Capítulo 44

Eu podia interpretar meu papel muito bem.

Tão bem que o cenário evoluiu, agora Leon me deixou voltar a caminhar pelos corredores, mesmo com as caretas de Fergus; me deixou compartilhar seu quarto, este em questão não me deixou tão satisfeita.

Mas dado aos níveis de progresso eu estava praticamente de volta a dias atrás. Mesmo que o custo fosse dividir a cama com ele.

O alívio era que ele não fazia nada, tinha medo que eu o afastasse se fizesse, e bom, eu o faria. Cada olhar seu para meu corpo me causavam nauseas.

Não pensei que poderia ficar pior, mas ficou.

Estava sentada em seu colo no trono usando um vestido muito fino e o frio do salão não ajudava.

Fora suas mãos que corriam as vezes pelo meu corpo fazendo meu autocontrole quase chegar ao limite.

Porém a coisa que mais me deixava pouco a vontade, era o trono.

De longe ele mandava uma vibração maligna. Praticamente sentada nele, eu estava quase sendo sufocada por todos os antigos reis. Eles praticamente gritavam para mim sair, impregnado o ar com um cheiro forte de ferro e sangue.

Corri os olhos pelos ossos negros.

Alguma tinta especial era passada por cada osso de forma delicada e meticulosa. Não haviam fragmentos brancos, a pessoa que os pintou era habilidosa.

O rei deveria estar aqui, entre eles. Entre esta tradição macabra.

O processo não deveria ser agradável. Rasgar a pele, cortar a carne e então limpar os ossos. Para depois os pintar.

Queria perguntar a ele, se seu pai estaria aqui, mas neste momento as portas foram abertas.

Leon abriu um sorriso largo ao ver as pessoas que entraram no salão e as olhei.

Se antes sentia frio, agora meu rosto queimava de vergonha.

Os pais de Alba pararam a uma distância razoável do trono e não fizeram reverência.

Ambos tinham os olhos iguais ao de Alba. Um azul quase branco, frio.

A mulher era magra e seu rosto era marcado, bela e cruel. Ele tinha um porte militar, ostentando a mesma expressão de calma esmagadora, com uma horrenda cicatriz cortando seus lábios até o queixo.

Eles me olharam durante alguns segundos, eu sabia como parecia para eles. Uma prostituta, sequer deviam lembrar de meu rosto durante o chá no dia vermelho. Eles me descartaram para encarar Leon.

Alba estava atrás deles.

Sua frieza, agora eu via, não passava de pequenos cubos de gelo comparada ao iceberg de seus pais.

— Creio que temos um acordo — disse a rainha com uma tranquilidade que não combinava com sua expressão.

Não resolvia as coisas a base dos gritos ou exigência, afinal não era necessário quando olhava daquela forma.

— Rainha Eira, sei de meu compromisso com vocês, mas fui bem claro ao explicar na carta que enviei sobre o cancelamento do casamento e um pagamento generoso pela ajuda que ofereceram.

— A carta? Deve estar queimando em minha lareira neste instante. Achou mesmo que eu a leria? Não me coloque no mesmo nível que seus outros aliados, príncipe.

Senti seus músculos enrijar-se embaixo de mim.

Não rei ou majestade. Mas príncipe. Leon estava se controlando muito bem.

— Pediu soldados e nos lhe demos — falou o rei com um sorriso gentil, que ficava assustador com a cicatriz no rosto. — Pediu que entrasse em nosso território para causar pequenas revoltas falsas e nos permitimos. Até ousou pedir para divulgarmos com os outros reis que seu pai estava enlouquecendo e que era necessário o retirar do poder. Nos fizemos tudo, Leon. O preço sempre foi a aliança com Mountsin.

Ele abriu a palma da mão e indicou Alba.

— Ela o desagrada? A cor do cabelo? O peso? Ou o caráter? Ela pode mudar para ser o que você quiser, será sua após casar.

Alba estava com o rosto neutro, mas notei seu leve apertar de mãos.

Era apenas um objeto bonito que os pais negociavam por vantagens políticas e territoriais.

Entendia agora o porque dela ser assim e suas ameaças a mim, de fato não era uma briga pelo amor de um príncipe no começo, sempre fora uma guerra pelo poder e não era para ela.

Um fantoche controlado pelos pais.

Eleonora teria gostado deles.

— Estão tão desesperados assim para ter o símbolo de Mountsin os protegendo?

— Não vê Leon? Não estamos negociando — a rainha balançou a cabeça sorrindo. — Ou você se casa com nossa filha ou é guerra. É fácil desmentir uma mentira, como também dizer a verdade a todos. Imagine como o povo ira reagir ao descobrir que você mantém sua mãe na masmorra, matou seu pai e seu irmão mais novo sumiu. Desesperados? Incrédulos? Revoltados?

Seus dedos apertaram minha perna e mordendo o interior da boca contive um gemido de dor. Lágrimas foram se formando em meus olhos.

Leon estava além da raiva e eu a estava recebendo.

Teria ficado surpresa se não sentisse dor ao saber que a rainha já sabia sobre a traição de Leon.

Quantos mais já sabiam?

— Sei que é um jovem inteligente — falou o rei. — Planejou todo este golpe para garantir que a coroa permanecesse em sua cabeça. E se quiser que continue a aceite como sua.

Leon olhou para eles e suspirou.

— Vocês não me dão outra escolha — disse por fim Leon se levantando e me colocando de lado. — Vamos ao meu escritório, teremos mais privacidade.

Sem concordar ou esperar Leon os guiar eles andaram para fora do salão com o príncipe andando a passos pesados atrás de ambos os governantes de Gulaab.

O príncipe perdia o controle muito rápido da situação.

Alba permaneceu e me olhou com certo desdém.

— Você combina com este visual. Está posição.

— Ainda com raiva de ter me vestido?

Me afastei do trono querendo desesperadamente colocar uma distância entre nos.

— Você adorou, não? Era este seu objetivo desde o início? — seus olhos percorreram minhas roupas e teria me encolhido se fosse dias atrás.

— Isto? — passei os dedos pelos ossos fazendo um ar gelado subir pela minha mão e penetrar minha pele. — Não, princesa. Estou tão feliz com esta posição quanto você com a sua. Mas sabe, eu ainda tenho como fugir, já você... — balancei a cabeça caminhando até chegar próxima a ela. — A liberdade... o que daria por ela?

Alba ficou em silêncio e vi que considerava me bater, mas ela disse em voz baixa:

— Tudo, plebéia.

Abri um sorriso balançando negativamente a cabeça.

— Você também quer poder, princesa. Não pode ter os dois.

— Por que eu precisaria? O rei já está morto.

A vingança pela sua amada na sua mente tinha sido completada.

— Sabe que não foi ele.

Um leve franzir de sua testa.

— Se sabe de algo diga logo.

— Infelizmente, princesa. Eu gosto de retribuir tudo o que me dão.

Passei por ela, que segurou meu braço.

— O que quer? — havia um certo desespero em sua voz.

— Um favor, no momento certo — era bom ter uma segunda fonte de fuga.

Caso Damien falhe... ele não ira.

Ela assentiu e me soltando.

— Não, prometa que cumprirá.

Ela me olhou com muito ódio, mas não me importei.

— Eu prometo, agora conte quem foi — rosnou.

— Seu amado noivo.

Alba piscou e negou com a cabeça.

— Não faz sentido.

— Não? Ela nunca comentou com você sobre um deus, sobre a familia real?

Ela abriu a boca e depois a fechou. Algo clareou em sua mente e ela estava aturdida.

— Não se esqueça do favor. Eu vou cobrar — e sai a deixando parada sem qualquer reação além do choque.

Odiava fazer isto com alguém. Mas Leon estava me transformando em alguém cruel.

Ele prometeu me reconstruir e estava conseguindo. Mas para o azar dele não iria ama-lo e sim destruí-lo; e não seria a única na fila.

☽⋯❂⋯☾

No caminho para o quarto Damien passou por mim, não me olhou e tentei fazer contato visual, mas ele apenas deixou algo cair e seguiu seu caminho.

Peguei o papel que ele deixou cair.

Fergus não estava comigo e caminhei com pressa escondendo o papel na minha saia.

Quase voando para o quarto entrei vasculhando o lugar, procurei alguém escondido e quando não achei li o conteúdo do papel.

Damien tinha um plano de fuga e hoje a noite estaria livre.

Estava tão contente que cheguei a dar pulinhos de alegria e parei me contendo.

Não queria ficar feliz ainda, não enquanto estivesse entre as paredes do castelo.

Ouvindo um barulho da porta sendo aberta coloquei a carta em baixo do colchão. Devia ter queimado, mas não havia tempo.

Leon entrou no quarto com os olhos vermelho em fúria. Nunca o vi assim.

Dei passos para trás levantando a mão por instinto.

Seu corpo tremia e ele descontou na primeira coisa que viu, jogou a penteadeira no chão e começou a destruir tudo o que via pela frente.

Me encolhendo no canto do quarto coloquei as mãos na cabeça tentando me proteger de alguma forma. Fechei os olhos.

O barulho da madeira se chocando no chão era terrível e então ele quebrou o espelho e cacos voaram, um voou em minha direção e senti sangue escorrer pela minha bochecha.

Quando não ouvi mais nada sendo jogado abri meus olhos e observei o quarto que agora estava um completo caos.

Pedaços de madeira jogados pelo chão e a cama quebrada com as plumas dos travesseiros voando.

Leon estava parado no meio, tentando se controlar. Ele respirava com dificuldade.

Seja lá o que tenha conversado com os governantes de Gulaab foi ruim.

Seus olhos azuis estavam escuros e quando me viram ali tremendo ele piscou e franziu a testa.

Ele deu alguns passos para frente e fui para trás, ele parou.

Abrindo e fechando o punho ele balançou a cabeça.

— Esta sangrando. Pedirei para alguém venha lhe ajudar — se virando ele saiu do quarto e desabei de joelhos no chão.

Aquilo foi perigoso.

Meu peito batia alucinadamente.

Olhei para o chão e vi alguns fragmentos do espelho. Meu reflexo pálido e assustado me encarou.

Eu preciso ir o quanto antes daqui.

Alguém foi mandado para me ver como ele disse.

A moça da enfermaria não se incomodou com a destruição do quarto apenas me pegou pelo braço com cuidado e me levou ao outro cômodo e cuidou do corte perguntado se doía, limpou e fez um curativo dizendo que não precisaria de pontos, não foi tão fundo.

Várias outras pessoas entraram e começaram a arrumar o quarto. Em apenas uma hora tudo ficou pronto. Parecia até que já estavam acostumados aquele trabalho.

Pensei na carta de Damien, que agora já deveria ter sigo destruída pelo ataque de Leon.

Hoje ele pegaria o turno de um dos guardas de vigia do quarto. Ele conhecia algumas saídas dos funcionários na parte de trás do castelo.

E duvidava que Leon apareceria aqui hoje, não depois do que fez.

Ao menos para isso serviu sua crise.

Tomei um banho após eles saírem do quarto e depois me troquei. Colocando uma roupa confortável para a fuga em baixo do pijama.

Me deitei na cama, diferente da antiga de Leon, mas fiquei aliviada. A antiga me despertava lembranças desagradáveis.

Alguém trouxe comida para mim. Comi deixando claro que dormiria depois disso.

Terminei e ela pegou tudo e saiu.

Puxei a coberta e durmi por algumas horas então ouvi o bater na porta, um aviso que estava na carta.

Me levantei tirando o pijama rapidamente e coloquei um par de botas. Leon transferiu todas as minhas roupas para seu guarda roupa.

Não adiantava fazer uma mala, afinal seria dificultoso fugir com peso. Então não peguei nada, mesmo querendo levar meu caderno de desenho.

Olhei para o quarto como se fosse minha primeira vez ali. Tudo tão vazio e sem sentimentos, como seu dono.

Não sentiria falta de ninguém.

Pensei nos meus amigos e me permiti ser egoísta. Eu precisava ser livre para ajudá-los. Não conseguiria fazer nada estando presa naquele quarto.

Virei a maçaneta com o coração a mil e vi Damien com um uniforme de guarda olhando para os lados, se certificando que ninguém estava no corredor e me notou.

Ele me lançou um sorriso aconchegante e percebi como o destino é engraçado. Tínhamos prometido fugir juntos e finalmente estávamos cumprindo nossas promessas.

Peguei sua mão e o segui.

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