|EPÍLOGO|
ESTOU SENTADO NA CAMA, NU, TRÊMULO E CATATÔNICO diante do espelho que eu não via há apenas doze horas.
Doze horas. Pelo menos é o que eu constato ao olhar o relógio na parede salmão do quarto. No criado mudo, a bailarina de porcelana e o Sr. Pelúcia, o ursinho amarelado que ganhei da minha mãe quando eu tinha seis anos.
Os objetos que me inspiraram na criação do meu universo.
Sinto o tecido do edredom da cama e repito para mim mesmo que isto é a realidade.
Olho para a Toca do Rato. Ou melhor, a OCEAN DEEP 4.1, que lembra muito mais um guarda-roupas moderno de vidro do que uma estação imersiva do RPG da Magatron.
Onde eu adormeci despido, como recomendaram, durante a noite de natal inteira e joguei para eles...
Caminho até a parede de vidro do quarto. O estádio está abarrotado de nerds, com toucas do Papai- Noel, chapéus de pinheiros e sinos. Deixando a família no natal apenas para apreciar uma maldita gameplay ao vivo. Onde eu fui o astro. O protagonista.
- Acho melhor vestir uma roupa, Simon. Tem uma garota aqui fora te esperando.
Me sobressalto, pegando o jeans largado no chão e vestindo sem cuecas. Me levanto, ainda trêmulo, ainda com vontade de chorar, ainda vivendo e pensando como Clay Drosselmeyer - um maldito avatar de um RPG online - do que como Simon Zhang. Quem eu realmente sou.
Na porta está Hanz Grace, o CEO infeliz da Magatron. O homem que me contratou.
- Estão atônitos, Simon. Te amam. Amam o Candy World, amam...
Agarro as lapelas do terno dele e o jogo contra o espelho que eu encarava. Trinco o meu maxilar e quero matar o maldito.
- ME DEIXOU QUATRO MESES LÁ, SEU DESGRAÇADO. - grito. - QUATRO MESES!
Ele ri, o que deveria aumentar ainda mais o meu ódio. Contudo, eu o largo e caminho trêmulo de um lado para o outro.
- Foram doze horas, Simon. Você entrou na toca a meia-noite. É meio-dia agora. Fique feliz, o pessoal adorou e temos um almoço de natal para você e Letícia.
- Não... foram doze horas - aponto o meu dedo para ele - Foi muito mais do que isto.
- Você sabia dos efeitos do jogo quando eu te contratei, Simon. Aceitou os termos de uso.
- NINGUÉM LÊ AQUELA MERDA, HANZ!
- Poderia ter vindo a tona quando quisesse.
- Não poderia não. Se eu viesse...
Ele suspira, afrouxa a gravata e sua tranquilidade me deixa ainda pior.
- Simon... Já acabou. Pequim adorou o jogo. O mundo adorou. Agora vista-se direito e vá almoçar, que você tem entrevistas. Letícia quer te ver.
Me sento na cama, derrotado com toda a discussão e questiono, sem focar de verdade na pergunta.
- Quem é Letícia?
Um sorriso malicioso nasce em suas feições bronzeadas e ele sai. No lugar dele uma garota, esguia, negra e de roupão entra no quarto, com um sorriso sincero.
- Olá... alteza.
E neste momento, novamente, sinto que não consigo degustar a realidade. Parece que novamente o mundo é feito de pixels e programações e toda uma nação nos assiste.
E parece novamente que eu não sei distinguir onde eu realmente estou.
- Elirya...
Me levanto, hesitante ao me aproximar dela. Dou alguns passos e fico bem a sua frente.
- Oi...
Permito que minhas mãos toquem o seu pulso, subam pelo seu braço até encostar no pescoço e em seus cabelos... e euforia toma conta de mim por não vê-la recuar.
- Eu estou perdido, Elyria.
- Eu também... Você era loiro no jogo.
Ri - Você também. Acho que o mundo continua bem racista.
- De fato...
Suspiro e meu coração vacila. Quero beijá-la, mas não me parece correto beijar alguém que acabei de conhecer.
- Minha cabeça doí - sussurro, massageando as maças do seu rosto.
- São os efeitos da Toca.
- Sinto que não sou mais eu... Eli... Seu nome é qual mesmo?
- Letícia. Também são efeitos do jogo.
- E ele vai vender aquela porcaria para eles, não vai?
Ela olha para os pés.
- Não é problema nosso. O mundo sempre foi assim. Nós também, não? Por qual outro motivo aceitaríamos o emprego?
Assinto, entrelaçando os meus dedos nos dela.
- Até pensei que você havia mesmo morrido. É doentio e...
Ela toma a atitude e um beijo real é selado entre nós, desta vez. Lábios reais, corpos reais... meu verdadeiro coração latejando e rasgando o meu tórax.
- E o que fazemos agora? - arquejo, contra os seus lábios.
- Nada... - ela diz, entre beijos - Nos beijamos, ficamos juntos e deixamos os idiotas venderem o jogo.
E eu realmente não faço nada. Me contento a ficar ali, com ela, e tocando-a de uma forma que eu não pude tocar nestes quatro meses fictícios.
Me conformando com o jogo doentio que eu testei. E que eu darei o ok nas entrevistas, como usuário primário. Porque fui pago para isto. E é isto o que o mundo quer. Porque, desde sempre, o mundo anseia por viver imerso na irrealidade.
E eu poderia fazer algo. Dizer a todos o que realmente está em jogo aqui.
Mas não farei nada.
Porque Clay Drosselmeyer não é covarde.
Mas Simon Zhang é.
(828 palavras)
Total: 3823
Espero que tenham gostado e espero que tenham se surpreendido com o final também muhahahah e decidam se foi um final feliz, de fato. Na minha opinião de humilde autora... Não...
Mas eu mesma me surpreendi com o fato da minha fantasia se tornar uma ficção científica louca. E adorei o resultado disso.
Agora dedos cruzados pro desafio!
Beijos tia Carol
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