Capítulo 19
Ele não era como os outros dois.
Se Leon era o que supus ser semelhante a uma divindade, aquele homem era o próprio Deus. Esbanjava poder ao caminhar e sabia assim como os seres em silêncio no bosque que era perigoso.
Belo... Não. Belo seria pouco para descrever aquele homem. Era de uma beleza indescritível.
Seus cabelos vermelhos caiam por sobre o ombro e uma mecha de cima da orelha estava presa em uma trança de cada lado, que se juntavam.
— Devo chamar ajuda? — perguntou erguendo a sobrancelha para minha posição de defesa. Ah, ele sabia tanto quanto eu que era inútil para mim fazer o mesmo que fiz com o homem caído nele.
O homem tinha quase dois metros e era totalmente revestido em músculos visíveis. Não quase, acho que realmente tinha dois metros de altura.
Seus olhos dourados iguais aos da lua naquele momento me analisaram e ele franziu a testa parecendo se lembrar de algo. Parou ao chegar próximo ao corpo e o cutucou com a ponta dos sapatos escuros.
— Devo preparar o corpo para o sepultamento? — perguntou, sorrindo de lado.
Arregalei os olhos.
— Céus, eu o matei?
O ruivo me olhou de canto e sacudiu a cabeça suspirando dramaticamente.
— Infelizmente, não. O desgraçado ainda está vivo.
Um alívio me percorreu. Mesmo querendo muito que ele partisse desse mundo ele poderia ser alguém importante para o reino. Um comerciante ou um amigo antigo de um dos convidados. O que eu não queria era causar uma confusão. Uma maior ainda.
Olhei para o ruivo.
Tinha a roupa mais fina que talvez a do próprio rei. De caimento perfeito a casaca preta era justa ao seu corpo e o colete da mesma cor com desenhos em espirais em dourado compunham o seu traje com uma camiseta no mesmo tom.
Ele era muito lindo. Talvez o homem mais bonito que já vi na vida.
Seus lábios grossos ergueram levemente quando percebeu que estava o analisando veementemente.
— Como atraiu tantos problemas, princesa? — Um arrepio me percorreu ao ouvir princesa sair de seus lábios.
Incrédula com tal titulo não demonstrei surpresa. Talvez com ele funcionasse e então eu poderia ir embora. Meu corpo já estava no seu limite e eu só queria a cama.
— Eles costumam me perseguir.
Algo na minha resposta fez seu sorriso crescer e dentes brancos reluziram.
— Onde estão seus guardas? — ele teatralmente olhou em volta. — Não deveriam estar te protegendo de lixos como este?
Eu tinha que ter muito cuidado com minha resposta.
— Eu os deixei se divertirem. Não gosto de ter pessoas a minha volta quanto quero pensar.
— É muita gentileza sua. Ou muita estupidez. Mas não a culpo afinal como poderia saber que seres cruéis e maus andavam no bosque a noite em busca de criaturas belas como você? — ele não parecia estar se referindo somente ao homem no chão.
Estava uma completa bagunça. Meu cabelo tinha se soltado completamente e tinha quase certeza que havia rasgado o vestido que Amália levou horas ou talvez dias para fazer. Se eu não morrese aqui, Amália o faria quando me visse.
Bela era algo que não estava.
— É o reino mais seguro da Cìlia — disse sabendo que era mentira.
Péssima, eu era uma péssima mentirosa e no momento tinha que ser a melhor.
O ruivo concordou colocando a mão no peito. Ele não acreditava.
— Está com medo de mim, princesa?
Diversão brilhou nos seus olhos e meus dedos tremeram.
— Deveria?
Ele ficou imóvel e apenas me olhou como se eu fosse uma presa fácil e ele tivesse todo o tempo do mundo em me encuralar. Havia algo naquela postura que não o fazia parecer um humano. Ele parecia outra coisa.
— Qual seu nome, vossa alteza?
— Quem é você? — perguntei no mesmo instante em que ele fez a sua pergunta.
— Quem eu sou? — ele inclinou a cabeça de lado e fingiu pensar. — Ninguém importante, vim apenas saldar uma divida com um amigo. E você, de que reino vem, princesa?
Demorei para responder, pois não sabia qual usar. E se ele conhecesse alguma das outras princesas? Seria um problema e um dos grandes.
— Anctalus.
— Ah — ele parecia muito divertido com minha resposta. — Não sabia que a rainha Diana tinha uma filha.
— Sou a filha que ela não queria ter — era uma pequena verdade em uma mentira. O ruivo me olhou atentamente e fiquei pouco a vontade. Aqueles olhos dourados me despiam a alma. Como se pudesse ver atrás das minhas palavras. Cada sentimento e memória. Não gostei da sensação. — Eu devo... - olhei para o corpo. — Chamar os guardas...
O que diabos eu faria? Deixaria o corpo ali? Correria e chamaria alguém para resolver o que aconteceu? Edward? Leon?
Céus, eu nem sabia como me livraria do ruivo.
— Quer que eu o enterre? Suponho que não tenha uma pá?
Seu modo sarcástico de lidar com a situação me fez ficar com raiva.
— Eu... — fui abruptamente interrompida quando saindo da floresta o outro cara que chutei apareceu e olhou a cena em completo choque.
Bastou apenas um olhar para o ruivo que o encarava para ele tropeçar para trás e começar a tremer.
Aquele olhar não era para mim e fez meu corpo pedir para sair o mais rápido possível dali.
Assustador. Poderoso.
— Então havia mais uma escória — sua voz não tinha emoção alguma e aquilo foi de alguma forma mais amedontrador.
— Como... você está com ele... — o homem parecia querer fugir mais olhava para o amigo no chão constantemente.
O ruivo se abaixou e pegou pelo colarinho o corpo desmaiado do homem do chão. Ele o levantou sem dificuldade como se o homem não pesa-se mais que uma pena.
Ele o jogou para cima do outro que cambaleiou com o peso e quase caiu se não estivesse com as costas apoiada na árvore teria ido ao chão.
— Pegue seu amigo e suma. Pois se eu os encontrar novamente farei a dor que ela causou em vocês parecer um lindo sonho — o ruivo abriu um sorriso largo e o homem correu como pode, praticamente, arrastando o amigo inconsciente pedindo desculpas.
— Obrigada — disse suspirando sentindo o efeito do álcool voltar com força e as coisas girarem ainda mais. — Como o problema se alto resolveu. Eu preciso retornar. Senhor... desconhecido.
Ele se voltou para mim.
— Claro, eu posso acompanha-lá...
— Não é necessário — falei, ou gritei já que ele ergueu a sobrancelha. — Aproveite o baile.
Deixei o galho no chão e fui na direção oposta dos dois homens.
— Aproveite o baile, princesa — o ouvi sussurrar e estremeci quase correndo para sair daquele maldito bosque.
Quando finalmente vi o castelo fiquei com vontade de chorar.
Aliviada corri o restante do caminho ou tentei já que meu corpo não cooperava.
Passei pelos guardas e entrei no castelo. Corri mais até chegar a escada completamente sem fôlego. Cansada até os ossos.
— Rosemary? Está tudo bem? — ouvi alguém falar mas meu corpo não queria chegar ao quarto e nem minha mente.
Fiquei tão leve que apenas senti braços me envolverem e dormi.
☽⋯❂⋯☾
Acordei sentindo ânsia. Procurei o banheiro freneticamente. Não estava no meu quarto. Aquilo já estava ficando irritante, eu desmaiava e puf! Acordava na cama do príncipe herdeiro.
Corri até o banheiro e despejei tudo para fora, ou seja, só líquidos.
— Deixe-me ajuda-la — ele surgiu e segurou meus cabelos enquanto despejei minhas tripas.
— Não... Não precisa — grunhindo senti minha cabeça latejar como se várias trombetas tocassem uma canção infinitamente irritante pelos meus ouvidos.
— Não seja teimosa, Swan. Vou pegar um remédio. Levante-se com calma.
Ele me deixou ali e me apoiando na parede branca me levantei. O banheiro rodou apenas uma vez o que já considerei uma vitória.
Fui até o quarto e me sentei na beirada da cama.
— Aqui — ele me entregou uma bebida de consistência duvidosa e um cheiro peculiar. — Beba tudo e você se sentirá melhor.
Enrugando o nariz virei a bebida amarga. Queria guspi-la, mas se ela me fizesse sentir melhor já valia o sacrifício do meu paladar.
— Como eu cheguei aqui? — perguntei, após beber um copo cheio de água que ele me ofereceu. Ele se sentou na cama ao meu lado.
— Você quase caiu da escada ontem. Se eu não estivesse passando por ali você teria se machucado — sua voz estava levemente raivosa. — Agora que já está um pouco consciente. O que aconteceu? Porque você exagerou no álcool? E o seu vestido estava sujo de terra. Onde você estava?
— Vossa alteza — ele enrugou os lábios e me corrigi — Leon... Se acalme.
— Certo. Mas eu quero que me responda. Não vou deixar você sair daqui sem ter as respostas das minhas perguntas.
Leon podia exigir. Já eu se queria uma simples resposta como um nome, recebia o que? Mais perguntas. Minha mente me leva até o incidente com os dois homens, se é que posso considera-los homens, e o estranho. Eu não perguntei seu nome.
Porém duvidava que o veria novamente.
Sequer sabia de que reino era.
— O que aconteceu... — será que eu deveria contar a ele? Não. Não, que eu não quisesse ver aqueles caras presos, mas não queria envolver Leon. — Eu sai para tomar um ar após exagerar no álcool e... acabei me perdendo.
— Você está com arranhões nas pernas e mãos. A não ser que tenha lutado com um guaxinim bêbada eu não entendo como pode se machucar — olhei para minha mão e vi que tinha pequenos inchaços e arranhões.
Guaxinim? Queria muito rir. Quem me dera se fossem dois guaxinim.
— Você me trocou novamente! — disse, incrédula. Estava usando uma camisola longa e azul. Parecia uma das que havia no quarto onde eu dormia.
— Você sabe que é sempre uma empregada que a troca, você vomitou no seu vestido. E você está mudando de assunto.
Suspirei cruzando os braços. Eu estava tão ruim assim? Não lembro de nada a partir de fugir do bosque e deixar o estranho para trás.
— Eu não exagerei tanto assim no álcool. Eu só bebi uma ou quatro taças — além de que eu era bem resistente quando o assunto era álcool. Porque eu tinha ficado tão mal rapidamente? Não fazia sentido.
— De qualquer forma. Você não vai mais beber desacompanhada. Me deixou preocupado — ele suspirou e passou a mão pelos cabelos.
Havia me esquecido que era importante para descobrir quem queria tira-lo do trono.
Aquilo... me deixou com um gosto ruim na boca do estômago.
— Desculpa — será que eu dei muito trabalho a ele? Fiquei contente por ele ter cuidado de mim. Nunca ninguém o tinha feito.
Leon era uma boa pessoa.
Lembranças de Pietra e Kenya me vem a mente.
— Eu não acho que Pietra e Kenya estejam tramando algo contra você.
Ele franziu as sobrancelhas.
— Descobriu algo?
Deveria contar? Hesitei por alguns segundos.
Não era um assunto meu, mas eu precisava falar. Queria desesperadamente ir embora e depois de ontem queria mais que tudo sair o quanto antes deste castelo.
— Elas estão juntas... Não tem interesse no Edward ou no trono de Mountsin. Estão na competição apenas por obrigação.
Leon ficou calado por um tempo e suspirou se levantando.
— Então são duas a menos na lista.
Pisquei devagar.
— Acredita em mim?
Ele me olhou surpreso.
— Se não confia-se não a teria sequer deixado entrar no meu quarto. Você é quase uma amiga para mim, não. Minha única amiga.
Sorri involuntariamente com o coração palpitando.
— Uma amiga espiã?
Leon sorriu.
— A melhor de todas.
Eu tinha ficado a noite inteira aqui, Amália deveria estar uma fera.
O pensamento me fez ficar ereta e encarei Leon.
— Altez... Leon. Onde eu dormi?
Ele ficou confuso com a pergunta.
— Na cama.
Engolindo em seco perguntei com receio:
— E você onde dormiu?
— Na cama.
Vermelha escondi meu rosto com as mãos.
— Céus! Poderia ter me colocado no meu quarto.
— E deixá-la passar mal a noite toda sozinha? Claro que não. Eu não fiz nada a senhorita se é com isso que está preocupada.
— Não faça isso novamente, alteza — pedi o olhando de esgueira.
— Não farei, eu prometo pela minha honra como futuro rei — ele colocou a mão em punho fechado sobre o coração. Não acreditei no seu juramento.
☽⋯❂⋯☾
Ele pediu para Fergus me acompanhar e agradeci sua ajuda.
Chegando no quarto Amália me recebeu com um olhar mortal.
— Sinto muito — falei, mas ela me ignorou e me entregou roupas limpas.
Aceitei, merecendo seu ódio.
Após tomar um banho me vesti e desci, pois queria interrogar Pietra e Kenya. Elas tinham um palpite e iria arrancar delas nem que fosse necessário usar a ameaça.
Procurei pelas salas nas quais elas sempre estavam, porém não havia sinal de nenhuma delas.
Vi então Marcta apressada com uma carta na mão ela olhava constantemente para trás ao andar com medo de alguém a seguir.
Era suspeito então a segui discretamente.
Poderia ser ela?
Mas Marcta não faria mal a ninguém.
Você não as conhece.
Não, não conhecia. Entretanto era Marcta aquela que amava tanto os irmãos mais novos.
A carta escrita com tanto amor.
Aquela que poderia sim, querer o poder.
Com um aperto no peito a segui até o jardim e a perdi de vista. A procurei até ir ao inicio do bosque.
Nunca mais entraria ali.
Estremecendo virei, mas mãos apertaram um pano no meu nariz e chutei e me debati gritando.
Então tudo ficou escuro e a consciência me deixou lentamente.
— A levem daqui, rápido — era uma voz conhecida. — Eu lhe avisei, Swan. Uma peça que não faz parte do jogo não possui jogadas.
E desmaiei, novamente.
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