Capítulo 3

Na primeira vez que fui punida, tinha feito xixi nas calças e ela me fez limpar tudo, isso se tornou um hábito.

Como se para ela o sangue que derramei fosse todo o pecado que ela via em mim.

Sentada ali com as costas em chamas e mal conseguindo ficar em pé, eu só precisava me sentir confortada. Precisava ouvir que era necessária, que um dia me livraria deles, que tudo aquilo era apenas um momento ruim e que passaria. Qualquer um servia para esse papel.

Para minha sorte eu tinha Damien.

Peguei a camiseta e a coloquei por cima do sangue seco e o casaco com lentidão.

Não sabia que horas eram. Talvez fosse muito tarde. Fiquei parada encarando o sangue por muito tempo, tentando distrair a dor. Nem mesmo a fome foi capaz de me fazer levantar, nada a não ser a necessidade em afastar o abismo da insignificância.

Ignorando os barulhos da minha barriga, levantei com dificuldade.

Abri a porta e tudo estava escuro, se estavam dormindo ou não, eu não tinha ideia. A cada movimento que fazia, uma fisgada na minha costas me fazia parar e segurar um choramingo.

A escada foi a parte difícil. Eu já estava derramando lágrimas ao chegar na cozinha, estava esgotada.

Abrindo a porta, caminhei com dificuldade pela rua. A dor me cegava por segundos e meu corpo se movimentava por necessidade de chegar logo até ele.

Mais uma rua.

Chegando até sua casa dei a volta pelo quintal com cerca de madeira e abri a porta indo até a casa.

Havia uma porta nos fundos na casa amarela e sempre ficava fechada.

Me apoiei na maçaneta tomando fôlego negando o pensamento de que teria que voltar para casa, percorrer todo o caminho que tinham sido minutos agonizantes.

Senti a maçaneta se inclinar e a porta abrir. Surpresa me arrastei para dentro sem questionar o porque da porta estar aberta.

Passando pela sala com um sofá e várias bonecas espalhadas com cabelos trançados e pintados pelo chão, a cozinha era aberta e estava escura.

Uma escada bonita com flores pintados no chão se encontrava a esquerda e a subi.

Foi muito pior subir a escada que descer a da minha casa.

Na parte de cima três portas estavam no corredor. Uma era a do banheiro, outra era o quarto de Maddeline e a outra... grunhidos e barulhos ritmados ecoavam da única porta com luz sendo emada pela fresta.

Um gosto azedo se instalou na minha boca. Uma voz na minha mente me pediu para voltar que descer as escadas era melhor que ver o que estava acontecendo atrás da porta. Mas não consegui ouvi-la.

Cada passo que dava em direção a porta fazia a dor das minhas costas ficar distante e um aperto no peito crescer.

Todos os rumores invadiram minha mente, tudo o que negligenciei. A verdade que não quis aceitar.

A porta estava entreaberta e vi algo que quebrou ainda mais meu coração.

Damien estava nu e uma mulher de cabelos cacheados estava de quatro na sua frente. Estavam em um nível tão grande de prazer carnal que não ouviram o soluço involuntário que escapou de meus lábios.

Queria desviar os olhos e fugir, mas uma voz maldosa e carregada de veneno sussurrou na minha mente.

Está vendo. Nem ele suporta você. Você não merece ser amada, confortada. Ninguém te ama Rose.

Era a voz de Eleonora.

— Damien... — exclamou a mulher e sai tropeçando nos meus pés com uma sensação de vazio no peito. Corri para casa sem sentir a dor nas costas, porque tudo doía.

Esbarrei em alguém no caminho e o escutei me chamar, mas parecia tão distante.

Tão, tão distante.

— Rose... Rose acorde... — pediu alguém e reconheci a voz, porém estava longe da realidade, caindo mais mais para a escuridão.

"Você é igual a mim". Essa voz era diferente dá de antes e vinha de algum lugar profundo, escuro e distante. "Destruidora e destruidor. Semelhantes."

Abrindo os olhos vi Mathias me olhar preocupado em pé na minha frente. Estava deitada no sofá e alguma luz entrava pela janela.

Eu dormi na sala?

— Finalmente. Estava preocupado — ele suspirou, aliviado. — Fiquei a noite toda aqui esperando você acordar. Mamãe saiu cedo para visitar a amiga. Papai nem dormiu em casa, isso vai virar um inferno daqui a pouco — seus olhos percorreram meu rosto. — O que aconteceu?

Lembrando da cena de Damien senti ânsia de vômito.

— Nada. Eu só bebi demais — menti olhando para o chão.

— Você não está cheirando a bebida. Mas sim a sangue e... — ele parou de falar e não me virei para ver sua expressão. Mathias já sabia o que tinha acontecido. — Rose eu... eu sinto muito...

— Pare — o cortei antes que ele pudesse continuar. Não precisava da pena dele. — Estou bem agora — havia soado ainda mais falso que dizer que fiquei bêbada. Era muito forte para bebidas e quase nunca ficava bêbada.

— Eu deveria te proteger... mas porque saiu de casa após... — ele coçou a garganta. — O que fazia lá fora?

— Nada — falei, sem expressão.

— Foi... foi encontrar Damien?

Algo no seu tom de voz me fez encara-lo e ele parecia envergonhado.

— Como você... — nunca havia contado a ninguém sobre Damien e eu. Então como era possível ele saber? A não ser que Damien tivesse contado e que ele não só vinha mentindo sobre aquela mulher, mas sobre suas amizades também. — Conhece Damien?

— Somos apenas conhecidos. Mas o que houve entre vocês dois? Você foi até lá hoje?

— Como assim até lá hoje? — parei, semicerrando os olhos. — Então você sabia sobre isso. E hoje é o dia no qual ele o faz? Apenas conhecidos Mathias?!

— Não é o que você pensa, na verdade é, mas tem um motivo. Ele se vende por que precisa do dinheiro. O pai o deixou com uma dívida grande quando foi morto e ele mal conseguiu se virar com o que ganha na joalheria, e ele tem que alimentar Maddeline — quando ele pois as palavras que eu não conseguia por pra fora, aquilo fora um soco no meu estômago. — Eu não sabia que vocês tinham um relacionamento.

E eu mal sabia das dívidas do pai de Damien, não sabia sobre sua dificuldade em manter ele e a irmã com comida na barriga.

Será que eu conhecia Damien? Será que tinha conhecido ele ao menos um pouco ao longo desses quase quinze anos?

— Não era um relacionamento!

Estava magoada, ferida de várias formas.

— Então porque está assim?

Retesei desviando meus olhos dos seus.

Porque eu não poderia ficar brava? Ele vivia dizendo o quanto me amava. O quanto eu importava. Ele me deu esperança e eu comecei a ama-lo. Não era algo dilacerante e que fazia meus joelhos amolecerem, era quente e reconfortante, seguro.

— Ele me traiu ao não dizer a verdade. Acima de tudo ele era meu amigo!

— Está sendo infantil.

— Infantil? — grunhindo me levantei e a dor fez minha raiva aumentar. — Vocês se conheciam, ele tem uma maldita vida secreta e você negligencia o que nossa mãe faz comigo a anos!

— Ela não faz por mal... — começou e vejo que até para ele aquilo era ridículo.

— É isso o que diz a si mesmo antes de dormir? Era isso que falava quando me ouvia implorar para que ela parasse? — lágrimas rolaram pelo seu rosto e funguei. Chorava pelos anos que acreditei e rezei para que meu irmão me ajudasse.

Mathias apertou o punho.

— Você não entende.

— Não entendo? Não há o que entender, Mathias. Se acredita nisso você é pior que ela. Posso ser infantil, mas você é um covarde — sibilei com ódio. Cambaleando pra trás senti meu rosto arder e percebi o que ele fez.

— Tal mãe, tal filho — falei o encarando e Mathias estava chocado com o que fez e arrependimento dominava sua expressão. Ele deu um passo para trás.

— Rose eu sinto... — a porta foi escancarada fazendo suas palavras serem engolidas pelo barulho.

Eleonora olhou para nós e levantou a sobrancelha.

— Mãe — falou Mathias se recompondo e não limpei meu rosto só os encarei com indiferença. A traição do Mathias não me surpreendeu, acho que depois de hoje nada seria capaz de me surpreender. — Saiu cedo para ver a Srta.Souls.

— Ah, sim. Tenho novidades. Mas onde está seu pai?

Quase falei no bar ou na casa da nova namorada, mas não queria causar uma nova onda de punimentos que acarretaria em homicídio.

— Trabalhando — mentiu Mathias dando de ombros e indo até a mesa sentando na cadeira.

— Depois que eu contar a novidade ele não precisará mais trabalhar. Nenhum de nós — anunciou e isso chamou a minha atenção. A observei e ela tinha um sorriso grande no rosto enquanto me olhava.

— Qual a novidade?

— Rosemary vai participar da Competição da Coroa — declarou.

— Não vou! — falei e Mathias se levantou e disse algo semelhante.

— Ela não vai!

Eleonora piscou surpresa.

— Mais claro que vai. Já foi até escolhida. Está participando, e não pode dizer que não ira participar. Estará ofendendo o rei.

— Mãe sabe o que a...

Mathias e Eleonora discutiam e me desliguei deles.

Participar da competição? A ideia fez uma risada cruel quase escapar de meus lábios. Ridículo. Nada mais me surpreenderia hoje? Há!

Apertei a nuca tentando traçar um plano para me livrar disso, mas quanto mais pensava mais tinha motivos para ir.

Ficar em um castelo com outras concorrentes, aproveitar a comida e hospitalidade e sair antes de fazer o príncipe me escolher era um bom plano. Fora que dariam generosas recompensas para as candidatas eliminadas.

Eu poderia ficar lá até juntar o suficiente para ir embora.

Afinal o que me prendia aqui? Nada, porque eu não tenho uma casa, não tenho amigos de verdade.

Um castelo com príncipes e princesas mimados era melhor que o amor da minha família.

— Eu aceito — falei os fazendo me olharem. Mathias abriu a boca para me persuadir, em vão.

— Você não tinha escolha de qualquer forma — falou, Eleonora. — Finalmente será útil.

Concordei com a cabeça.

Finalmente serei livre.

☽⋯❂⋯☾

Quando Eleonora contou a Joseph sobre o plano ele apenas fez uma cara de desgosto e voltou a beber.

Uma semana se passou e fiquei de cama, me curando das cicatrizes que mesmo fechadas ardiam e pareciam piorar quando tomava o chá feito por ela.

Damien tentou falar comigo mandando cartas secretas através de Mathias, o qual não falei desde o tapa, não as respondi. Porém não me desfiz de nenhuma, acho que no fundo queria algo dele para me lembrar de seu amor.

A organizadora da competição chegaria em algumas horas e estava sentada no sofá com minha melhor roupa. Uma camiseta azul clara e calças escuras sem remendas.

— Sorria — mandou Eleonora e fiz o melhor que podia. — Está horrível, pare. Uma pena você ser tão sem graça.

— Como conseguiu me inscrever?

— Mandei seus dados e uma pintura — uma pintura do meu rosto? Tentei lembrar como ela tinha algo assim então lembrei que pintei meu rosto para um pequeno retrato de presente a Damien, mas nunca o dei e o deixei no meu quarto.

Joseph tinha tomado banho e estava sóbrio, e de alguma forma pior que quando estava bêbado. Olhava com cara emburada para todos.

Eleonora estava linda em seu vestido lilás e o cabelo preso e Mathias usava uma de suas camisetas caras.

Era tudo tão falso que queria quebrar alguma coisa só para acabar com aquele ambiente forçado, mostrar que ninguém ali era perfeito, nem mesmo eu.

Uma batida na porta fez Eleonora caminhar até ela com a pose de uma rainha.

— Somos os assistentes reais. Estamos aqui para falar com Rosemary Argae Swan — seu sotaque era carregado e quando ela entrou vi que era muito bonita.

Sua pele caramelo contrastava com o vestido amarelo de manga longa e seus cabelos estavam presos em um coque no alto da cabeça.

Os olhos castanhos analisaram a casa e pude ver guardas do lado de for, uma carruagem e pessoas da aldeia curiosas. Talvez não soubessem que era eu quem competia pela coroa.

— Eu me chamo Eleonora Swan — disse sorrindo e indicou Mathias com a mão. — Meu filho e meu marido — Joseph soltou um grunhido como resposta e Eleonora fez uma careta.

Mathias sorriu para a mulher de forma maliciosa.

— Encantado de conhecer uma melhor e tão linda — ele estendeu a mão e a mulher o olhou com indiferença.

— Vamos pular essa estupidez. Quero voltar logo ao castelo — Mathias ficou ofendido com sua recusa e ela finalmente me notou e reconhecimento brilhou em seus olhos quando sorriu. — Acho que tenho tempo. Você é a Rosemary?

Concordei com a cabeça.

— Me chamo Clarissa e é um prazer te conhecer. Todos vocês me dêem privacidade com a participante — Eleonora se limitou a fazer uma cara feia e chamou a todos para fora e fiquei ali com a mulher de olhar deslumbrado. — Eu sou assistente do príncipe e vim te trazer um documento que ira te dizer como funcionará a competição e quais são as regras.

Ela estendeu um papel pardo na minha direção e o peguei.

- Regras?

— Sim. Vocês vão competir pela coroa então terá testes e eliminatórias.

— Isso é seguro? — me sentei no sofá e ela fez o mesmo.

— Não vou mentir que as competidoras são um tanto quanto vorazes.

— Não foi tão seguro com a Competição do Herdeiro — falei e ela se retesou. Sorrindo ela se recompôs.

— O que houve com ela foi um infortúnio. E essa nova competição terá mais segurança. Não precisa ficar com medo.

— Não é medo. É curiosidade — puxei o documento e passei os olhos rapidamente pelas palavras escritas com cuidado.

— Curiosidade é boa quando se a tem na medida certa — disse e levantei os olhos para ela que estava seria.

— Infelizmente não possuo tal medidor. Isso será um problema?

Clarissa ficou com os olhos escuros e talvez tivesse me dado medo caso eu não estivesse acostumada.

— Aconselho que a mantenha sob controle, ou poderá se enfiar em assuntos perigoso. Essa competição não só serve para reinos menores ampliarem sua ligação com Mountsin, conspirações e traições são muito frequentes. São todas controladas, mas todo cuidado é pouco. Uma informação escutada através das paredes te colocara na fila para o enforcamento.

Tive o bom senso de ficar assustada.

Repenso se não era melhor conseguir o dinheiro de outra forma.

— Não se preocupe, tenho uma forte intuição de que você vai conseguir. Talvez até vire princesa de Mountsin.

A ideia era engraçada e surreal.

Voltei a ler sobre a competição e suspirei.

— Terei que me manter casta?

— Sim, não poderá se envolver com outro homem estando no castelo. Se não, você só estará pegando um atalho mais rápido ao enforcamento.

Balançei a cabeça indignada.

Não se preocupe Rose, você nem ficará lá.

— Certo. Quando partirei?

Ela levantou a sobrancelha surpresa. Acho que esperava resistência da minha parte.

— Está tão ansiosa assim?

— Sim, mas eu tenho pedido. Quero ter uma conta separada na qual o dinheiro que irei ganhar na competição 60% seja depositada nela.

— Um pedido estranho, mas aceitarei — falou se levantando e a imitei. — Não vou perguntar o porque.

— Obrigada. Partirei amanhã?

— Bem cedo, considerando que as outras participantes já estão presentes no castelo. Algumas fizeram longas viagens de navios e carruagens. Você é a única escolhida dentre Mountsin.

— A única? Como funciona o processo seletivo? — perguntei curiosa.

Ela hesitou antes de falar.

— Isso não é falado às participantes. Mas não se preocupe foi tudo feito de forma justa, ou chame de destino — com isso ela me lançou uma piscadela e foi até a porta e a segui intrigada com suas palavras. — Vou torcer por você, Rosemary.

— Obrigada, Clarissa — falei um pouco incomodada afinal não iria ganhar. Sairia tão rápido da competição que ninguém iria se lembrar quem foi a participante Rosemary Swan.

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