, Aloïsia foi até a moça e pediu com a mão para ver o planfeto.
O sangue da guerreira gelou. Era a sua mãe no desenho, bem mais nova, mas igual a ela. A mesma boca, formato de rosto e nariz, somente as sardas e a sobrancelhas que permitissem uma diferenciação das duas, mas ainda assim...
- Viu essa garota? - a moça disse apertando os lábios e esperançosa.
- Quem é?
- A traidora. A garota que foi levada pelo o rei de Catalan para o castelo, aparentemente, ela fugiu e ele a deseja de volta. Nas terras dos Breindal esses cartazes estão por todos os lados.
Blair se aproximou para ouvir a conversa melhor, mas viu o cartaz e não resistiu em olhar para a sua líder em seguida. Céus! Quantas semelhanças! Lembrou de Aloïsia falando que os clãs de Zaark pareciam ter sempre a mesma cara por grupo e culpava o fato deles não quererem misturar seu sangue, nem entre si. Na época ela achou que a mulher estava exagerando.
- O rei de Catalan está procurando essa menina? - a pergunta foi retórica, mas a moça balançou a cabeça - O que você está fazendo aqui com o cartaz dela?
- Foi prometido uma recompensa aos moradores da floresta para quem a achasse. Muitos de nós se espalharam por Zaark em busca de informações. Somos muitos e formamos uma boa teia.
- Imagino...
A mulher olhou mais uma vez para o cartaz. Seria possível depois de treze anos que a sua sobrinha estivesse viva? Bem... ela iria arriscar para saber.
- Blair! Pague a moça!
- Que? - a mulher disse assustada.
- Você ouviu bem. Ela me deu uma informação importante e estou pagando por ela.
Olhando ao redor, Aloïsia, viu as duas crianças ainda por perto, com olhos animados, sem cerimônia ela ajoelhou e chamou as duas.
- Amanhã será o início da festa dos vaga-lumes, estão animados? - as crianças concordaram e falaram que a cidade ficaria cheia de gente - Ótimo! Eu preciso que me ajudem. Falem, até chegar os quatro cantos de Aron...
A mulher se levantou e com a voz mais alta que podia chamou a atenção de todos que estavam por ali.
- Que as Guerreiras voltaram! - levou alguns segundos, mas as suas irmãs gritaram de alegria - Vamos!
Enquanto o grupo de mulheres armadas saiam da cidade montada em seus cavalos de guerras, as crianças corriam para a sua mãe, a mulher para seu marido e irmão para irmã para contar a novidade.
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