Capítulo 16
A primeira chuva da primavera começava a cair na floresta e, enquanto essas gotas iam até o solo rapidamente, um grupo de mulheres cavalgavam por uma trilha abandonada em uma velocidade e habilidade, a qual ninguém era capaz de imitar.
Desviando de troncos caídos, abaixando de galhos baixos, sabendo como fazer o animal andar perfeitamente entre tantos obstáculos, ficava claro que se alguém tentasse imitar tão ato quebraria o pescoço em alguns segundos de ação.
Apesar de não organizadas por causa desses desvios, era evidente que todas elas seguiam uma mulher em um cavalo cinza e gigantesco. A moça tinha um longo cabelo negro preso em um coque, uma pele mais escura com um fundo dourado, usava um vestido de cores neutras e cheios de desenhos de animais poderosos e uma capa branca presa em um ombro, a qual representava seu papel de liderança e escondia a falta de um seio, marca das Guerreiras arqueiras.
Seu rosto tinha traços bonitos, rosto redondo, olhos azuis com a noite de lua nova e uma boca carnuda com uma pequena cicatriz no lábio superior, marca de seus tempos de aprendiz. Algumas linhas de expressões começavam a aparecer ao redor dos olhos e na testa, mas ainda estava jovem para a idade.
Quando as gotas de chuvas já estavam grossas, as mulheres pararam em frente a uma tenda construída com as copas das árvores cobrindo uma grande área cheia de nativos, pintados e já iniciando uma festa. O agradecimento da primeira chuva da estação era sempre animado e divertido, além de obrigatório para o comparecimento das Guerreiras mais próximas do local.
A líder das mulheres foi a primeira a entrar no lugar, ganhando a atenção de um grupo considerável de pessoas, as quais já começavam a mandar as meninas mais velhas com a tintura de rosto até elas.
Uma nativa de doze anos foi até a líder, limpando o rosto dela com a tintura tradicional das Guerreiras, para pintar com as cores vermelhas e símbolos de gratidão. Em seguida, uma coroa de penas mais simples lhe foi oferecida, para deixar claro a todos quem ela era e como deveria ser tratada.
- Aloïsa! - um homem disse indo na sua direção.
- Moracir... - a mulher disse o abraçando.
O nativo era bem alto e musculoso, seu peito nu tinha desenhos mais elaborados e seu rosto quase coberto, na orelha uma pena atravessava o lombo e na cabeça uma coroa de penas descia até a metade de suas costas. Filho do líder, um dia ele assumiria o lugar do pai.
No fundo da tenda, um senhor sentado no chão acenou com a mão para Aloïsa, a qual fez uma mesura contida. O nativo mais velho se levantou e andou até ela, ostentando a sua coroa que arrastava pelo chão.
- Bem vinda de volta, amiga. - o senhor disse a abraçando - Que nossos povos possam continuar vivendo em paz.
- Assim queria nossos ancestrais e assim desejará nosso descendentes. - ela disse terminando a saudação.
O líder dos nativos sorriu mais uma vez e se afastou para permitir que seu filho pudesse conversar com a sua amiga de longa data. Os dois trocaram olhares cúmplices e começaram a andar entre as Guerreiras que dançavam juntos com os verdadeiros donos da terra.
- Estava no deserto? - Moacir disse pegando um pouco da bebida servida pelos rapazes mais velhos.
- Há três dias atrás... - ela disse aceitando o álcool - Os sinais da chuva ficaram claros ontem a noite e não poderia perder a oportunidade.
Em algum lugar um raio caiu, a chuva já tinha se transformado em uma tempestade enorme.
- Ainda bem... - ele deu um gole sentindo o líquido queimar sua garganta, mas deixando um gosto doce na boca -Sinto que com o passar dos anos você vem cada vez menos aqui.
- Ciúmes? - ela disse rindo.
- Do povo do deserto? - ele sorriu - Sempre tive e isso não é segredo.
Os tambores começaram a soar mais alto, quando mais nova Aloïsa achava que aquelas batidas pareciam prever os próximos trovões. A chuva iniciava seu ápice de intensidade.
- Tia Aloïsia! - uma menina de cinco anos veio correndo até os dois pulando no colo da guerreira.
- Pequena Jaci... - a mulher disse tocando a sua testa na testa dela - Como vai?
- Olha! - a menina disse apontando para o colar de pedra e corda, com um urso de pingente.
- Seu totem! - ela sorriu - Está grande agora!
- Encontrou algum dos filhos da floresta? - a menina disse com seus olhos brilhando de empolgação.
- Ninguém importante do reino das fadas, mas... - a mulher tirou um pedra verde da bolso e entregando para a garotinha - Um gnomo me deu isso.
A menina concordou descendo do colo dela e saindo correndo até seu irmão mais velho que acenou para Aloïsia.
- Seus filhos já estão grandes... - uma expressão maliciosa passou pelo seu rosto - Está ficando velho.
- Olha quem diz. - ele revirou os olhos - Temos a mesma idade.
- Só nos anos. Sou aparentemente mais nova.
O homem mostrou sua língua, mas se divertindo com a provocação. Aloïsia desviou seu olhar para ver as pessoas dançando e rindo, ligeiramente alteradas pela bebida enquanto Moracir a observava.
Quando os dois tinham quase trinta anos ele tinha certeza que se casaria com ela, afinal, esse tipo de união não era incomum e seu pai não teria nenhuma oposição com uma união tão vantajosa quanto essa. Mas no ano em que ele ia fazer o pedido, Zaark foi atacada e Aloïsia perdeu toda a sua família, preferindo sumir com seu grupo na mata e se fechando para o mundo.
Depois disso ela nunca mais foi a mesma, as vezes ela parecia sumir em si, outras escondendo algo para ninguém ver e na maioria das vezes mantendo todos em una distância respeitável de seus sentimentos e pensamentos, sem intimidade. Isso não só o desencorajou para realizar o pedido, como o obrigou a escolher outra esposa.
Mesmo feliz com a união realizada e muita felicidade pelos filhos, um grande e se pairava em sua cabeça.
- Em breve irá fazer treze anos que não tenho mais minha família... - ela disse distante, um raro e precioso momento de fragilidade.
- Dezoito anos que Avalon faria?
- Sim, seria levada para casa após dez anos de treinamento comigo.
- Assumirá essa guerra?
- As Guerreiras devem ser imparciais e sempre preservar a paz de Aron.
- Creio que Catalan fez algo que quebra isso... - ele disse com cuidado - Isso não seria o suficiente para atacá-los?
Silêncio, Aloïsia estava pensando algo que reprovava, mas não estava disposta em falar sobre.
Longe dali, em um lugar com poucas árvores e sem seres mágicos, Akanta não tinha sossegado desde o dia do em que Gayla havia fugido. A imagem da guarda entrando pela mata e seu tio assistindo aquilo tudo fazia sua mente voltar para a imagem de Celina e a semelhança que ela tinha a guarda.
Gayla era Avalon e seu tio havia a libertado. A principal carta para a vitória certa da guerra estava correndo pela floresta, caminhando cada vez mais para perto de sua família e possivelmente para o fim do reino de Catalan. Como esquecer tal traição? Mas como afligir um familiar uma punição?
E agora?
Andando pelos corredores cercada de suas damas de companhia, a princesa estava alheia as conversas sobre as próximas festas e vestidos. Sua mente agora estava reflexiva sobre o livro, o qual havia provas sobre a identidade de Gayla, aquele objeto foi guardado em seu quarto na estante no meio de outros livros. Achou que esconder a vista era a melhor opção.
Bufou o que atraiu a atenção das moças, com palavras rápidas pediu desculpas e disse que estava pensando em outras coisas. As damas concordaram e questionaram sobre o seu sono ou alimentação, uma mais ousada perguntou se era algum nobre interessante que perturbava sua mente.
Akanta apenas negou com a cabeça e encerrou o assunto levemente, voltando-se mais uma vez para a caminhada e sorrisos educados enquanto a tempestade aumentava em seus pensamentos. Sabia que tinha de fazer algo, mas precisava de calma para chegar na conclusão de o quê.
Ela parou de andar bruscamente. Olhou para as moças que com os olhos a questionaram pediu licença segurando as saias e saindo correndo, chocando até Caleb, o qual ficou parando durante um tempo tentando compreender o que ela estava fazendo. O coitado do guarda não a viu durante todo o dia.
Akanta só parou quando estava na frente da porta do escritório do pai com o livro em mãos, ofegando e descabelada. Ainda tentando se acalmar abriu a porta sem bater e encontrou o rei em sua mesa lendo um enorme livro, o qual a moça julgou que era o de contas do reino.
- Tem um instante?
Vincent tirou seus óculos devagar, tentando compreender a filha, nunca antes ela havia atrapalhado seu trabalho, muito menos entrado sem bater. Com um pequeno balançar de cabeça fez um sinal para que ela sentasse na sua frente.
A princesa hesitou, engoliu seco e foi para seu lugar. Durante alguns segundos o rei observou a garota engolir seco e tentar de alguma forma iniciar a conversa. Sutilmente ele a ajudou, sabia que de outra forma ela não aceitaria.
- O que você tem aí? - ele disse estendendo a mão para o livro. - Leitura um pouco estranha, não?
- Estamos entrando em guerra com Zaark em breve... - ela disse sorrindo como desculpa - Achei que conhecer o inimigo era uma boa ideia.
- De fato. - ele sorriu folheando - Mas acho que isso deveria ser preocupação de seu irmão.
- Creio que Aires é distraído de mais para pensar em algo assim.
O rei concordou tristemente mantendo os olhos no papel ressecado. Akanta notou como ele parecia cansado e ressentido, talvez até pior do que Aires, abriu a boca para tocar nesse assunto, mas desistiu, não tinha intimidade o suficiente para isso.
- Mas acho que você não veio aqui por causa disso. - o pai disse uma página antes da imagem desejada pela princesa.
- Vire... - ela disse indicando o livro com o queixo.
Vincent olhou para a filha com as sobrancelhas franzidas, mas obedeceu o pedido, curioso por aquele comportamento inédito. Então ele viu a imagem de Celina na página... era igual o retrato de Gayla no canto do quarto tapado pelo pano.
Ele sorriu e olhou para filha, que mantinha seus olhos roxos sobre ele.
- Era isso?
- Como assim "era isso"?
- Era só isso que você tinha para me mostrar?
Silêncio. Aquilo era brincadeira, certo?
- Eu sei que Gayla é Avalon. - ela disse cruzando os braços - Essa imagem é a prova disso!
- Eu percebi e obrigada por mostrar esse descuido para mim. - ele disse fechando o livro e o guardando na mesa - Impressionante você ser a primeira a ver isso depois de tanto tempo! Acho que a nossa corte realmente deveria ler mais.
- Então é isso?
- Minha vez de tentar de entender, filha.
- Você não vai negar? - ela disse surpresa.
- Por que deveria? - ele sorriu - Ambos sabemos que é verdade, apenas entrariamos em uma discussão inútil.
Akanta apertou os lábios, aquilo tudo era estranho e desconfortável. Ainda tentando compreender o pai preferiu ficar em silêncio o observando.
- Vamos se honestos aqui... - ele disse suspirando - Você não tem a mesma veia que sua mãe, mas vê as situações de modo mais pragmático como ela, então, por que disso?
- Você não é pragmático? - ela disse surpresa com aquela análise.
- Por que você acha que eu ataque Zaark?
- Medo que eles ataquassem primeiro. Li sobre a antiga força militar e influência, se alguém é assim, e não é você, vale a pena ter medo.
- Mas Zaark era nossa amiga. Sua mãe era de lá.
- Mamãe era vermelha, sem valor para a corte. - ela deu de ombros - Alianças são fáceis de quebrar e o rei da época todos diziam não ser muito estável.
- Não consegue pensar mais nenhum motivo?
- Haveria? - ela disse curiosa - Zaark era nosso principal parceiro comercial, sua aliança nos trazia respeito e conseguiríamos, talvez, a longo prazo uma aproximação com as Guerreiras por eles. Se não for por medo, não existe nada que compense perder isso.
- Como eu disse: prática. Eu e Aires temos um coração que grita mais. - ele suspirou - Então, filha, para que você veio me confrontar com essa imagem?
Akanta engoliu seco. Bem, realmente havia um motivo.
- Avalon em nossas mãos seria o suficiente para acabar com a guerra, nem mesmo Malakay teria coragem de nos atacar com a rainha como refém. Estava pensando que com a fuga dela teríamos que recuperá-la rapidamente...
- É isso que estou fazendo...
- Eu não terminei. - ela disse um pouco aflita - Temos uma vantagem diante dos rebeldes, sabemos como ela é, como pensa e age.
- E daí?
- Ela não vai para a capital de Zaark direto para os braços dos rebeldes! Gayla vai hesitar! - ela sorriu.
- Claro que ela não vai! Ela não sabe que é Avalon.
- Ela sabe! Se não, não fugiria.
O rei olhou nos olhos da filha e percebeu que ela tinha razão. A pequena Gayla agora corria pela floresta tendo noção de quem Vincent era e o que havia feito a ela. Suspirou, quando a tivesse de volta teria muita coisa para conversar, coisas que eram melhor ficar esquecidas.
- E, então? - ele disse cansado.
- Busque nos vilarejos pequenos ao redor da floresta. - ela sorriu - Coloque soldados, cartazes com ela como Gayla e recompensas altas.
- Bem... - ele sorriu - Parabéns, Akanta, não tinha pensado nisso.
A princesa sorriu, orgulhosa de si e muito feliz pela aprovação do pai.
- Mas uma coisa... - ela disse molhando os lábios, cheia de coragem - Quando tivermos Gayla de novo, anuncie que ela é Avalon.
O rei fez um silêncio, se levantou e ficou de frente a filha.
- Isso não. - ele ficou ali parado a olhando.
- Por que não? Não faz sentido mantê-la aqui se ninguém sabe que ela é nossa refém!
- Sei disso.
- Então...
- Está pensando de modo muito prático... - ele disse segurando o ombro dela apontando com o queixo para a saída - Quando sair, feche a porta.
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