Capítulo 1 - parte I
Treze anos é muito tempo. Tempo o suficiente para que crianças nunca tenham vivido Zaark com toda a sua glória, tempo o suficiente para que as pessoas comecem a se esquecer, tempo o suficiente para que histórias se espalhem e mudem para a vontade popular. Naquele tempo eu lembro dos contadores de histórias falarem em diferentes destinos de Avalon, a princesa que sumiu, além do que os antigos nobres estavam fazendo ou onde estavam.
Ninguém sabia que todos eles ainda estavam no castelo, ansiosos, pois enfim, Malakay estava prestes a completar seus vinte um anos. Já o rapaz tinha suas opiniões sobre isso.
Kay ainda acreditava que sua prima estava viva em seu coração já endurecido por todas as perdas e o tempo, mas com espaço para esperança. Claro que isso fez mais mal do que bem para ele. Essa ideia, quase inocente, da sobrevivência da princesa o fez idealizar de como seria sua prima agora, ao fechar os olhos ele a tinha ali, perfeita como sempre.
O sorriso travesso e infantil teria se mantido, os cabelos negros estariam compridos e os olhos pretos brilhantes. Ela sempre estaria arrumada com os vestidos de tecidos leves e de cores claras, andando sempre a frente dele, sempre pronta para dar ordens e firme como seu pai para ser uma líder, mas Kay sabia que teria seu lado mais carinhoso, seus abraços e beijos.
Se Avalon estivesse ali, Kay estaria querendo provar para ela que ele seria um bom príncipe consorte, leal, pronto para defendê-la e apoiar todas as suas decisões, afinal, dentro de três anos os dois estariam casados. Mesmo sem ela ali, todos os rebeldes sentiam que o rapaz estava tentando fazer isso.
Valentina observava o amigo em uma distância, a qual ele logo reclamaria, odiava vê-lo tão reflexivo. A moça e seu irmão mais novo havia sido adotada pelo Lorde Knightley e até cinco anos atrás, todos os nobres pensavam que ela seria a ponte perfeita de negociação com as Guerreiras, mas elas sumiram, deixando eles sozinhos contra Catalan.
- Que foi Val? - ele por fim disse se virando para ela.
- Nada... - ela disse caminhando por entre as árvores - Apenas olhando o seu lindo rostinho...
O rapaz apenas revirou os olhos, vendo a Val passar por ele carregando o seu arco cheio de entalhes feito pelo irmão dela e a trança ruiva fazendo um contraste contra a capa prata brilhante. Não era difícil de imaginar como ela estaria agora se tudo não tivesse ido para o inferno, Valentina teria tido o treinamento combinado com as Guerreiras, seria agora a representante da sua família na corte. Seria trabalhoso achar um homem com coragem o suficiente para tornar seu braço direito, bonita, séria e a melhor lutadora dos rebeldes. Malakay acabou por sorrir.
- O que estamos fazendo aqui mesmo? - ele disse olhando ao redor.
- Pegar material para o Liam fazer mais armas... - ela disse se virando de costas - Os rebeldes finalmente estão percebendo que dá para tirar um dinheiro das habilidades com madeira do meu irmão.
- Achei que éramos para evitar a cidade. - ele disse com um gosto amargo na boca - Os soldados de Catalan estão em massa por lá, além disso, não quero encontrar com nenhum nobre de Catalan.
- Então fique aqui na mata! - ela disse dando de ombros - Eu quero ver a traidora. Dizem que é uma moça muito bonita.
A traidora. Gayla, a filha de Zaark que foi sequestrada pelo rei de Catalan após o ataque. A menina provavelmente era filha de algum nobre ou comerciante rico, o qual foi morto no processo, mas ela teve a vida poupada por algum motivo. Durante esses treze anos a menina que deveria se tornar rebelde e nervosa por ter perdido tudo parecia cada vez mais fiel ao assassino de seus pais. Tinha sido educada junto aos filhos do governante, recebido treinamento militar e agora andava atrás do príncipe herdeiro como uma sombra, para protegê-lo.
- Acha que não vai voar no pescoço dela assim que a vê?
- Acho que vou ter vontade. - a moça sorri mais - Assim como terei quando o príncipe herdeiro estiver com ela. Não basta acabar com nós, precisam esfregar na cara!
- Então... para que ver? - Kay desidiu insistir.
Ela apenas deu de ombros. Val queria ver o seu inimigo de perto, logo, quando Malakay tivesse idade, uma guerra seria travada, saber como era o futuro rei, entender os movimentos da traidora, desvendar ambas as faces tão fantasiosas em sua mente pareciam trazer uma certa vantagem na sua cabeça.
- E por que meu pai mandou vim com você? - ele resmungo apertando o passo e ficando ao seu lado.
- Acho que é para você não ficar o dia todo no quarto olhando o teto e suspirando por uma menina morta. - ela disse sem muito rodeios, não havia filtros para o outro nessa relação.
- Você fala como se eu fizesse isso o tempo todo. - ele levantou uma sobrancelha.
- Bom, quando a cidade está vazia você gosta de passear muito, beber e me obrigar a procurar você e fazê-lo para casa, as vezes se meter em brigar, mas tudo para fugir do seu pai e o discurso dele da necessidade de você se tornar rei.
Ele bufou, mas riu. Valentina estava certa e não havia muito o que negar, mas toda a sua irresponsabilidade havia rendido boas histórias.
- Kay você precisa...
- Não começa. - ele deu um alerta.
- Você precisa tomar um banho. - ela completou revirando os olhos, era um saco tentar fazê-lo ver que em breve ele não poderia agir como criança.
Os dois continuaram o caminho em silêncio, mas isso não os incomodou. Eles apreciavam esses momentos, não havia necessidade de se explicarem, muito menos formular um pensamento linear, poderiam apenas ficar olhando a floresta e deixarem suas mentes vagarem. Normalmente Valentina ficava pensando no irmão e em como ela poderia transformá-lo no guerreiro que a família tanto queria que se tornasse, sendo que ela só teve treinamento com o arco, já Kay gostava de se sentir infeliz e refletir em como a vida poderia ser melhor parecia ser seu tema favorito.
Porém, hoje, ambos estavam com o mesmo pensamento na cabeça, que tipo de sentimento apareceria assim que ambos colocassem os olhos no príncipe herdeiro? De certa forma, só de imaginar a cena subia pelo peito de Kay uma profunda raiva e amargura que nem ele sabia que existia, já Valentina era preenchida por uma curiosidade mórbida em pensar que talvez, um dia, teria a chance de matá-lo.
Os sons da cidade foram ficando mais altos e a moça com muito cuidado jogou o capuz da capa sobre o rosto, então, Malakay fazia uma careta, não gostava de se imaginar como um criminoso ou procurado, mas sendo obrigado a tapar o rosto era impossível de não se sentir assim."
- Mas os soldados de Catalan não percebiam eles? - uma voz disse.
Senti um pouco tonta pela interrupção abrupta da narrativa, não estava preparada para isso, normalmente essas perguntas surgiam apenas quando eu estava contando histórias para crianças. Adultos aceitam mais passivamente o que estamos falando, os pequenos, inocentemente, com suas perguntas transformavam a mais simples história em algo complexo. Por isso sorrir diante da pergunta, procurando meu questionador.
Achei os olhos do rapaz, era o que me pediu a história, dei um leve tapa na mesa ao meu lado e ele assustado sentou ali.
- Claro que eles sabiam! - eu ri - Mas muito tempo tinha se passado, não tinha como eles terem certeza que aqueles ex-nobres que andavam pela rua eram alguém importante. Desconfiavam da família de Valentina, por causa de seus cabelos ruivos e olhos castanhos, mas Malakay tinha os cabelos escuros que muitos da realeza tinham, assim como seus olhos claros, além disso, ninguém nunca ia imaginar que deixariam o futuro rei andar pelas ruas tão exposto.
O rapaz sustentou o olhar em mim, insatisfeito com a resposta.
- A melhor forma de esconder algo... - eu falei pegando um anel do meu dedo e o fazendo sumir, mas mostrando o truque para todos em seguida - É deixar a vista de todos.
Os olhos dele brilharam como de uma criança. Teria trabalho para satisfazê-lo com minhas explicações, seria um desafio mantê-lo convencido com minhas palavras.
- Enfim, enquanto eles começavam a caminhar por entre as ruas da capital de Zaark, a procura de madeira de qualidade para o irmão de Valentina, na praça principal os soldados cercavam três pessoas bem atentas em folhas de chá.
"Não vou me prolongar sobre esse produto tão específico e que não desperta paixões no coração de muitos, mas estavam ali.
Um homem no fim da meia idade estava cheirando as ervas e conversando animadamente com a vendedora, a qual ficava contida em respostas educadas e sem graça, o rapaz de roupas azuis bordadas em dourado sussurrou no ouvido da moça ao seu lado de roupas mais simples e confortáveis. Não tenho ideia do que ele falou, mas a fez ri.
O grupo era Jhon, Aires e Gayla. A comitiva real de Catalan.
Acho que algumas coisas são interessantes de destacar dessas figuras. Jhon era o irmão mais novo do rei, baixo e com uma barriga considerável tinha um rosto com algumas rugas difícil de achar amedrontador, na realidade ele era um homem bem fofo, Aires possuía belos olhos azuis puxados para o roxo, os quais tinha como herança da mãe, ninguém era capaz de achá-lo feio com sua altura e músculos óbvios sob a roupa e, por último, Gayla que tinha todos os traços de uma menina de Zaark, menos os seus olhos e cabelos escuros. Sardas em seu nariz e bochechas deixavam suas expressões bem mais fortes e a postura era ameaçadora.
O que os três estavam fazendo ali? Imagino que essa pergunta esteja pairando em suas mentes.
Para Gayla era apenas mais uma das grandes exibições de força que Catalan gostava de fazer, mas na realidade era uma maneira de Aires arrumar um presente de aniversário para ela. Em algum momento daquele ano ela estaria completando dezoito anos, uma data que merecia atenção especial.
- Vamos ficar olhando ervas secas mais quanto tempo? - a menina sussurrou para Aires.
- Talvez muito. - ele disse de volta, bem próximo ao pescoço dela - Meu tio gosta muito desse chá, chega a chamar o chá de Catalan de água suja.
- Mas chá não é isso? - ela disse séria, mas não aguentou e voltou a ri com o rapaz.
Os dois mantiveram os olhos um no outro por segundos que para os dois, não existiam no tempo, ficando vermelha a garota abaixou a cabeça e olhou para um barraca próxima vendendo comida. Aires queria muito não ser o príncipe herdeiro agora, assim poderia simplesmente puxá-la para algum canto e beijá-la, mas sabia que se tentasse fazer algo do gênero, além de chamar muita atenção receberia um fora muito educado e cheio de desculpas ligadas às diferenças sociais. Sorriu contido, olhando para o chão, não queria uma coroa, queria a garota bárbara que seu pai insistiu colocá-la como sua guarda.
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