Capítulo 34

Minhas pernas tremiam suplicando o conforto do chão. As lembranças sangrentas e a dor me invadiram fazendo minha respiração falhar.

Era como se ela fosse um fruto da minha imaginação, me causando bile e uma vontade gritante de sair correndo. As perguntas do porque dela estar aqui já vinham com a resposta. Ela quer arrancar tudo que eu tenho.

Edward não reparou na minha reação, pois como uma ótima mentirosa eu coloquei uma máscara que a meses não colocava, eu tinha várias, mas aquela era especial. A que usava em público ao sair com ela, com o único propósito de me fazer segurar suas sacolas.

Como se minha vida fosse gratificante. Que eu a amava incondicionalmente.

Leon que parecia ocupado com os pais de Alba não notou quando nossos olhos se encontraram, meu pedido de socorro, apenas sorriu e aquilo em parte me acalmou. Ele estava ali. E eu poderia contar com ele. Só esse pensamento me deixou menos aterrorizada e até pude fingir um sorriso de volta para ela a fazendo franzir a testa de leve.

— Rose, como senti sua falta! — falou e sua voz me mandou de volta para aquele quarto. Para aquele lugar. Para meu pequeno inferno.

O cheiro de couro impregnou meu nariz, assim como o leve ferro do sangue.

Olhei para sua figura usando roupas elegantes. Um vestido vermelho vivo e os cabelos loiros soltos.

Se ousa-se diria que estava bonita. Mas sabia que por baixo tudo não passava de uma carcaça putrida.

— Está tudo bem? — perguntou Edward me fazendo lembrar que ele estava aqui e que não podia mostrar este meu lado a ele.

A ninguém.

— Sim, só estou emocionada.

Ele sorriu e olhou para ela com carinho.

Não a olhe assim.

Ela olhou para Edward com muito interesse.

— Eu sou príncipe Edward — a cumprimentou fazendo uma reverência a ela.

Surpresa ela fez uma reverência profunda.

— Céus! Não o reconheci, alteza.

— Não à necessidade em ser formal. É a mãe da Rosemary, estou inevitavelmente feliz em a conhecer — ele estendeu a mão e ela a colocou sobre a dele que a beijou e não conseguia olhar para aquilo sem fazer uma careta. Sem querer gritar.

— Tão cortês, Edward — ela saboreou seu nome e sentia o desjejum na boca do estômago ameaçando voltar para fora.

— Não precisa se segurar, Rose. Pode abraçar sua mãe — ele me empurrou levemente para frente e os braços dela me envolveram.

— Pequena sortuda. Fisgou o coração do príncipe — sussurrou para mim. — Abriu as pernas para um rico desta vez.

Ela apertou minhas costas e tentei não gemer de dor, ela tinha apertado uma região que ela adorava chicotear. Para outros aquela cena era linda, nostálgica e amorosa. Para mim não passava de uma espécie de tortura.

Me afastei somente quando ela me soltou e aumentou o sorriso exibindo os dentes brancos.

— Espero que você ganhe — mas eu só ouvi se você falhar, será seu fim.

Apertei o punho contendo a raiva e o tremor, mas principalmente o medo.

— Eu... eu preciso de ar — disse não aguentando mais. Corri antes que ele pudesse me impedir.

Passei rapidamente por Leon que gargalhava de algo que a Rainha Eira Griseo disse. Não me notou e eu não queria que notasse. Só queria um lugar isolado, pois todo aquele enorme salão de repente ficou minúsculo.

O ar estava sufocante e o cheiro de sangue parecia entupir minhas narinas.

— Rose, você está bem? — perguntou Ivna e corri por ela a deixando aturdida.

Fui até o corredor, mas o ar não pareceu melhorar. Eu precisava de ar, puro.

Procurei por alguma janela e então vi logo a frente uma porta que levava ao jardim a abrindo fui até a fonte e respirei o ar da tarde. E mesmo ele, não era suficiente.

Aquele castelo, aquele lugar, aquele reino me sufocavam.

Passei a mão pelo cabelo desfazendo o penteado, eu deveria estar parecendo uma louca, e estava de certa forma.

— Que grosseria sair daquela forma no meio da conversa — falou e contive um xingamento. — Está levando uma vida boa aqui.

— Por que veio? — questionei me virando para ela.

— Ora, por quê não viria? É minha filha — ela colocou a mão no peito sorrindo.

— O que espera conseguir aqui?

Então ela perdeu o sorriso e me olhou friamente. Estavamos sozinhas a final e ela não tinha porque fingir.

— Acha que sou burra? — Era uma pergunta que tinha medo de responder e ela aguardava uma resposta. Eleonora se aproximou calmamente e tive que me obrigar a não me mover, a não tremer. — Responda Rosemary. Eu sou burra?

— N-não — esperava que minha resposta soasse firme, mas gaguejei.

Ela esticou a mão e a passou suavemente na minha cabeça. Uma carícia cruel.

— Eu sei que estou recebendo menos do que deveria por sua estadia aqui. Fui atrás de informações quando o primeiro recibo chegou, uma boa quantia, mas nada relevante. Então fui ao bordel e soube por elas que a mãe de uma das concorrentes do príncipe herdeiro morava em um grande mansão que comprou com o primeiro dinheiro que recebeu do castelo — mal respirava e não conseguia a olhar nos olhos. Mas ela segurou meu queixo com a mão e as unhas escarlate se enterraram na minha bochecha e me obrigou a levantar o rosto. — Fez sua mãe entrar em um bordel, mentiu e roubou o que deveria ser meu. Depois de tantos anos a criando.

Eleonora estalou a língua e soltou meu rosto.

— Não é seu... — o impacto da sua mão com meu rosto quase me fez cair.

Queimou meu rosto e quase arrancou lágrimas dos meus olhos.

— Vai continuar mentindo? — perguntou, docemente.

Massageando o meu lado esquerdo a encarei com a respiração entrecortada falei quase cuspindo as palavras:

— Pôr que? Eu nunca fui boa o bastante para você? Nunca fui uma boa filha? Sempre fez o que me pediu. A tratei com respeito. Tentei a agradar diversas vezes, mas nunca bastou. Eu nunca fui o suficiente para você... o que mais quer de mim? O que diabos você quer de mim, mãe? — lágrimas escorriam pelo meu rosto e ela tremia agora com muita raiva. Porém eu não iria parar, estava cansada dela. Cansada de ter medo. — Eu sempre te amei, mesmo quando você me feria.

— Cale-se — rosnou com os olhos azuis ficando escuros.

— Mesmo quando eu a odiava.

— Pare.

— Sabe porquê? Você é minha mãe...

Não! Eu não sou! — gritou. — Eu nunca fui. Você é apenas a filha de outra mulher. Da mulher que arruinou minha vida. Não sei como seu pai pode fazer isso comigo...

As lágrimas cessaram abruptamente e a olhei chocada e incrédula.

— O que quer dizer? — perguntei surpresa por ter conseguido falar algo.

— Que eu não sou sua mãe — disse, como se estivesse tirando um peso das costas. Ela soltou uma risada alta e ruidosa. — Eu não sou! É tão bom colocar isso para fora.

Instintivamente segurei sua mão apreensiva.

— Está brincando, certo? Está dizendo isso para me magoar, não é? — minha voz soava desesperada. Meus dezoito anos de vida eram uma mentira e eu queria me agarrar aquela mentira. Mesmo sendo cruel e dolorida.

Ela me soltou bruscamente.

— Sua mãe também era patética como você. Também destruía tudo ao meu redor. Acabou com a minha vida, me arruinou. Se não fosse por ela... — ela parou de falar e se recompôs. Como se o que tivesse dito não fosse uma coisa importante para ela. — Agora por tê-la criado me mande o resto do dinheiro. Você me deve, sabe disso. Não será princesa de qualquer forma, já que ouvi que a princesa já fora escolhida pela rainha. Pegue uma pequena quantia do dinheiro e suma.

Ela se virou e começou a se afastar e falei baixo:

— Eu sempre fui isso para você?

— Mentir tornaria as coisas mais fácies? Que pena, nunca gostei de tornar as coisas mais fácies — e se foi me deixando ali completamente aturdida para me mexer.

Eu não sou sua filha.

Suas palavras ficavam se repetindo na minha mente.

Eu não sou sua filha.

Todas as memórias que tinha dela começaram a se tornar nebulosas.

Eu não sou sua filha.

Os chicotes e as feridas nas minhas costas eram para ela se vingar da mulher que tinha se deitado com seu marido.

Eu não sou sua filha.

Minha respiração falhava e sentia meu corpo fraco.

Uma voz distante me chamava, mas não conseguia responder.

Princesa?

Eu não sou sua filha.

— Princesa, está tudo bem?

Mãos quentes tocaram meu ombro e cedi indo ao chão de joelhos.

— Eu não sou sua filha — sussurrei e soltei uma risada sem vida. — Ela mentiu.

A pessoa se abaixou na minha frente.

Um doce cheiro me envolveu, confortável e cálido.

— Sinto muito — disse e levantei o rosto com a raiva queimando em meu estômago.

— Sou tão miserável para ganhar sua pena? Ria, como sempre faz. Será melhor que receber este tipo de olhar... Ria... — então ele me puxou para um abraço e percebi que era tudo o que eu precisava naquele momento. Mais do que palavras de conforto. Mais do que qualquer coisa.

Cassian alisou meus cabelos, não como ela havia feito. Foi delicado e gentil e aquilo foi pior de certa forma.

— Pode dizer palavras cruéis para mim, princesa. Pode me bater também se isso vai aliviar a sua dor. Pode chorar. Não vou rir — sua palavras foram como uma botão e não consegui conter as lágrimas quentes que rolaram.

Sabia que tinha que me afastar, mas naquele momento eu segurei a barra de seu casaco e chorei silenciosamente.

E após minutos que duraram uma eternidade parei de tremer e o choro cessou. Porém ele não me soltou, não até eu ter certeza de que estava pronta.

Quando soltei seu casaco ele me soltou e se levantou. Cassian estendeu a mão.

— Posso me levantar sozinha — disse de forma rude me levantando e ele deu de ombros. — Você ouviu a conversa?

Cassian limpou uma sujeira invisível da unha.

— Somente o final. Quem era aquela mulher?

— Minha ma... — parei e olhei para onde ela tinha ido. — Ninguém, não era ninguém. Não conte a ninguém o que ouviu.

Seus olhos dourados percorreram meu rosto.

— Para sua sorte, eu sou ótimo em guardar segredos. Um dos meu infinitos talentos. Posso lhe mostrar outros mais tarde — ele abriu um sorriso malicioso e piscou.

Revirei os olhos.

— Terei que recusar tal tentadora oferta. E pelo que me lembro não sou tão bonita assim, porque não oferece a uma de suas infinitas admiradoras?

— Princesa, ficou magoada com aquele comentário? Vou me redimir a elogiando agora. Por onde devo começar — ele me analisou da cabeça aos pés e bufei.

— Vai pro inferno — sibilei.

— Agora sim. A princesa que conheço, a outra estava me dando medo — ele passou a mão na minha cabeça bagunçando ainda mais meu cabelo e se afastou.

Obrigada — falei baixinho e ele parou e virou a cabeça. Coçando a garganta não conseguia olhar para seu rosto. Era vergonhoso, então grunhido disse: — Por antes.

— O que acontecer no salão do trono... — ele ficou em silêncio tomando cuidado com as palavras. — Apenas saiba, que às vezes, não temos escolhas.

— O que o faz pensar que irei? — questionei com o cenho franzido.

Cassian me lançou um sorriso de lado sabendo que eu iria, sim, até lá.

— Não vá se arrepender depois — e se foi.

Sozinha tentei me sentir mal ou triste com as palavras dela e nada. Eu apenas não sentia nada e não sabia se isso era bom ou ruim.

☽⋯❂⋯☾

Cassian estava certo, eu iria até o salão.

Os guardas estavam barrando qualquer passagem que não fosse da nobreza e tive que me misturar com alguns para poder passar. Também distribuíam mascaras brancas e não vi ninguém entrando sem uma.

A peguei sem encarar o guarda e consegui entrar.

Se o salão de refeições estava totalmente aberto e com luz impedindo as sombras, aqui era o total oposto.

As cortinas estavam fechadas e nenhuma luz irradiava a não ser de velas e tochas.

Não haviam conversas e todos estavam usando as mascaras que tinham um sorriso vermelho largo com apenas seus olhos visíveis.

Os portões foram fechados causando um barulho alto.

Coloquei a minha e fui até um canto esbarrando em uma das convidadas.

— Sinto muito — disse baixinho.

— Swan? — perguntou a pessoa com a voz familiar.

Ela retirou a máscara por alguns segundos e suspirei aliviada.

— Ivna... eu precisava vir...

— Eu sabia que viria — ela me interrompeu e voltou a colocar a máscara. — É melhor que veja mesmo.

Me aproximei dela.

— O que é o Dia Vermelho?

— Um dia no qual nobres são castigados — disse um cara ao seu lado. — Olá, eu sou o primo de Ivna, Glen.

Olhando para suas roupas o reconheci como o homem que ela tinha abraçado mais cedo.

— Eu sou Rosemary — olhei em volta. — Qual o significado das máscaras?

— Para que não reconheçam ninguém — falou Ivna. — O sorriso é algo para confortar quem será julgado. Pra mim não passa de uma brincadeira cruel.

— Primeira vez? — questionou Glen para mim.

— E última — disse olhando para o rei sentado em seu trono. As máscaras deles eram diferentes na cor apenas. Sendo branco no sorriso e completamente vermelha no restante dela. — Como assim os nobres são castigados?

Antes que um deles pudessem responder o rei se levantou e fiquei em silêncio.

— O julgamento irá começar. Tragam os pecadores — então os portões se abriram.

Completamente em choque encarei as três pessoas entrarem arrastando pesadas correntes.

Pareciam coelhos assustados.

— Que comece o Dia Vermelho.

Um tremor me percorreu quando reconheci Luke usando as correntes e percebi que deveria ter ficado no quarto.

Era o dia vermelho.

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