Capítulo 20

Asterin fez um bico quando tomou um gole da sopa, apesar de ter repetido todos os passos que Marlon fazia, a sua comida tinha ficado sem graça. A única coisa positiva daquilo tudo era que pela primeira vez eles tinham carne para comer.

- Na próxima... - Marlon disse dando um longo gole na sopa e colocando mais - Eu cozinho e você caça.

- Não deve está tão ruim assim se você está comendo isso tudo. - ela disse dando um gole menor e torcendo o nariz.

- Fui muito bem criado pela minha mãe... - ele disse solene - Ela me ensinou que se uma mulher cozinha para você, nunca reclame do que ela fez, agradeça e aja como se fosse a melhor coisa que já comeu. Se não está gostoso, cozinhe você mesmo.

- Sua mãe não cozinhava bem?

- Era a mesma coisa que comer a colher de pau que ela batia na gente quando eu e meu irmão reclamavamos.  - ele disse rindo - A sua comida é comestível.

-Obrigada, eu acho. - ela riu.

Terminando a terceira rodada de sopa o rapaz sorriu um pouco cansado e sua mão pousou sobre a sua barriga um pouco inchada, feliz pela primeira vez em muito tempo comer algo feito para ele, mesmo que não estivesse muito bom. Não teria coragem de falar aquelas palavras para a garota, a qual já tinha ganhado espaço naquela casa de modo tão natural e que a sua presença seria algo que faria falta.

A menina se levantou em algum momento para lavar os pratos, mas ele tomou tudo de suas mãos de modo muito rápido, antes mesmo que ela pudesse reclamar, ele já havia pegado a água separada para isso e mergulhado as tigelas ali. Asterin bufou e cruzou seus braços, aquilo era extremamente incômodo, Marlon dificilmente permitia que ela fizesse muita coisa na casa, achava que ele gostava de sentir que cuidava dela.

Assobiando para Oto a menina decidiu alimentá-lo com os restos da limpeza da caça. A coruja parecia mais satisfeita em comer carne do que as frutas que Marlon normalmente dava a ela.

- Acha que vai conseguir fazer a viagem? - ele disse por fim sentando na sua frente mais uma vez.

- Sim... - ela sorriu fazendo carinho na cabeça da ave - Genoveva falou que os pontos já estão fechados, só não quis tirar a costura agora para ter certeza, mas estamos liberados para iniciar a caminhada.

- Bem, eu não quero que você se force muito. - ele disse batucando na mesa de madeira.

- Eu não sou feita de vidro. - ela disse rindo.

- Sei disso. - ele respondeu suspirando - Mas não quero passar de novo pelo processo de te curar. Caso o contrário...

- Irei ficar te perturbando por mais um tempo?

O rapaz riu diante daquilo, passou a mão nos longos cabelos loiros e enconstou na cadeira de modo mais relaxado.

- Quando ficou tão esperta? - ele riu.

- Sempre fui, bobão. Só você que não via isso.

- Piada por ser cego? - ele levantou uma sobrancelha forçando uma risada - Muito engraçado!

- Estou curiosa para ver a cidade que você cresceu. Tem mais pessoas lá, além de seu irmão?

- Minha mãe, avô, cunhada e sobrinha.

-Sobrinha? - ela sorriu - Você já é titio?

- Meu irmão decidiu ficar na cidade e minha mãe ficou de cima dele durante todo esse tempo, acabou casando cedo e tendo uma criança rápido. Estou louco para que ele tenha mais um filho e minha mãe pare de me perturbar com a ideia de casar.

- Não tem ninguém em mente? - ela disse observando os fios dourados do cabelo sobre o rosto dele, quase o escondendo, nunca tinha reparado que aquilo acontecia.

- O que? As meninas da cidade que sonham com um homem rico? Ou as moças das vilas que pensam que sou um ermitão sem condição de cuidar de mim mesmo, mas insistiu em viver assim?

- As vezes eu me esqueço que você é um artista que não ganha nem moedas de ouro por suas apresentações.

- Também sou o protetor das vilas das redondezas de ladrões.

- Não acho que nenhuma das ocupações seja muito atrativas. - ela riu - Avisa sua mãe que é melhor ela desistir de vê-lo casado.

- Ia questionar sua capacidade de sedução, mas... - ele pegou na não dela e segurou seu dedo em que o anel de noivado ainda estava - Acho que a garota inútil conseguiu alguém.

Ela travou, Asterin sempre esquecia que aquele anel estava ali e toda vez que olhava para ele os sentimentos confusos sobre Catalan começavam a atormentar sua cabeça como cavalos descontrolados, sempre pensava em jogá-lo fora, mas era tirar aquilo e perceber que uma vez sem aquela corrente, nunca mais voltaria para a sua antiga casa. Apesar de ter saído do castelo e de assumir para si que Vincent havia a sequestrado e obrigado a se casar com alguém, ainda não conseguia cogitar a ideia que nunca mais voltaria para o local que passou sua infância ou que não veria o homem que chamou de pai no coração.

- É um pouco mais complicado do que parece... - ela suspirou.

- Então não está noiva? - ele disse ainda com mão na dela.

Asterin observou como a sua mão dentro da do rapaz era tão pequena, até mesmo frágil, decidiu timidamente segurá-la. Olhou para o rosto do rapaz que corou um pouco e sorriu de canto de boca.

- Mais ou menos. - ela riu - Foi algo decidido para mim e não por mim. Não quero me casar com meu noivo.

- Estava na floresta por isso? - ele disse levantando a sobrancelha - É por isso também que Genoveva aconselhou tomar cuidado com os soldados de Catalan?

Naquela tarde que Genoveva havia vindo para olhar o ferimento de Asterin tinha levado consigo um cartaz de procurada de Gayla, não disse nada para Marlon e piscou para a menina indicando que não falaria se ela não tivesse no assunto, mas alertou dos soldados. Nesse instante a única coisa que o rapaz conseguia pensar sobre aquela menina que havia abrigado era que deveria ser uma menina rica de Catalan, a qual os pais deveriam ter contratado soldados para resgatá-la. Se Marlon enxergasse essa teoria seria quebrada rapidamente, Asterin não tinha um único traço de Catalan em seu rosto, mas tinha um leve sotaque de lá.

- Posso prender seu cabelo? - ela disse olhando nos olhos dele, sentia um aperto no peito tão grande em se abrir assim.

- Não tente mudar de assunto. - ele disse bufando - Não há motivo para você ter medo de contar a verdade para mim! No início eu até entendo por ter escondido essas coisas, mas agora? Se eu quiser te prejudicar já teria indo atrás de soldados.

- Não estou mudando de assunto. Seu cabelo está no rosto.

- Não faz diferença para mim... - ele riu.

- Mas para mim faz. - ela engoliu seco - Eu prendo seu cabelo e término de explicar quem sou eu.

- Está bem. - ele soltou a mão dela e ouviu Asterin se levantar, dar a volta na mesa e ficar atrás dele.

As mãos dela foram em seus cabelos e levemente puxaram eles para traz, a sensação foi imediatamente boa. O rapaz de dois metros sentiu as bochechas ficarem coradas, enquanto as mãos firmes dela terminavam de pegar as mechas soltas e suavemente prender tudo em um rabo. Internamente pensou o quão satisfatório era ser cuidado por ela e como ele queria aqueles pequenos dedos ali por mais um tempo.

- Não acho que você vá acreditar em mim. - ela suspirou - E é uma longa história.

- Tem uma música para ela? - ele disse rindo.

- Não. - ela se permitiu sorrir - Quando o ataque de Catalan aconteceu, meus pais morreram e eu fui levada e criada em Catalan.

- Perdão? - ele disse surpreso - Você acabou de dizer que foi sequestrada aqui quando pequena?

- Sim, mas não precisa ficar preocupado com isso... - ela voltou para o seu lugar e sentou - A pessoa que me levou foi um bom pai, me deu educação, comida, atenção e se preocupava verdadeiramente comigo. Chega até confuso quando tento pensar nele agora, durante muito tempo eu não lembrava de nada e agora... saber que o mesmo homem que cuidou de mim foi o que matou meus pais e...

- Fugiu por causa disso? Por que lembrou dessas coisas?

- Não... apesar de ter lembrado disso no dia em que eu fugir. - a respiração dela falhou - O homem que me levou é Vincent, rei de Catalan.

- Espera! - Marlon abriu um sorriso - Está de sacanagem, certo?

- Não... - ela suspirou sorrindo - Eu falei que não iria acreditar.

- Então... você é a menina traidora. Gayla a guarda do príncipe herdeiro de Catalan. - ele disse raciocinando - Desculpa, mas realmente é difícil de acreditar.

- Pode perguntar para Genoveva. Há cartazes meus espalhados pela vila dela, ela chegou a trazer um para mim. - a menina sussurrou em seguida - O rei parece empenhado em me achar.

Marlon ficou em silêncio por um tempo. Aquela história, se fosse verdade, explicava por si só o motivo dela ter escondido tudo, se naquele dia que ela acordou na cama tivesse falado tudo isso ele teria pedido para Genoveva levá-la dali, afinal, não teria condições de cuidar de uma completa insana. Mas agora, com as outras coisas que ele sabia dela, talvez, só talvez, aquela fizesse sentido.

- Se você não fugiu por causa das memórias, então foi pelo casamento arranjado? - ele disse torcendo a boca - Não quis ficar com um dos nobres de Catalan? Realmente, você é bem mais esperta do que parece.

- Eu não estava feliz com o casamento, mas ainda não foi o motivo de fugir. - a voz dela era de choro e isso assustou Marlon. Asterin sentia, nos primeiro dias muita dor, mas ainda assim engolia seu choro calmamente. - Eu...

- Calma. - ele disse tenso e pela primeira vez desejou ver, talvez assim tivesse uma noção maior que aquela garota estava sentindo.

Um silêncio prosseguiu entre os dois, mas ele sentiu que ela colocava em suas mãos um medalhão. Era um disco fino de algum metal precioso havia inscrições na sua borda e no meio um desenho de algo. Marlon ficou um tempo passando seu dedo ali para compreender exatamente o que era, mas pouco a pouco ia percebendo que era o desenho do símbolo de Zaark, a marca da família real.

- Asterin, o que é isso? - ele disse seco.

- Meu colar... a única coisa que eu tenho do meu passado em Zaark e da minha família original.

- Isso daqui... - ele engoliu seco - Asterin, quem é você?

- Eu deveria ser Avalon. - ela estremeceu ao falar aquilo - Mas, por hora, sou apenas Asterin.

- Avalon...? - o rapaz disse devagar - Então quer dizer que a traidora do povo de Zaark, a garota que o rei de Catalan tirou de seus pais e na realidade o corpo da princesa que os clãs estão procurando há treze anos? E agora está no meio da floresta na casa de um rapaz cego e pretende apenas ir para a casa do irmão dele?

- Desculpa por trazer problemas para você...

- Problemas? - ele disse alto soltando o colar sobre a mesa - Você trouxe foi uma confusão completa!

- Se você quiser eu vou embora e...

- Vossa Alteza, não foi isso que eu quis dizer... - ele riu, estava contente? - Apenas estou surpreso por tudo, mas não quero tirar você de meus cuidados, ainda está ferida e deseja conhecer minha família, é  minha rainha não posso negar isso a você...

- Não sou rainha. - ela disse pegando o colar o colocando - Você realmente acredita em mim?

- Você tem o sotaque de Catalan, Genoveva mandou tomar cuidado com os soldados de Catalan, pois sabia da sua identidade de Gayla e se você tem esse colar ou o rei de Catalan realmente pretende criar uma grande confusão na sua cabeça ou você é mesmo filha de Brenda e Erick. Isso explica a sua voz também, diziam que a princesa regente tinha a mais bela voz da Ilha de Maçãs.

Asterin ficou olhando para o rapaz durante um tempo, ele realmente acreditava nela? Bem, se ele não a entregasse para Catalan pouco importava, mas no fundo ela torcia para que Marlon acreditasse nela, apesar do pouco tempo que passaram juntos.

- Desculpa por colocar você na confusão. - ele suspirou.

- Não peça. - ele cruzou os braços - Mas e agora, o que pretende fazer?

- Se eu disser que eu não sei? - ela riu e em seguida sentiu a garganta fechar e sua respiração falhar - Eu não fui criada para ser rainha e... eu nem ao menos quero isso. Creio que Malakay vai assumir se eu não aparecer, acho que por hora está bom não está nas mãos de Catalan.

- Não tomou uma decisão definitiva então?

- Não. Eu penso nos meus pais... - os olhos dela se encheram de lágrimas - Acho que... eles iriam querer que eu voltasse e tomasse a minha responsabilidade.

Marlon olhando para toda aquela história sentia que tinha se metido em algo bem maior do que ele um dia havia sonhado, também não queria ter a responsabilidade de cuidar de alguém da família real. Seria bem mais fácil se ela estivesse inventando tudo, mas estava ali o colar e a voz sincera dela, nenhuma mentira detectada na sua respiração e forma de falar.

- Não vou falar nada para ninguém. - ele disse pegando na mão dela mais uma vez - Se quiser falar pode, mas leve seu tempo para decidir, não a julgarei de qualquer forma. Pessoalmente escolheria ser apenas um camponês.

- Obrigada, Marlon. - ela disse apertando a mão dele de volta."

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