CAPÍTULO 6 - O SÁBIO MAGO
Segui Annie pelo caminho silencioso até o seu quarto, todos estava aproveitando a festa, mas ela... Quando abriu a porta notei seu suspiro de alívio.
– Precisava de um pouco de paz – ela explicou indo até a cama e se sentou – Ainda não me acostumei a ter tantas pessoas no castelo. Ocasiões especiais eram geralmente comemoradas no palácio das Nuvens.
– Tem algo que eu possa fazer por você, alteza? – perguntei na expectativa que ela dissesse que não.
– Hm, sim – ela responde. Segurei minha decepção – Pode ficar um pouco comigo.
Não era uma pergunta, mas sim uma ordem. Assenti e ela bateu a palma da mão levemente na cama para que eu me sentasse ao seu lado. Caminhei com passos pequenos até a grande cama rosa e macia.
– Conte-me mais sobre você – ela pediu.
– Não tenho o que contar, alteza, você já sabe de tudo, sou só uma órfã recebida por um casal em sua casa.
– Não se lembra de seus pais?
Neguei.
– Quantos anos você tem? – quis saber ela.
– Dezoito, alteza. Nasci no primeiro dia de inverno.
Permanecemos em silêncio, eu era poucos meses mais nova que a princesa. E três anos mais nova que o príncipe e por coincidência fazíamos aniversário no mesmo dia. Acho que Annie percebeu isso, pois ela deu um sorriso quando disse a data do meu aniversário. Depois de um tempo ela disse que iria tentar descansar, e que minhas aulas de história começariam amanhã às quatorze horas.
– Não me atrasarei – falei e me retirei de seus aposentos.
***
Assim que terminei meus serviços matinais com a princesa e me servi do almoço, organizei o que usei na festa de ontem no meu guarda-roupa. Passei os dedos pela tiara de rosas negras e a guardei com carinho. Alisei o vestido cinza e fiz o mesmo coque de sempre, sai do quarto a caminho da biblioteca. Para minha surpresa não vi nenhuma das princesas nos corredores. Subi a escadaria em espiral e bati na porta. Pensei em meio a devaneios, que logo estaria novamente de cara a cara com o maior mago de Anelin, sozinha... Quase dei um pulo quando ele abriu a porta me pegando pensativa.
– Boa tarde, senhorita. Muito pontual – ele disse sorrindo com os olhos e alisando a barba longa e branca.
Forcei um sorrido agradecido. Ele me deu passagem para entrar.
A biblioteca era um lugar hipnotizante, totalmente iluminado e limpo. Vi uma mesa pequena de centro com duas pilhas de livros, uma chaleira, xícaras de chá e duas poltronas. No vão entre outras colunas de prateleiras, outros espaços de leitura parecidos com esse mais ao centro. Ouvi o som da porta de fechando, Levi passou por mim e se sentou em uma poltrona, fiz o mesmo.
Ele começou nossa aula me perguntando o que exatamente eu sabia sobre os seres iluminados. Arregalei os olhos diante da pergunta, com certeza eu não poderia falar tudo o que sei, além do conhecido, pois eu não era uma órfã pobre erudita. Também não havia me preparado para perguntas e essa era uma que poderia revelar muito sobre mim. Porém, para meus planos darem certo preciso de informações e posso transformar Levi em meu aliado apenas por enquanto.
Então falei sobre a divisão entre os seres de Luz e os seres das Sombras, e da guerra que aconteceu entre eles que fez com que todos os sombrios fossem extintos.
– Quase todos – ele corrigiu. Papai – ainda existe um, Verton, vive na ilha de Cova, o refúgio dos seres sombrios.
Evitei cerrar os punhos. Ele disse como se nós tivéssemos fugido de algo, nos acovardado.
Continuei sobre a história de que um anjo se revoltou contra o primeiro ser criador há milhares de anos e que a partir de então, esse anjo consegui convencer pessoas a se juntar a ele, e que a sociedade se dividiu.
– O que sabe sobre os poderes iluminados.
Bem contei que conhecia todos os poderes e os Treze Reinos, mas nunca os tinha visto em uso. E que a rainha Tória era a última rainha abençoada por um criador, pouco depois o poder se extinguiu, pois era muito raro, ele era um dom dado as pessoas como uma benção que devia ser proferida por outro criador, mas não se tem mais registro de criadores há muito tempo, e mesmo assim eu não sabia muito bem o que ele fazia.
– O poder da criação é simplesmente o poder da luz, de criar coisas que deseja, de criar vida. Os Treze Reinos foi criado por um criador, Caos.
– Dá para reviver alguém? – perguntei curiosa.
Ele riu.
– Não que eu saiba. Uma vez na morte não há como sair. Mas os criadores podem curar ferimentos leves. Podiam. Ele corrigiu.
– O que aconteceu com eles?
O mago suspirou profundamente e retirou os óculos fundo de garrafa para limpá-los.
– Os sombrios os mataram, um a um. Bom, pelo menos grande parte deles.
Não sei por que, mas fiquei boquiaberta, de orgulho ou tristeza, os criadores eram seres muito importantes, criar é um dom, mas apesar disso, ainda eram seres iluminados. Inimigos.
– Devem ter morrido tantos... Qual o propósito?
– Bem, os criadores eram aqueles que pressentiam a escolha de uma rainha da luz, uma pessoa que estaria acima, abençoada com sua luz pura, capaz de unir os reinos contra forças ocultas, sem criadores, sem o elo que une todos os reinos, mas por sorte Tória conseguiu sua benção antes eu Éleos partisse.
Então esse era o nome do último criador... Apesar de cruéis, nós sombrios éramos muito espertos.
– Por que mesmo com tantos iluminados não conseguiram impedir? – perguntei.
Ele olhou no fundo dos meus olhos. As mãos se postaram juntas sobre os joelhos.
– Não somos tão poderosos ao ponto de prever o futuro, somos tão imprevisíveis quanto ele – respondeu Levi e se recostou na poltrona.
Pensei em como ele incluiu todos nós nessa afirmação e me percorreu um medo, de repente, e se ele já soubesse sobre mim? E se conseguisse enxergar minha magia, mesmo estando dormente desde que cheguei? Uma ventania entrou por uma das janelas abertas, ao olhar o horizonte, notei nuvens densas e escuras, uma tempestade se aproximava. O mago se levantou e pegou três livros e um pergaminho, colocou-os em minhas mãos. Dever de casa.
***
Sai da biblioteca a tempo de preparar o banho da princesa. A sorte que tive na ida, eu não tive na volta. Encontrei algumas princesas pelo saguão. Algumas pararam a me ver e eu parei também, principalmente ao notar que estavam diferentes sem vestidos de festa, mas com macacões de treinamento. Margot usava uma cor de vinho com enfeites prateados que acompanhavam suas curvas, seu cabelo estava amarrado em um rabo de cavalo longo e liso, as botas combinavam com a roupa.
– O que está olhando, criada? – ela, esnobe, me perguntou.
Bárbara, Marie e Débora riram. Encarei Margot de cima a baixo, mais uma vez e respondi:
– Nada de interessante!
A expressão de diversão em seu rosto desapareceu, suas companheiras seguiram em frente, mas Margot permaneceu e andou até mim e me circundou como um predador avaliando a presa. Não me intimidei.
– Quem você pensa que é para falar comigo assim? – ela questionou me encarando.
Simplesmente a futura rainha das Sombras que vai acabar com todo o seu reino. Vou me lembrar de começar com Invisibilia. Também sua família, seus amigos e você. Quando eu estava prestes a responder, ouvi uma voz familiar chamando Margot. O príncipe vinha em nossa direção. Fiz uma referência juntamente com Margot.
– Margot, acho que isto é seu – ele disse. E entregou a ela uma espada.
– Muito obrigada, alteza, nem percebi que havia esquecido.
É claro que não, pensei.
Margot colocou sua espada de volta na bainha, aproveitou para me dirigir um sorriso sarcástico e se foi. O príncipe acompanhou seu andar com o olhar inquieto e se voltou para mim.
– Está tudo bem?
– Não poderia estar melhor – respondi.
– Quer ajuda com esses livros? – ele perguntou.
– Claro.
Dividi o peso com ele e subimos as escadas. Reparei em seu uniforme azul-escuro e alguns rasgos, seu cabelo parecia escuro, pois estava molhado de suor formando um contraste maior com seus olhos. Acabei me distraindo e tropecei no fim da escadaria, deixei os livros caírem junto comigo. Fez-se um estrondo no chão e o pergaminho se abriu. Que vergonha, que vergonha! Minhas mãos ardiam espalmadas no chão, o príncipe se agachou e me ajudou.
Alisei o vestido e verifiquei o cabelo enquanto ele pegava o que estava caído. Tentei ajudá-lo.
– Suas aulas de história já começaram? – ele perguntou curioso.
– Sim, preciso alimentar meu cérebro – falei.
– Tanto assim? – continuamos andando pelo corredor conversando.
– Ainda sinto que não sei muito. E preciso agir como alguém mais inteligente agora que estou aqui. Bem, espero que todos não sejam tão inteligentes como Levi.
Lucas riu. Porém, o sorriso desapareceu ao observar o céu escuro, acompanhei o seu olhar. A brisa da escuridão batendo no meu rosto me lembrava da Cova. Paramos de caminhar ao chegar ao meu quarto.
– Agradeço muito, alteza – falei sinceramente.
Ele pareceu ficar vermelho.
– Não sei se deveria... Acabei matriculando você nas aulas de etiqueta, e elas começam amanhã.
Olhei-o boquiaberta. Permaneci parada a porta,ouvindo seus passos se arrastarem pelo corredor juntamente com um assobio divertido. Miserável.
***
Minha professora de etiqueta se chamava madame Ludi e me daria aulas em lugares diferentes do castelo, querendo certamente me fazer passar vergonha de diferentes maneiras como se já não fossem tortura suas aulas.
Andei cabisbaixa pelo corredor com dor de cabeça de tanto equilibrar e andar com livros na cabeça, eles servem muito melhor para ler. No caminho acabei me esbarrando com alguém e murmurei um "desculpe" baixo. Até que reparei no vestido preto e bordado elegantemente que vi se arrastar pelo chão. Ergui o olhar. A princesa do reino de Motus me olhou com olhar de interesse.
– Ah... Desculpe-me, eu estava distraída.
– Não me lembro de que reino você é... – ela disse simplesmente.
– Não, não sou princesa. Sou dama de honra da princesa Annie – respondi.
– Uma dama de honra que estuda e passeia por aí? – ela arqueou uma sobrancelha.
– Sim, a princesa não se importa – falei. Ela mais surpresa ainda.
– Sei que já deve me conhecer, mas sou Josie.
Ela estendeu o braço cheio de pulseiras artesanais. Apertei sua mão estendida.
– Meu nome é Selena.
– Já está aqui há muito tempo? – ela perguntou.
– Quase um mês – respondi – comecei como cozinheira, mas devido a competição a princesa pediu que eu a acompanhasse.
– Que gentileza a dela – Josie falou.
Não consegui captar se ela estava sendo sarcástica ou não.
– Agora não é a hora do treinamento de vocês? – perguntei. Josie não pareceu gostar de eu me referir a ela inclusa no grupo de princesas da competição.
– Prefiro não treinar – ela respondeu – pelo menos, não aqui – ela respondeu olhando ao redor.
– Onde está sua criada? Passeando por aí?
Ela deu um sorriso gentil.
– Eu a dispensei. Eu consigo preparar meus banhos, me arrumar e andar por aí sozinha. E sim ela deve estar curtindo a cidade uma hora dessas sob a desculpa de ter ido comprar joias para mim.
Estreitei os olhos, sem saber se acreditaria nela. Essa atitude, certamente, seria inaceitável para o rei, mas aos meus olhos era louvável.
– Você é tão poderosa que não precisa treinar?
– Não, criança, eu apenas não sou sociável – ela respondeu – Não deveríamos estar conversando paradas no corredor.
Concordei. Marcamos de tomar chá qualquer dia desses. Josie era diferente das outras princesas, desde a apresentação trazia consigo uma personalidade forte, algo que nenhum rei ou rainha poderia mudar e pela pequena conversa que tivemos também tinha ideais diferentes, mais modernos e mais humanos.
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